Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2010

Evento - Uma "redescoberta" da literatura africana no Brasil

Adelto Gonçalves (*)

I
A Editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) colocou no mercado uma nova coleção, Poetas de Moçambique, em que apresenta antologias dos maiores poetas modernos de língua portuguesa e origem moçambicana. Segundo a editora, os autores escolhidos estabeleceram freqüentemente diálogo com a literatura brasileira, especialmente com as obras de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Cecília Meireles (1901-1964), Vinicius de Moraes (1913-1980) e Manuel Bandeira (1886-1968). Os primeiros volumes são dedicados a José Craveirinha (1922-2003) e Rui Knopfli (1932-1997).

Craveirinha, primeiro autor africano galardoado com o Prêmio Camões, em 1991, é um dos nomes fundamentais da literatura moçambicana. Filho de pai algarvio e mãe ronga, é dono de uma obra concisa, que cobre cinco livros publicados em vida e duas coletâneas póstumas, além de dezenas de poemas espalhados em periódicos e antologias. Este livro reúne os principais poemas do autor com nota biobibliográfica de Emílio Maciel.

Já Rui Knopfli produziu uma encorpada e original obra literária durante o período colonial. Seus poemas selecionados estabelecem diálogo com as principais tradições clássicas e modernas da poesia. O livro traz posfácio com texto crítico e nota biobibliográfica de Roberto Said.

Ao mesmo tempo, a Ateliê Editorial, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), acaba de lançar Portanto... Pepetela, organizado por Rita Chaves e Tania Macêdo, professoras de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP). O angolano Pepetela, nascido Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, ganhador do Prêmio Camões de 1997, é talvez o mais importante romancista de seu país. Com apresentação do moçambicano Mia Couto, o livro reúne 38 artigos e ensaios de estudiosos da obra de Pepetela.

Nada mais alvissareiro do que essa "redescoberta" da literatura africana de expressão portuguesa. Mas desses três autores, apenas José Craveirinha é resultado da mistura do sangue português com africano. O que se espera é que esse interesse não se restrinja apenas a autores lusodescendentes, mas seja aberto a todos os africanos que fazem literatura em Língua Portuguesa.

II
Nada contra Pepetela, Agualusa, Mia Couto ou Luandino Vieira, nomes hoje incontestáveis no panorama da literatura africana de expressão portuguesa. O que se estranha é por que só descendentes de portugueses que nasceram em terras africanas têm largo espaço nos veículos de comunicação de Portugal e nas universidades de Portugal e do Brasil.

Basta ver que o livro Portanto... Pepetela traz, ao final, uma lista de 56 teses de doutorado e dissertações de mestrado defendidas em universidades brasileiras sobre a obra de Pepetela. Um exagero, evidentemente, porque há muitos outros autores africanos de expressão portuguesa que poderiam ser estudados. E não o são. Não se quer acreditar que seja por racismo, pois o que se espera é que esse tipo de comportamento seja algo já superado, sem razão de existir neste começo de século XXI.

Talvez seja ainda a "saudade do império colonial perdido", como disse Patrick Chabal, professor de Estudos Africanos do King?s College, de Londres, para se citar aqui um nome isento destas questiúnculas lusófonas, que impeça os acadêmicos e editores portugueses de enxergar que a lusofonia é uma falácia - que não vai chegar a lugar nenhum - enquanto eles não aceitarem a verdadeira dimensão da língua portuguesa para além da Europa.

Em outras palavras: Pepetela, Agualusa, Mia Couto e Luandino Vieira fazem parte da última geração de lusodescendentes que, nascidos na África, praticam uma literatura com vivência africana. Dentro de 20 ou 30 anos, quando provavelmente já não estiverem mais neste mundo, quem irá representar a Literatura Africana de expressão portuguesa senão os autóctones ou um ou outro miscigenado?

Portanto, o futuro da Língua Portuguesa na África vai depender dos naturais desses países por onde os portugueses criaram raízes - e também daquelas regiões que, hoje, sofrem com a opressão de vizinhos que não falam português. É o caso da Casamansa, província do Sul do Senegal, que ainda aspira livrar-se da opressão de Dakar para se tornar um país independente e membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Será que em Casamansa não há um único poeta ou escritor que escreva em português? Ou somos nós que não queremos vê-los?



Como diz o escritor moçambicano João Craveirinha, por mais que se assumam "lusófonos", os escritores de tez escura serão sempre os "outros", os outsiders, os ex-colonizados. Entre esses, além de João Craveirinha, pode-se citar de uma enfiada Paulina Chiziane, Ungulani ba Ka Kossa, Nelson Saúte, Noémia de Sousa, Kalungano, Luís Bernardo Honwana e Suleimane Cassamo, de Moçambique; Adriano Mixinge, João Melo, Ondjaki, Victor Kajibanga, Uanhenga Xitu, Ana Paula Tavares, Luís Kandjimbo, de Angola; José Luís Hopffer Almada e Germano Almeida, de Cabo Verde; Abdulai Sila, Hélder Proença (?-2009) e Odete Semedo, da Guiné-Bissau; Alda do Espírito Santo e Tomás Medeiros, de São Tomé Príncipe. E muitos outros.

O que é preciso dizer - e quase ninguém o faz - é que persistir nessa visão preconceituosa é um erro, que equivale a dar um tiro no próprio pé, pois recusar-se a reconhecer que o futuro da Língua Portuguesa na África depende dos naturais daqueles países é condená-la ao desaparecimento. E olhem que quem escreve isto é um brasileiro de primeira geração, de pai português de Paços de Ferreira, Norte de Portugal, e de avós maternos açorianos.

III
Embora o desconhecimento no Brasil acerca dos assuntos africanos seja abissal, não se pode deixar de reconhecer que foi graças aos literatos brasileiros que a Língua Portuguesa continuou viva nas décadas de 1950, 60 e 70 na África de expressão portuguesa, especialmente entre aquela camada mais culta, que gostava de ler Jorge Amado (1912-2001), Érico Veríssimo (1905-1975), Guimarães Rosa (1908-1967) e outros tantos.
Rui Knopfli mesmo é um poeta fortemente influenciado pela literatura brasileira, além de suas grandes ligações com a poesia portuguesa moderna. De africano, só carrega o fato de ter nascido em Inhambane. Trata-se de um fino poeta, cuja poesia está entre o que de melhor se escreveu em Língua Portuguesa no século XX, mas que, ao contrário de Pepetela que permaneceu em Angola e lutou contra o colonialismo, deixou Moçambique tão logo o país se separou de Portugal. Jamais se assumiu "moçambicano" no anterior e muito menos no atual contexto africano e sociopolítico do pós-independência. Assumiu-se, sim, como um português de Moçambique agastado com os "pretos" da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) que queriam ser iguais aos "brancos".

A visão que Knopfli tinha da África era eurocêntrica, de um colono que pertencia a uma elite colonial intelectual que, provavelmente, sonhava com um Moçambique semelhante à Rodésia ou à África do Sul sem apartheid, mas com os chamados "brancos" a mandar nos "pretos", ou seja, "cada macaco no seu galho", para se repetir aqui uma expressão politicamente nada correta que se ouve ainda neste Brasil de racismo disfarçado. A lusitanidade européia de Knopfli sempre falou mais alto.

Quem conhece a vida moçambicana pré-independência sabe muito bem que Knopfli atacara a arte banta do escultor Alberto Chissano e do pintor Malangatana em termos depreciativos, como a dizer que eles nunca poderiam ascender a artistas plenos em razão de sua origem "primitiva", tal como os "bons selvagens" de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que seriam congenitamente limitados. Isto está na Revista Tempo, de Lourenço Marques (hoje Maputo), dos anos 1970-1971. Quem duvidar que consulte na Biblioteca Nacional de Lisboa a coleção da revista. Mas é claro que isto ninguém gosta de lembrar.

Como se sabe, na África os conceitos não são os mesmos vigentes no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa em relação ao ser e estar africano. Até porque na África os "nativos" não foram exterminados como os ameríndios nas Américas. E, como continuam a sê-lo no Brasil em pleno século XXI. Para se ter um exemplo desse holocausto, basta ver que os traços indígenas hoje são pouco perceptíveis no brasileiro médio, exceto talvez no homem do Centro-Oeste e do Amazonas, ao contrário do que se pode constatar no Chile, no Paraguai, na Bolívia, no Equador e até na antigamente tão conservadora Argentina. Basta ver o que fazem, nos dias de hoje, certos fazendeiros e seus capangas com os caiowás, em Mato Grosso do Sul, sem que as autoridades tomem qualquer providência mais efetiva.

Na África, os autóctones continuam a ser maioria esmagadora e isso tem um peso enorme na consciência dos africanos, mesmo em meio a crises econômicas. Até mesmo porque eles estavam num estágio de desenvolvimento superior ao dos indígenas americanos, o que obrigou a chamada colonização portuguesa a restringir-se a vilas e destacamentos litorâneos. Até mesmo para "atravessar" o comércio da escravatura, os portugueses dependiam de nações africanas que traziam subjugados seus inimigos para comercializá-los nas praias. Com isso, a ocupação européia, de um modo geral, nunca conseguiu apagar no homem africano o grande sentimento de pertença ao legado banto.

Como tudo isso são águas e ressentimentos passados, o que importa hoje é preservar a Língua de Camões também na África. E essa preservação passa por um apoio mais decisivo em favor da divulgação e estudo da literatura de expressão portuguesa que é hoje praticada por africanos de todos os matizes de pele, indistintamente.
_______________________

PORTANTO... PEPETELA, de Rita Chaves e Tania Macêdo (organizadoras). São Paulo: Ateliê Editorial/Fapesp, 2009, 389 págs., R$ 47,00.
ANTOLOGIA POÉTICA, de José Craveirinha. Organizadora: Ana Mafalda Leite. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 198 págs., R$ 38,00.
ANTOLOGIA POÉTICA, de Rui Knopfli. Organizador: Eugénio Lisboa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 206 págs., R$ 38,00.
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(*)Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

publicado por Carlos Loures às 20:00
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Domingo, 21 de Novembro de 2010

Evento da Literatura Angolana – 1977: Agostinho Neto, Sagrada Esperança

Sílvio Castro

A 1ª. edição do livro de Agostinho Neto, Sagrada Esperança, União dos Escritores Angolanos, Luanda, 1977 tem a força de inauguração dos novos tempos derivados dos grandes fatos de 1974 e que abria igualmente novos horizontes para a gente angolana, mesmo dentro dos horrendos fantasmas trazidos pela guerra civil que tão longamente a atormentará ainda. Nos poemas de Agostinho Neto, impregnados de grande humanidade e de ampla participação com a vida de sua gente e de seu país, corria todo um frêmito de denúncias, mas igualmente de esperanças.

Os poemas de Sagrada Esperança, de certo modo, tivera um aparecimento anterior à histórica edição de Luanda-77, isso com a tradução italiana de Joyce Lussu, Con occhi asciutti, Il Saggiatore, Milão, 1963. Porém, apesar da importância da operação da grande ativista cultural que foi Joyce Lussu, a sua operação não deve ser considerada como o primeiro aparecimento da poesia do poeta angolano. Tudo isso porque, a intelectual italiana tem um conceito de tradução que pode ser considerado discutível, e mais ainda porque trabalhou os textos de Agostinho Neto partindo de uma experiência pouco comum: devido às prisões do lider angolano, a tradutora italiana tem possibilidade de receber os poemas somente por via indireta, isto é, pelas mãos da mulher de Agostinho Neto que recolhia e copiava os poemas ditado a memória pelo poeta condicionado pela violência de seu isolamento nos cárceres salazarista.

À edição de 1977, logo sucede uma 2ª. edição de Sagrada Esperança, a da Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1979. Alguns anos depois, com a plena ação de Agostinho Neto como lider de seu país, aparece a edição brasileira da Editora Ática, São Paulo, 1985.

Agostinho Neto considerava que poesia e política constituiam um corpo único, com plena compatibilidade entre os dois termos. Tudo numa clara consciência da força da História. Certamente como Marx se referiu à filosofia, Agostinho Neto, parafrasendo o seu mestre em política, poderia ter afirmado, como de certa forma o fez, que “a poesia tende a tornar-se realidade”.

A possível interrelação entre poesia e política deve afirmar-se em maneira objetiva, sendo o poeta consciente do valor da tomada de posição e explicitação da consciência política. Principalmente se a sua afirmação é obrigada a ser tal num processo de luta, de revolução. A partir de então, poesia e política, com a vigilância por parte do poeta em relação à natureza estética de sua obra, continua a ser sempre assim, mesmo quando exalta valores retóricos não inteiramente compatíveis com a criação poética. Podemos afirmar que isto é quanto acontece com Agostinho Neto. Desde os seus primeiros poemas, ele os criou consciente que não podia ser uma voz intimamente lírica, mas que desde sempre se sentia comprometido. Comprometido com seu país, comprometido com Angola, com sua gente, sua cultura, suas tradições, seus sentimentos mais profundos.



Tais valores se encontram na maioria dos poemas de Sagrada Esperança, como podemos verificar com a exemplificação da beleza dramática do poema “Noite”:


Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.


São bairros de escravos
mundos de misérias
bairros escuros.

Onde as vontades se diluiram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braços dados com fantasmas.
Também a noite é escura.

Com os seus poemas Agostinho Neto estabeleceu um coerente discurso entre poesia e história, apresentando um visível sistema da realidade, ao mesmo tempo que fazia do canto um processo de tensão, dialético e revolucionário. Por essas grandes razões, fazemos votos que a atuação do lider angolano na sua presidência encontre o melhor e mais breve esclarecimento da crítica histórica, removendo todas as obscuridades de presumíveis violências e injustiças verificadas no longo período da sua liderança política. O grande poeta de Sagrada Esperança deixa presupor e esperar que todas as dúvidas serão certamente esclarecidas.
publicado por Carlos Loures às 16:30
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Sexta-feira, 20 de Agosto de 2010

Ruy Duarte de Carvalho no Terreiro da Lusofonia

EM LOUVOR DO ESCRITOR ANGOLANO RUY DUARTE DE CARVALHO


(1941-2010)

Manuel Simões

Os jornais de 13 de Agosto davam a notícia inesperada de ter sido encontrado morto no dia anterior, em Swakopmund, a segunda cidade da Namíbia, onde se tinha instalado nos últimos anos, este grande escritor de língua portuguesa, quase desconhecido em Portugal, não obstante o Centro Cultural de Belém lhe ter dedicado um ciclo retrospectivo em 2008, de cujo catálogo era possível avaliar a grande dimensão da sua obra repartida por poesia, ficção, ensaio, mas igualmente cinema e fotografia.

Nascido em Santarém foi, ainda criança, para Moçâmedes(Angola), acompanhando a família que “emigrava arruinada mas servida ainda de criada branca e acompanhada de cães de caça”, como viria a escrever num texto autobiográfico. O pai foi um aventureiro, caçador de elefantes vagueando no Sul de Angola, onde Ruy Duarte cresceu. Este voltou a Portugal para fazer o curso de regente agrícola na cidade onde deu “conta da luz do mundo” (a expressão é sua) e, em 1960, com 19 anos, regressou definitivamente a Angola, já então identificado com a terra africana, tendo-se mais tarde naturalizado angolano.

Viajou pelo mundo com o objectivo da observação e do conhecimento de povos e culturas diversos. Antes da independência, conseguiu chegar a Argel para contactar os quadros da luta mas, segundo ele, não o tomaram muito a sério. A sua condição de viajante levou-o depois a estudar cinema em Londres, actividade a que se dedicou entre 1975 e 1981 (cerca de vinte horas de cinema documentário) e antropologia em Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (1979-1986). A antropologia acabaria por marcar o observador e investigador e a reflectir-se na sua obra ensaística mas igualmente na ficção e na poesia. Por exemplo, o seu livro Ondula, Savana Branca (1ª ed. 1982) é um exercício poético à volta de testemunhos da expressão oral africana, partindo das fontes recolhidas em trabalho de campo; e o volume Observação Directa, para além da recuperação de provérbios e da poesia popular pastoril, é o produto de recolhas suas feitas no terreno. Como ele próprio refere na introdução a este volume. “O diário sai mesmo do diário que mantenho quando saio de Luanda e ando pelo sul, a olhar e a tirar notas”. De resto, sabe-se que, a partir de 1992, cumpria o programa de ir passar cinco meses, todos os anos, misturado com os pastores do Namibe.

Autor de onde títulos de poesia, desde Chão de Oferta (1972), passando por Lavra Paralela (1987) ou Hábito da Terra (1988) até Ordem de Esquecimento (1997) e o já citado volume Observação Directa (2000), não são menos importantes os seus livros de ficção, de que se destacam, entre outros, Como se o Mundo não Tivesse Leste (1977), a importante narrativa Vou lá Visitar Pastores (1999) e Os Papéis do Inglês (2000), “narrativa breve e feita agora (1999/2000) da invenção completa da estória de um inglês que em 1923 se suicidou no Kwando depois de ter morto tudo à sua volta segundo uma sucinta crónica de Henrique Galvão”. Três obras que foram editadas em Portugal, a primeira pela Ed. Vega e as outras pela Ed. Cotovia.

Do seu imenso universo literário, transcreve-se aqui um texto que nos legou como “arte poética”, paradigma que viria a constituir o profundo veio da sua escrita, de grande originalidade e rigor formal:


APRENDIZAGEM DO DIZER FESTIVO

Atento, desde sempre, às falas do lugar, nada sei dos sinais se os não confirmo no encontro da memória com a matriz, quando a carência impõe esforços de equilíbrio não entre o corpo e as formas que o sustêm mas entre as margens de uma paragem breve. Registo acasos que desmentem datas e só as não confndem porque é mesmo assim; regularmente e a confirmar a história. Que se constrói, a vida, um texto? Em busca das coordenadas recorro diligente à pauta de um compasso para saber no texto em que me inscrevo o que se sabe do que havia já, as leis que alguma angústia desvendasse, o legado da argúcia, a vocação da pausa.



Um texto é como um esforço de existir. A intenção de um lado, uma proposta vaga, uma moral herdada. Do outro lado o curso das palavras, a esteira do seu eco, os sons e os gestos seguidos uns aos outros, um som que pede um som e essa resposta é já um bolbo de emoção autónoma da força para florir madura, à revelia da intenção primeira.

Assim na vida, quero dizer, no texto. Uma questão de sons, de gestos repartidos, mas já uma cadência que depois está lá. A coerência a haver a comandar o ritmo e a garantir a forma. De que adianta iluminar-lhe o chão?


(De Hábito da Terra, Luanda, União dos Escritores Angolanos, 1988, p. 9).
publicado por Carlos Loures às 08:00
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Sexta-feira, 18 de Junho de 2010

Manuel Rui Monteiro vem até ao Terreiro da Lusofonia


Manuel Rui Monteiro nasceu na cidade de Huambo (antiga Nova Lisboa) em 1941. Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Foi colaborador da revista “Vértice”. Em Angola, onde regressou depois do 25 de Abril de 1974,
ocupou diversos cargos políticos para além de ter sido professor universitário e Reitor da Universidade de Huambo. Poeta, contista, ensaísta, crítico, professor de Literatura, foi galardoado com o Prémio Nacional Agostinho Neto, atribuído à novela Quem me dera ser Onda (1982). É autor da letra do Hino Nacional de Angola.

Da sua obra, destacamos: Cinco Vezes Onze Poemas em Novembro (1985); O Regresso Adiado (1977) Memória de Mar (1980); Crónica de um Mujimbo (1989); 1 Morto & Os Vivos (1993); Rio Seco (1997); Um anel na areia: história de amor (2002); Universo transverso: Conchas e Búzios (2003); A Casa do Rio (2007). Ombela, poesia (2007).

 
Um cantor brasileiro, Martinho da Vila, canta um poeta angolano. Ora ouçam:



Os meninos do Huambo

Com fios feitos de lágrimas passadas
Os meninos do Huambo fazem alegria
Constroem sonhos com os mais velhos de mãos dadas
E no céu descobrem estrelas de magia


Com os lábios de dizer nova poesia
Soletram as estrelas como letras
E vão juntando no céu como pedrinhas
Estrelas letras para fazer novas palavras


Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade


Com os sorrisos mais lindos do planalto
Fazem continhas engraçadas de somar
Somam beijos com flores e com suor
E subtraem manhã cedo por luar


Dividem a chuva miudinha pelo milho
Multiplicam o vento pelo mar
Soltam ao céu as estrelas já escritas
Constelações que brilham sempre sem parar


Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade


Palavras sempre novas, sempre novas
Palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo


Assim contentes à voltinha da fogueira
Juntam palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo

publicado por Carlos Loures às 08:00
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