PARTE III – Romancistas, novelistas, contistas, cronistas
Diogo Mainardi, famoso no Brasil pelas suas atuações na principal rede do sistema nacional de televisão, é um dos mais ativos nomes do novo romance brasileiro. Residente estável em Veneza, como acontece igualmente comigo, Mainardi já possui uma ampla obra narrativa publicada, obra esta de fortes características expressionistas, mas ao mesmo tempo de insólita capacidade de síntese expressiva. Dele tenho os volumes: Malthus, uma novela, capa de Carlos Matuk, Companhia das Letras, São Paulo, 1989 ; “A Silvio Castro, no nosso primeiro encontro “ai sportivi” Diogo Mainardi“; Arquipélago, romance, capa de Carlos Matuk, Companhia da Letras, São Paulo, 1992:
“Ao amigo itinerante
Diogo Mainardi”
O romancista paulista João Silvério é o autor de uma prosa de ficção que vasculha nos tempos e se alarga sempre, numa linguagem exuberante, de fortes conteúdos narrativos. Assim acontece com os dois romances do escritor, com dedicatórias: O livro do avesso, capa de Carlos Clémen, editora Ars Poetica, São Paulo, 1992 – “Para o Sílvio Castro, esse meu avesso passado a limpo. Abraço e admiração do João Silvério Trevisan SP / 93”, e aquele outro romance, possivelmente a sua obra-prima, Ana em Veneza, capa de Carlos Clémen, foto de Christiano Junior, desenho da Parte I de Tom Maia, Editora Best Seller, São Paulo, 1994; com a seguinte dedicatória autógrafa:
“ Ao Sílvio,
o resultado de
uma viagem que
termina em Veneza.
Abraço e gratidão,
J S Trevisan
São Paulo, 25/ 02/95“
No romancista gaúcho, José Clemente Pozenato, docente universitário e ensaísta, encontramos uma outra linha do romance brasileiro moderno, aquela próxima da ficção ligada ao “policial”, reinterpretando a máxima teórica que afirma ser todo tipo de romance uma forma narrativa derivada ou devedora do dito “romance policial”. Diga-se de passagem que tal gênero foi sempre pouco cultivado no Brasil, o que dá a determinados romances de Pozenato uma fisionomia de forte novidade. Neste espírito está o seu grande sucesso também de público, O Caso do Martelo, capa de Leonardo Menna Barreto Gomes, 4ª. ed., Mercado Aberto, Porto Alegre, 1991, no qual o romancista me diz:
“Para Silvio Castro,
no dia da vitória do
Juventude contra o Vitória,
com belo papo (somos “papos”,
não?”) sobre futebol,
José Clemente Pozenato
Caxias do Sul, 24/8/97“
Esta feliz linha da narrativa de Pozenato continua com um outro seu best-seller, o romance ligado a fato realmente acontecido, O Caso do Loteamento Cladestino, 4ª. ed., ilustração de José Flávio Teixeira, Edições FTD, São Paulo, 1994:
“Para Sílvio Castro,
estas cenas de
uma Caxias “multicultural”,
com o abraço amigo do
José Clemente Pozenato
24/8/97”
Com os romances de Pozenato, Caxias do Sul entra definitivamente no mapa literário brasileiro, tudo devido também à variedade de técnicas dos mesmos. Assim, o romancista policial se faz narrador da memória e da história coletiva em A Cocanha, capa de Marco Cena sobre “Descrição da Coconha” (gravura pintada a mão, 1606), Mercado Aberto, Porto Alegre, 2000: no qual o autor me dedica com as seguintes palavras – “Para o amigo Silvio Castro a homenagem do José Clemente Pozenato Caxias do Sul, 31/07/2001”.
Adolfo Boos Júnior é um outro significativo representante da nova prosa-de-ficção brasileira. O seu romance que tenho em mãos, com dedicatória, é um ótimo exemplo como um autor moderno pode usar a matéria histórica sem necessariamente cair nas características do romance histórico. O romance é Um largo, sete memórias (e mais uma, coletiva, inquisitorial, contraditória e, muitas vezes, peratubadora), capa de Éthel Jane Scliar, Editora da Univ. Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1997, no qual o Autor me diz: “ Para Silvio Castro cordialmente Boos 25.11.97.”
Uma surpreendente estréia no romance foi a de Nilma Gonçalves Lacerda, com Manual de tapeçaria, ,2ª. ed. revista pela autora, capa de bordado de Antônia Zulma Diniz, Ângela, Marilu, Martha e Sávio Dumont, sobre desenho de Demóstenes Vargas, foto de Rui Faquini, Revan Editora, Rio de Janeiro, 2001, que me traz a seguinte dedicatória:
“ Para Sílvio
professor de tanto tempo,
amigo desde o início,
com amizade e admiração,
Nilma “
Um capitulo muito particular e importante da moderna prosa narrativa brasileira é o conto. Os contistas sempre ocuparam uma posição saliente no quadro geral da literatura nacional. Basta pensar no mestre do gênero que foi Machado de Assis, não somente importante para a história curta no Brasil, mas de importância igualmente reconhecida no plano internacional, no mesmo nível de Checov e Maupassant. Porém, com a renovação da linguagem narrativa começada por Adelino Magalhães, autor de contos os mais exemplares, surgiu, a partir do início da segunda metade do século XX um grande grupo de criadores no gênero. Começando por Guimarães Rosa e prosseguindo por muitos outros nomes. A posterior geração de contistas brasileiros continua uma tal tradição. Dentre esses autores, tenho em mãos, com correspondentes dedicatórias, livros de contos de Caio Porfírio Carneiro, Roberto Reis, Luiza Lobo, Jorge Viveiros de Castro, Geraldo Edson de Andrade, Salim Miguel, Guido Wilmar Sassi. De Guido Wilmar Sassi, Amigo velho, 2ª. ed. revista, capa de Mário Rőhnelt, Editora Movimento, Porto Alegre, 1981: “Ao Prof. Dott. Sílvio Castro Guido Wilmar Sassi nov. - 81“.
De Salim Miguel, igualmente editor da revista Ficção, o volume Velhice e outros contos, 2ª. ed. revista, capa de Vicente M. da Silva com desenho de Edgar Koetz, edição Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, 1981: “Ao Sílvio Castro, com o abraço do Salim Miguel, Florianópolis, 81“.
De Geraldo Edson de Andrade, O dia em que Tyrone Power esteve em Natal, capa de Fernando Casás, Editora Retour, Rio de Janeiro, 1983: “Para Silvio Castro, com o meu apreço e admiração Geraldo Edson de Andrade Rio, set. 85“.
De Jorge Viveiros de Castro, De todas as únicas maneiras, capa de Tatiana de Lamare, Diadorim Editora, Rio de Janeiro, 1993: “p/ Silvio (quase parente); estas primeiras letras. 1 abraço, Jorge“.
De Luiza Lobo, Vôo livre, capa de Luiz Falcão, Ediora Cátedra, Rio de Janeiro, 1982: “Para Silvio Castro da Autora Rio 13.9.82“.
De Roberto Reis, A dor da bruxa – e outras fábulas, capa de José Lima, Edit. Cátedra, Rio de Janeiro, 1972:
“Para Silvio Castro,
esperando que ao final
da travessia por estas
“fábulas estórias, em
dolorosa viagem, se
depare com a bruxa “–
Com a lembrança
do
Roberto Reis
Rio, set. / 72“.
De Caio Porfírio Carneiro é o volume de contos, O Casarão, capa de Luz e Silva, Edit. do Escritor, São Paulo 1974; que me traz a seguinte dedicatória autógrafa:
“Ao amigo
Silvio Castro,
a homenagem e
o abraço do
Caio Porfírio Carneiro
S. P. 8/11/76“
Do mesmo autor é o romance, em edição italiana, Sale verde della terra (tit. orig., O Sal da Terra), versão italiana de P. Giuseppe Valsania, i.l.a. Palma Renzo Manzzone editore, Palermo, 1971: “Ao amigo Silvio Castro, com a homenagem do Caio Porfírio Carneiro”.
De Santa Catarina parte o romancista Miro Morais, com a sua narrativa, próxima do tipo policial, mas alargada à analise existencial, Cândido assassino,FCC Edições, Florianópolis, 1983: com a seguinte dedicatória: “Ao Dr. Silvio Castro o meu grande abraço amigo Miro 2/1983”.
No muito variado cenário da moderna literatura brasileira, como já afirmado nesta série, a crônica ocupa uma posição muito particular. Isto devido às linhas autônomas assumidas pelo gênero, modificando a antiga retórica do setor para assumir toda uma nova e brilhante veste. Dentre os grandes cronistas modernos do Brasil, Sérgio Porto ocupa uma posição muito especial, seja quando o ortônimo Sérgio Porto se apresenta ao seu grande público, seja quando o mesmo vem substituído pelo hererônimo felicíssimo, Stanislaw Ponte Preta, pródigo de humour e de ironia. De Stanilaw Ponte Preta é o popularíssimo volume de crônicas, Primo Altamirando e Elas,capa e vinhetas de Jaguar, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1962, com a seguinte dedicatória:
“Para o
Silvio Castro
Atenciosamente
Stanislaw
Rio /62”
Fernando Sabino é outro grande nome da crônica literária brasileira, porém muito diverso de Sérgio Porto e, mais ainda, do sarcástico Stanislaw Ponte Preta. A crônica de Fernando Sabino, mantendo a linha de expressão que vai além do real, sem o falsificar, própria do gênero muito brasileiro, mostra aos nossos olhos essa mesma realidade como se fosse nossa. Além de atento observador da realidade nacional, Sabino é um intelectual cosmopolita. Assim o vemos nas famosas páginas de A Cidade Vazia – crônicas de Nova Iorque, 3ª. ed., capa de Renato Vianna, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961; das quais tenho um volume com a seguinte dedicatória:
“Ao Silvio Castro,
cordial homenagem do
Fernando Sabino
8/61“
Concluo esta parte do meu trabalho com dois livros partidos de Brasília. O primeiro deles é o livro de crõnicas muito especial de Zita de Andrade Lima, Pássaros embriagados, Thesaurus Editora, Brasília, 1997, que me traz a seguinte dedicatória:
Ao professor Silvio Castro,
brasiliano que leva a
cultura e o povo do Brasil
para a terra de Dante,
cordialmente,
Zita de Andrade Lima
Brasl, set.,97”
O outro volume é a seleção de crônicas e contos (mais uma vez juntando muito coerentemente os dois gêneros literários) de 4 organizadores: Jacinto, Nilce Coutinho, Ronaldo Cagiano, Claudia Barbosa, O Prazer da leitura, capa e ilustrações de Eduardo Coutinho, Thesaurus Editora, Brasília, 1997. Um dos organizadores do volume, Ronaldo Cagiano, me o oferece com a dedicatória:
“Ao mestre
Silvio Castro,
com o afetuoso abraço
do
R. Cagiano
20 – Set.97”
PARTE II – Romancistas, novelistas, contistas
O aparecimento de Nelida Piñon foi uma revolução para o moderno romance brasileiro, bem como para a mais diretamente questão da escritura literária feminina. Depois da reveladora presença de Clarice Lispector, que contribuira em maneira essencial para a renovação do gênero narrativa, agora a autora de A Casa da Paixão chegava com novas e substanciais contribuições. Sempre acompanhei a carreira literária de Nelida, os seus constantes livros e a sua brilhante atividade como intelectual da modernidade. Assim, dei a mais merecida ênfase ao evento que viu Nelida Piñon feita o primeiro presidente-mulher da Academia Brasileira de Letras, duplicando assim o anterior evento histórico que vira eleita a primeira escritora, Rachel de Queirós (cf. S. Castro, “Nelida Piñon, a primeira“, JL-Jornal de Letras, Lisboa, 29-01-19970). Na parte da análise-crítica, possivelmente, foi meu o primeiro artigo-crítico sobre o seu romance de estréia, num texto publicado no suplemento literário do Jornal do Comércio, do Rio, o mesmo da coluna fixa de crítica literária de Eduardo Portella, isto no domingo de 20-03-1961. Desse Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, capa de Eddie Moyna, Edições G. R. D., Rio de Janeiro, 1961, tenho a seguinte dedicatória da autora-amiga querida:
“Ao meu querido Silvio,
amizade muito querida de forma dupla.
Da
Nelida
Rio, 13/fev./61“
Depois susseguiram-se os muitos romances e livros de contos. Desses tenho em mãos os volumes:Madeira feita cruz, capa de Ivan Carneiro, Edições G. R. D., Rio de Janeiro, 1963, no qual leio, “Ao meu querido Silvio, a amizade e o carinho de sempre Nelida Rio 1965“; Do romance Fundador, um dos marcos maiores de sua obra, a dedicatória me diz:
“Silvio querido,
êste FUNDADOR – resumo
de minha alma – para você sempre tão próximo
de mim,
da sua
Nelida“
Do magnífico volume de contos, Tempo das Frutas, capa de Luís Jasmin, José Álvaro editor, Rio de Janeiro, 1966, conservo a seguinte dedicatória sempre amiga: “Ao Silvio querido, a amizade e o cari- nho de sempre de sua Nelida 17-9-66“.
De outro marcante romance da brilhante carreira literária de Nelida Piñon, Tebas do meu coração, capa de Bea Feitler, José Olympio Editor, Rio de Janeiro, 1974, tenho a seguinte dedicatória:
“Ao meu querido Sílvio,
o carinho e a ami-
zade muito antiga
da sua
Nelida Piñon
Rio, 4 - 07 - 74“
Em A Doce canção de Caetana, Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1987, está a dedicatória: “Ao querido Silvio Castro, sempre amigo, aqui seguem este Caetana e seus funâmbulos e o abraço saudoso de Nelida Piñon Rio, 25-8-95“
Muito frequente é o caso de romancistas igualmente poetas, realizando-se desta maneira o alargamento de um processo de exaltação da força da linguagem que esses escritores dão aos seus correspondentes processos de linguagem. Comigo tenho agora quatro exemplos de poetas que alargam as próprias expressões na prosa criadora: Antônio Olinto, Carlos Nejar, Walmir Ayala e Domício Proença Filho. Já encontramos todos os quatro na anterior etapa dos poetas; agora os veremos em outras vestes.
Antônio Olinto sempre se fizera conhecer e estimar pelos seus livros de poemas, assim como com aqueles de crítica literária. Porém, em 1969, surge um novo, inédito Antônio Olinto. Neste ano, quando publica o seu famoso romance A Casa da Água, nascia para a moderna literatura brasileira um novo grande romancista. Este primeiro romance teve logo várias edições e foi traduzido em diversas línguas, renovando em forma insólita a temática “África“ na prosa-de-ficção de língua portuguesa. Outros romances escreveu em seguida Olinto. Desses tenho em mãos: Copacabana, Editora Lisa, São Paulo, 1975: “ Para Sylvio e Anna Rosa, neste encontro londrino, com o abraço amigo do Antonio Olinto Londres, 19 ‘ 6 ‘1981”;
O Rei de Keto, desenho de capa e ilustrações de Caribé, Edit. Nórdica, Rio de Janeiro, 1980: “Para Silvio e Anna Rosa, este rei que inventei; e curti ao longo de uma vivência africana, com o abraço do Antonio Olinto Londres, 12 – 6 - 85“; Sangue na Floresta, Nórdica, Rio de Janeiro, 1992: “Para Silvio e Anna Rosa, este meu romance da paixão pela Amazônia - com a amizade constante do Antonio Olinto, Rio - 5-9-1999“.
Concluindo quanto aos volumes de Antônio Olinto que conservo com dedicatória, a edição inglesa de A Casa da Água, inicialmente publicada em 1970: Antônio Olinto, The Water House, trad. de Dorothy Heapy, Panafrica Library, Londres, 1982; com a seguinte dedicatória:
“Para
Silvio e Anna Rosa,
aí vai o menino do
sonho novo –
com meu abraço
Antonio Olinto
Londres – 18-3-82”
Os romances de Carlos Nejar projetam no plano surreal a grande liberdade de falas que exercita nos seus poemas. Ainda que inteiramente coerente com a natureza da prosa, agora as suas páginas e as suas estórias atingem o real através de uma como transfiguração do mesmo real. De Nejar tenho em mãos, com dedicatórias autógrafas os volumes: Um certo Jaques Netan, capa: bico de pena de Iberê Camargo, com arte final da capa de Silvia Heleno Colombero, edição Grupo Aché, Guarulhos (SP), 1991; com a seguinte dedicatória:
“Para o estimado amigo
e admirável escritor
Prof. Sílvio Castro
este primeiro romance,
na forma original
(depois teve a edição
um pouco mais ampliada
da Record, 1991) – com a
lembrança fraterna do
Carlos Nejar
“Paiol da Aurora” –
Guaraparí, 22/8/99“
O Túnel Perfeito, capa de Ana Luísa Escorel, ed. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1994: “Para o escritor e Amigo Sílvio Castro – com a homenagem fraterna do Carlos Nejar, “Paio da Aurora” – 22.8.99”; Carlos Nejar, Carta aos loucos, Record, Rio de Janeiro, 1998; em que me diz: “Para os amigos, Prof.a Ana Rosa e ao escritor Sílvio Castro – com admiração fiel - o abraço do Carlos Nejar. “Paiol da Aurora” – 22/8/99“
Walmir Ayala conserva na sua prosa-de-ficção a linha da constante romântica que caracteriza a sua produção lírica. Nascem assim as estórias mais reais numa linguagem de constante encantamento. Dele tenho em mãos dois volumes com dedicatórias: À Beira do Corpo, 2ª. ed., capa de Jane Maia, Editora Nórdica, Rio de Janeiro, 1979: “Para Sílvio Castro lembrança do Walmir Ayala Rio 11-9-80” Walmir Ayala, A Nova Terra, Record, Rio de Janeiro, 1980; com a dedicatória que segue: “Ao Silvio Castro com amizade do Walmir Rio 21.3.80”
Domício Proença Filho, como romancista, alcançou grande sucesso e projeção, não somente nacional, com um seu romance parafrástico do D. Casmurro, de Machado de Assis. A versatilidade da escritura de Domício encontra igualmente amplo campo de expressão no seu livro, Breves estórias de Vera Cruz das Almas, Fractal Editora, Rio de Janeiro, 1991, do qual tenho um exemplar que me traz a seguinte dedicatória: “Ao Sílvio, com o abraço carregado da amizade do Domício Rio, 02/02/92“.
Este post do Manuel Simões já tinha saído no Estrolabio, a 6 de Dezembro de 2010. Reproduzimo-lo hoje, dia do descobrimento do Brasil, pelo seu interesse, ao abordar uma questão tão importante, a propósito de uma polémica que decorreu na altura entre o Sílvio Castro e o Carlos Loures, aqui no nosso blogue.
Manuel Simões
Por circunstâncias várias, um escritor pode pertencer a duas literaturas, sendo, por vezes, até difícil determinar a qual está mais directamente ligado. O método para essa determinação costuma ter em conta três factores: a nacionalidade, a língua que veiculou a escrita e o tema privilegiado no acto de criação literária. É por isso que Gil Vicente e Francisco Manuel de Melo, por exemplo, constam dos manuaiis de literatura espanhola, porque ambos escreveram em castelhano, mas confesso que a primeira vez que constatei esse facto, tido como incontroverso, a minha perplexidade foi espontânea, como se a literatura espanhola se quisesse “apoderar” de dois autores portugueses. Não já pela língua, como é óbvio, mas pelos temas e aspectos culturais específicos, o Padre António Vieira (Lisboa, 1608-Bahia, 1697) é simultaneamente um escritor português e brasileiro: percebe-se nos escritos do jesuíta uma afinidade com as coisas e os seres brasileiros ao ponto de ele próprio se considerar “mazombo”, isto é, filho do Brasil mas de pais europeus (neste caso, portugueses).
Ora é por estas razões que não me repugna aceitar, seguindo até a historiografia literária, a “Carta” de Pero Vaz de Caminha não só como o acto de nascimento do Brasil – não obstante lhe tenha chamado “Terra de Vera Cruz “ – mas como o primeiro documento e monumento da literatura brasileira, porque nela confluem todos os temas que os escritores brasileiros usarão como traços distintivos: o mito do bom selvagem, a literatura indianista que se lhe seguiu, a feminilidade inocente e sedutora, mais tarde largamente recuperada e ressemantizada por muitos poetas e prosadores.
Isto não invalida a aceitação de que o primeiro e verdadeiro literato do Brasil colónia tenha sido o Padre José de Anchieta, nascido em Tenerife (Canárias), chegado ao Brasil em 1553, co-fundador de S. Paulo, gramático da língua tupi, poeta lírico e dramaturgo segundo o modelo de Gil Vicente, através de autos que utilizou com a finalidade de converter os índios ao cristianismo.
Julgo por isso radical a argumentação de Carlos Loures, segundo a qual “antes de haver estado brasileiro não existe literatura brasileira”. E lembro os casos, entre outros, de Ambrósio Fernandes Leitão, funcionário da Coroa no Brasil, com os seus “Diálogos das Grandezas do Brasil”, de Cláudio Manuel da Costa ou de Gregório de Matos, mestiço, filho de pai português e de mãe bahiana. Tomás António Gonzaga (1744-1810), que viveu entre Portugal e o Brasil, pertence, por direito, quanto a mim, às duas literaturas. E algumas vezes se fez a ponte entre as duas culturas, como no caso do mulato Domingos Caldas Barbosa (1740-1800) que difunde em Lisboa as ternas “modinhas”, talvez ligadas às origens do fado.
Carlos Loures tem razão quando se refere aos casos de Angola, Moçambique ou Cabo Verde. Devo lembrar, todavia, que por muitos anos, mesmo depois da independência, as literaturas destes países foram designadas genericamente por “Literaturas africanas de expressão portuguesa”, “Literaturas africanas de língua oficial portuguesa” ou até “Literaturas africanas lusófonas”, não ousando a crítica conceder-lhes a “carta de alforria”. Manuel Ferreira, a quem devemos os fundamentos destas literaturas, ainda em 1986 lhes atribuía o título genérico, dividindo internamente o seu trabalho pelos vários países mas sem conceder autonomia às novas literaturas.
Concluída a apresentação de livros de poetas, logo em seguida pude verificar que, por razões puramente de excesso de volumes nas minhas estantes, muitos escondidos em segunda fila, deixei de catalogar muitos deles presentes, mas escondidos. Tenho grande receio que o mesmo acontecerá quanto aos prosadores, com os quais começo agora a tratar. No momento em que pude verificar esses meus acidentes de trabalho, logo me acudiu que outra circunstância me impedia de dar uma relação completa das dedicatórias que recebi e mantenho afetuosamente em meu poder. Isto é, me acudiu que muitos livros de autores brasileiros contemporâneos autografados, eu praticamente os perdi quando, na transferência de minha vida do Rio para Veneza, deixei em minha casa carioca centenas de volumes, isso ainda que tenha trazido na viagem intercontinental algumas outras centenas deles. Os que ali ficavam, eu tinha a certeza que um dia os teria de novo na minha posse. Mas, o tempo passou, e os muitos volumes voaram... Porém, uma coisa me interessa em declarar publicamente e por escrito: livro a mim dedicado nunca foi vendido às livrarias dos usados!
Chegado a tais conclusões, começo a tratar de um novo capítulo duma minha possível auto- biografia inesperada, mas encontrada na revelação das dedicatórias. Um novo capítulo que será tão amplo como o primeiro, o da Poesia. E que, como este, revelará ângulos fascinantes, para mim, de tantos encontros com meus amigos e colegas escritores. Começo.
Antes de tudo devo esclarecer o método que emprego para a presente exposição. Sendo a prosa campo fertilícissimo de gêneros literários, me vejo obrigado a expor as minhas dedicatórias sempre sob o conceito de Prosa. Porém, neste largo conceito, na impossibilidade factual de dividir tal repertório estritamente pelos diversos gêneros, ao contrário de quanto ao início eu pensara em fazer, simplifico a questão. Desta maneira, não farei uma exposição subordinada, por exemplo, ao conceito de prosa-de-ficção dissociado daquele de uma prosa que se exprime através da crônica ou da forma teatral. E ainda, no conceito de prosa-de-ficção – conceito que em verdade pode ser atualmente muito contestado, em favor de um outro mais direto e geral, “narrativa” -, eu não separo aqui os diversos gêneros romance, novela, conto. Para os autores que os praticam todos, junto igualmente todos eles, declarando, como é óbvio, o respectivo gênero. Para concluir: na exposição dos livros de Prosa naturalmente tomo em consideração aquele outro espaço de grande dimensão, como se poderá verificar com as citações que logo chegarão, do Ensaio, da Crítica, da História, das Memórias.
Em uma outra oportunidade, quando certamente chegarei a dar configuração definitiva, e possivelmente sob a forma de um volume, a esta minha aventura analítica, então procurarei colocar numa ordem igualmente definitiva todos os dados e conceituações que aqui ainda vão em forma discutível.
Dito e havido, podemos começar.
E começo com uma oferta muito especial. Trata-se de um autor que já figura estavelmente no quadro que define a literatura brasileira moderna: Adelino de Magalhães. O grande ficcionista fluminense, pioneiro da mais revolucionária prosa-narrativa brasileira do século XX, aquele que abre as estradas para os grandes narradores – romancistas e contistas – do Modernismo, aquele que antes de 1922 já havia desvendado os mistérios de uma escritura absolutamente inovadora, eu ainda o conheço ativo no início de minhas atividades literárias na Cidade Maravilhosa. Então, naqueles vivos anos da década de 50, eu muitas vezes o via descer, com o fascinante bondinho, de sua casa no bairro alto de Santa Teresa e dirigir-se com seu porte longilíneo, firme, na direção da Livraria São José, no centro da cidade. Ali em tantas oportunidades o encontrei e timidamente dele me aproximei. Porém, a minha timidez logo achou um equilíbrio na humaníssima gentileza que caracterizava o grande escritor.
Quando depois de partido para a Itália, retorno pela primeira ao Brasil, em 1965, passando como sempre pela Livraria São José, recebo das mãos de meu caro amigo, o livreiro Carlos Ribeiro, um elegantíssimo volume, a mim endereçado. Tratava-se de uma edição de luxo, encardenada, feita em papel bíblia: Adelino Magalhães, Obra Completa – organizada com a assistência do autor - (estudo crítico de Eugênio Gomes; reportagem biográfica, cronologia e bibliografia de Xavier Placer; posfácios críticos de Murilo Araújo e Andrade Muricy), Editora Aguilar, Rio de Janeiro, 1963. Na página de rosto do volume, Adelino de Magalhães me fazia a seguinte dedicatória autógrafa:
“A Sílvio Castro, com
muita simpatia of
31 – Ag. - 1965“
Ao entregar-me o volume, o incansável Carlos Ribeiro me dizia , em voz comovida: “É uma grande honra, uma oferta como essa“.
Alguns anos depois eu seria presenteado com uma outra edição Aguilar. A mesma elegância, a mesma riqueza gráfica, a mesma nobreza de apresentação. Tratava-se de: Josué Montello, Romance e Novelas, 3 vv., ( Vol. I, com uma magnífica introdução do mesmo Josué Montello, “Confissões de um romancista“, seguida por uma “Cronologia de Josué Montello“, de Yvonne Montello; Vol. III, “Bibliografia geral de Josué Montello“), Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1986.
Josué Montello que, além de um grande romancista, foi igualmente um elegante ensaísta, representou sempre uma presença especial na minha vida literária. Com ele tive oportunidade de trocar idéias e opiniões por longos anos. Ele fez parte, juntamente com Afrânio Coutinho, Adonias Filho e Emanuel de Moraes Filho da banca do meu concurso de Livre-docente em Literatura Brasileira, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1976). Josué Montello sempre me demonstrou uma grande e compensadora amizade. A sua dedicatória, na página de rosto do Vol. I de seus Romances e Novelas, assim diz:
“Ao meu caro Silvio Castro, a
quem muito devo como compreensão de minha obra,
esta afetuosa lembrança do seu velho
admirador
Do mesmo Josué Montello tenho um volume de uma sua edição anterior, aquela do grande romance que são Os tambores de São Luís, capa e ilustrações de Poty, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1975, com a dedicatória na qual o autor me declara, com a sua elegante caligrafia miúda:
“Ao Silvio Castro, lembrança sempre
amiga de seu admirador e
colega
Josué Montello
1976”
Agora vou tratar de Jorge Amado. O romancista baiano foi desde a minha juventude uma presença junto a mim. O gráu de participação de Jorge com os jovens escritores foi sempre uma sua característica marcante. Por isso mesmo, ele me dá grande visibilidade cultural quando me indica à UBE da Guanabara, entidade que estava preparando o grande encontro de escritores brasileiros no Rio de Janeiro em 1960, para ser o enviado da mesma UBE ao Sul do Brasil, com a missão de encontrar os governadores dos 4 Estados sulistas e reinvidicar junto a eles ajudas para a participação das respectivas representações estaduais no grande evento carioca. A mesma predisposição o leva a aceitar meu convite para representar o Anuário da Literatura Brasileira na Bahia e para escrever o texto das atividades baianas relativas a 1960 para o número do ALB-61 sob o pseudônino de Daniel de Oliveira. Assim como para participar, com conferências e encontros com os estudantes, nas minhas atividades da Universidade de Padova. Quando esta lhe concedeu o título de Doctor Honoris Causa, em Letras, no ano de 1962, ele me demonstrou grande apreço e gratidão. No ano da saída da tradução italiana de meu romance Memoriale del Paradiso, em 1991, Jorge Amado escreveu um profundo artigo analítico, publicado na Bahia e no Rio de Janeiro. Porém, ainda que eu tenha sempre escrito sobre todas as fases da obra narrativa de Jorge Amado, desde os romances de grande empenho ideológico, até aqueles outros de uma nova predisposição à valorização da retórica inovadora da prosa narrativa brasileira moderna, mas sempre atento aos problemas sociais, tenho em mãos somente um de seus romances, mas numa versão italiana, o já clássico Jubiabá, (2ª. ed. na col. Nuovi Coralli, 1981), trad. ital. de Dario Puccini ed Elio Califano, Ed. Einaudi, Turim, 1981. Jorge escreve como dedicatória do volume:
“Para
Anna Rosa e
Silvio,
amigos queridos,
o abraço do velho
Jorge Amado
Udine, jan., 1984“
Tenho, entretanto e para confirmar como esses episódios se confundam com as peripécias de nossas respectivas vidas, do meu grande amigo e companheiro dois outro livros traduzidos para outras línguas – um é o inaugural O País do Carnaval, em tradução francesa, o mesmo livro que revelara, em 1931, um jovem e brilhante romancista baiano ao Brasil, revelação devida ao pionerismo editorial do poeta Augusto Frederico Schmidt, que logo depois saberá descobrir um outro grande nome do romance brasileiro, Graciliano Ramos; o outro é o precioso livro, esse já de memórias, Navegação de Cabotagem, em tradução italiana. No primeiro volume, Jorge Amado, Le Pays du Carnaval, trad. de Alice Raillard, ed. Gallimard, Paris, 1990, tenho a seguinte dedicatória:
“Para Silvio Castro,
este velho livro,
com um abraço de
seu velho amigo
Paris 1990 junho”
Em Jorge Amado, Navigazione di Cabotaggio (Appunti per un libro di memorie che non scriverò mais, trad, de Iruba Bajini, ed. Garzanti, Milão, 1994, ele me diz:
“Para Sílvio Castro,
querido amigo,
escritor de minha
admiração,
afetuosamente
1995 Dezembro”
Naturalmente nos vem imediatamente o impulso de associar Zélia Gattai quando tratamos de Jorge Amado. Assim como eles sempre estiveram juntos na vida, assim a recordação da obra da esposa do romancista nos acode. Da valiosa obra memorialística de Zélia Gattai, bem como de suas experiências narrativas, tenho testemunhos em mãos. Começandopelo essencial Anarquistas, graças a Deus, Círculo de Leitores, Lisboa, 1983; com a seguinte dedicatória: “Para Silvio de Castro estes Anarquistas, graças a Deus, com o abraço amigo da Zélia Lisboa, janeiro de 1984”. Na página de rosto de um outro seu livro de memórias, Jardim de Inverno, 5ª. ed., Editora Record, Rio de Janeiro, 1989, leio a seguinte dedicatória: “Para Silvio Castro, com a velha amizade da Zélia Gattai Bari, 22 de maio 1990”. E ainda o romance Crônica de uma Namorada, 3ª. ed., Editora Record, Rio de Janeiro, 1995: “Para Ana Rosa e Sylvio Castro, o velho carinho e um beijo da Zélia Gattai Pádova, 9 de maio de1996”.
A mesma intensidade das minhas relações de amizade com Jorge Amado, as tenho igualmente com outro grande nome da moderna literatura brasileira, Guimarães Rosa, apenas num espaço de tempo mais curto, pela morte prematura do grande autor de Saganara. O momento mais intenso desses relacionamentos, nós o temos nos anos 1961 e 1962, quando exercito uma minha colaboração com o Departamento Cultural do Itamaraty, no Ministério dos Negócios Estrangeiros ainda estabelecido no Rio. O Embaixador Guimarães Rosa dirigia então o Departamento das Fronteiras, ficando o seu escritório muito próximo do meu. Assim, nos momentos de pausa de nossos respectivos trabalhos, Guimarães Rosa me telefonava para um habitual bate-papo. Então principalmente ele falava, o que me era conveniente, porque recebia assim preciosas informações e recordações do grande escritor. Mais tarde, quando Guimarães Rosa teve em mãos um exemplar do meu primeiro romance, Raiz Antiga, ele não se cansava de demonstrar a grande admiração literária que sentia pela parte do Epílogo do meu texto. Com Guimarães Rosa na presidência, e mais Antônio Cândido, em 1963 completei com minha participação a delegação oficial do Brasil ao Encontro Internacional das Literaturas Latino-americanas, em Genoa. Do grande romancista me ocupei em diversas oportunidades, em livros, em jornais e em revistas literárias, dada a importância que sempre identifiquei na sua obra revolucionária. Dele tenho em mãos: Corpo de Baile, novelas, capa de Poty, 2ª. ed., José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1960, com a seguinte dedicatória:
“Para
Silvio Castro,
com a melhor simpatia
e cordial aprêço,
Guimarães Rosa
Rio, 28.XI.60”
Adonias Filho, como sempre tenho o prazer de repetir, foi o primeiro contáto do adolescente Sílvio Castro com os grandes nomes da literatura brasileira. Foi numa tarde de dia de semana, quando meu pai chegou à nossa casa de Vila Isabel acompanhado pelo seu companheiro da redação de A Vanguarda, o também escritor, crítico famoso, Adonias Filho. Na companhia, vinha também o amigo de Adonias, Eustáquio Duarte, escritor e cientista, um dos mais eruditos brasileiros da época, hoje praticamente esquecido. A partir de então, gozei sempre da amizade do autor de Memórias de Lázaro, e dela me servi para compreender melhor o ambiente literário, não só aquele do Rio de Janeiro. Com o passar do tempo, o romance de Adonias Filho fez-se um dos mais altos produtos da literatura brasileira moderna. Dele tenho em mão três volumes: Corpo Vivo, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1962; O Forte, Edit. Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1965; As Velhas, Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1975. Com o volume de Corpo Vivo, Adonias Filho me gratifica com a seguinte dedicatória autógrafa:
“ A Silvio Castro,
com o bom abraço
de seu amigo,
Adonias
. junho 1962”
No volume do denso romance O Forte, ele me comunica:
“ a Sílvio Castro,
com o velho abraço do
seu amigo e companheiro,
Adonias Filho
Gb. out.1965”
Finalmente, com as estranhas histórias de As Velhas ele me renova a sua amizade:
“As Velhas para
Silvio Castro, com
aquele abraço antigo do seu
seu amigo e companheiro,
Adonias Filho
Rio. agosto,
1975”
O nosso colaborador Sílvio Castro que, aqui nos lançou o repto de revelarmos quais os dez livros do Século XX que mais nos tinham impressionado, lança-nos um outro desafio – Evento. Diz. «Trata-se de um jogo, sério, muito sério, que os amigos do Estrolabio de todos os Países de Expressão Portuguesa poderão enviar, exaltando um evento de uma das Literaturas dos 9 Países de Expressão Portuguesa. O conceito de evento é o mais amplo possível: pode referir-se a uma data, a uma obra, a um episódio, a um movimento etc, etc.»
E, dando o exemplo, envia-nos já três textos - um relacionado com a literatura brasileira, outro com a portuguesa, um terceiro com a angolana. Publicamos já amanhã o que se refere á literatura brasileira.
Portanto, a ideia é – colaboradores e leitores mandarem-nos textos que exaltem um evento relativo a uma das nove literaturas de língua portuguesa. Pode repetir-se literaturas já referidas. Por exemplo, quem entender que o evento mais relevante para a literatura brasileira não foi o apontado por Sílvio Castro, deve fazer um texto sobre o «seu» evento.
O documento evidentemente real, a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita de 22 de abril a 1º de maio de 1500, enviada logo no dia seguinte a Lisboa, ao destinatário venturoso, D. Manuel, mais que um documento é um marco crucial para duas realidades ainda virtuais, a cultura e a literatura do Brasil, que imediatamente depois e a partir do evento fazem-se reais.
Graciliano Ramos( 27/10/1892 —20/03/1953) foi um dos maiores escritores brasileiros do Século XX. Em 1936 publicou Angústia e em 1938 Vidas Secas. Das viagens a países europeus, resultou Viagem (1945). No mesmo ano publicou Infância, relato autobiográfico. Em 1953 seria publicado postumamente Memórias do Cárcere.
Em 1960, salvo erro, comprei os quatro volumes de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, por 180 escudos (conservo o preço escrito a lápis
no anterrosto do primeiro volume). É uma segunda edição da obra autobiográfica do grande escritor brasileiro, da Editora José Olympio, do Rio de Janeiro, datada de 1954. Acabada a primeira leitura, encomendei
a robusta encadernação que permite que, cinquenta anos decorridos a obra, tantas vezes lida, continue em muito bom estado.
A narrativa de Graciliano começa explicando por que, dez anos após a ocorrência dos factos, se resolveu a contá-los, confiando apenas na memória, pois não conservava notas. Com a grande honestidade intelectual que o caracterizava, esclarece também que não foi o DIP, a políicia política, que o impediu, pois durante a ditadura do Estado Novo nunca houve censura prévia, embora se tenham feito autos-de-fé com algumas obras. E dadas as explicações que lhe pareceram necessárias, inicia o relato, recuando a 1936 quando, funcionário da instrução pública em Alagoas, começou a receber misteriosos telefonemas com veladas ameaças.
Em 1935 houvera a Intentona Comunista e Getúlio Vargas aproveitara essa conspiração para espalhar o pânico e capitalizar o temor dos privilegiados. Em 30 de Setembro de 1937, quando faltava pouco para as eleições presidenciais marcadas para Janeiro de 1938, denunciou a existência de um suposto novo plano comunista para tomada do poderem e desencadeou a sua «revolução» filofascista. Foi neste período em que se cozinhava o golpe getulista que Graciliano foi preso.
É uma obra que nos permite compreender os motivos que conduziram ao golpe de 1937, quando numa declaração à Nação, Getúlio Vargas diz que «Atendendo ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de carácter radical e permanente»;. Graciliano foi , tal como tantos outros, preso, acusado de um eventual envolvimento político, exagerado depois do pânico insuflado com a chamada Intentona Comunista, de 1935. A acusação formal nunca chegou a ser feita, mas Graciliano é demitido e preso. No Recife é, com outros 115 presos políticos, embarcado no navio «Manaus» com destino ao Rio. Passa pelo Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, pela Colónia Correcional de Dois Rios (na Ilha Grande), regressa à Casa de Detenção ... É libertado em Janeiro de 1937. Memórias do Cárcere são o testemunho desses atormentados dez meses de prisão.
Graciliano Ramos, fala no seu dia-a-dia de prisioneiro, das celas insalubres, da comida repugnante, da boçalidade dos carcereiros... Mas refere também outro tipo de acontecimentos - torturas infligidas a presos e a entrega pela polícia brasileira à Gestapo de Olga Benário Prestes (Munique, 12 de Fevereiro de 1908 — Bernburg, 23 de Abril de 1942), a jovem alemã, de origem judaica, companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes. Viria a ser executada pelos nazis. A ditadura de Getúlio Vargas e do sinistro coronel Filinto Müller, semeava terror entre os antifascistas. O relato de Graciliano é um dos mais impressivos libelos contra o curioso prestígio que o getulismo obteve em alguns círculos políiticos e intelectuais. Dentro e fora do Brasil.
É uma obra apaixonante que Graciliano não terminou, pois falta um último capítulo – internado no princípio de 1953, morreria em 20 de Março de 1953, vitimado por um cancro pulmonar.
Aquest espai, dedicat a tots els amics d'Estrolabio i, de manera molt especial, als que segueixen el nostre bloc des de les terres de parla catalana. Aquí parlarem de cultura lusòfona i de cultura catalana, i de les qüestions i els problemes que ens afecten als uns i als altres.
En acabar l'any 2010 ha arribat a les llibreries la versió catalana de Vidas Sêcas (Vides seques), de Graciliano Ramos, en una traducció del poeta català Josep Domènech Ponsatí, editada per Adesiara, Barcelona.
Aquesta obra capdavantera de la literatura brasilera, publicada en 1938, és un títol cabdal d'una narrativa que, si la volguéssim singularitzar amb una categoria pròpia, podríem molt bé anomenar l'"èpica de la impotència". La peripècia de Fabiano, heroi sense grandesa èpica i tanmateix tan pregonament arrelat en l'essència de dignitat de la vida humana, és el paradigma de l'existència de milers de milions d'éssers humans que han poblat la Terra al llarg dels segles, lluitant contra l'adversitat del paisatge, del clima, de l'eixutesa de la terra erma o improductiva, de la misèria, i també de l'opressió, de la injústicia, dels privilegis dels poderosos que no només els han negat el dret a gaudir de tota aspiració humana, sinó també el dret a formar part de la història. Carn de canó, força de treball, tota la riquesa, tot el poder, tota la grandesa que en la història passada o present ens enlluerna s'ha construït amb la força de treball dels desposseïts de tot, dels menystinguts i els ignorats que no han entrat mai en la història.
La novel·la de Graciliano Ramos va coincidir en el temps amb una altra de las grans obres de l'èpica de la impotència, The Grapes of Wrath, de John Steinbeck, publicada el 1939, que em sembla una de les grans novel·les del segle XX. Al capítol 3, Steinbeck construeix una metàfora d'aquesta èpica de la impotència amb la descripció dels esforços d'una tortuga que, arrossegant la feixuga càrrega amb què l'ha dotada la naturalesa, intenta salvar el desnivell rost que separa els camps d'ordi del ferm de la carretera. Formant part de la munió de petits animalons invisibles entre els sembrats (in the shade under the grass the insects moved, ants and ant lions to set traps for them, grasshoppers to jump into the air and flick their yellow wings for a second, sow bugs like little armadillos, plodding restlessly on many tender feet) la petita tortuga intenta remuntar el marge que la separa de la carretera. L'animal lluita contra el terreny, contra la gravetat i contra la pròpia naturalesa:
"...the hill, which was the highway embankment, reared up ahead of him. For a moment he stopped, his head held high. He blinked and looked up and down. At last he started to climb the embankment. Front clawed feet reached forward but did not touch. The hind feet kicked his shell along, and it scraped on the grass, and on the gravel. As the embankment grew steeper and steeper, the more frantic were the efforts of the land turtle. Pushing hind legs strained and slipped, boosting the shell along, and the horny head protruded as far as the neck could stretch.[...] The back legs went to work, straining like elephant legs, and the shell tipped to an angle so that the front legs could not reach the level cement plain. But higher and higher the hind legs boosted it, until at last the center of balance was reached, the front tipped down, the front legs scratched at the pavement, ad it was up."
Quan la tortuga assoleix la carretera, el conductor d'un camió –amo i senyor de la carretera– la veu i fa una maniobra forçada per aixafar-la (...the driver saw the turtle and swerved to hit it). La tortuga, empesa per la roda del camió, és llançada fora de la carretera, novament a la pols dels sembrats, al nivell inferior que amb tant d'esforç havia provat de superar:
"... Lying on its back, the turtle was tight in its shell for a long time. But at last its legs waved in the air, reaching for something to pull it over. Its front foot caught a piece of quartz and little by little the shell pulled over and flopped upright. [...] The turtle entered a dust road and jerked itself along, drawing a wavy shallow trench in the dust with its shell. The old humorous eyes looked ahead, and the horny beak opened a little. His yellow toe nails slipped a fraction in the dust."
A cada nou intent, un nou fracàs, i amb cada nou fracàs, la lluita recomença, amb una cadència cíclica i sense fi. Així, en un camí d'objectius impossibles, es consumeix la vida dels personatges de Steinbeck, i així es consuma la peripècia de Fabiano i la seva família en la novel·la de Graciliano Ramos. Aquestes "vides seques" que omplen les pàgines del que he anomenat l'èpica de la impotència són el paradigma de la vida de tants éssers humans, no ja de la història passada, sinó del nostre món actual.
Si les nostres "reconstruccions" del passat, de les quals ens sentim sovint tant cofois i orgullosos i que tant alimenten la vanitat de les nostres societats, obrissin les seves portes a tots els protagonistes silenciats, oblidats, expulsats de la història –com la tortuga de Steinbeck–, tota la grandesa de les nostres èpiques miserables quedaria en no res, com les bombolles de sabó que, en esclatar, desapareixen. I si això és així en relació amb el passat, què direm del present? Què en restarà, de l'estat del benestar, si la realitat en què vivim instal·lats s'eixampla per donar cabuda a tots els éssers humans, per fer realitat per a tothom sense excepció l'acompliment d'aquests drets humans amb què tan sovint ens omplim la boca? No ja els dret a l'habitatge, a l'educació, a la sanitat, al lleure..., sinó el dret encara molt més elemental a la supervivència.
Al Brasil, aquella terra immensa en un trosset de la qual Graciliano Ramos construeix –amb sensibilitat d'educador i coherència de militant de la igualtat entre els homes– la peripècia vital de Fabiano, la nova presidenta, Dilma Roussef, es planteja com a objectiu –així ho diu– acabar amb la pobresa. És fàcil caure en la temptació de dir que es planteja un objectiu impossible, però no és cert. Moltes de les mil cares de la pobresa –al Brasil i arreu– es poden eliminar. Perquè la pobresa no és condició natural de ningú, sinó càrrega social i arbitraria, i això vol dir que és fruit de la injustícia, la desigualtat, l'abús de poder, la usurpació dels béns i de les fonts de riquesa... I, si és cert que volem proveir-nos d'una societat de drets, la lluita contra aquests mals, que es poden identificar tan inequívocament, ha de ser possible.
No sé la difusió que aquesta traducció de Vidas seques tindrà entre els lectors catalans. Però, vull convidar-los a llegir-la. No hi trobaran herois, ni sants, ni màrtirs, ni glòries nacionals, ni l'èpica de l'astúcia o de la força, temes als quals estem tan avesats i que han omplert tantes i tantes pàgines de ficció literària. Hi trobaran –a més de la qualitat de l'escriptura– una narració honesta, compromesa, que apel·la, sense demagògies, a la consciència, a la dimensió social i ètica del lector, amb el simple testimoni d'aquestes vides seques en una terra –i una societat– hostil. Personatges damnats, itinerants, condemnats a un exili sense fi, mancats de grandesa, protagonistes d'una èpica que no té cabuda en els llibres d'història, l'èpica de la impotència.
Josep A. Vidal
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