No quadro de um projecto institucional de erradicação dos bairros de lata, no período pós-25 de Abril, tive ocasião de contactar núcleos de cabo-verdianos que viviam em bairros da então chamada «cintura industrial de Lisboa» - particularmente na Pedreira dos Húngaros (Algés), nas Marianas (Parede) e no Bairro do Fim do Mundo (Cascais). Fiz muitos amigos e pude constatar, por um lado o apego que aqueles imigrantes mantinham à sua terra e, por outro, a quase total ausência de instrumentos culturais que alimentassem esse amor. Com o escritor Manuel Ferreira, do qual fui amigo desde1964, pois conhecemo-nos durante o II Encontro da Imprensa Cultural, realizado em Cascais, por diversas vezes comentámos essa circunstância que na altura era gritante e que hoje em dia está relativamente superada ou, pelo menos, mitigada.
No decurso de um projecto editorial em que ambos estávamos envolvidos, falámos por diversas vezes em Cabo-Verde e na sua cultura. Foi incentivado por estas trocas de impressões que visitei pela primeira vez o arquipélago e pude confirmar, não só a ideia com que ficara pelo contacto directo com os imigrantes, como também o que Manuel Ferreira me dizia sobre a singularidade das gentes cabo-verdianas e do valor ímpar da sua cultura. Com vista a um trabalho que talvez consiga realizar - uma história concisa da literatura cabo-verdiana, tenho algumas notas tomadas, entre elas a que hoje aqui transcrevo. Eis a primeira.
Durante o período colonial, só no século XX a literatura cabo-verdiana surge com a expressão de uma identidade própria, em ruptura explícita com os modelos europeus até então seguidos, nomeadamente os de matriz portuguesa. Sobretudo com a obra e com a acção de Eugénio Tavares, as temáticas, quer as da poesia, quer as da novelística, passam a relacionar-se com a vivência cabo-verdiana – a insularidade, a seca, a fome e a consequente emigração, para a metrópole ou para outros países. Eugénio de Paula Tavares (Brava, 1867-1930), foi, na realidade, o grande impulsionador da cultura autóctone - a publicação de jornais e revistas por sua iniciativa ou com colaboração sua, foram decisivos na criação de uma consciência cultural cabo-verdiana. Desde o Alvorada, editado nos Estados Unidos entre 1900 e 1917 até ao A Voz de Cabo Verde, publicado na Praia entre 1911 e 1916, houve mais de uma dezena de publicações que editou ou em que colaborou assiduamente. O papel das revistas no despertar da consciência cultural do País, foi enorme. Foi o caso das revistas Claridade (1936-1960) e Certeza (1944). Em 1958 começa a publicar-se o Suplemento Cultural; em 1977 saem o suplemento Sèló e a revista Raízes.
Claridade destaca-se das demais. Os principais autores revelados nesta revista são, entre outros: Jorge Barbosa, António Pedro, Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes da Silva), Manuel Lopes. O cariz neo-realista da Certeza – Guilherme Rocheteau, Tomaz Martins, Nuno Miranda, Arnaldo França, António Nunes, Aguinaldo Fonseca. O papel desempenhado por Claridade no despertar da cultura nacional, transcende em muito as fronteiras da literatura. Pode dizer-se que há um «antes» e um «depois» da Claridade,
O Suplemento Cultural também acrescenta ao acordar da consciência de uma identidade cultural, algo de muito importante – o conceito de nação substituindo o de região ou província ultramarina – Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Não pode ser ignorado o papel da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, como ponto de encontro de muitos dos futuros intelectuais (e dirigentes políticos) dos PALOPs e, consequentemente, como motor de criação de movimentos independentistas e crisol do despertar de correntes literárias autónomas e libertas da matriz cultural portuguesa. Foram muitos e importantes os intelectuais cabo-verdianos que passaram pela Casa dos Estudantes do Império.
Há, quanto a mim, dois elementos-chave na História da Literatura cabo-verdiana. O primeiro éa obra de Eugénio Tavares (1867-1930) – em português e em crioulo - criando um conceito nunca antes enunciado, de caboverdianidade, a consciência de que, quer se exprimissem de uma ou de outra forma, existia um espaço identitário para os escritores do arquipélago. Espaço que o facto de Cabo Verde ser, até 1975, uma nação sem Estado de modo algum punha em causa. O segundo momento é o aparecimento em 1936 da revista Claridade, fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa e outros.
Até então houve livros escritos em Cabo Verde, alguns por cabo-verdianos, mas não se pode falar de uma literatura cabo-verdiana. O primeiro prelo foi introduzido em Cabo Verde no ano de 1842 e em 1856 surge o primeiro romance de um autor cabo-verdiano, O Escravo, de José Evaristo d’Almeida, (…) como diz Pires Laranjeira em Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Universidade Aberta, Lisboa 1995, «segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à publicação do livro de poemas Arquipélago (1935) de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros, em que se destacam José Lopes e Pedro Cardoso».
Na avaliação das literaturas de língua portuguesa, «Cabo Verde merece consideração à parte. Apesar de circunstâncias também desfavoráveis, como as de nível de vida e a distância a que o português literário se encontra do crioulo falado, a maior proximidade da cultura metropolitana (e sobretudo da brasileira) e certos fermentos mais antigos da vida literária possibilitaram um surto de escritores em torno das revistas Claridade (…) e Certeza», dizem Óscar Lopes e António José Saraiva numa das primeiras edições da sua História da Literatura Portuguesa, destacando depois nomes como os de Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Eugénio Tavares, que designam por «o poeta do crioulo».
Manuel Ferreira, sem dúvida um dos maiores especialistas portugueses em literatura africana, particularmente na de Cabo Verde, considera Eugénio Tavares, sobretudo um poeta e um jornalista «de excelente qualidade», quer exprimindo-se em português, quer em crioulo. O Tenente-Coronel Joaquim Duarte Silva, um dos mais antigos estudiosos da sua obra, é da opinião que o primeiro texto escrito em crioulo, até então exclusivamente usado na forma oral, é da autoria de Eugénio Tavares. Refere-se a uma «transposição» para crioulo do famoso texto de Camões, Endechas a Bárbara Escrava (Aquela cativa/Que me tem cativo…), feita por Eugénio. Diz a versão crioula – Bárbara, bonita escraba... João Augusto Martins em Madeira, Cabo Verde e Guiné, Carlos Parreira e outros autores, consideram-no o maior poeta lírico de Cabo Verde. Corsino Fortes (1933), escritor e ex-embaixador de Cabo Verde em Portugal, designou-o por o «Camões de Cabo Verde». É por muitos considerado o «pai» da literatura de Cabo Verde e, como disse, o criador do próprio conceito de caboverdianidade, sem o qual não teria sido possível criar uma literatura. Nem uma pátria.
Pode dizer-se que antes de Eugénio Tavares (1867-1930), não existia, mesmo entre as elites do arquipélago, em Cabo Verde uma consciência explícita da identidade cultural dos cabo-verdianos. A consciência dessa identidade, foi o primeiro e importante passo. Assente esse pilar da dignidade nacional, a cultura cabo-verdiano, sobretudo a literatura, divide-se em duas épocas distintas – antes e depois da revista Claridade. Em Março de 1936 surgia o primeiro número; em Dezembro de 1960 publicou-se o último. Foram dez números o que, em 24 anos não parece muito, sobretudo se analisarmos esse facto à luz da realidade actual.
No entanto, não podemos esquecer que, em 1936, ano em que foi desencadeada a Guerra Civil de Espanha, o governo de Salazar tentava limpar o País dos derradeiros resíduos da democracia que, desde o advento do liberalismo, e com breves interregnos, se vivia em Portugal. As colónias não escapavam a essa limpeza metódica que, procurando erradicar tudo o que cheirasse a vestígios de hábitos democráticos, fazia também desaparecer nichos culturais que, à gente do regime e ao ditador, pareciam ser (e, de facto, eram) refúgios das oprimidas ideologias políticas.
No quadro de um projecto institucional de erradicação dos bairros de lata, no período pós-25 de Abril, tive ocasião de contactar núcleos de cabo-verdianos que viviam em bairros da então chamada «cintura industrial de Lisboa» - particularmente na Pedreira dos Húngaros (Algés), nas Marianas (Parede) e no Bairro do Fim do Mundo (Cascais). Fiz muitos amigos e pude constatar, por um lado o apego que aqueles imigrantes mantinham à sua terra e, por outro, a quase total ausência de instrumentos culturais que alimentassem esse amor. Com o escritor Manuel Ferreira, do qual fui amigo desde1964, pois conhecemo-nos durante o II Encontro da Imprensa Cultural, realizado em Cascais, por diversas vezes comentámos essa circunstância que na altura era gritante e que hoje em dia está relativamente superada ou, pelo menos, mitigada.
No decurso de um projecto editorial em que ambos estávamos envolvidos, falámos por diversas vezes em Cabo-Verde e na sua cultura. Foi incentivado por estas trocas de impressões que visitei pela primeira vez o arquipélago e pude confirmar, não só a ideia com que ficara pelo contacto directo com os imigrantes, como também o que Manuel Ferreira me dizia sobre a singularidade das gentes cabo-verdianas e do valor ímpar da sua cultura. Com vista a um trabalho que talvez consiga realizar - uma história concisa da literatura cabo-verdiana, tenho algumas notas tomadas, entre elas a que hoje aqui transcrevo. Eis a primeira.
Durante o período colonial, só no século XX a literatura cabo-verdiana surge com a expressão de uma identidade própria, em ruptura explícita com os modelos europeus até então seguidos, nomeadamente os de matriz portuguesa. Sobretudo com a obra e com a acção de Eugénio Tavares, as temáticas, quer as da poesia, quer as da novelística, passam a relacionar-se com a vivência cabo-verdiana – a insularidade, a seca, a fome e a consequente emigração, para a metrópole ou para outros países. Eugénio de Paula Tavares (Brava, 1867-1930), foi, na realidade, o grande impulsionador da cultura autóctone - a publicação de jornais e revistas por sua iniciativa ou com colaboração sua, foram decisivos na criação de uma consciência cultural cabo-verdiana. Desde o Alvorada, editado nos Estados Unidos entre 1900 e 1917 até ao A Voz de Cabo Verde, publicado na Praia entre 1911 e 1916, houve mais de uma dezena de publicações que editou ou em que colaborou assiduamente. O papel das revistas no despertar da consciência cultural do País, foi enorme. Foi o caso das revistas Claridade (1936-1960) e Certeza (1944). Em 1958 começa a publicar-se o Suplemento Cultural; em 1977 saem o suplemento Sèló e a revista Raízes.
Claridade destaca-se das demais. Os principais autores revelados nesta revista são, entre outros: Jorge Barbosa, António Pedro, Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes da Silva), Manuel Lopes. O cariz neo-realista da Certeza – Guilherme Rocheteau, Tomaz Martins, Nuno Miranda, Arnaldo França, António Nunes, Aguinaldo Fonseca. O papel desempenhado por Claridade no despertar da cultura nacional, transcende em muito as fronteiras da literatura. Pode dizer-se que há um «antes» e um «depois» da Claridade,
O Suplemento Cultural também acrescenta ao acordar da consciência de uma identidade cultural, algo de muito importante – o conceito de nação substituindo o de região ou província ultramarina – Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Não pode ser ignorado o papel da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, como ponto de encontro de muitos dos futuros intelectuais (e dirigentes políticos) dos PALOPs e, consequentemente, como motor de criação de movimentos independentistas e crisol do despertar de correntes literárias autónomas e libertas da matriz cultural portuguesa. Foram muitos e importantes os intelectuais cabo-verdianos que passaram pela Casa dos Estudantes do Império.
Irei, em pequenas doses, transcrevendo notas sobre este tema que tanto me apaixona, o da literatura cabo-verdiana.
Daniel Filipe traz um poema ao Terreiro da Lusofonia (e o Luís Cília canta outro)
Daniel Filipe nasceu em 1925 na ilha da Boavista, em Cabo Verde, mas faz indissoluvelmente parte da história da Literatura Portuguesa do século XX – digamos que ele pertence aos dois países – a Cabo Verde porque ali nasceu, a Portugal porque aqui viveu, sofreu, amou e escreveu a sua poesia maravilhosa. É um convidado de honra neste Terreiro da Lusofonia.
Activista cultural e político, no final dos anos 50 trabalhou na delegação do Porto do Diário Ilustrado. Cordial, Ali se relacionou com um grupo de escritores antifascistas como ele – Egito Gonçalves, Papiniano Carlos, Luís Veiga Leitão e outros (estamos a trazê-los aqui a todos eles). Foi este grupo que criou as «Notícias do Bloqueio», título de um poema de Egito Gonçalves, série de nove «fascículos de poesia», publicados no Porto entre 1957 e 1961. A PIDE prendeu-o, sendo, segundo consta, barbaramente torturado. Com 39 anos, faleceu em Lisboa em 1964.
Entre a sua obra destaca-se: «O Viageiro Solitário» (1951), «A Invenção do Amor» (1961) e «Pátria Lugar de Exílio» (1963). Eis o poema que deu nome a esta última colectânea:
Pátria, lugar de exílio geométrico afã ou venenoso idílio na serena manhã.
Pátria, mas terra agreste; terra, apesar da morte. Pátria sem medo a leste. Lugar de exílio a norte.
Pátria terra, lugar, cemitério adiado com vista para o mar e um tempo equivocado.
Terra, débil lamento na temerosa noite. Sobre os carrascos, vento, Desfere o teuaçoite!
Há, quanto a mim, dois elementos-chave na História da Literatura cabo-verdiana. O primeiro éa obra de Eugénio Tavares (1867-1930) – em português e em crioulo - criando um conceito nunca antes enunciado, de caboverdianidade, a consciência de que, quer se exprimissem de uma ou de outra forma, existia um espaço identitário para os escritores do arquipélago. Espaço que o facto de Cabo Verde ser, até 1975, uma nação sem Estado de modo algum punha em causa. O segundo momento é o aparecimento em 1936 da revista Claridade, fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa e outros.
Até então houve livros escritos em Cabo Verde, alguns por cabo-verdianos, mas não se pode falar de uma literatura cabo-verdiana. O primeiro prelo foi introduzido em Cabo Verde no ano de 1842 e em 1856 surge o primeiro romance de um autor cabo-verdiano, O Escravo, de José Evaristo d’Almeida, (…) como diz Pires Laranjeira em Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Universidade Aberta, Lisboa 1995, «segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à publicação do livro de poemas Arquipélago (1935) de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros, em que se destacam José Lopes e Pedro Cardoso». Na avaliação das literaturas de língua portuguesa, «Cabo Verde merece consideração à parte. Apesar de circunstâncias também desfavoráveis, como as de nível de vida e a distância a que o português literário se encontra do crioulo falado, a maior proximidade da cultura metropolitana (e sobretudo da brasileira) e certos fermentos mais antigos da vida literária possibilitaram um surto de escritores em torno das revistas Claridade (…) e Certeza», dizem Óscar Lopes e António José Saraiva numa das primeiras edições da sua História da Literatura Portuguesa, destacando depois nomes como os de Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Eugénio Tavares, que designam por «o poeta do crioulo».
Manuel Ferreira, sem dúvida um dos maiores especialistas portugueses em literatura africana, particularmente na de Cabo Verde, considera Eugénio Tavares, sobretudo um poeta e um jornalista «de excelente qualidade», quer exprimindo-se em português, quer em crioulo. O Tenente-Coronel Joaquim Duarte Silva, um dos mais antigos estudiosos da sua obra, é da opinião que o primeiro texto escrito em crioulo, até então exclusivamente usado na forma oral, é da autoria de Eugénio Tavares. Refere-se a uma «transposição» para crioulo do famoso texto de Camões, Endechas a Bárbara Escrava (Aquela cativa/Que me tem cativo…), feita por Eugénio. Diz a versão crioula – Bárbara, bonita escraba... João Augusto Martins em Madeira, Cabo Verde e Guiné, Carlos Parreira e outros autores, consideram-no o maior poeta lírico de Cabo Verde. Corsino Fortes (1933), escritor e ex-embaixador de Cabo Verde em Portugal, designou-o por o «Camões de Cabo Verde». É por muitos considerado o «pai» da literatura de Cabo Verde e, como disse, o criador do próprio conceito de caboverdianidade, sem o qual não teria sido possível criar uma literatura. Nem uma pátria.
Pode dizer-se que antes de Eugénio Tavares (1867-1930), não existia, mesmo entre as elites do arquipélago, em Cabo Verde uma consciência explícita da identidade cultural dos cabo-verdianos. A consciência dessa identidade, foi o primeiro e importante passo. Assente esse pilar da dignidade nacional, a cultura cabo-verdiano, sobretudo a literatura, divide-se em duas épocas distintas – antes e depois da revista Claridade. Em Março de 1936 surgia o primeiro número; em Dezembro de 1960 publicou-se o último. Foram dez números o que, em 24 anos não parece muito, sobretudo se analisarmos esse facto à luz da realidade actual.
No entanto, não podemos esquecer que, em 1936, ano em que foi desencadeada a Guerra Civil de Espanha, o governo de Salazar tentava limpar o País dos derradeiros resíduos da democracia que, desde o advento do liberalismo, e com breves interregnos, se vivia em Portugal. As colónias não escapavam a essa limpeza metódica que, procurando erradicar tudo o que cheirasse a vestígios de hábitos democráticos, fazia também desaparecer nichos culturais que, à gente do regime e ao ditador, pareciam ser (e, de facto, eram) refúgios das oprimidas ideologias políticas.
Os primeiros «claridosos» foram os escritores Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes. Aos nomes dos três fundadores vieram juntar-se, entre outros, os de Félix, Monteiro, Henrique Teixeira de Sousa, Arnaldo França, Tomaz Martins, Nuno Miranda, Luís Romano, Abílio Duarte, Virgílio Avelino Pires, Onésimo Silveira, Xavier Cruz, Artur Augusto .
O conteúdo dos dez números, algo heterogéneo (ou ecléctico, se preferirmos), permite estabelecer afinidades com o movimento neo-realista que, em Portugal, velejava a todo o pano por esses tempos. Afinidades que também teve com a literatura brasileira. Em todo o caso, mantendo sempre a inclusão de textos em crioulo, poemas sobretudo, apesar de o português ser dominante, a «Claridade» conservou, ao longo da sua existência, um carácter de genuinidade autóctone.
Não pretendo com esta crónica esgotar este tema ou sequer abordá-lo com a profundidade que merece. Aliás, existem sobre o tema estudos de grande qualidade, nomeadamente os de Manuel Ferreira e os de Alfredo Margarido. Quis apenas chamar a atenção para estes dois marcos da cultura do povo irmão de Cabo Verde – a obra de Eugénio Tavares e a revista «Claridade», que foram respectivamente, um apóstolo da caboverdianidade e um farol de cultura de um arquipélago, onde existe agora uma literatura fecunda com nomes como os de Germano Almeida, Aguinaldo Fonseca, Yvone Ramos, Corsino Fortes, Arménio Vieira, Yolanda Morazzo, Gabriel Mariano e tantos outros.
Eugénio Tavares proclamou que existia uma identidade literária nacional e os dez números da «Claridade», provaram que essa identidade existia, lançando uma luz intensa e duradoura sobre o arquipélago.
A Eugénio Tavares se deve a tomada de consciência, que, por finais do século XIX, se verificou entre as gentes do arquipélago de Cabo Verde de que havia uma cultura genuinamente autóctone. Descendente de europeus, foi dos primeiros a proclamar que os cabo-verdianos tinham direito a uma cultura diferenciada e a uma identidade própria. Eugénio Tavares, foi também um consciencializador activo da cabo-verdianidade, actuando no plano político e cultural e sofrendo as inevitáveis perseguições por parte do poder colonial, sendo obrigado a exilar-se.
Quase desconhecido em Portugal ou redutoramente referenciado como «criador de mornas», Eugénio Tavares foi um escritor, jornalista e polemista de grande valor. Agora que a literatura do arquipélago se afirma como uma das mais pujantes do universo lusófono, com nomes como o do romancista Germano Almeida, como o do grande Daniel Filipe, e o de Arménio Vieira, Prémio Camões de 2009, não devemos esquecer Eugénio Tavares, pioneiro das letras de Cabo Verde.
Eugénio Tavares, nasceu na ilha Brava a 18 de Outubro de 1867, onde faleceu em Junho de 1930. Autodidacta, adquiriu grande cultura, transformando-se na figura literária mais importante de Cabo Verde nas primeiras três décadas do século XX. Deixou uma vasta produção, em português e em crioulo – poemas, narrativas, peças de teatro e, sobretudo, artigos jornalísticos. Quando exilado nos Estados Unidos, fundou o jornal «Alvorada» em New Bedford. Com colaboração intensa na «Revista de Cabo Verde» e no jornal «A Voz de Cabo Verde», foi postumamente publicado um volume com as suas «Mornas». Da sua produção poética seleccionámos um poema em português:
Exilado
Pensa no que há de mais sombrio e triste;
terás, destes meus dias vaga imagem;
soturnos céus – como tu nunca viste –
nunca os doirou o halo de uma miragem.
O sol – um sol que só de nome existe –
envolto na algidez e na brumagem
dum frio como tu nunca sentiste,
do nosso sol parece a morta imagem
imerge o retransido pensamento
nas noites mais escuras, mais glaciais,
prenhes de raios e vendavais;
verás que anos de dor, esse momento
passado, na saudade e no penar,
longe do sol vital do teu olhar!
(Fairhaven, 1900)
Ouçamos uma morna com música e letra de Eugénio Tavares.
A Eugénio Tavares se deve a tomada de consciência, que, por finais do século XIX, se verificou entre as gentes do arquipélago de Cabo Verde de que havia uma cultura genuinamente autóctone. Descendente de europeus, foi dos primeiros a proclamar que os cabo-verdianos tinham direito a uma cultura diferenciada e a uma identidade própria. Eugénio Tavares, foi também um consciencializador activo da cabo-verdianidade, actuando no plano político e cultural e sofrendo as inevitáveis perseguições por parte do poder colonial, sendo obrigado a exilar-se.
Quase desconhecido em Portugal ou redutoramente referenciado como «criador de mornas», Eugénio Tavares foi um escritor, jornalista e polemista de grande valor. Agora que a literatura do arquipélago se afirma como uma das mais pujantes do universo lusófono, com nomes como o do romancista Germano Almeida, como o do grande Daniel Filipe, e o de Arménio Vieira, Prémio Camões de 2009, não devemos esquecer Eugénio Tavares, pioneiro das letras de Cabo Verde.
Eugénio Tavares, nasceu na ilha Brava a 18 de Outubro de 1867, onde faleceu em Junho de 1930. Autodidacta, adquiriu grande cultura, transformando-se na figura literária mais importante de Cabo Verde nas primeiras três décadas do século XX. Deixou uma vasta produção, em português e em crioulo – poemas, narrativas, peças de teatro e, sobretudo, artigos jornalísticos. Quando exilado nos Estados Unidos, fundou o jornal «Alvorada» em New Bedford. Com colaboração intensa na «Revista de Cabo Verde» e no jornal «A Voz de Cabo Verde», foi postumamente publicado um volume com as suas «Mornas». Da sua produção poética seleccionámos um poema em português:
Exilado
Pensa no que há de mais sombrio e triste; terás, destes meus dias vaga imagem; soturnos céus – como tu nunca viste – nunca os doirou o halo de uma miragem. O sol – um sol que só de nome existe – envolto na algidez e na brumagem dum frio como tu nunca sentiste, do nosso sol parece a morta imagem imerge o retransido pensamento nas noites mais escuras, mais glaciais, prenhes de raios e vendavais; verás que anos de dor, esse momento passado, na saudade e no penar, longe do sol vital do teu olhar!
(Fairhaven, 1900)
Ouçamos uma morna com música e letra de Eugénio Tavares.
No quadro de um projecto institucional de erradicação dos bairros de lata, no período pós-25 de Abril, tive ocasião de contactar núcleos de cabo-verdianos que viviam em bairros da então chamada «cintura industrial de Lisboa» - particularmente na Pedreira dos Húngaros (Algés), nas Marianas (Parede) e no Bairro do Fim do Mundo (Cascais). Fiz muitos amigos e pude constatar, por um lado o apego que aqueles imigrantes mantinham à sua terra e, por outro, a quase total ausência de instrumentos culturais que alimentassem esse amor. Com o escritor Manuel Ferreira, do qual fui amigo desde1964, pois conhecemo-nos durante o II Encontro da Imprensa Cultural, realizado em Cascais, por diversas vezes comentámos essa circunstância que na altura era gritante e que hoje em dia está relativamente superada ou, pelo menos, mitigada.
No decurso de um projecto editorial em que ambos estávamos envolvidos, falámos por diversas vezes em Cabo-Verde e na sua cultura. Foi incentivado por estas trocas de impressões que visitei pela primeira vez o arquipélago e pude confirmar, não só a ideia com que ficara pelo contacto directo com os imigrantes, como também o que Manuel Ferreira me dizia sobre a singularidade das gentes cabo-verdianas e do valor ímpar da sua cultura. Com vista a um trabalho que talvez consiga realizar - uma história concisa da literatura cabo-verdiana, tenho algumas notas tomadas, entre elas a que hoje aqui transcrevo. Eis a primeira.
Durante o período colonial, só no século XX a literatura cabo-verdiana surge com a expressão de uma identidade própria, em ruptura explícita com os modelos europeus até então seguidos, nomeadamente os de matriz portuguesa. Sobretudo com a obra e com a acção de Eugénio Tavares, as temáticas, quer as da poesia, quer as da novelística, passam a relacionar-se com a vivência cabo-verdiana – a insularidade, a seca, a fome e a consequente emigração, para a metrópole ou para outros países. Eugénio de Paula Tavares (Brava, 1867-1930), foi, na realidade, o grande impulsionador da cultura autóctone - a publicação de jornais e revistas por sua iniciativa ou com colaboração sua, foram decisivos na criação de uma consciência cultural cabo-verdiana. Desde o Alvorada, editado nos Estados Unidos entre 1900 e 1917 até ao A Voz de Cabo Verde, publicado na Praia entre 1911 e 1916, houve mais de uma dezena de publicações que editou ou em que colaborou assiduamente. O papel das revistas no despertar da consciência cultural do País, foi enorme. Foi o caso das revistas Claridade (1936-1960) e Certeza (1944). Em 1958 começa a publicar-se o Suplemento Cultural; em 1977 saem o suplemento Sèló e a revista Raízes.
Claridade destaca-se das demais. Os principais autores revelados nesta revista são, entre outros: Jorge Barbosa, António Pedro, Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes da Silva), Manuel Lopes. O cariz neo-realista da Certeza – Guilherme Rocheteau, Tomaz Martins, Nuno Miranda, Arnaldo França, António Nunes, Aguinaldo Fonseca. O papel desempenhado por Claridade no despertar da cultura nacional, transcende em muito as fronteiras da literatura. Pode dizer-se que há um «antes» e um «depois» da Claridade,
O Suplemento Cultural também acrescenta ao acordar da consciência de uma identidade cultural, algo de muito importante – o conceito de nação substituindo o de região ou província ultramarina – Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Não pode ser ignorado o papel da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, como ponto de encontro de muitos dos futuros intelectuais (e dirigentes políticos) dos PALOPs e, consequentemente, como motor de criação de movimentos independentistas e crisol do despertar de correntes literárias autónomas e libertas da matriz cultural portuguesa. Foram muitos e importantes os intelectuais cabo-verdianos que passaram pela Casa dos Estudantes do Império.
Irei, em pequenas doses, transcrevendo notas sobre este tema que tanto me apaixona, o da literatura cabo-verdiana.