Lula da Silva foi, a todos os títulos, um Presidente excepcional. Os resultados conseguidos em que se deve realçar os 40 milhões de pessoas que saíram da pobreza (com a criação de postos de trabalho); os apoios sociais do estado, os milhões de jovens com acesso à educação. O desenvolvimento de uma poderosa economia, com a cereja no alto do bolo das extensas manchas de petróleo encontradas no off shore que representam uma riqueza incalculável; a luta sem treguas à corrupção e à bandidagem; a reputação do Brasil que é hoje considerado um país do futuro integrando os BRIC.
Julgo que ninguém duvida desse trabalho e desses resultados, mas também é verdade que muito foi feito pelo Presidente Henrique Cardoso, que foi um Presidente que lançou as bases de um Estado de Direito, que se manteve acima dos partidos e, que, partiu muita "pedra" no caminho seguro de um país mais justo e mais rico. Há cerca de um ano e meio que estive no Brasil e tive curiosidade de falar sobre este assunto com gente que encontrava, mas que não conhecia, nos hoteis e nos restaurantes nas sortidas nocturnas. Há um grande consenso quanto ao carinho que nutrem por Lula, mas muitas dessas pessoas não deixaram de me chamar a atenção para o trabalho de "sapa" de Fernando Henrique Cardoso.
Há também um grande orgulho pela reputação que Lula grangeou em todo o mundo, e por sua vez procuravam saber qual era a nossa opinião enquanto europeus. Disse-lhes que era também com grande orgulho que reconhecíamos um político de nível mundial, a falar a mesma língua.
No entanto, encontrei uma Iraniana, brasileira de segunda geração, com as maçãs do rosto salientes de mulher do Oriente e olhos verdes da miscigenação com alemães que nem queria ouvir falar de Lula. Pessoa que falava diversas línguas e que tinha uma Agência de Viagens, que se apressou a dizer-me que trabalhava como guia (segundo emprego) para manter a filha única num dos melhores colégios do Rio. Para ela, a classe "média-alta" a que ela pertencia, não deviam nada a Lula.
É, preciso algum distanciamento, mas os resultados, com um país mais rico, mais equitativo não enganam, Lula é mesmo um grande político e foi um grande Presidente. Não se obtêm os resultados que conseguiu por pura sorte ou porque se acredita na Senhora da Caravagio. Só com muito trabalho e muito saber se obtêm resultados!
Veja aqui este vídeo com um discurso memorável de Lula.
As eleições no Brasil tiveram uma importância internacional inusitada. As razões diferem consoante a perspectiva geopolítica que se adopte. Vistas da Europa, as eleições tiveram um significado especial para os partidos de esquerda. A Europa vive uma grave crise que ameaça liquidar o núcleo duro da sua identidade: o modelo social europeu e a social democracia. Apesar de estarmos perante realidades sociológicas distintas, o Brasil ergueu nos últimos oito anos a bandeira da social democracia e reduziu significativamente a pobreza. Fê-lo, reivindicando a especificidade do seu modelo, mas fundando-o na mesma ideia básica de combinar aumentos de produtividade económica com aumentos de protecção social. Para os partidos que na Europa lutam pela reforma, mas não pelo abandono, do modelo social, as eleições no Brasil vieram trazer um pouco mais de ar para respirar.
No continente americano, as eleições no Brasil tiveram uma relevância sem precedentes. Duas perspectivas opostas se confrontaram. Para o governo dos EUA, o Brasil de Lula foi um parceiro relutante, desconcertante e, em última análise, não fiável. Combinou uma política económica aceitável (ainda que criticável por não ter continuado o processo das privatizações) com uma política externa hostil. Para os EUA é hostil toda a política externa que não se alinhe integralmente com as decisões de Washington. Tudo começou logo no início do primeiro mandato de Lula, quando este decidiu fornecer meio milhão de barris de petróleo à Venezuela de Hugo Chávez que nesse momento enfrentava uma greve do sector petroleiro depois de ter sobrevivido a um golpe em que os EUA estiveram envolvidos. Este acto significou um tropeço enorme na política norte-americana de isolar o governo de Chávez. Os anos seguintes vieram confirmar a pulsão autonomista do Governo de Lula. O Brasil manifestou-se veementemente contra o bloqueio a Cuba, criou relações de confiança com governos eleitos mas considerados hostis, a Bolívia e o Equador, e defendeu-os dos golpes da direita tentados em 2008 e 2010 respectivamente. O Brasil promoveu formas de integração regional, tanto no plano económico, como no político e militar, à revelia dos EUA. E, ousadia das ousadias, procurou um relacionamento independente com o governo “terrorista” do Irão.
Na década passada, a guerra no Médio Oriente fez com que os EUA “abandonassem” a América Latina. Estão hoje de regresso, e as formas de intervenção são mais diversificadas que antes. Dão mais importância ao financiamento de organizações sociais, ambientais e religiosas cujas agendas as afastem dos governos hostis a derrotar, como acaba de ser documentado nos casos da Bolívia e do Equador. O objectivo é sempre o mesmo: promover governos totalmente alinhados. E as recompensas pelo alinhamento total são hoje maiores que antes. A obsessão de Serra com o narcotráfico na Bolívia (um actor secundaríssimo) era o sinal do desejo de alinhamento. A visita de Hillary Clinton e a confirmação, pouco antes das eleições, de um embaixador duro (“falcão”), Thomas Shannon, são sinais evidentes da estratégia norte-americana: um Brasil alinhado com Washington provocaria, qual efeito dominó, a queda dos outros governos não-alinhados do sub-continente. O projecto vai manter-se mas por agora ficou adiado.
A outra perspectiva sobre as eleições foi o reverso da anterior. Para os governos “desalinhados” do continente e para as classes e movimentos sociais que os levaram democraticamente ao poder, as eleições brasileiras foram um sinal de esperança: há espaço para uma política regional com algum grau de autonomia e para um novo tipo de nacionalismo, apostado em mais redistribuição da riqueza colectiva.
Com 80%% dos votos contados, Dilma é virtualmente a primeira mulher presidente do Brasil, contando a seu favor com 56% dos votos!
Confirma-se assim que Lula passa a pasta a uma sua seguidora, mulher que foi guerrilheira, e que promete que o Brasil continuará na senda do progresso o que já permitiu retirar da pobreza, nos últimos vinte anos, 40 milhões de Brasileiros.
Uma intervenção em Campinas em que o presidente da República brasileira põe em causa a acção dos opinion makers. Concorde-se ou não com o que diz, ou com a forma como o diz, as suas palavras podem ser um ponto de partida para uma discussão sobre o papel, geralmente deletério, desses formadores de opinião. Sabe-se que a realidade social, económica e até políitica, do Brasil difere substancialmente da nossa. Porém, há verdades válidas lá e cá. : “Dono de jornal tem lado. Dono de TV tem lado. Dono da revista tem lado” - claro que tem. Ouçamo-lo com atenção