Domingo, 27 de Fevereiro de 2011

Mundo Submerso - por António A. Sales

Vejo-me sob um luar de vagas transparências vagueando pelo campo com o seu mistério de sombras, transformando troncos de pinheiros numa espécie de exército petrificado no chão de ervas e outras plantinhas e flores silvestres que adormeceram ao morrer do dia. Novelos esvoaçantes de bruma transportam memórias dos tempos da inocência fixadas no espaço como raízes do destino. Sente-se o sopro da natureza subindo o corpo das árvores vestidas de um verde esmalte raiado de estrias quais linhas infestantes observadas na celulite da pele das mulheres.

Há um silêncio de sossego sentado nas mesas brancas que adornam o respirar da noite no planalto imenso e húmido a libertar o ameno aroma da natureza. Mesas brancas que embelezam o luar; Mesas, muitas mesas, enfeitam o luar, imensas mesas sólidas, firmes, limpas e imaculadas. Mesas redondas, quadradas, retangulares, redondas a representarem a confluência das forças telúricas e o conhecimento instintivo, quadradas a significarem a passagem deste à consciência e à iniciação intelectual, retangulares configurando a tábua mística da revelação.

 

O arco da lua enquadra a infância com o carinho das vozes pequeninas, cantantes, a soletrarem o pensamento solto pelo ritual dos gestos e vai, alegremente, conquistando a luz da consciência. Não é a idade de ouro dos alquimistas mas a da origem transportando consigo o segredo de vidas ancestrais guardado na estrela que atravessa o cosmos para aqui repousar com o seu brilho diamantino a iluminar os caminhos da existência. Na poeira levantada pelas charruas que rasgam sulcos na alma das gentes perdem-se recordações da beleza e do amor que foram o berço da serenidade inicial. Deixa-se para trás o bosque maravilhoso das brincadeiras participadas pelos anjos protetores de modo a navegarmos pelo rio da aventura de cujas águas surgirá a deusa mensageira, senhora do obscuro domínio dos sentidos, para anunciar o fim da divina harmonia e o começo da peregrinação cármica.

Sentado à única mesa onde cintila a chama vermelha de uma vela como se fora luz de sangue ou desejo de pecado a ferir a alma de incertezas, encontro-me só, imóvel, trespassado por indolência intemporal suspensa na rama da inquietação. Guardei-me de branco (camisa, sapatos e fato), cor imaculada e serena, para este encontro dominado pela imponderabilidade de um astronauta a rascunhar hipérboles na cápsula do amor onde colho os frutos que conferem razão ao sonho e regam utopias entre beijos sublimes. Em planura de neve aguardo o corpo amado sem a vileza dos pensamentos que desconcertam a mente com o viscoso arrebatamento do prazer.

Distante e difusa, pequena e etérea, recorta-se no espaço a silhueta feminina transportando consigo a lira de Orpheu cujos acordes têm o privilégio de provocar o encantamento dos astros. Aguardo a proximidade do seu corpo onírico incitando o poema que rompe o percurso iniciático da juventude na descoberta dos segredos do mundo. Há um tempo infinito espero esta mulher imaginada pelos poderes da mente e submersa por ocultas quanto inexplicáveis sensações anunciadas quando me encontrei pela primeira vez com a palavra amor e a procurei desvendar letra após letra até chegar a este lugar isolado dos excrementos do mundo.

 

publicado por Carlos Loures às 22:00

editado por Luis Moreira às 22:23
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Terça-feira, 16 de Novembro de 2010

Sempre Galiza! - A cor do cavalo

coordenação de Pedro Godinho





A cor do cavalo, de Félix Rodal-Fraga é um bom naco de prosa galega, também para português ler.
Recebeu em 2002 o 1º prémio na modalidade de Creación literária no XII Certame “Carvalho Calero”. Publicado pelas Edicións Laiovento, pode ser encomendado - por seis euros mais portes de envio - na Imperdível, a loja on-line da AGAL Associaçom Galega da Língua (http://imperdivel.net/).
Em trinta e seis páginas singelas entremeiam-se duas narrativas breves – a dum cavaleiro emissário do rei e a dum escritor galego de viagem a Lisboa –, pelas quais perpassam congeminações sobre as palavras, o tempo, a vida, e morte.
“Enquanto o corpo descansa o espírito sonha e os sonhos som a vida do espírito como esta nossa de agora é a vida do corpo. Percebe o meu senhor? Som palavras obscuras como a noite. Contar-lhe-ei, entom, um sonho do corpo, umha vida do espírito. A história de um cavaleiro de el-rei, em sete partes.”
“Quando baixo do comboio na estaçom e procuro táxi e penso no azar (eu nom som ele, Tabucchi), recordo a que venho a esta cidade e a que vim a ela em anteriores estadas, com quem estivem, quantas vezes, onde. E gosto, gosto já, porque começo a esquecer, a perder a conta e isso diz respeito de mim já meio habitante, já a planta na cabeça.”
“O trabalho de emissário. Um cavaleiro é os olhos, as maos, as orelhas e a língua do seu senhor el-rei nos confins do reio ou ante outros reis. Por isso quando um cavaleiro fai de emissário do seu senhor obtém com esta missom um grande voto de confiança e umha honrosa homenagem. Em troca, a glória acostuma ser muito breve e dolorosa. Som poucos os emissários que regressam e destes ainda menos os que fazem tal inteiros ou com vida. O emissário paga com a vida a ira desatada pola mensagem em quam recebe a carta. O emissário é torturado para obter dele aquilo que as palavras escritas nom contam nem na entrelinha. Muitas vezes sabe, muitas mais ignora aquilo que se lhe demanda.”
 “Adoro o modo em que a gente chega a casa nos filmes. Deixam as chaves sobre um móvel caro e requintado e tomam de umha pequena travessa de prata um maço de envelopes, sobrescritos e cartas várias que sustenhem com umha mao e baralham com a outra, seleccionando, ordenando, dispondo para a frente o importante e para o final os pagamentos e as mensagens dos bancos. E tanta tanta correspondência a diário. Nom conheço ninguém que receba tantas cartas num só dia como as personagens dos filmes, ninguém que tenha quem abra no seu lugar o marco do correio (se o houver) e coloque, de luvas branquíssimas como a neve, as cartas sobre a prata brilhada.”
“Ele aceita o meu conselho porque o sabe desinteressado e nom induzido polo terror que noutros conselheiros desata a sua ira. A vida é umha grande partida de xadrez. Jogar sem medo a nada perder é ganhar. Mas para isso é necessário ter umha razom pola qual jogar.”
“Umha simples frase que dá para sonhar um outro mundo que afinal é, para quem quer sentir em lugar de pensar, é, repito este, eis a frase, o mantra: De noite ninguém trabalha na catedral em obras. Se nom chove nem há nuvens podem-se ver as estrelas ali acima, nas abóbodas inconclusas, os céus estrelados e silenciosos que se abrem nos teitos de pedra.”



publicado por estrolabio às 09:00
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