(Conclusão)
Em dezasseis pequenos textos percorri o universo do livro de uma forma pouco ortodoxa, em ziguezagues, dando saltos… Se tivesse de dizer tudo num único texto, sair-me-ia qualquer coisa assim:
O sector do livro vive aquilo a que se pode chamar uma crise permanente. Os editores, sobretudo os pequenos e os médios, encontram sempre inimigos exteriores (não disse que os inventam…) a iliteracia, a falta de poder de compra, a inexistência de hábitos de leitura… A todos estes constrangimentos herdados do passado, junta-se uma nova ameaça - o livro electrónico. Mas antes de analisarmos essa ameaça, detenhamo-nos na observação da estrutura tradicional do negócio.
Na minha opinião parte substancial dos males da edição, está no seu interior, na falta de especialização das editoras médias e pequenas, na tentação generalista, na ausência de concentração em linhas editoriais específicas e da busca de nichos de mercado. Muitos pequenos editores persistem em abarcar todo o leque do conhecimento. Divertem-se, mas arruínam-se.. . Já lá iremos. Para além do aparecimento dos novos suportes de escrita, há uma nova realidade (sócio-económica, tecnológica…) que afectará toda a comunidade editorial – do escritor ao leitor. Comecemos pelo autor.
Pouco há a dizer, pois não é função destes textos (mesmo que eu disso fosse capaz) ensinar os autores a escrever – digo só que devem ter consciência de que escrevem para um público e que devem tentar agradar ao «seu» público. O autor desconhecido ou pouco conhecido que fica passivamente à espera de ser descoberto, escrevendo aquilo de que gosta, sem se preocupar com os eventuais leitores, corre o risco de morrer sem nada ter publicado. Peter Mayer, um dos gurus a cuja ajuda recorri, prevê que no futuro a auto edição irá crescer. Cada vez haverá mais autores que terão de recorrer a esse meio para poder publicar os seus livros. Entre nós, começa a ser comum tal meio.
O tradutor é um co-autor e nem sempre o seu papel é devidamente salientado. Para enfatizar a importância da tradução referi o erro de que fala Roger Martin du Gard, em O Drama de Jean Barois: a virgindade de Maria teve origem no erro de um tradutor, um monge, que ao traduzir o Novo Testamento do grego para o latim, confundiu a palavra jovem com virgem. O que deu lugar ao culto mariano… A tradução é um trabalho mal pago o que, quanto a mim, não desculpa que se façam as traduções que por aí aparecem. Os editores deviam ser mais exigentes e, claro, pagar melhor.
Outro aspecto da edição é o do marketing. Uma das vantagens dos grandes grupos editoriais é o da parte que na estrutura do preço final consagram à publicidade. E, antes disso, o investimento que fazem em estudos de mercado. O pequeno editor confia no instinto – acha que um dado livro vai ser um êxito, mas, em marketing, não se acha, testa-se!», é um axioma do Professor Jorge Manuel Martins. Porém, Peter Mayer (o homem que dirigiu a Penguin) veio surpreendentemente reabilitar o papel do feeling do editor. Dicotomia de que extraí uma síntese – o instinto do editor, o mesmo que no médico se designa por vocação, tem de ser apoiado por meios científicos de avaliação e por uma especialização do editor – do mesmo modo que a existência de médicos com vocação, mas sem preparação académica, faria disparar os números da necrologia, editores «com jeito, mas sem mestre» enchem armazéns de livros que não deviam ter sido editados ou que foram mal comercializados.
As plataformas logísticas de distribuição e os canais de venda serão também afectados pela nova lógica que se vai instalando no mundo da edição. As livrarias, que são muitas vezes os principais centros de cultura, sobretudo em pequenos centros urbanos, ver-se-ão substituídas pela venda através da net. Todo o sistema da indústria livreira, de montante a jusante, do autor ao leitor, terá de se ajustar à nova realidade da produção, do mercado e do consumo.
Mas, neste período de transição, onde se situa a principal culpa das disfunções do sector? A principal falha reside na pouca importância que os governantes atribuem ao livro. Para falar só nos últimos cinquenta anos, nem o Estado Novo, nem os governos democráticos souberam criar uma política do livro. Essa política do livro passaria fundamentalmente por duas medidas – incentivar nos jovens o gosto pela leitura e apoiar financeiramente a edição de livros que, prevendo-se de baixa viabilidade comercial, fosse por uma comissão específica considerada de valor cultural. A compra institucional de 500 exemplares de cada edição aprovada por essa comissão, viabilizaria a edição A distribuição pela rede pública de bibliotecas absorveria facilmente estes exemplares. Não se entende por que motivo a arte da escrita, a mais barata de todas, é negativamente discriminada relativamente às outras. O livro, já disse, não é prioridade das famílias portuguesas – se há crise), o livro é dos primeiros bens de consumo a ser sacrificados. Não admira que os cidadãos comuns assim reajam. O desprezo pelo livro começa em quem dirige o País.
Analisado o caminho entre autor e leitor, falemos da ameaça do livro electrónico. Em Portugal não há números – apenas a informação de que esse mercado está a crescer rapidamente. Por iniciativa da Federação de Grémios de Editores, associada a uma fundação privada, em Espanha foram divulgados os resultados de um inquérito realizado em Março. Participaram 280 editoras de todas as dimensões e uma em cada quatro empresas prevê para 2012 comercializar mais de metade dos seus catálogos em versão digital. A banda desenhada é o género que mais irá enveredar por este tipo de suporte, seguindo-se Divulgação geral, Direito e ciências económicas, Ciências humanas e sociais, livro técnico-científico e universitário, e Literatura. Estas versões destinam-se a ser lidas em computadores, e-readers, telemóveis. Prevê-se que os telemóveis sejam os mais utilizados nesta função já em 2011. Um dos impedimentos a uma maior difusão do livro electrónico, é o pagamento de direitos a autores e editores. Problema que afecta ainda mais os compositores e as editoras discográficas. A Google fez, em 2009, propostas de um acordo aos editores europeus relativamente a essa questão.
Não me admiraria que, no futuro, o ensino deixasse de obrigar a acumular conhecimento, passando a habilitar à gestão e utilização do conhecimento armazenado e disponível. Usando as novas ferramentas de comunicação, um grupo de professores da África do Sul inovou a produção de livros didácticos, numa experiência seguida por diversos centros de tecnologia do mundo. Espalhados pelo país, escrevem colectivamente numa página da internet, livros sobre as matérias curriculares. Cada professor adapta o conteúdo à realidade local pelo que o mesmo livro pode ter centenas de versões. Como nem todas as escolas têm acesso à internet (onde os conteúdos estão disponíveis gratuitamente), publicam os textos nas editoras tradicionais sem cobrar direitos. o livro chega às escolas bastante mais barato. "Em pouco tempo, o papel será dispensável", disse o físico Mark Horner, um dos coordenadores do projecto baptizado de Siyavula.
Mas este futuro que se abre para o livro electrónico, tendo influência no mercado do livro impresso, não o extinguirá. Peter Mayer que tem esperança em que as pessoas continuem a ler se lhes derem bons conteúdos e prevê que o livro de qualidade, cuidadosamente impresso e encadernado, voltará a suscitar interesse. Continuará a haver quem queira ter livros nas estantes de sua casa. Inclusivamente, livros que tenha lido na net. A invenção de Gutenberg com quinhentos anos – os caracteres negros sobre o papel branco – ainda é a melhor maneira de ler. Por seu turno, Umberto Eco afirma que a presumível morte do suporte papel da escrita é uma obsessão de jornalistas que lhe fazem a pergunta há 15 anos - «Para mim, o livro é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objecto que, uma vez inventado, não muda. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído.» E tal como Mayer conclui que «O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação.».
Resumindo: a evolução do livro electrónico é um dado adquirido. Afinal telégrafo, telefone, rádio, cinema, televisão, fazem parte de uma genealogia que teve início quando nas cavernas se começou a contar histórias e houve quem as traduzisse em graciosos desenhos, A arte rupestre é uma forma de escrita e de tornar eternas os fugazes clarões de inspiração que são a maior riqueza da Humanidade. O livro electrónico dará lugar a qualquer outra coisa que não podemos prever o que seja. O livro de papel manter-se-á por muitos mais anos até que uma das tais invenções consolidadas de que nos fala Umberto Eco o possa substituir,
João Machado
O Carlos Loures escreveu para o nosso blogue Estrolabio uma série de posts com muito interesse, sobre o livro, a sua história, a sua problemática, e as perspectivas futuras, A Eterna Questão do Livro. Este assunto merece uma larga discussão. O livro, apesar da concorrência de outros meios de comunicação, como a televisão e o cinema, continua a ser o veículo mais importante de difusão de cultura. Apenas os jornais lhe farão, em alguns aspectos, uma concorrência séria. A situação tem muitas explicações, sem dúvida, que vão desde a portabilidade do livro, até à dependência que temos do sentido da visão. Será que a internet trará alterações decisivas a este estado de coisas? Proponho que o nosso blogue lance uma discussão alargada sobre este tema, primeiro entre os nossos colabores e leitores, a seguir com a participação de especialistas e pessoas interessadas.
Como aperitivo para a nossa conversa, vou referir-lhes que no Babelia de sábado passado, dia 4 de Junho, na pág.2, a coluna que habitualmente ali aparece tem o título El e-book en busca de su primavera e vem assinada por Milagros del Corral, que foi directora da Biblioteca Nacional de Espanha, e agora preside ao Comité Científico de Unesco Focus 2011: Book Tomorrow. Este Comité ter-se-á reunido em Monza, na Itália, há poucos dias, de 6 a 8 de Junho, numa reunião com o tema O livro amanhã: o futuro da palavra escrita. Talvez o nosso Sílvio Castro tenha tido algum eco desta reunião. Desde já aqui lhe peço que, se lhe for possível, nos informe sobre o assunto.
No seu El e-book en busca de su primavera, Milagros del Corral. Ela compara a irrupção do e-book com o aparecimento da imprensa nos meados do século XV e considera que isso ocasionará o aparecimento de uma indústria nova com as suas regras próprias. E que as funcionalidades digitais permitirão um alargamento sem precedentes dos hábitos de leitura de um público jovem que “nasceu digital”. Diz ainda a autora que nos EUA o e-book em 2010 representou 10% do total do mercado, e 8,3% da facturação, prevendo-se que 2015 alcance 22,5% do mercado. A Amazon já vende mais e-books que livros impressos.
A situação em Espanha é completamente diferente por uma série de factores. Falta de rentabilidade, pirataria, fiscalidade desfavorável, em conjunto com o receio de que a novidade desestabilize a cadeia tradicional do livro impresso. Milagros del Corral destaca o papel preponderante do leitor, que hoje em dia frequenta cada vez mais as redes disponíveis. E pergunta: para quando um grande portal de venda de e-books em espanhol?
Procurei resumir o artigo de Milagros del Corral. Compete-nos sem dúvida pôr a questão: como estão estes problemas em Postugal? E nos países lusófonos?
(Continuação)
Nestas notas, procurei reflectir sobre a situação do livro impresso perante a ameaça do livro electrónico que eclode como uma super nova no universo da comunicação. O brilho crescente desse suporte de escrita fez temer os bibliófilos, ratos de biblioteca, todos os que mantêm com o livro impresso uma relação afectiva e que o encaram como um mestre a quem tudo devem. Quando se anuncia a morte do livro impresso e a inevitabilidade do triunfo do livro digital , podemos ler a opinião de Umberto Eco, segundo a qual o livro é uma daquelas invenções consolidadas que, como a roda, como a colher, como o machado, nunca serão substituídas.
Um exemplo nosso: em 1489 foi impresso em Chaves o Tratado de Confissom, o primeiro ou um dos primeiros, incunábulos em
português. É um manual destinado aos membros do clero, aconselhando-os na missão de ministrar o sacramento da confissão e da penitência. Aborda questões, que cinco séculos decorridos, são ainda delicadas e polémicas – o adultério, a violação ou estupro, a pedofilia, o incesto, o aborto, a homossexualidade. Descoberto em 1965 pelo Professor José Vitorino de Pina Martins (1920), foi publicado em 1973 em edição diplomática, com um estudo introdutório do investigador. Se quisermos ler o Tratado de Confissom, isso
depende do nosso saber paleográfico e não de qualquer dispositivo de leitura. Se quisermos ler um livro gravado em disquete de há dez anos atrás, teremos problemas. Para que o livro electrónico substitua o livro impresso é indispensável que se produza um istema standard estabilizado, que não seja destronado quase todos os anos por modelos «mais recentes». Parece-me que essa etapa ainda está distante.
Já por diversas vezes referi o receio que houve na de transição entre a «Idade Velha» e a «Idade Nova», entre a Idade Média e o Renascimento, de que o livro impresso viesse usurpar o papel até então desempenhado por outros suportes na difusão da palavra divina – a arquitectura e sobretudo a escultura. Temia-se também que a importância dos sacerdotes fosse afectada, as homilias dominicais substituídas pela leitura directa dos textos sagrados . A Igreja de Roma nunca acarinhou a difusão da Bíblia – as escrituras deviam chegar aos fiéis filtradas pela interpretação dos padres. A aposta da Reforma foi outra e o reformismo espalhou-se como fogo em seara seca – cada bíblia impressa e distribuída era como um sacerdote, um missionário – a palavra de Deus levada directamente do produtor ao consumidor. Um avanço tão grande, ou maior, do que aquele que a Internet veio trazer relativamente a anteriores sistemas de informação. Porém, os «papistas», como vemos pelo Tratado de Confisson, embora temendo o invento de Gutenberg, não desdenharam de o usar na formação dos seus quadros.
Não se devem deslumbrar os adeptos das novas tecnologias, nem atemorizar os que amam os livros, receando a sua morte. O próprio nome – livro - derivado do latim «liber» contém uma lição a reter, pois significa o entrecasco da árvore. Não remete para a funcionalidade de um instrumento, mas para um material. Em diversas civilizações (entre os maias, por exemplo) o entrecasco da árvore foi utilizado como suporte de escrita, embora não existam dados que permitam assegurar que na Grécia ou em Roma essa utilização tenha existido.
Mais que o liber, foi o «codex», o lenho da árvore, que forneceu material para registos escritos. As tabuinhas de madeira, enceradas ou não, foram utilizadas por um período que vai da Antiguidade até finais da Idade Média. O papiro, um novo suporte, entrou no mundo grego por volta do século VII a.C. O pergaminho, técnica de tratamento dado à pele curtida de animais atribuída à cidade de Pérgamo, terá surgido no século III a.C. e foi utilizado durante bastante mais de um milénio, até que se generalizou o uso do papel.
Contudo, o aparecimento de um suporte não significa o desaparecimento imediato do outro. Tradição e inovação coexistem até que a inovação se transforma, por seu turno, em tradição. Como vemos, os suportes vão sendo alterados por razões pragmáticas - porque um novo suporte supera as limitações do anterior. E alteram-se em função das exigências que a sociedade vai colocando. A tabuinha correspondia a uma cultura de oralidade, era um simples auxiliar da memória, pois era na memória dos rapsodos que se arquivava o conhecimento.
A Internet está a transformar-nos em ciborgues – muito do nosso saber não precisa de ser memorizado, pois em segundos podemos recuperar informação sobre qualquer tema. O computador converteu-se numa indispensável prótese do cérebro. Não me admiraria que, no futuro, o ensino deixasse de obrigar a acumular conhecimento, passando a habilitar à gestão e utilização do conhecimento armazenado e disponível. Nada é eterno, como sabemos. Parece-me, no entanto, ainda não ter nascido um suporte de escrita que o possa substituir integralmente.
(Continua)
Já aqui vos tenho falado da sensação de volúpia com que pessoas pertencentes às gerações mais antigas, folheiam o livro, aspiram o odor da tinta, apreciam a textura e
a gramagem do papel…É uma relação afectiva, mas é geracional. As novas gerações estarão preparadas para acolher novos suportes de leitura. sem preconceitos - mas
é preciso que esses novos suportes existam. Tudo o que até hoje apareceu não substitui o livro impresso. Umberto Eco afirma que o livro é uma daquelas invenções consolidadas que, como a roda, como a colher, como o machado, nunca serão substituídas.
Muitas vezes tem sido anunciada a morte do livro como hoje o conhecemos – lembro-me de uma dessas primeiras ameaças – Foi em 1988 que comprei o texto gravado de O Delfim, de José Cardoso Pires, lido pelo actor Luís Lucas (com a vantagem de poder ser apreciado por invisuais). Ainda tenho essa edição em quatro cassetes. O que não tenho é um leitor onde as cassetes possam ser lidas. Começaram depois a aparecer edições em cassetes de vídeo, primeiro no standard Beta e depois no VHS. Também já não tenho leitores nem para uma coisa nem para outra.
Agora é o Kindle, havendo autores americanos que, como Dan Brown, começaram a lançar as suas obras simultaneamente em versão impressa e em versão electrónica, no formato e-book. Até quando poderão estes novos «livros» ser consultados? As novas tecnologias vão destronando as menos novas e não aparece uma invenção consolidada, como diz Eco.
A verdade é que enquanto estas invenções se vão sucedendo e mutuamente neutralizando,
se tivermos conhecimentos de paleografia, podemos ler um incunábulo com quinhentos
anos ou um códice com mil. Não apareceu ainda invenção que destrone o velho livro. Lê-lo depende do nosso saber e não de qualquer equipamento que poderá ficar obsoleto um ano depois de ter aparecido no mercado.
No entanto, o livro electrónico parece estar a pegar – não irá destronar o livro impresso, mas pode criar uma linha de evolução paralela – desde que os computadores do futuro (que já não se chamarão assim) permitam ler a informação produzida hoje em dia.
É um fenómeno a seguir com atenção.
Carlos Loures
Para encerrar, por agora, esta questão da ameaça do livro electrónico ao livro impresso, começo por transcrever palavras de José Afonso Furtado em O Que é o Livro: «Uma das imagens recorrentes em diversas obras que se dedicam a problemas de História ou da Sociologia do Livro e da Leitura é uma passagem clássica do romance Nôtre-Dame de Paris, de Victor Hugo. Nela, o arcediago abre a janela da sua cela, contempla por algum tempo a Nôtre-Dame, estende a mão para o livro impresso aberto na sua mesa e, lançando um olhar triste para a igreja, profere a conhecida frase: ceci tuera cela.».
Embora como José Afonso Furtado diz, este imagem seja recorrente, utilizo-a mais uma vez porque facilita a compreensão do que quero expor. Segundo o próprio Victor Hugo explica depois, a frase dita pelo arcediago Claude Frollo (o protector de Quasímodo), reflecte o espanto e o receio do sacerdócio, naquele final do século XV, perante o “prelo luminoso de Gutenberg”, o confronto entre a palavra escrita e a palavra falada. Victor Hugo explicita depois num capítulo do romance a sua previsão de que «o livro matará o edifício». Segundo ele a invenção da imprensa é o maior acontecimento da história da humanidade. A «bíblia de chumbo» irá substituir a «bíblia de pedra». Como disse McLuhan, a arquitectura gótica, a escultura, a iluminura ou a glosa medievais eram suportes da arte da memória e o eixo da cultura da escrita. Temia-se que o advento da imprensa pusesse tudo isso em causa e em risco de extinção.
Tal como nesse fim do século XV se temia que um avanço como o que a imprensa significava, pusesse em risco a forma mais popular de comunicar com as massas – a arquitectura gótica, através das quais multidões de gentes iletradas, que faziam das catedrais o seu local de encontro e de passeio dominical (tal como hoje as famílias vão ao centro comercial) «liam», nos elementos escultóricos de pórticos, túmulos, capelas e retábulos, passagens das Sagradas Escrituras, teme-se agora que as novas tecnologias da informação ponham o livro em risco de extinção.
Penso que se trata de um falso receio e de um falso problema. Embora, indubitavelmente, o cenário mude – já mudou - e os editores tenham de se adaptar a ele. E esse é um dos problemas – o mundo da edição está ainda povoado por muitos editores que actuam por emoção, por «fezada», por feeling. O feeling que têm usado como sistema, vai deixar (se é que não deixou já) de ser suficiente – vão ser necessários investimentos, nomeadamente na área da formação.
As novas tecnologias só podem ser aliadas do livro, nunca adversárias. Concorrentes, sim, inimigas, não. Mas isto, se os editores estiverem apetrechados, inclusive com formação específica que desde há dezasseis anos existe, tendo começado com um curso de especialização na Faculdade de Letras de Lisboa e existindo agora outros cursos na Católica e na Nova. Na realidade, do mesmo modo que é impensável um médico ou um engenheiro autodidactas, deveria pôr-se na gaveta das recordações o editor «sem mestre, mas com jeito», como diria o José Fanha.
Os editores continuam a publicar por feeling. E não nego que existem pessoas no mundo da edição com uma espécie de sexto sentido. Mas até esses sobredotados às vezes se enganam. A edição é uma ciência. Existem técnicas que podem ser postas ao seu serviço. A vocação é necessária, mas a formação é indispensável. Na ponderação dos factores que contribuem para a crise do livro, a impreparação dos editores (de alguns editores, diga-se) pesa mais do que a ameaça das novas tecnologias. Essa ameaça perfila-se no horizonte e poderá não passar de uma profecia falhada. A falta de formação de muitos intervenientes na edição, é um mal enquistado desde sempre. E perante esse cenário, não é preciso que o livro electrónico triunfe sobre o impresso em papel – há cavalos de Tróia dentro do mundo da edição.
E assim introduzo a questão que tenciono abordar em seguida – Crise do livro (os editores, parte da solução ou parte do problema?)
Carlos Loures
Para encerrar, por agora, esta questão da ameaça do livro electrónico ao livro impresso, começo por transcrever palavras de José Afonso Furtado em O Que é o Livro: «Uma das imagens recorrentes em diversas obras que se dedicam a problemas de História ou da Sociologia do Livro e da Leitura é uma passagem clássica do romance Nôtre-Dame de Paris, de Victor Hugo. Nela, o arcediago abre a janela da sua cela, contempla por algum tempo a Nôtre-Dame, estende a mão para o livro impresso aberto na sua mesa e, lançando um olhar triste para a igreja, profere a conhecida frase: ceci tuera cela.».
Embora como José Afonso Furtado diz, este imagem seja recorrente, utilizo-a mais uma vez porque facilita a compreensão do que quero expor. Segundo o próprio Victor Hugo explica depois, a frase dita pelo arcediago Claude Frollo (o protector de Quasímodo), reflecte o espanto e o receio do sacerdócio, naquele final do século XV, perante o “prelo luminoso de Gutenberg”, o confronto entre a palavra escrita e a palavra falada. Victor Hugo explicita depois num capítulo do romance a sua previsão de que «o livro matará o edifício». Segundo ele a invenção da imprensa é o maior acontecimento da história da humanidade. A «bíblia de chumbo» irá substituir a «bíblia de pedra». Como disse McLuhan, a arquitectura gótica, a escultura, a iluminura ou a glosa medievais eram suportes da arte da memória e o eixo da cultura da escrita. Temia-se que o advento da imprensa pusesse tudo isso em causa e em risco de extinção.
Tal como nesse fim do século XV se temia que um avanço como o que a imprensa significava, pusesse em risco a forma mais popular de comunicar com as massas – a arquitectura gótica, através das quais multidões de gentes iletradas, que faziam das catedrais o seu local de encontro e de passeio dominical (tal como hoje as famílias vão ao centro comercial) «liam», nos elementos escultóricos de pórticos, túmulos, capelas e retábulos, passagens das Sagradas Escrituras, teme-se agora que as novas tecnologias da informação ponham o livro em risco de extinção.
Penso que se trata de um falso receio e de um falso problema. Embora, indubitavelmente, o cenário mude – já mudou - e os editores tenham de se adaptar a ele. E esse é um dos problemas – o mundo da edição está ainda povoado por muitos editores que actuam por emoção, por «fezada», por feeling. O feeling que têm usado como sistema, vai deixar (se é que não deixou já) de ser suficiente – vão ser necessários investimentos, nomeadamente na área da formação.
As novas tecnologias só podem ser aliadas do livro, nunca adversárias. Concorrentes, sim, inimigas, não. Mas isto, se os editores estiverem apetrechados, inclusive com formação específica que desde há dezasseis anos existe, tendo começado com um curso de especialização na Faculdade de Letras de Lisboa e existindo agora outros cursos na Católica e na Nova. Na realidade, do mesmo modo que é impensável um médico ou um engenheiro autodidactas, deveria pôr-se na gaveta das recordações o editor «sem mestre, mas com jeito», como diria o José Fanha.
Os editores continuam a publicar por feeling. E não nego que existem pessoas no mundo da edição com uma espécie de sexto sentido. Mas até esses sobredotados às vezes se enganam. A edição é uma ciência. Existem técnicas que podem ser postas ao seu serviço. A vocação é necessária, mas a formação é indispensável. Na ponderação dos factores que contribuem para a crise do livro, a impreparação dos editores (de alguns editores, diga-se) pesa mais do que a ameaça das novas tecnologias. Essa ameaça perfila-se no horizonte e poderá não passar de uma profecia falhada. A falta de formação de muitos intervenientes na edição, é um mal enquistado desde sempre. E perante esse cenário, não é preciso que o livro electrónico triunfe sobre o impresso em papel – há cavalos de Tróia dentro do mundo da edição.
E assim introduzo a questão que tenciono abordar em seguida – Crise do livro (os editores, parte da solução ou parte do problema?)
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