Ser contra o império americano e todos os malefícios que tem espalhado pelo mundo, não implica ser completamente contra tudo o que diz respeito à América, aos Estados Unidos da América. Há um “Quase”, no quase-completamente contra, que é preciso respeitar, e esse quase são os grandes vultos da sua cultura - nas artes, incluindo o cinema, na ciência e na literatura. Relativamente a esta última, George Steiner, brilhante figura de pensador da actualidade, afirmou, em entrevista recente à revista “LER”, serem as literaturas americanas, quer a da América do Norte, quer a da América do Sul, as mais florescentes dos nossos dias, tendo mesmo ultrapassado a literatura europeia.
Daí que o "Jardim" tivesse decidido assinalar a data de 4 de Julho com um poema da bela obra “Folhas de Erva” (Leaves of Grass) de Walt Whitman a fazer-nos lembrar que, se a cultura nunca nos salvou da barbárie, sem ela o mundo seria bem pior.
Walt Whitman Do Oceano Que Avança, A Multidão
Do oceano que avança, a multidão, uma gota veio docemente até mim,
Murmurando: Amo-te, morrerei brevemente,
Fiz uma longa viagem apenas para te olhar, para te tocar,
Pois não podia morrer sem te haver olhado uma vez,
Pois receava perder-te a seguir.
Agora que nos encontrámos, nos olhámos, estamos tranquilos,
Regressa em paz para o oceano, meu amor,
Também faço parte desse oceano, meu amor, não estamos assim tão separados,
Olha para o grande globo, a coesão de tudo, como é perfeito!
Mas quanto a mim e a ti, ao mar irresistível que deve separar-nos,
Quanto a uma hora que nos leve em direcções opostas, nada há-de poder levar-nos assim para sempre;
Não estejas impaciente — por um instante — e fica a saber que saúdo o ar, o oceano, a terra,
Todos os dias ao pôr-do-sol, por ti, meu amor.
(in Walt Whitman, Folhas de Erva (Leaves of Grass), Vol. I, Relógio d'Água)
E quem não se lembra da cena do filme "Esplendor na Relva", de Elia Kazan, em que Natalie Wood (Deanie) lê e discute uma parte do poema de William Wordsworth "Ode: Intimations of Immortality" na aula de inglês?
À direita:Com sua esposa, Angelina Brandão (quadro de Columbano)
Falemos então deste escritor forjado não só pela sua grande sensibilidade como também pela sua experiência de vida – a escolar, a jornalística, a militar... A obra de todos os escritores é sempre, de uma ou de outra forma, o produto das suas respectivas vivências. Raul Brandão, porém, é um homem que baseia os seus livros em consistentes alicerces, construídos com a argamassa das recordações que foi acumulando, memórias de seres humanos com os quais se foi cruzando ao longo da sua existência. As suas personagens, a Candidinha, o Gabiru, o Gebo, a Joana, a Luísa, o Ziem, o Vaz, são arrancadas à vida real, sentimo-las palpitar, na sua carne de papel e tinta – convivem e interagem connosco.
Pelo princípio da derradeira década do século XIX, Raul fazia parte da imensa hoste de escritores seduzidos pelo Simbolismo vivendo um período dominado pelo nefelibastismo. Porém, a preocupação humanista pela sorte dos humilhados e ofendidos, a condenação da exploração do homem pelo homem, a denúncia das chagas sociais feita um pouco à maneira dos seus mestres russos, constitui a nota dominante da sua produção literária, surgindo sempre, sob as diversas camadas sedimentares que vai acumulando ao longo da sua evolução como escritor, como visão estruturante e unificadora da sua obra – «Por cada homem que amontoa ouro há cem criaturas morrendo de desespero», diz em Os Pobres.
São também bastante elucidativas as palavras com que termina o romance Húmus: «Não só os sentimentos criam palavras, também as palavras criam sentimentos. As palavras formam uma arquitectura de ferro. [...] É com palavras que são apenas sons que tudo edificamos na vida. Mas agora que os valores mudaram, de que nos servem estas palavras? É preciso criar outras, empregar outras, obscuras, terríveis, em carne viva, que traduzam a cólera, o instinto e o espanto.»
Quando, em 1890, ainda sob a influência das ideias filosóficas, políticas, sociológicas e religiosas de Sampaio Bruno bem como do estilo ironicamente acutilante de Fialho e da prosa requintada, mas ferina, de Eça (para não falar de uma técnica narrativa que algo terá bebido em Camilo Castelo Branco), publica o seu primeiro livro, Impressões e Paisagens, recorre a pedaços da sua experiência da infância vivida entre lavradores e gente do mar, para esboçar quadros da vida dos camponeses e dos pescadores. Em 1886, José Pereira de Sampaio Bruno publica o ensaio Geração Nova, no qual contesta o realismo-naturalismo e o positivismo de Auguste Comte e defende os valores do moderno romance russo, exaltando particularmente Fedor Dostoievski: «o novo romance é um mundo moderno, uma concorrência cognitiva, representa uma crise moral.», diz Sampaio Bruno no seu ensaio.
E esta parece ser a bússola por onde Brandão orienta as suas primeiras navegações. Mas nem só das memórias da infância e da juventude e das influências de Bruno, Fialho e Eça, construiu o seu primeiro livro, pois numa carta a Alberto Allen Bramão, um dos seus companheiros das lides jornalísticas (que viria a ser deputado e secretário particular do penúltimo chefe de governo do regime monárquico, Ernesto Hintze Ribeiro), diz-lhe que foi também das discussões que em tempos tiveram sobre Arte que aqueles contos nasceram. Quando, sob o pseudónimo colectivo de Luís Borja subscreve o panfleto Os Nefelibatas, o seu decadentista arsenal literário e ideológico continua a ser sensivelmente o mesmo: «Anarquistas das Letras, petroleiros do Ideal, desfraldando ao vento sobre os uivos e os apupos dos sebastianismos retóricos o estandarte de seda branca da Arte Moderna.»5
Em 1896, ainda sob a influência bruniana atrás referida, misturando textos de ficção com outros de ideias que viera produzindo desde 1890, publica História Dum Palhaço. Em 1899 representa-se no Teatro de D. Maria II, a peça A Noite de Natal, que escreve de colaboração com Júlio Brandão Em 1901 sai um outro seu panfleto, O Padre. Em 1902, sobe à cena, desta vez no D. Amélia (actual São Luís) o drama de sua autoria O Maior Castigo. Em 1903 publica mais uma obra de ficção, A Farsa, que dedica «Ao Grande Poeta Guerra Junqueiro», romance de que nos fica a imorredoira personagem da Candidinha; em 1906, é a vez de Os Pobres (um dolorismo redentor), com um prefácio de Guerra Junqueiro, onde o poeta diz «Não vejo diante de mim um poema estéril, obra dos sentidos, da imaginação e da volúpia. Vejo um acto profundo, espontâneo de imensidade religiosa. O homem que se confessa abala-me e deslumbra-me.» Figuras como o Gebo e o Gabiru, surgem-nos neste conjunto de ficções em toda a grandeza da sua dimensão humana. Na sua edição de 1984, este livro contém um esclarecedor «estudo-introdutório» escrito por Vítor Viçoso (esclarecedor não só sobre este livro, mas sim sobre toda a obra de Raul Brandão). Todavia, será a partir de 1912 que irão surgir as suas obras de maior fôlego e significado. É neste ano que se publica a sua obra historiográfica El-Rei Junot, dedicado a sua mulher, em cuja introdução proclama: «A história é a dor, a verdadeira história é a dos gritos.»; em 1914, sairá, também de raiz histórica, 1817: A Conspiração de Gomes Freire6, dedicado à memória de Maximiliano de Azevedo, escritor, jornalista e investigador, que foi director do Arquivo Histórico Militar. A propósito destas incursões de Brandão no campo da historiografia, Victor de Sá, no seu excelente prefácio à edição de 1988, salienta: «É certo que Raul Germano Brandão [...] não foi propriamente um historiador, nem nunca se terá pretendido como tal. A sua obra literária, de intenso humanismo e entranhada interioridade, está aí para o demonstrar.» [...] «No caso de Raul Brandão importa sobretudo considerar o estado em que se encontrava a historiografia portuguesa no início da República, cuja mudança de regime fugazmente lhe despertou a veia historicista.» A visão dolorosa da realidade nacional impôs-lhe a intervenção num terreno que, em princípio, nunca seria o seu.
Ainda em 1917, publicará aquele que é na opinião de muitos a sua mais bela obra - o romance Húmus. No dizer de José Régio, é um romance moderno na medida em que a sua escrita corresponde ao «espírito moderno» [...] «assimilável ao espírito romântico – tomando os termos na sua mais ampla acepção.»7 Em 1919 publicar-se-á o primeiro volume das suas Memórias, com o segundo a ser editado em 1925 (ou 1926), e o terceiro (Vale de Josafat) a sair postumamente, em 1933. Esta obra, tão reveladora do permanente sentimento humanista do escritor, fala bastante mais dos outros do que de si mesmo. Na sua tertúlia de amigos, ouvia, registava na sua memória e na sua sensibilidade fotográficas os pormenores mais impressivos dessas conversas, tomava depois notas em jeito de diário e lega-nos, desse modo, uma das obras mais notavelmente elucidativas sobre o que foram, no campo social, moral, político e cultural, essas primeiras três agitadas décadas do século XX. Tempo de revoltas e de revoluções, de regicídios e de golpes militares; em suma, de convulsões profundas.
No ano de 1923 dará à estampa outra das suas mais belas obras, Os Pescadores, resultado quer do seu conhecimento da vida do mar, quer de uma viagem que faz aos Açores e de um percurso que realiza por praias e por aldeias de pescadores. No prefácio da edição de 1988, José Cardoso Pires salienta: «Um escritor que registou a paisagem com esta inquietação e com estas referências não cabe nas molduras que alguns leitores apressadamente ainda pretendem impor-lhe com veneração. A sua leitura do país vai mais longe, tem outro futuro - projecta-se na actualidade do nosso viver e da nossa escrita.»8
As Ilhas Desconhecidas, livro publicado em 1926, insere-se dentro da mesma linha de evocação de mitos locais e de descrição de quadros da faina piscatória. Neste mesmo ano de 1923 publica três peças de teatro - o Doido e a Morte, O Rei Imaginário e O Gebo e a Sombra. Em 1929, será editada outra das suas obras mais destacadas – O Avejão. O Pobre de Pedir, na linha confessional e autobiográfica das Memórias, apenas será publicado postumamente em 1931. Na edição de 1984, além de uma apresentação expressamente escrita por Guilherme de Castilho (que viria a falecer em 1987), inclui-se ainda um valioso estudo introdutório de Vítor Viçoso. Um comovido texto de Maria Angelina Brandão, vindo da edição original, integra ainda este volume. Também com edição póstuma, sai em 1984, precedida de uma exaustiva introdução de Túlio Ramires Ferro, a sua obra Os Operários. Constituiria uma grave omissão falar da obra de Raul Brandão sem referir a «Casa do Alto», situada na Nespereira (Guimarães), uma aldeia minhota enterrada entre pinheirais e serranias, para onde, já casado foi viver em 1903. Ela desempenhou um importante papel na sua vida de escritor, pois ali, na sua torre, produziu textos como El-rei Junot, A Conspiração de 1817, Húmus, A Farsa, os dois primeiros volumes das Memórias, Os Pescadores, As Ilhas Desconhecidas e O Portugal Pequenino, escrito em colaboração com Maria Angelina. Diz nas Memórias: «A certa altura da vida tive a impressão de que me despenhara num mundo de espectros. A face humana meteu-me medo pelo que nela descobria de repulsivo e de grotesco. Fugi para poder viver [...] Fugimos para a aldeia... a nossa casa fica a meia encosta da colina. Por trás, o mar verde dos pinheiros, em frente, os montes solitários. Este cantinho rústico criei-o eu palmo a palmo.»
É muito difícil encontrar um escritor português cuja obra, como a de
Raul Brandão, tenha influenciado
de forma tão evidente a escrita de tantos outros escritores das gerações e das escolas literárias que à sua se seguiram. A matriz positivista comtiana cujas pegadas encontramos também em escritores portugueses anteriores e posteriores, como Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoais, Fernando Pessoa, para não falar na grande maioria dos escritores da chamada Geração de 70 e, depois, a dimensão humanitarista por ele assimilada, sobretudo, através da atenta leitura dos grandes ficcionistas russos Tolstoi, Dostoievski e Gorki, irá ter eco, século XX adentro, no grupo da Presença – José Régio, Branquinho da Fonseca, António Navarro, João Gaspar Simões, Edmundo de Bettencourt, Adolfo Casais Monteiro, Miguel Torga, Fausto José... e evidenciar a sua semente noutras obras posteriores, como a de Ferreira de Castro, José-Rodrigues Miguéis, José Gomes Ferreira, Manuel Mendes, Carlos de Oliveira, Jorge de Sena, José Cardoso Pires, Herberto Hélder, para referir apenas alguns dos casos mais relevantes.
Na realidade, «poucos autores portugueses deixaram até nós um rasto tão visível», como disse a seu respeito Óscar Lopes. Pertencente a uma geração literária fortemente influenciada pelo Simbolismo-Decadentismo que de França nos chegava, escritores cujas obras iriam iluminar o século seguinte, fazendo parte daquela a que também chamaram a «geração de 90», da qual fizeram parte, entre outros, Eugénio de Castro, Camilo Pessanha, Wenceslau de Morais, António Patrício, António Nobre, Alberto de Oliveira, Júlio Brandão, Justino de Montalvão, D. João de Castro, todavia, Raul Brandão seria, entre todos eles, o que, rompendo com esse decadentismo finissecular, mais raízes veio a deixar na literatura das décadas futuras. A sua obra não terá por certo sido das mais vastas, contudo é das mais ricas na gama de tonalidades humanas das suas personagens e até mesmo nas hábeis dissonâncias que soube criar entre o trágico e o grotesco das situações ficcionais em que as envolveu. Talvez por isso, por essa modernidade latente na sua técnica efabulatória, tenha funcionado como um farol, como uma luminosa referência para as gerações seguintes.
Filho e neto de gente do mar, «o mar será também para ele um apelo sempre presente».1 A infância passa-a nesse ambiente que virá a descrever de forma tão eloquente quanto comovida em Os Pescadores. Nas suas Memórias descreve: «Esta Foz de há cinquenta anos, adormecida e doirada, a Cantareira, no alto do Monte, depois o farol e sempre ao largo o mar diáfano ou colérico, foi o quadro da minha vida. Aqui ao lado morou a minha avó; no armário, metido na parede como um beliche, dormiu em pequeno o meu avô, que desapareceu um dia no mar com toda a tripulação do seu brigue, e nunca mais houve notícias dele.» [...] «O que sei de belo, de grande ou de útil, aprendi-o nesse tempo, o que sei das árvores, da ternura, da cor e do assombro, tudo me vem desse tempo... Depois não aprendi coisa que valha. Confusão, balbúrdia e mais nada»2
Na escola que, sob a direcção das senhoras Militoas, funcionava por essa época na Foz Velha, aprende as primeiras letras. Devido a incidentes da sua saúde frágil interrompe os estudos por dois anos, indo depois com os pais para o Porto, onde inicia o curso liceal no Colégio de São Carlos. Sobre este período da sua vida, recorremos de novo às suas Memórias: «Inverno. Luz turva. Um casarão enorme no alto da Rua Fernandes Tomás dentro de uma cerca calcinada... Entro: sala enorme, cheia de petizes dominados pelo mesmo sentimento de terror - 8×7? - 8×7? - Entre as bancadas passeia um homem atarracado e grosso de cabelo encarapinhado de mulato, botas de montar e a palmatória metida no cano das botas: - 8×7? - E o seu vozeirão mete medo. - Eu tinha todos os dias cólicas horríveis, antes de entrar no colégio de S. Carlos, e foi ali que principiei a estragar os meus nervos e a amargar a vida. [...] Foi ali», dirá também «que principiei a estragar os meus nervos e a amargurar a vida; há quem tenha saudades do colégio: eu sonho às vezes com ele e acordo sempre passado de terror...»3 Porém, nem tudo terá sido tão sinistro como a aprendizagem da tabuada, pois é naquela escola que Brandão desperta para as letras – no Andaluz. Em 1888 completa o curso liceal e, no ano lectivo seguinte, começa a frequentar como ouvinte o Curso Superior de Letras da Universidade do Porto.
Entretanto, é promulgada a obrigatoriedade da prestação do serviço militar e Raul assenta praça, matriculando-se depois na Escola do Exército. Recorramos de novo às suas Memórias: «Na Escola do Exército ensinavam, no meu tempo, coisas inúteis que me deram mais trabalho a esquecer que a aprender.» Na realidade, a carreira militar não se adequava à sua natureza pacífica e contemplativa. No registo das provas que presta, em 1893, no Regimento de Infantaria nº. 6, do Porto, figuram as seguintes elucidativas classificações: «Tiro: atirador de 2ª classe; ginástica: medíocre; esgrima: medíocre.» No entanto, segundo parece, a vontade do pai e o desejo de sua mãe de o ver garbosamente uniformizado, prevaleceram.
De acordo com elementos constantes da sua folha de serviço, além de algum tempo de quartel, uma grande parte da sua vida de oficial decorreu imerso em papelada, em trabalho meramente burocrático. Quando, já na idade madura, faz um balanço da sua vida militar, diz-nos: «Durante o tempo que fui tropa vivi sempre enrascado, como se diz em calão militar. Tudo me metia medo, os homens aos berros que ecoavam no quartel (era o Cibrão na secretaria); castigo para um lado, castigo para o outro; e as coisas negras, feias, agressivas, a parada, a caserna, as retretes. Levo para a cova a imagem daquelas retretes como uma das coisas mais infames que conheci na vida. O Inferno deve ser uma retrete de soldado em ponto maior...»4
4.1 Romancistas, novelistas, contistas portugueses
Naturalmente, eu não poderia começar a tratar desta seção correspondente aos meus livros recebidos com dedicatórias autógrafas de prosador português senão com o nome de José Saramago. Romancista de imensos méritos, primeiro e até hoje único Prêmio Nobel para a Literatura recebido por um escritor de língua portuguesa, Saramago é um marco da história literária de todos os (oito) países que comungam da mesma expressão linguística do autor de Levantado do chão. À sua obra dedicamos muitos trabalhos escritos em Portugal, no Brasil, na Itália e na Suiça.
Em particular, neste último país publicamos um amplo perfil do autor, “L’invenzione della realtà e della storia – José Saramago”, in Profili Letterari, n° 5, Mendrisio (Suiça), 1994. Sobre a mesma obra debatemos em congressos internacionais, em particular aquele de Pádua, Veneza e Trieste:
“Convegno Internazionale su José Saramago (Premio Nobel per la letteratura, 1998), Università de Padova, Venezia e Trieste“, de 13 a 15 de maio de 1999. Nesta ocasião pronunciei uma conferência sobre o tema: “A Jangada de Pedra: dal fiume patrio al mare ilimitato”. Além disso, convidei diversas vezes Saramago à Universidade de Padova para contatar com os meus estudantes do setor de Português, a começar em maio de 1985, depois do grande sucesso internacional de seu magnífico romance, Memorial do Convento, ocasião que serviu ao escritor para apresentar a versão italiana do mesmo.
Nesse convite ao romancista estava incluída igualmente a presença de sua primeira esposa, a romancista Isabel da Nóbrega. O casal já apresentava os primeiros dados de uma não distante separação. Durante o nosso encontro paduano, sentindo o quase isolamento da romancista, dediquei particular atenção à significativa escritora. De Isabel da Nóbrega recebi então um exemplar de seu romance Viver com os outros, 5ª. ed., Livr. Bertrand editora, Lisboa, 1984; no qual ela me escreveu a seguinte dedicatória:
$$
“Para o
Professor Silvio Castro,
agradecendo a maneira
calorosa como nos recebeu
em Pádua,
com muita simpatia e
admiração,
Isabel das Nóbrega
- 1985 -“
Diretamente de José Saramago tenho somente um seu volume, um exemplar com dedicatória de um dos melhores romances do nosso Prêmio Nobel em Literatura, O Ano da morte de Ricardo Reis, 4ª ed., Editorial Caminho, Lisboa, 1984, no qual exemplar ele me comunica:
“A Sílvio Castro
esta história fantasmal
e poética, num país poético
e fantasmal –
com a muita estima
e admiração do
José Saramago
Maio 85“
Com a devida vénia transcrevemos esta notícia do Jornal de Notícias de 3/4/2011:
O poeta e crítico literário Eduardo Pitta defendeu que a literatura "parece ter-se transformado num campeonato de misses" e que há escritores importantes que foram esquecidos porque "os portugueses são um povo de memória curta".
Eduardo Pitta falava numa mesa de debate sobre "Os Escritores Esquecidos" da primeira edição do Festival Literário da Madeira, uma iniciativa dos consultores editoriais Booktailors e da editora Nova Delphi que reuniu cerca de 20 escritores entre sexta-feira e domingo no Funchal.
Na sua opinião, a literatura transformou-se "num campeonato de misses": "Quem passa hoje nos media é quem tem uma cara laroca. A fama passa por parâmetros que no meu tempo estavam associados à Vogue e agora estão associados à vida literária".
"Entretanto, o escritor perdeu estatuto. Qualquer apresentador de televisão tem mais estatuto que um escritor", comentou, antes de enumerar alguns escritores portugueses esquecidos.
Entre eles, Fernando Namora -- "o mais lido e o mais traduzido, para línguas vivas e mortas. Quem é que hoje lê o Namora?", interrogou-se -, Natália Correia e David Mourão-Ferreira, José Régio, Eugénio de Andrade, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Urbano Tavares Rodrigues, Almeida Faria, Herberto Helder e Ruy Belo -- "uma espécie de patronos da poesia".
Por sua vez, Afonso Cruz pensou primeiro que o escritor esquecido é "aquele que nunca poderá escrever as próprias memórias" e só depois olhou para as suas estantes e concluiu que estava na mesa de debate certa, porque a maior parte das obras nas suas prateleiras pertencem a escritores esquecidos.
Deu alguns exemplos: Maximo Gorki, Giovanni Papini, Dostoievski -- "que não é um autor esquecido, mas algumas das suas obras são" -, Thomas Mann -- "se alguém quiser ler a tetralogia do José, não existe em português" -- e um outro outro, que classificou como "o esteio da cultura ocidental" e que durante mil anos não foi lido.
"Estou a falar de Platão. Só em 1415, com a queda do Império do Oriente, de Constantinopla, é que ele foi traduzido. Até aí, só era lido no Oriente. Até dava um bom título: 'Mil Anos de Esquecimento'", gracejou.
O romancista e ensaísta italiano António Scurati falou da perda de estatuto do escritor, da excessiva mediatização dos novos autores, da perda de valor da palavra literária no seu país e da quota parte de culpa que o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, tem nesse processo.
Violante Saramago, filha de José Saramago, apresentou-se como "uma leitora", explicou que é bióloga e política e que nunca estudou literatura, e decidiu centrar-se apenas num escritor esquecido, Aquilino Ribeiro, deixando um apelo para a reedição da sua obra completa.
Ando há tempos para trazer aqui algumas palavras sobre um grande intelectual – José Luis Sampedro. É um escritor catalão de língua castelhana muito pouco conhecido em Portugal. Li o seu romance La sonrisa etrusca em 1993. Comprei-o uma noite, após o jantar, num dos quiosques das Ramblas, por onde gosto de deambular. Por essa altura, ia a Barcelona com grande frequência. Para os almoços havia sempre muitos colegas a convidar-me. Os jantares eram, em regra, solitários, pois todos iam para suas casas. Uma vez ou outra, o meu saudoso amigo Deiros, administrador-delegado da empresa para a qual eu trabalhava, me convidava para jantarmos no Círculo Ecuestre (no cruzamento da Avinguda Diagonal com a carrer Balmes) de que era sócio. Ambiente e comida óptimos.
Mas o jantar dessa noite foi num qualquer restaurante do Bairro Gótico. Antes de vir até ao hotel, dei a volta ritual pelas Ramblas e, num quiosque em frente do Teatre del Liceu, deparei com o livro do José Luis Sampedro, uma edição da Alfaguara – a trigésima terceira, datada de 1992.. Já ouvira falar, mas nunca lera nenhum dos seus livros. Quando, ainda cedo (onze horas?) me deitei e comecei a ler o livro, estava longe de pensar que me iria acontecer o que aconteceu – só deixar de o ler quando vi que era dia e tinha um dia de trabalho pela frente.
Estava já a clarear e tinha de estar muito cedo na editora – como o Josep Vidal pode comprovar , os catalães são rigorosos. Continuei a ler no aeroporto, depois no avião e já acabei a leitura em casa – 350 páginas. Fiquei fascinado com aquela história que um escritor catalão (e que escreve em castelhano) situa em Itália. Digamos que é um bom exemplo do vigor cultural da pátria latina, mesmo nos nossos dias em que a onda avassaladora da anglofização quase não nos deixa respirar.
A história é simples - um velho calabrês chega a casa de um filho em Milão para fazer uma revisão geral – análises, radiografias, electrocardiogramas…
No Museu Romano de Villa Giulia a sua atenção fixa-se no sarcófago etrusco, sobre o qual as esculturas de um casal deitado num triclínio sorri. Como se aqueles dois longevos amantes, Os esposos (como se chama a peça) se rissem da morte. A imagem fica-lhe gravada. Viverá em Milão duas grandes emoções que também o farão sorrir da morte – o neto, que desconhecia, e no qual derrama todo o seu amor e também o amor romântico por uma mulher. A sua última aventura amorosa. Recomendo a leitura e, por isso, não vos conto a história, só vos deixando sobre ela um tópico – o amor é uma vitória sobre a morte. É uma história maravilhosa, bem escrita e esplendidamente efabulada.
E começou aí o meu interesse por José Luís Sampedro escritor que até então desconhecera. Li os seus romances e mais recentemente descobri a sua faceta de humanista. Comecemos então por revelar alguns dados essenciais da sua biografia.
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José Luis Sampedro Sáez nasceu em Barcelona no dia um de Fevereiro de 1917. Além de escritor e de humanista, é também um reputado economista, defendendo uma economia mais humana, mais solidária e capaz de contribuir para o desenvolvimento e dignidade dos povos.
Entre o ano em que nasceu e os 13 anos, viveu em Tânger. Em 1936, ao eclodir a Guerra Civil, foi mobilizado pelo Exército Republicano, alistando-se depois naquilo que se chamou «exército nacional» - os rebeldes falangistas.
Acabada a guerra, já em Madrid, frequenta o curso de Ciências Económicas na Universidade Complutense, concluindo-o em 1947. A partir de 1955 e até 1969, faz parte do corpo docente dessa mesma universidade. Ao mesmo tempo ocupa diversos cargos no Banco Exterior de España, chegando a ser seu Subdirector Geral. Em 1976 volta ao banco como assessor de Economia. E ao mesmo tempo que desenvolve a sua actividade docente ou como economista, começa a publicar a sua obra literária. Quase centenário, continua com a sua acutilância humanística a criticar a decadência moral e social do Ocidente, do neoliberalismo, bem como as brutalidades do capitalismo selvagem.
Hei-de voltar a falar deste escritor. Sobretudo sobre a sua faceta de economista.
Para já, sobre ele vou dar a palavra a José Saramago:
Esta tarde ouvi falar de José Luis Sampedro, economista, escritor, e, sobretudo, sábio daquela sabedoria que não é dada pela idade, ainda que esta possa ajudar alguma coisa, mas pela reflexão como forma de vida. Perguntaram-lhe na televisão pela crise de 29, que ele viveu em criança, mas que depois estudou como catedrático. Deu respostas inteligentes que os interessados em compreender o que está ocorrendo encontrarão nos seus livros, tanto escreveu José Luis Sampedro, ou procurando a reportagem na rede, mas uma pergunta que ele próprio fez, não o jornalista, ficou-me gravada na memória. Perguntava-nos o mestre, e também a si mesmo, como se explica que tenha aparecido tão rapidamente o dinheiro para resgatar os bancos e, sem necessidade de qualificativos, se esse dinheiro teria aparecido com a mesma rapidez se tivesse sido solicitado para acudir a uma emergência em África, ou para combater a sida… Não era necessário esperar muito para intuir a resposta. À economia, sim, podemos salvá-la, mas não ao ser humano, esse que deveria ter a prioridade absoluta, fosse quem fosse, estivesse onde estivesse. José Luis Sampedro é um grande humanista, um exemplo de lucidez. O mundo, ao contrário do que às vezes se diz, não está deserto de gente merecedora, como ele, de que lhe dêmos o melhor da nossa atenção. E façamos o que ele nos diz: intervir, intervir, intervir.
(in Outros Cadernos de Saramago, 24 de Outubro de 2008)
coordenação Pedro Godinho
Recanto dum jardim público. Dous bancos, próprios do sítio, um dando frente ao público, em direcçom horizontal à embocadura, o outro em posiçom vertical a ela e num lateral.
Atrás do primeiro, quando menos, umha árvore em cujas pólas podam pousar as duas aves exóticas que aparecerám imediatamente.
Ave 1: | Onde é que nos encontramos? |
Ave 2: | Pois nom o sei. Nunca é fácil sabê-lo com certeza, tudo se vai uniformando tanto no mundo que todas as cidades parecem a mesma. Iguais avenidas, «scalestrix», «buildings». Que nojo! |
Ave 1: | Vamos dar outra revoada a ver se pesquisamos algo orientador. |
Ave 2: | Se déssemos coa Oficina de Turismo. |
Ave 1: | Impossível, nom podemos rasear o voo com tantas espingardas de ar comprimido em maos dos escolares. |
Partem as aves. Entram polo lateral vazio dona Claustófila e dona Reverenciana, ambas andam por umha idade mais que madura, ambas som atesadas, enxoitas e desluzidas como folha de bacalhau. Sentam-se no banco que dá frente ao público, tiram dos bolsos o novelo de lá e as longas agulhas de calcetar para continuar o labor encetado, parecem simular um jogo de esgrima a florete. Entra por onde antes elas o figérom o HOME, tamém maduro, roupas e chapeu amarfanhados, mal barbeado, tudo nel tem aspecto, se nom precisamente sujo, si desajeitado, esbaldragado. Porta um grande pára-águas sem enrolar e uns diários. Tenta sentar-se no sítio livre que deixam no extremo do banco as senhoras; mas para llo impedir correm-se elas rapidamente ocupando-o. Deixam, pois, livre o extremo oposto e ali dirige-se o HOME; mas novamente umha das mulheres apressura-se a ocupá-lo escorrendo o cu ao longo do assento. Fica agora livre o centro do banco. O HOME olha-o dubitativo e quando decide sentar-se as mulheres colocam as agulhas de ponta no sítio.
O HOME brinca ao sentir a punçada e esfrega as nádegas olhando em volta, repara no outro banco vazio, dirige-se a el, acomoda o guarda-chuva pendurado no espaldar e some-se na leitura dos diários. As mulheres, agora ajuntadas de novo, intercambiam gestos e olhadas como dizendo-se: «apanhou o merecido».
Começa a chover. O HOME abre o pára-águas. As senhoras guardam apressadas as calcetas nos bolsos. Hesitam em que fazer e correm a sentar-se umha a cada lado do HOME a coberto do grande guarda-chuva. O HOME olha umha e outra entre estranhado e burlom, depois vai fechando lentamente o pára-águas até que nom protege mais que a sua própria cabeça. As mulheres, vendo-se sem agarimo, erguem-se e fogem fora da cena em procura de refúgio, e vam dizendo: «Nom hai cortesia».
Retornam as aves a pousar no mesmo ramo.
Ave 1: | Averiguaste por onde é que voamos? |
Ave 2: | Parece ser que estamos sobre umha terra que chamam Noroeste, lim muitas alusons a esse ponto. |
Ave 1: | E onde vem caindo isso mais ou menos. |
Ave 2: | Polo Suroeste da Europa. |
Ave 1: | Como pode ser isso de que o Noroeste seja o Suroeste? |
Ave 2: | É segundo desde onde se olhar. |
Ave 1: | Parece contra-senso. |
Ave 2: | Pois tem o seu senso e como mandam os noroestistas nom permitem outro ponto de mira que o seu. |
Ave 1: | Hai ditadura |
Ave 2: | Nisso, si. E os suroestistas, os que contemplam o país desde a Europa, som postos fora da Lei. Parece que hai muito enguedelho. |
Ave 1: | Pois estamos boas! Se começam a tiros nom o vamos passar muito bem que digamos. |
Ave 2: | Antes nos imos embora, que já vai acalmando o chuveiro. |
O HOME fecha o pára-águas que volvera a abrir de todo em se indo as madamas que agora retornam em direcçom para o seu banco.
Dona Claustófila: | (Apalpando o assento). Está molhado. |
Dona Reverenciana: | (Apalpando igualmente). Está molhado. |
Permanecem em pé indecisas. O HOME oferece-lhes os diários, elas tomam-nos com vénia e sorriso de agradecimento. Cada umha lê em voz alta o título do que tomou: «A Liberdade», «A Democracia». Umha entrega-lho à outra apressadamente, como se lhe queimasse a mao. Repetem o intercámbio de mao a mao sempre como se de tiçom aceso ou ferro ardente se tratasse. Afinal, dona Claustófila em poder dos dous diários, vai-nos colocando estendidos no assento do banco.
Dona Reverenciana: | Para que fai isso dona Claustófila? Em riba disso nom me sento. |
Dona Claustófila: | (Cessando na tarefa). Nom lhe falta razom, dona Reverenciana. Desculpe. Nom resulta bom assento para senhoras da nossa casta. |
Dona Reverenciana: | Dos nossos princípios. |
Dona Claustófila: | Diga que nom é bom assento para ninguém. |
Dona Reverenciana: | (Heróica, lançando umha olhada desafiante para o HOME). Digo, claro que digo! Digo mui alto para que todos podam ouvir. |
Marcham a encostar-se no tronco da árvore e reanudam os seu labor de calceta. Entra um rapaz e umha rapaza colhidos da cintura. Vestimenta unissex. Sentam-se no banco coberto polos diários e começam a acarinhar-se: abraços, beijos. O HOME desentendido do entorno vai preparando o seu cachimbo. As mulheres, entre volta e volta de agulha, esguelham olhadas de indignaçom para os amantes.
Dona Claustófila: | Está vendo, dona Reverenciana? |
Dona Reverenciana: | Nom há vergonha, dona Claustófila. De onde virá tanta despudícia? |
Dona Claustófila: | Nom o pergunte,que está claro: vem-lhes do assento. Nom deveríamos ter deixado esses papéis ali. |
Dona Reverenciana: | Certamente que nom é assento apropriado para a mocidade. |
Dona Claustófila: | Umha mocidade sã há de assentar sobre a obediência, sobre a disciplina. |
Dona Reverenciana: | Diga que si. |
Dona Claustófila: | Digo. |
Dona Reverenciana: | Em certo modo somos responsáveis. Sem intençom, claro é, mas proporcionamos-lhes assento para o escándalo. |
Dona Claustófila: | Por que deixaria eu ali estendidos esses diários? Que imprevisom! (Batendo no peito). Mea culpa! Mea culpa! |
Dona Reveranciana: | Ainda podemos fazer algo para impedir tanta perdiçom. |
Dona Claustófila: | Vamos sentar a rente deles que a nossa presença há de coibi-los. |
Venhem sentar umha em cada extremo do banco. Os rapazes, no centro, entregues a beijos e alouminhos, nem se inteiram. Dona Reverenciana carraspeia para se fazer notar. Sem resultado. Dona Claustófila carraspeia mais forte. Sem resultado. Ambas intercambiam gestos de estranheza, de escándalo, de indignaçom. A rapaza monta a cavalo no regaço do moço e joga-lhe cos cabelos, depois tira do peto um maço de cigarros e pede-lhe lume. El apalpa-se buscando e nom encontra. A rapaza descavalga e vai sentar-se ao lado do HOME em petiçom de lume. Fumam.
O rapaz estende os braços por trás das cabeças das senhoras e atraí-nas para si colhidas dos ombros. Deixam levar-se. O moço umha após outra beija-as nos beiços. Gargalhada da rapariga. As senhoras arroubadas, fecham os olhos de mao pousada nos joelhos do moço e vam-nas subindo pola coxa acima. O rapaz agita-se sentindo as cóxegas com um riso contido. As maos das senhoras esploram a barriga, o peito. Mais cóxegas e risos estremecidos. As maos descem corpo abaixo, chegam às virilhas. Grito do moço que se ergue dum brinco, colhe a moça por umha mao e sai correndo com ela.
Entra um vendedor de globos. O HOME compra um e prende-o no olho da lapela. Encosta-se no espaldar para o contemplar boiar no alto. As mulheres, encostadas umha à outra, em êxtase. Acordam e olham em torno.
Dona Claustófila: | Ai, dona Reverenciana! Sei que tivem um sonho! |
Dona Reverenciana: | Nom me diga. Tamém eu, dona Claustófila. |
Dona Claustófila: | Estávamos aqui nós as duas e vinha aquel home de em frente e assentava-se entre nós... |
Dona Reverenciana: | Si, si, era el; mas parecia mais novo. |
Dona Claustófila: | O diabo costuma fazer essas transformaçons. |
Dona Reverenciana: | E veja-o agora a fazer-se o inocente co seu globo igual que um meninho, como aquel que nunca rompeu um prato. |
Dona Çlaustófila: | Assi som as astúcias de Satanás. |
Dona Reverenciana: | Abraçava às duas e... |
Dona Claustófila: | (Espantada). Nom o diga, por favor, nom o diga! |
Dona Reverenciana: | Nunca tal me tinha acontecido. |
Dona Claustófila: | Fomos violadas sem a devida resistência. |
Dona Reverenciana: | Abandonou-nos o Anjo Custódio. |
Dona Claustófila: | (Pondo-se bruscamente em pé e assinalando acusadora os diários do assento). Olhe! Eis a causa. Veja onde estamos sentadas. |
Dona Reverenciana: | (Pom-se tamém rápida em pé). Esses diários! Eles fôrom a nossa perdiçom! Bem diziamos que nom fam assento conveniente. |
Dona Claustófila: | Estamos em pecado, dona Reverenciana. |
Dona Reveranciana: | Abrenúncio! Abrenúncio! |
Dona Claustófila: | Eu corro para casa a esfregar os lábios com água de Lourdes. |
Dona Reverenciana: | Se nom foi mais que um sonho! |
Dona Claustófila: | Ainda assi. |
Dona Reverenciana: | Pois eu nom sei se tenho água de Lourdes na casa; mas tratando-se dum sonho bastará com xabom comum. |
Dona Claustófila: | Há de bastar. Hai-nos agora com alto poder desinfectante. |
Vam-se, apressadas e cotorronas as senhoras. O HOME ceiva o globo que sobe e se perde no alto. Fim da anedota.
Vejam também a primeira parte dum vídeo-roteiro da AGAL sobre a Corunha galeguista de Jenaro Marinhas:
A Associação Cultural CatalunyApresenta e a Casa da Achada/Centro Mário Dionísio têm o prazer de o(a) convidar para o lançamento da revista Capicua nº2, uma ponte entre as letras catalãs e portuguesas, que decorrerá na sexta-feira, 11 de Março de 2011, pelas 18h30 horas na Casa da Achada/Centro Mário Dionísio, em Lisboa.
A sessão contará com intervenções da poeta, crítica literária e ensaísta Ana Marques Gastão, do crítico literário Ricardo Marques e do tradutor Àlex Tarradellas. Será projectado um pequeno filme sobre Manuel de Pedrolo e seguir-se-ão leituras em catalão e em português que ficarão a cargo dos membros da CatalunyApresenta. No final da sessão faremos um brinde à literatura com champanhe da Catalunha (Cava Berdié).
Casa da Achada/Centro Mário Dionísio
Rua da Achada, 11, R/C, Lisboa
Mais informações em
www.catalunyapresenta.org
catalunyapresenta.blogspot.com
facebook/Catalunyapresenta
Muito pouco estudada, a retórica da dedicatória feita a mão no próprio livro e destinada a um outro escritor, predominante um crítico, oferece as mais variadas possibilidades para atenta reflexão sob tantas perspectivas, em especial aquelas referentes à história da literatura e à crônica da vida literária. Mas, além dessas angulações mais tecnicamente ligadas a dois setores que se consideram sérios quando a retórica da dedicatória vem equacionada, outras talvez menos sérias podem oferecer elementos de enriquecimento para aqueles que participam ativamente a uma tal discussão. Para melhor exemplificar possíveis casos dessa natureza, passo a relatar sobre dois que me aconteceram e marcaram. Ambos se referem a roubos de livros dedicados ou furtos somente da direta dedicatória. Quanto ao primeiro caso, posso contar aqui o que me aconteceu em 1983, no Rio de Janeiro, e que se refere a um livro de poesia de Carlos Drummond de Andrade. Em síntese, estava sendo lançada naquele ano a magnífica edição da Obra Poética de Carlos Drummond de Andrade (19 livros de poesia), Nova Reunião, em 4 vols, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1983. Estando de férias na minha Cidade Maravilhosa, um certo dia vejo chegar-me um pacote que continha os vols. III e IV da dita obra. Os outros dois iniciais volumes jamais me chegaram às mãos. Quando de dois sábados seguintes partecipo da viva e tradicional reunião do “Sabadólio”, isto é, o encontro de escritores na casa no Leblon do bibliófilo Plínio Doyle, ex-diretor da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, ali encontrei o grande poeta e logo lhe contei o episódio. Carlos Drummond me confirmou de haver feito uma dedicatória dos quatro volumes na página de rosto do vol. I. Recordava-se igualmente que os livros eram remetidos aos destinatários, com endereço do remetente, em dois pacotes. Depois de trocarmos muitas idéias sobre o episódio, ficamos convencidos que o pacote com o vol. I fora identificado e retido furtivamente por um funcionário dos Correios cariocas, certamente colecionador de dedicatórias. Era mais uma demonstração de que a antiga instituição dos Correios do Rio de Janeiro, criada em 1817, se fizera uma verdadeira escola de amor pela literatura nacional...
O segundo episódio ocorre anos antes e em Veneza. Corria o ano de 1965. Eu, desde 1964, chegado a Veneza em novembro de 1962, com destinação às minhas definitivas (então eu ainda ignorava que assim teria sido no próximo futuro) atividades universitárias, no início de 1964 eu alugara um belo, ainda que pequeno, apartamente mobiliado, situado no popular bairro veneziano de Castelo. Em junho de 1965, devendo viajar em férias para o Rio, e era a primeira vez que o fazia desde o início da minha nova vida italiana, entrei em acordos com os proprietários do apartamento quanto a suspensão momentânea do meu aluguel. Já sabíamos que o mesmo interessava a um jovem casal de bolsistas americanos, apenas chegados diante das águas de Veneza. No acordo que fiz com os proprietários do apartamento constava que eu deixava ali também a minha biblioteca, sempre in progress. Viajei tranquilo e feliz, porém retornando três meses depois a Veneza abatido pela morte de meu pai, falecido diante do filho que ele esperava de ver pela última vez, como um dom da vida que se ia para sempre. Quando me reinstalo no meu apartamento de Castelo, naturalmente começo logo a retomar em mãos os meus livros. Foi quando, tomando por acaso a bela edição em papel biblia do Decamerão bocacciano de 1960 (Giovanni Boccaccio, Il Decamerone, ottava edizione integrale, pref. e glossario di Angelo Ottolini, Editore Ulrico Hoepli, Milano, 1960), presente do meu querido amigo Luís Fernando Nazareth, diplomata e poeta, então 2º. Secretário da Embaixada brasileira em Roma, mais tarde um dos mais brilhantes embaixadores do Brasil contemporâneo, me surpreendo ao ver que faltava a página de rosto do volume, justamente aquela com a bela e afetuosa dedicatória de meu amigo. Revelava-se assim aos meus olhos sempre curiosos a existência de novos colecionadores de dedicatórias, mas até mesmo daquelas endereçadas a outras pessoas... A diferença negativa existente entre os larápios estadudinenses e aquele dos Correios carioca, é que esse amava também os livros...
Tratando da retórica da dedicatória, além de qualquer outro elemento apenas de derivação, me vejo interessado a algumas questões teóricas, diversas das já lembradas referentes à história da literatura e à vida literária, mas já de direto interesse quanto a compreensão do problema da recepção que me conduzia desde o momento em que decidi a coligir, na minha biblioteca de média dimensão e que não supera os três mil volumes, os livros com dedicatórias a mim endereçadas especialmente. Assim agindo, logo constatei que o fazia tão somente em relação aos exemplos de remessas para mim de ofertas manualmente autografadas e que não trataria de outras formas de dedicatórias, a principal das quais consideramos aquela pela qual vem impressa na abertura do livro a dedicatória que o autor faz a um confrade a ser homenajeado. Entre os casos desse último tipo, referidas diretamente a mim, logo encontro entre os livros agora coligidos dois particulares exemplos, o de Eduardo Portella, no seu ensaio Cruz e Sousa, de 1961, em edição do Anuário da Literatura Brasileira, e aquele de Cassiano Ricardo que me dedica o seu livro mais especificamente vanguardista, “Babilônia“, parte de seu genial volume de poemas, Jeremias Sem-chorar, de 1964,em edição José Olympio.
Tratando de dedicatórias, logo verifico que entro especificamente no campo mais amplo da literatura. Tão amplo que contém até mesmo a auto-biografia e o livro de memórias. Fundindo as duas possíveis práticas literárias, por enquanto naturalmente em grandes sínteses, tenho desde logo uma grande surpresa: constato como as centenas de dedicatórias, que acabo de coligir, traduzam em amplas e variadas linhas a minha atividade literária começada nos primeiros anos da década de 1950, atividade sempre em continuação, e como tais dedicatórias me possam dar uma espécie mesma de minha dimensão de literato. Analisando essas centenas de comunicações excepcionais, posso percorrer, procurando não deixar-me tomar pela vaidade, a importância que a literatura sempre teve e tem para mim, bem como a minha manifestação tenha alcançado tão viva recepção entre os meus confrades, não só brasileiros, como veremos mais abaixo. Este capítulo de uma minha possível auto-biografia se me depara de surpreeendente força e dinamicidade. Com ele me reintegro num percurso vivo de interrelações que me fizeram crescer sempre; um crescimento que retomo mais de meu profundo subconsciente, do que habitualmente eu traduza em meus naturais gestos quotidianos.
E rememorando tantos e gratos eventos me se prospecta um livro de memórias que parte da Cidade Maravilhosa e chega até a minha sempre mágica vivência de Veneza.
O trabalho que começo com as presentes páginas, ainda que sintético, deverá tratar de tantas coisas e gentes. Isto porque, percorrendo em constantes surpresas, os meus livros, vejo que os testemunhos de apreço e amizade que me chegaram são tantos e de forte impacto. Eu sempre desejei, desde as minhas primeiras experiências literárias, unir poesia e crítica, ao mesmo tempo que me abria para a narrativa e para o ensaio. As presentes e outras dedicatórias que não aparecerão nessa oportunidade dão um testemunho surpreendente de como esse meu empenho atingia o meio externo. São tantos esses testemunhos que tenho a necessidade de dividir o meu atual trabalho de seleção e análise em várias partes. Esta primeira tem o sentido de uma introdução à questão e de uma derivada elaboração teórica. A ela seguirão outras, interessadas aos diversos gêneros aos quais os livros a mim dedicados pertencem. Começarei com os livros de poesia, seguindo aqueles outros de narrativa, ensaio, bem como outros gêneros literários. São dezenas e centenas esses livros de poesia com dedicatórias, com autores brasileiros, portugueses, italianos e, bela surpresa, também de outras origens: angolanos, espanhóis, galegos, catalanos. E, mais surpresa ainda, um húngaro e um esloveno. E por fim, um guatemalteco, o poeta Miguel Angel Astúrias, Prêmio Nobel para a literatura, em 1967, conhecido na sua viagem italiana a convite da Universidade Ca’ Foscari, de Veneza.
Mas, igualmente para a narrativa, ensaio e outros gêneros, a história será quase a mesma...
João Machado
Em 6 de Maio de 1843 Almeida Garrett, numa conferência do Conservatório Real de Lisboa, leu uma memória que girava à volta da apresentação da peça Frei Luís de Sousa, estreada nesse ano, num espectáculo de natureza privada, e publicada no ano seguinte. Na memória Almeida Garrett diz, a dada altura:
"Nem pareça que estou dando grandes palavras a pequenas coisas: o drama é a expressão literária mais verdadeira do estado da sociedade: a sociedade de hoje ainda se não sabe o que é: o drama ainda se não sabe o que é: a literatura actual é a palavra, é o verbo, ainda balbuciante, de uma sociedade indefinida, e contudo já influe sobre ela; é, como disse, a sua expressão, mas reflecte a modificar os pensamentos que a produziram".
Almeida Garrett fez várias notas em relação a esta memória. Reproduzo a seguir uma, elaborada em relação ao trecho acima transcrito:
"Esta contínua e recíproca influência da literatura sobre a sociedade, e da sociedade sobre a literatura, é um dos fenómenos mais dignos da observação do filósofo e do político. Quando a história for verdadeiramente o que deve ser - e já tende para isso - há de falar menos em batalhas, em datas de nascimentos, casamentos e mortes de príncipes, e mais na legislação, nos costumes e na literatura dos povos. - Quem vier a escrever e a estudar a história deste nosso século nem a entenderá nem a fará entender decerto, se o não fizer pelos livros dos sábios, dos poetas, dos moralistas que caracterizam a época, e são ao mesmo tempo causa e efeito de seus mais graves sucessos.
Nossos bárbaros avoengos não conheciam outro poder senão a força - a força material; daí não historiaram senão dela. As rapsódias de história legislativa e literária que algum adepto redigia, mais por curiosidade ou por espírito de classe do que por outra coisa, não eram obras populares, nem foram nunca havidas por tais, nem por quem as escrevia, nem por quem as lia. Assim tão difícil é hoje o trabalho de ligar e comparar umas histórias com outras para achar a história nacional. Mas deve ser muito estúpido o que não vir melhor a história de D. Manuel em Gil Vicente do que em Damião de Góis, e a de el-rei D. José nas leis do Marquês de Pombal e nos escritos de José de Seabra do que nas gazetas do tempo, ou ainda nas próprias memórias mais íntimas de seus amigos e inimigos.
Nas obras de Chateaubriand e de Guizot, de Delavigne e Lamartine, nas de Vítor Hugo e até de George Sand, nas de Lamennais e de Cousin está o século dezanove com todas as suas tímidas saudades do passado, seus terrores do futuro, sua desanimada incredulidade no presente. Falo da França porque é o coração da Europa: de Lisboa a São Petersburgo, daí ao Rio de Janeiro e a Washington, os membros todos do grande corpo social dali recebem e para ali refluem os mesmos acidentes da vida".
Reproduzi estes textos das Doutrinas de Estética Literária, de uma edição dos Textos Literários, publicada em 1961, com prefácio e notas de Agostinho da Silva. Não reproduzi algumas notas feitas por este, bastante explicativas, mas não indispensáveis para mostrar a actualidades destes escritos de Garrett.
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