Terça-feira, 3 de Maio de 2011
Carlos Loures
Há vinte anos, em 1990, estava envolvido num projecto editorial, cuja direcção científica era conduzida pelo Professor Luís de Albuquerque, professor catedrático da Universidade de Coimbra, doutor honoris causa pela de Lisboa, figura cimeira na investigação histórica do período dos Descobrimentos, enfim, um grande intelectual, um cidadão exemplar e um homem bom. Foram três anos de convívio intenso, com reuniões todas as quartas-feiras pela manhã, Combinávamos o início do trabalho para as sete da manhã, pois o professor tinha reunião, salvo erro no Palácio Vale Flor, às 9:30 e às 9:15 em ponto vinha um motorista para o transportar. Chegávamos ambos mais cedo, seis e meia, sete menos um quarto. De noite ainda, nos meses de Inverno. Se eu chegava, por exemplo, às sete menos vinte e ele já estava na entrada à minha espera, era recebido com um chocarreiro: -«Então isto é que são horas?»

Nesse ano de 1990, publiquei um livro de poemas «O Cárcere e o Prado Luminoso» e, naturalmente, ofereci-lhe um exemplar dedicado. Era com um longo Poema ecologista (podendo também servir de prefácio) que abria a colectânea. Ironicamente 8tentando adoptar o ponto de vista do capitalismo), punha em causa a existência do poeta como elemento útil e acabava propondo que fosse reconvertido e transformado em copyrighter. . Pois Luís de Albuquerque escreveu uma réplica a este poema que hoje vos apresento. Guardo ciosamente o original escrito pelo punho do Professor e hoje compartilho convosco a leitura desse texto. Luís de Albuquerque, em plena actividade, presidindo à Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos, foi ceifado por um acidente cardiovascular e faleceu em Janeiro de 1992. Aqui vos deixo a parte inicial do meu poema e, em baixo, o valioso «contraditório» de Luís de Albuquerque., do qual tenho muita saudade.
Poema ecologista
Vítima de uma certa e cruel
forma de poluição,
de um desgaste acelerado
dos meios naturais,
tal como o bisonte, o castor,
o lince, a cabra selvagem,
o poeta é hoje
um bicho ameaçado de extinção.
A destruição indiscriminada
de elementos essenciais
ao equilíbrio da vida,
a água contaminada, a voragem
que destrói a floresta,
a natureza consumida,
põem em perigo
a existência de muitos animais.
O poeta não se extingue porém
com a dramática violência
da baleia: a fúria utilitária
que se apossou das sociedades,
a súbita transformação
dos cafés em bancos comerciais,
roubaram-lhe o habitat
e ameaçam-lhe a sobrevivência.
Não flutua morto como o peixe
na albufeira da barragem,
entre o pneu velho, o preservativo,
a embalagem perdida,
as garrafas de plástico,
os detritos industriais:
não obedecendo já ao mote,
busca o spot, a «mensagem»
que ajude o pesticida
a matar o peixe e a vender mais
a margarina,
a «promover» o cancerígeno sumo:
aparece uma manhã a boiar
na secretária da agência,
morto heroicamente
ao serviço do consumo.
E a resposta de Luís de Albuquerque.
Não meu Amigo
O poeta não está em vias de extinção.
O lince, o castor, a foca, o homem
não vão resistir
ao fumo fétido das celuloses
suecas,
aos rios contaminados dos detritos das celuloses
suecas,
aos verdes plásticos
que alastram por prados artificiais,
ao crude.
que faz todo o mar negro, negro.
Mas salvam-se as cabras de Cabo Verde
que se riem dos plásticos
e comem-nos.
E com elas salvam-se os poetas
que sabem viver a angústia
de não haver mais amigos nos cafés, nos jardins, na noite,
e são capazes de fazer poemas de tudo,
mesmo dos plásticos.
E a poesia, meu amigo,
não é nada um péssimo produto;
é o único produto
que anda por aí
e não se adultera.
Para a poesia não é necessária a inspecção,
nem a defesa do consumidor.
Cada um consome a poesia que quer
e se ninguém a quer
a poesia morre e não deixa despojos deletérios.
Por isso,
Os poetas não são bichos em extinção
enquanto a poesia circular,
mesmo que seja em meios pútridos,
enquanto houver alguém que a sorva
como sorve o ar ignorado
de cada manhã irrepetível.
Luís de Albuquerque
1990.04.05
Terça-feira, 30 de Novembro de 2010
Carlos LouresO Luís Moreira publicou aqui um artigo em que procura provar que Cristóvão Colombo era português. Não cita as fontes onde colheu as informações e faz mal, pois assim compromete-se pessoalmente com uma tese que não faz qualquer sentido defender. “Lá vem Cristóvão Colombo, que tem muito que contar” - foi este título que o Professor Luís de Albuquerque (1917-1992), no seu livro “Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses” (Lisboa, 1990), deu ao capítulo onde abordava a questão da nacionalidade de Cristóvão Colombo. Em 1987, Mascarenhas Barreto lançara “O Português Cristóvão Colombo, agente secreto de D. João II”.

Antes de me adentrar na polémica que a afirmação de Mascarenhas Barreto provocou, devo lembrar que a nacionalidade do descobridor tem sido disputada por diversas nações. Por Itália, desde logo, embora o estado italiano não existisse à época, que lhe chama Cristoforo Colombo, por Espanha que lhe atribui o nome de Cristóbal Colón, pelos portugueses, que o designam por Cristóvão Colombo, pelos catalães que afirmam ser Cristòfor Colom o nome do almirante dos reis católicos. Esta última candidatura, digamos, surgiu em 1988, pela voz de um conhecido livreiro de Barcelona – Josep Porter e que em entrevista de 28 de Junho desse ano dada ao La Vanguardia, afirmava “Cristòfor Colom foi catalão e nasceu em Barcelona». E apresentava documentos e argumentação, contando toda a história de Colombo, desde que nasceu em 1376 na cidade condal. Um dia destes, falarei desses argumentos. Convincentes, pelo menos para quem queira ser convencido.
É uma especulação (há quem lhe chame fraude científica) que ciclicamente é posta em circulação. A última avançada desta fantasia apareceu nas vésperas do centenário colombino e foi a de Mascarenhas Barreto. Luís de Albuquerque saiu à liça e desfez os ténues argumentos, se assim se pode chamar às especulações esotéricas, cabalísticas, moedas que na ciência histórica nada valem. A lenda da naturalidade portuguesa de Colombo tem precedentes.
Em 1927, Patrocínio Ribeiro editou em Lisboa (edição bilingue, português -inglês) –
A Nacionalidade Portuguesa de Cristóvão Colombo. Solução do Debatidíssimo Problema da sua Naturalidade pela Decifração Definitiva da Cifra Hieroglífica; em 1928, nova arremetida –
D. Cristóbal Colón ou Syman Palha, na História e na Cabala, obra de Pestana Júnior; em 1930 foi a vez do major Santos Ferreira, com
Salvador Gonsalves Zarco (Cristóbal Cólon). Os Livros de D. Tivisco; Alexandre Gaspar da Naia publicou em 1950 e 1951 dois livros –
Cristóbal Colón. Instrumento da Política Portuguesa da Expansão Ultramarina Portuguesa e
D. João II e Cristóbal Colón.
Factores Complementares na Consecução de Usar o Mesmo Objectivo. Há ainda um opúsculo de Manuel Luciano da Silva –
O português Cristóbal Colón. Como se vê, Mascarenhas Barreto, trinta e tal anos depois da última tentativa, avançou com a sua.
Ofereceu o livro ao Professor Luís de Albuquerque onde exaltava a sua honestidade e erudição, manifestando a sua profunda admiração. Porém, quando o Professor desmontou peça por peça o seu tosco artefacto de ilusionismo circense, passou a ser qualificado como «escumalha», «comunista», «marxista-leninista», «internacionalista». Alguns jornais exultaram, pondo em pé de igualdade mistificador e cientista, ofensor e insultado. Jornalistas pouco escrupulosos (há alguns) aproveitaram a polémica para compor artigos sensacionalistas, apelando ao nacionalismo, como se para ser patriotas tivéssemos que acreditar em fantasias.
Não vou aqui esmiuçar a questão – remeto-vos para o livro citado de Luís de Albuquerque.. Porque a questão resume-se a isto – não há questão - existem provas documentais insofismáveis de que Colombo nasceu em Génova e perante essas provas o que são «explicações» esotéricas ou que vem fazer a história dos Templários (que tem sido pau para toda a obra)? Que José Rodrigues dos Santos defenda a mesma tese no romance “
Codex 632” (Lisboa, 2005), compreende-se – é um romancista. Que um historiador queira falsificar a história, é coisa que não se aceita.
E depois porquê tanta discussão por causa de um navegador que, mesmo com estrolabio, estava num continente que os mapas da época não registavam, supondo estar nas Índias e que morreu sem saber que estava enganado? Temos o Vasco da Gama que quis ir à Índia e foi; o Pedro Álvares Cabral que queria achar um Novo Mundo e achou! Para que queremos nós o Colombo? Nasceu em Génova - é genovês.
O amor à pátria é uma virtude, o chauvinismo é peçonha. Queremos o que é nosso – Olivença, por exemplo – Itália tem direito a Cristoforo Colombo – apesar de estar mais ligado à nossa história (e sobretudo à de Castela) do que à de Génova. O mesmo aconteceu com Fernando Bulhões - nasceu em Lisboa, mas foi em Pádua que foi Santo António – é português. Colombo é genovês. E isto parecendo um conselho ao nosso Luís Moreira para não defender teses fantasiosas e desacreditadas, tem sobretudo a ver com uma troca de impressões que vou ter com o nosso Professor Sílvio Castro a propósito da Literatura Brasileira. Mas isso fica para amanhã.
Terça-feira, 9 de Novembro de 2010
Carlos Loures
.Até sair de Lisboa (no final de Dezembro de 1961), frequentei sempre a tertúlia do Restauração. Se o Manuel de Castro estava em dia não, tinha de aturar as suas ironias pelo meu fato, camisa branca e gravata. Estava desde o ano anterior empregado na RTP e era impensável aparecer na empresa sem gravata e sem roupa formal. Um dia em que o Manuel abusou e eu ia responder de forma irritada. O Margarido fez-me um gesto para deter a resposta e deu ao Manuel uma lição em termos duros. O Edmundo e a Manuela assentiam , a minha fúria esbateu-se. Encabulado, o Manuel ria-se e pedia «não batas mais no ceguinho». Nunca mais embirrou com a minha gravata. O Alfredo não era o mais velho do grupo, o Edmundo e o Cândido, tinham mais idade. Pertencia-lhe, no entanto, um estatuto de autoridade que ninguém contestava. Quando em 1961 organizei o terceiro e último número da revista Pirâmide, o grupo do Restauração constituiu a parte mais importante da colaboração. Alfredo Margarido colaborou com um texto sobre a obra poética de Edmundo de Bettencourt. O qual também colaborou com alguns poemas inéditos.
Como disse, saí de Lisboa e passado tempo, salvo erro em 1964, o Alfredo foi para Paris. Fomos sabendo um do outro, trocámos alguma correspondência, mas só 1984, vinte anos depois, voltámos a encontrar-nos. Um fim de tarde, o Alfredo Margarido e o Fernando Pereira Marques visitaram-me no escritório da Rodrigo da Fonseca. Jantámos, creio que no Frascatti. Depois fui pô-los às respectivas casas. À porta do Margarido ficámos umas boas duas horas conversando, pondo as notícias em dia. Ele voltou para Paris onde era professor num instituto ligado à Sorbonne.
Quando em 1985 publiquei “Talvez um Grito”, enviei-lhe um exemplar. Passado pouco tempo estava a escrever-me uma carta (datada de 3 de Julho): «Meu caro, só agora recebi o teu livro, assim como as revistas» (...): «o Fernando Pereira Marques deve andar enrolado na política partidária, e não se pode ser eficaz em todo os planos». Creio que se queixava do atraso do Fernando na correspondência entre eles. O Fernando ainda não estava no Parlamento. Viria a ser deputado pelo PS nas 6ª, 7ª e 8ª legislaturas, entre 1991 e 2002, mas andava já muito envolvido, como é natural nas lutas políiiticas.
Apontava-me depois alguns erros de estrutura, dizendo que, utilizando a técnica contrapontística que Huxley introduzira no romance europeu: «como sempre, manifestas o teu evidentíssimo talento literário, mas (revelas) uma escrita que não está madura e que hesita entre três direcções possíveis – o romance histórico ou iniciático, como queria o velho Lukács; e um elemento mais incerto, que seria a de uma psicologia, senão do povo português, pelo menos do grupo restrito da pequena-burguesia que te serve de quadro e de referente existencial».
Dizia mais adiante «Diverti-me um pouco com as tuas páginas “restauracionistas”… E mostrava-se agastado pelo facto de eu ter situado no café Restauração uma tertúlia de falsos intelectuais. A personagem central, um tímido estudante de Letras, sentia-se intimidado por aquelas luminárias – isto para dar ênfase à perspicácia da personagem feminina que rapidamente, desmontou aquela aparente erudição. O Margarido supôs que estava a retratar a tertúlia verdadeira. Como se eu pudesse pensar tal coisa dele, do Bettencourt, do Manuel de Castro (de quem sempre fui tão amigo, apesar de quezílias que uma vez nos levou a uma cena de pugilato), do Cândido Costa Pinto, da Maria Manuela! Deu-me trabalho a convencê-lo e não sei se o terei conseguido completamente.
A revista de que fala é a “Questões e Alternativas” de que se publicaram quatro números e prometia colaboração embora se queixasse da falta de tempo: «ainda não cheguei ao momento de repetir que time is money, mas penso que isso se deve ao facto de não ser protestante!» E terminava prometendo «bater-me ao ferrolho» quando viesse a Lisboa. O que fez. Numa tarde em que o Fernando Pereira Marques, com vista à realização do meu livro “A Mão Incendiada” esteve, gravando o seu testemunho, a descrever-me a operação de tomada da Covilhã pela LUAR, enchendo duas cassetes, o Margarido apareceu no meu escritório e fomos os três jantar, como acontecera anos antes. Desde aí nunca mais nos perdemos de vista.
Tive o prazer de, numa colecção por mim editada e dirigida pelo Professor Luís de Albuquerque, ter incluído um livro que escreveu de parceria com a Professora Isabel de Castro Henriques: “Plantas e Conhecimento do Mundo nos Séculos XV e XVI”, uma obra fascinante a que, quanto a mim, não foi dado o merecido relevo. Nesse jantar, Margarido falou desse trabalho (que na altura era ainda um projecto), afirmando que a «revolução biológica» operada pelos Portugueses ao levarem plantas de uns continentes para os outros e pondo-as a competir com as espécies indígenas, foi mais importante do que a Revolução Industrial. Mais – sem a «revolução biológica» a industrial não teria existido.
Num futuro artigo, que publicarei quando aqui se dedicar uma edição à obra de Alfredo Margarido, falarei de algumas das suas obras. Nestes dois textos apenas quis referir aspectos da personalidade de um homem que, avesso às luzes da ribalta, com um feitio difícil (particularmente por não fazer concessões), não teve o reconhecimento que merecia, como escritor e como professor.
Um amigo excepcional que muito lamento ter perdido.
Sábado, 28 de Agosto de 2010
Carlos LouresHá vinte anos, em 1990, estava envolvido num projecto editorial, cuja direcção científica era conduzida pelo Professor Luís de Albuquerque, professor catedrático da Universidade de Coimbra,
doutor honoris causa pela de Lisboa, figura cimeira na investigação histórica do período dos Descobrimentos, enfim, um grande intelectual, um cidadão exemplar e um homem bom. Foram três anos de convívio intenso, com reuniões todas as quartas-feiras pela manhã, Combinávamos o início do trabalho para as sete da manhã, pois o professor tinha reunião, salvo erro no Palácio Vale Flor, às 9:30 e às 9:15 em ponto vinha um motorista para o transportar. Chegávamos ambos mais cedo, seis e meia, sete menos um quarto. De noite ainda, nos meses de Inverno. Se eu chegava, por exemplo, às sete menos vinte e ele já estava na entrada à minha espera, era recebido com um chocarreiro: -«Então isto é que são horas?»

Nesse ano de 1990, publiquei um livro de poemas «O Cárcere e o Prado Luminoso» e, naturalmente, ofereci-lhe um exemplar dedicado. Era com um longo Poema ecologista (podendo também servir de prefácio) que abria a colectânea. Ironicamente 8tentando adoptar o ponto de vista do capitalismo), punha em causa a existência do poeta como elemento útil e acabava propondo que fosse reconvertido e transformado em copyrighter. . Pois Luís de Albuquerque escreveu uma réplica a este poema que hoje vos apresento. Guardo ciosamente o original escrito pelo punho do Professor e hoje compartilho convosco a leitura desse texto. Luís de Albuquerque, em plena actividade, presidindo à Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos, foi ceifado por um acidente cardiovascular e faleceu em Janeiro de 1992. Aqui vos deixo a parte inicial do meu poema e, em baixo, o valioso «contraditório» de Luís de Albuquerque., do qual tenho muita saudade.
Poema ecologistaVítima de uma certa e cruel
forma de poluição,
de um desgaste acelerado
dos meios naturais,
tal como o bisonte, o castor,
o lince, a cabra selvagem,
o poeta é hoje
um bicho ameaçado de extinção.
A destruição indiscriminada
de elementos essenciais
ao equilíbrio da vida,
a água contaminada, a voragem
que destrói a floresta,
a natureza consumida,
põem em perigo
a existência de muitos animais.
O poeta não se extingue porém
com a dramática violência
da baleia: a fúria utilitária
que se apossou das sociedades,
a súbita transformação
dos cafés em bancos comerciais,
roubaram-lhe o habitat
e ameaçam-lhe a sobrevivência.
Não flutua morto como o peixe
na albufeira da barragem,
entre o pneu velho, o preservativo,
a embalagem perdida,
as garrafas de plástico,
os detritos industriais:
não obedecendo já ao mote,
busca o spot, a «mensagem»
que ajude o pesticida
a matar o peixe e a vender mais
a margarina,
a «promover» o cancerígeno sumo:
aparece uma manhã a boiar
na secretária da agência,
morto heroicamente
ao serviço do consumo.
E a resposta de Luís de Albuquerque.Não meu Amigo
O poeta não está em vias de extinção.
O lince, o castor, a foca, o homem
não vão resistir
ao fumo fétido das celuloses
suecas,
aos rios contaminados dos detritos das celuloses
suecas,
aos verdes plásticos
que alastram por prados artificiais,
ao crude.
que faz todo o mar negro, negro.
Mas salvam-se as cabras de Cabo Verde
que se riem dos plásticos
e comem-nos.
E com elas salvam-se os poetas
que sabem viver a angústia
de não haver mais amigos nos cafés, nos jardins, na noite,
e são capazes de fazer poemas de tudo,
mesmo dos plásticos.
E a poesia, meu amigo,
não é nada um péssimo produto;
é o único produto
que anda por aí
e não se adultera.
Para a poesia não é necessária a inspecção,
nem a defesa do consumidor.
Cada um consome a poesia que quer
e se ninguém a quer
a poesia morre e não deixa despojos deletérios.
Por isso,
Os poetas não são bichos em extinção
enquanto a poesia circular,
mesmo que seja em meios pútridos,
enquanto houver alguém que a sorva
como sorve o ar ignorado
de cada manhã irrepetível.
Luís de Albuquerque
1990.04.05
Domingo, 9 de Maio de 2010

Estrolabio é a forma arcaica, em português e em castelhano, de astrolábio. Aparece assim grafada em numerosos textos do século XVI. Na obra de Hieronymus Münzer, editada em 1508 logo no extenso título aparece a palavra: Regimento do estrolabio e do quadrante pera saber ha declinaçom e ho logar do soll em cada huñm dia e asy pera saber ha estrella do norte; (13r): Tractado da Spera do mundo tyrada de latim em liguoagem com ha carta que huu~gramde doutor aleman mandou ao rey de purtugall dom Joham el segu~do.
Na famosa carta de João Faras a D. João II, a grafia é também a mesma: Fecha en uera crus a primero de maio de 500. pera la mar mejor es regyrse por el altura del sol que non por ninguna estrella e mejor con estrolabio que non ...
Podíamos referir muitos exemplos, mas apenas vamos recorrer a mais um, ao que nos levou a dar este nome ao nosso blogue: diz Gil Vicente, na Copilaçam, fl. 258 vs. ed. De 1562.: O ano de mil & quinhentos & dezanove veo a esta corte de Portugal hum Felipe Guilhem, Castelhano, que se disse que fora boticayro nel Porto de Sancta Maria; o qual era grande lógico & muyto eloquente de muyto boa prática, que antre muytos sabedores o folgavam d'ouvir: tinha algua cousa de mathemático; disse a el-Rey que lhe queria dar a arte de Leste a Oeste, que tinha achada. Pera dar mostra desta arte fez muytos estromentos, entre os quaes foi hum estrolabio de tomar o sol a toda a hora: praticou a arte perante Francisco de Melo, que entam era o milhor mathemático que havia no reyno, & outros muytos que pera isso se ajuntaram per mandado de Sua A.."
Esta frase vem integrada no prólogo de umas trovas que o pai do teatro português fez a um Castelhano. Não transcrevo todo o prólogo porque a segunda parte é negativa para o Castelhano, visto que acabou por ser preso em Aldeia Galega como charlatão. E as trovas de Gil Vicente são uma sátira contra o tal castelhano. Mas, então, o que é um estrolabio ou um astrolábio?
Trata-se de um instrumento naval antigo, usado para medir a altura dos astros acima do horizonte. A sua invenção é geralmente atribuída a Hiparco de Niceia, astrónomo grego do século II a.C., cujos trabalhos são conhecidos graças a Ptolomeu. Mas talvez seja mais correcto imputar a sua criação às teorias matemáticas desenvolvidas por Euclides, Ptolomeu, Hiparco e Hipátia de Alexandria. A sua utilização por navegadores europeus e árabes durante a Idade Média, permitiu aperfeiçoá-lo. Foi por muito tempo utilizado como instrumento para a navegação maritima com base na determinação da posição das estrelas no céu, nomeadamente permitindo medir a altura do Sol.
Na sua obra Curso de História Náutuca, Luís de Albuquerque, referindo-se aos primórdios da navegação astronómica, diz que «a náutica renovada com fundamento na astronomia exigiu a medição de alturas, em geral meridianas, do Sol e de outras estrelas. Os primeiros instrumentos usados para medir essa coordenada dos astros foram os que já tinham longo curso na Idade Média: quadrante e astrolábio plano».
No seu Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, o mesmo autor diz-nos que «…o astrolábio foi um instrumento de uso muito corrente em astronomia e astrologia durante toda a Idade Média. Composto essencialmente de um disco de latão graduado na periferia, de um anel de suspensão e de uma mediclina com as suas pínulas suspensas no centro, podiam com ele medir-se alturas dos astros, mas para outras operações astrológicas ou de agrimensura, o disco tinha traçadas no rosto e no dorso uma série de linhas além do zodíaco e da fixação de algumas estrelas, que possibilitavam essas operações». Portanto, o astrolábio náutico media a altura dos astros para ajudar na localização em alto mar. O astrolábio moderno de metal foi aperfeiçoado por Abraão Zacuto, um cientista hebraico, que viveu em Portugal.