José Hipólito dos Santos, um amigo de longa data, anda há anos a trabalhar sobre uma história da LUAR a organização de que Palma Inácio foi o elemento mais conhecido. O livro, "Felizmente houve a LUAR!" - Para a história da luta armada contra a ditadura, está pronto e será lançado na Feira do Livro em Lisboa e no Porto, deste ano. Em Lisboa o lançamento deverá acontecer no sábado, dia 14 de Maio, ao fim do dia. Para quem conheça o José Hipólito há a certeza de que será um trabalho cuidadoso, feito com grande rigor.
A obra aborda os acontecimentos ocorridos essencialmente até 1970, mas refere alguns complementos posteriores. O prefácio é da Professora Irene Flunser Pimentel, autora de uma excelente história da PIDE. Eis um sumário do conteúdo do estudo de José Hipólito dos Santos:
1. Introdução; Convidado para a LUAR; Para além do jornalismo
2. Antecedentes; Nada surge do nada; Os Movimentos da Sé e de Beja reflectem um espírito novo;
A luta armada – traço distintivo nas novas organizações.
3. Felizmente há Luar; Uma forte determinação de agir; Acção Revolucionária Democrática (ARD); “Operação preliminar” em fase de concretização; Fiat lux! E a LUAR apareceu! Padrinho com a fortuna do afilhado…
4. Impacto político da Operação Mondego; Ao encontro do que o povo oposicionista ansiava; E as organizações e grupos políticos?
5. Tentando romper com erros; Falta de preparação política; Progressivo envolvimento na LUAR; Uma nova fase da LUAR (1968); Uma direcção que não dirigia nada; Improvisação como cultura de funcionamento … Os personagens
6. Reorganizações ao sabor dos acontecimentos (1968/70); Balanço pós “Operação Matias”; De uma estrutura “familiar” para outras forçadas e indefinidas; Uma base nos Pirenéus: “Caparica “; Armas como prioridade
7. Quadro de definição politica e organizativa; Finalmente uma Linha Política; Preparativos para se implantar em Portugal; Estratégia e táctica; Recrutamento e formação de quadros; Uma ideologia anti-sectária; Projecto de Reorganização.
8. Casa arrumada?... Desfazer duvidas sobre o Marcelismo; No regresso do “chefe”, uma casa pobre mas limpinha... Palma Inácio precisava de ver grande... Concluindo .
9. Acções Realizadas; Operação Mondego, a “operação preliminar” (Banco da F Foz em Maio de 1967);A habitual falta de meios; Preparação da “operação preliminar”;Hora da acção; Perseguição policial; Operação Diana – Évora (Assalto ao quartel-general /Set. 67); Operação Matias - Covilhã (Agosto 68); Plano de Operações; Preparação em França e Bélgica; Travessia da Espanha e entrada em Portugal; Dispersão e fuga ;Operação Primavera (pilares de alta tensãoem Porto Altoe explosão no Consulado Americano do Porto);Fuga do Palma Inácio; Fragatas da Marinha de Guerra (Out. 69 – Hamburgo);Projectos Diversos;
10. Dinheiro; Financiamento das organizações; Proteger o tesouro; Estrutura de controlo; Contas da LUAR;
11. Bufaria, infiltrações, traições; “Bufaria” externa; “Bufaria” interna; Traições; Situações necessitando de alguma prudência; Balanço final do capítulo; A incompetência profissional de polícias/Pides; Amadorismo revolucionário; Irresponsabilidade para além do amadorismo; Considerações finais
12. Episódios da luta clandestina; Objectivo: Covilhã; Viagem a Praga com soviéticos na rua
José Hipólito dos Santos, autor de Felizmente houve a LUAR! - Para a história da luta armada contra a ditadura, nasceu no Porto, em 1932. Sócio-economista, ex-dirigente cooperativista, antigo colaborador da Seara Nova e dos Cadernos de Circunstância. Membro do MUD- Juvenil, participante na Revolta da Sé e no Golpe de Beja, ex-preso político e antigo exilado em Argel, ex-dirigente do MAR, LUAR e PRP. Membro do Comité de Acção da EPHE (Sorbonne) em Maio 68. Quadro superior da CUF, presidente do Ateneu Cooperativo e da Associação dos Inquilinos Lisbonenses. Professor universitário em Paris - XIII, no ISE e no ISPA. Perito das N. U., fundador da SEIES, membro da Alliance Pour Un Monde Responsable, Pluriel et Solidaire e DRD-Démocratiser Radicalement la Démocratie. Participante na Assembleia Mundial de Cidadãos (2001).
Este valioso contributo para a história da luta armada contra a ditadura é-nos proporcionado por alguém que, como o autor, alia a cultura histórico-política ao profundo conhecimento prático do tema abordado - José Hipólito dos Santos escreve sobre a resistência armada e praticou-a.
Sabe bem do que está a falar.
A Revolução de 25 de Abril veio provar que tinham razão aqueles que defendiam que a ditadura só cairia pela força das armas. Porém, derrubada a ditadura pelo MFA, durante alguns meses, sobretudo até ao 11 de Março de 1975, o espectro de um contragolpe de direita foi uma permanente ameaça e uma preocupação constante para os antifascistas.
Quando em 28 de Setembro de 1974, sob a inspiração do marechal Spínola, um dos membros da Junta de Salvação Nacional, o general Galvão de Melo, apelou a uma manifestação da «maioria silenciosa» - referindo-se a uma suposta maioria dos cidadãos portugueses silenciada pelo terror imposto pelas esquerdas – temeu-se que as direitas, quer as estruturas civis quer as militares, tentassem a via golpista para restaurar a ditadura.
Fizeram-se barricadas, o povo veio para as ruas armado com podia – e a montanha pariu um rato - afinal a direita não se atreveu a deitar a cabeça de fora. Só no ano seguinte, em 11 de Março, fez uma tentativa canhestra, rápida e consistentemente controlada pelo MFA, logo apoiado por manifestações populares que não deixaram dúvidas quanto ao que a maioria do povo português sentia. Aliás, como sempre acontece nestas coisas, a ameaça golpista de Spínola, deu lugar a um forte avanço das forças populares.
A direita, durante alguns tempos, manteve activas as suas estruturas armadas clandestinas, nomeadamente o MDLP e o ELP (o assassínio do padre Max e da estudante Maria de Lurdes, em 2 de Abril de 1976) terá sido uma das suas últimas acções violentas. Começava a aprender uma coisa – pela força não regressaria ao poder. Tinha de dançar a nova dança, aprender as regras do novo jogo, isto é, entrar nos partidos do poder e tomar o sistema democrático por dentro. O que, diga-se, fez com todo o êxito. Hoje, a Democracia é o habitat preferido pelas forças conservadoras.
E a esquerda revolucionária? Aqueles que tinham lutado de armas na mão contra o regime de Salazar e Caetano? Será que, em regime democrático, se justificava manter estes dispositivos armados em situação de prontidão? A ARA foi extinta logo em 1974. A LUAR, a primeira das organizações que levaram a cabo acções armadas foi extinta em 1978. Implantado o regime democrático, já não fazia sentido um movimento como o de Palma Inácio. E as Brigadas Revolucionárias? No final deste artigo, insere-se um vídeo com declarações de Isabel do Carmo e de Carlos Antunes sobre a formação das BR.
Numa sessão realizada em Constância em 5 de Março deste ano, Carlos Antunes, o principal operacional das Brigadas Revolucionárias e um dos fundadores do Partido Revolucionário do Proletariado, contou como teve, após o 25 de Abril, dificuldade em desactivar aquela estrutura. Numa reunião em Riachos, Torres Novas, contou como, sabendo da intenção de a maioria dos elementos das Brigadas de continuarem a luta armada, numa jogada de antecipação, deu uma longa entrevista ao Expresso, que foi publicada em 11 de Maio, no dia em que se efectuava a reunião.
Nessa entrevista ao semanário, Carlos Antunes anunciava o fim das operações de sabotagem, pois em democracia não fazia sentido utilizar o mesmo tipo de acções violentas que se justificavam durante a ditadura. Apanhados de surpresa, os operacionais acabaram, após renhida discussão, por aceitar a decisão do seu comandante e acataram a ordem para entregar as armas e se integrarem na estrutura partidária legal. Como tributo à história das Brigadas, durante algum tempo o partido usou a sigla de PRP-BR.
Revelou também como uma acção prevista para o Santuário de Fátima (antes de 25 de Abril) acabou por ser posta de parte, pois era impossível levá-la a cabo sem que houvesse mortes – e um dos princípios das BR era não provocar vítimas: todos os actos de sabotagem que empreenderam, causaram elevados prejuízos mas não provocaram mortes (a não ser as de dois militantes das brigadas que ao colocarem um engenho explosivo em instalações militares em Lisboa, o fizeram inadvertidamente rebentar).
As Brigadas eram compostas sobretudo por marxistas e por católicos progressistas, incluindo sacerdotes e freiras. Carlos Antunes revela que se chegou a pensar em constituir uma Brigada totalmente feminina, integrando freiras dos conventos onde os brigadistas encontravam muitas vezes refúgio. Diz o dirigente do PRP: »Algumas concordavam com o que fazíamos e como éramos contra matar pessoas…»
Esta preocupação de não causar vítimas entre a população foi comum às três organizações. Note-se que o assalto ao Banco de Portugal, levado a cabo por Palma Inácio, foi feito com réplicas de armas (havia, salvo erro, apenas uma pistola autêntica). A ARA manifestou sempre o mesmo cuidado, embora em 1970 se tenha verificado, quando do ataque à escola técnica da PIDE, em Lisboa, a morte acidental de um transeunte. Na história das Brigadas há também a lamentar duas mortes. Dois militantes que ao colocarem um engenho explosivo em instalações militares em Lisboa, este foi accionado por erro ou por acidente. Preocupação que as organizações armadas de direita nunca tiveram.
Passados todos estes anos, é altura de fazer um balanço ao que foi e ao que representou a resistência armada contra a ditadura. Num debate que vamos iniciar com elementos operacionais das três organizações que, nos últimos anos do regime ditatorial, desencadearam esse tipo de luta – a LUAR, a ARA e as BR – vamos tentar, no seguimento desta simples sumarização das tentativas de golpe militar e dos actos violentos praticados ao longo dos 48 anos de ditadura, clarificar um pouco mais esse aspecto menos estudado da nossa história recente.
(Continua)
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