Domingo, 5 de Dezembro de 2010
Carlos LouresAs sínteses têm a sua utilidade, mas são perigosas. O querer dizer em poucas palavras o que só pode ser dito em muitas, implica o risco de haver más interpretações e, por vezes, obriga depois a explicações suplementares. Gasta-se então o espaço e o tempo inicialmente economizados, Espero que estas notas que, sobre o galego-português e as literaturas que lhe são subjacentes, comecei a publicar, recapitulando o que tenho vindo a dizer em textos anteriores, fiquem minimamente claras. Isto, apesar da compactação a que são sujeitos temas delicados e complexos. Feita a advertência, vamos então a mais uma súmula do que tem sido dito.
Entre os séculos IX e XV, a língua falada nos territórios da antiga província romana da Galécia, posteriormente dividida em condados e depois em duas nações, era uma variante neolatina (ou novilatina) – o galego-português (ou galaico-português). A poesia lírica produzida nesta região era escrita neste idioma que não só era utilizado pelos naturais, como, ultrapassando as suas fronteiras, chegava como língua de cultura a Leão e Castela – as “Cantigas de Santa Maria”, obra do rei Afonso X, o Sábio, foram escritas em galego-português.
No século XII ocorreu a independência de Portugal relativamente à coroa leonesa. Dispenso a referência aos episódios que levaram Afonso Henriques a liderar o vitorioso movimento independentista. Todos os conhecemos. A Galiza gozava também de alguma independência relativamente à gula castelhana que se ia agudizando. Porém, no século XIV, a intervenção galega a favor de Pedro I de Castela contra Henrique Trastâmara, provocou, após a vitória deste último, o exílio de numerosos galegos em Portugal. Posteriormente, ao tomar posição por Joana, a Beltraneja contra Isabel I de Castela, a Galiza viu as suas instituições nacionais desmanteladas e a sua aristocracia novamente perseguida. De perda em perda, assinale-se que em 1601 o país era representado nas Cortes de Castela pela cidade leonesa de Zamora. Em suma - a Galiza deixara de existir. Porém, no século XIX verificou-se um renascer do sentimento patriótico do povo galego. Foi nessa «revolução» político-literária que se inseriu a obra de Rosalía de Castro (que, dada a sua importância, abordarei em nota separada) e de outros insignes escritores – talvez seja mesmo mais correcto afirmar que o galeguismo é um produto do esforço desses intelectuais.
Na realidade, entre o século XV e os anos de Oitocentos, o idioma, nomeadamente a sua fonética, fora sendo invadido por castelhanismos. Foram os chamados «Anos Escuros». Com Rosalía e os seus Cantares Galegos o farol do amor e do orgulho pátrios reacendeu-se – foi o «Rexurdimento», o Renascimento da busca de uma identidade nacional. Após a Guerra Civil, o franquismo vitorioso (embora Franco fosse galego) suprimiu todas as veleidades – a língua do Estado passou a ser o «espanhol» (deixou de se dizer «castelhano». O galego, passou à categoria de dialecto rural. Em democracia, os galegos podem voltar a abordar esta questão, ainda que a política centralista de Madrid, após a morte de Franco em 1975, tenha querido conservar intacta a herança que recebeu do velho bandido fascista, e reprima por todas as formas ao seu dispor o despertar do crescente sentido identitário que se verifica na Catalunha, no País Basco e na Galiza.
Constrangimentos políticos aparte, um problema que se coloca é se português e galego são duas línguas diferentes ou duas formas dialectais da mesma língua? Entre muitos outros, os reputados filólogos portugueses Lindley Cintra e Manuel Rodrigues Lapa, bem como o galego Ricardo Carvalho Calero, são desta última opinião. Na Galiza, as pessoas dividem-se entre «reintegracionistas», que preconizam a reintegração do galego no português-padrão e outra corrente que defende uma via autónoma, ligada à fala popular e distanciada do português de Portugal. Para não falar dos que aceitam como idioma o galego castelhanizado, o “castrapo”, mixórdia linguística que consagra o galego como dialecto da língua castelhana. Há quem pretenda aplicar o Acordo Ortográfico que vai entrar em vigor nos oito países membros da CPLP. Aliás, às reuniões deste organismo internacional têm assistido, com o estatuto de observadoras, delegações galegas. Sobre o reintegracionismo, recomendo a leitura do excelente ensaio de Carlos Durão que, há cerca de três semanas o Estrolabio tem vindo a publicar diariamente,
Não nos compete tomar a decisão que só os Galegos podem e devem assumir. Aos muitos naturais desta nação irmã que pretendem terminar a deriva encetada há oito séculos no seio do idioma galego-português, só nos cumpre abrir os braços e acolhê-los.
Segunda-feira, 21 de Junho de 2010
Carlos LouresComo anunciámos no
Dia das Letras Galegas, neste ano do Centenário do nascimento do professor Ricardo Carvalho Calero, publicaremos uma série de textos, quer sobre a vida e obra do professor, quer sobre a unidade linguística constituída pelo galego-português, unidade que séculos de aculturação não conseguiram destruir.
Esta viagem de circum-navegação em torno do idioma, levar-nos-á a falar de outros mestres, como Carolina de Michaëlis, José Leite de Vasconcelos, Manuel Rodrigues Lapa, Lindley Cintra… Iniciamos essa viagem, que durará uma boa meia-dúzia de textos com uma breve resenha histórica para situarmos esta questão nas suas principais etapas cronológicas.
Integrada no estado espanhol, a nação galega não pertence
de jure ao espaço da lusofonia que abrange Portugal e algumas das suas ex-colónias onde o idioma português permaneceu como língua oficial. Entre os séculos IX e XV, a língua falada nos territórios da antiga província romana da Gallaecia, posteriormente dividida em condados e depois em duas nações, era uma variante neolatina – o galego-português (ou galaico-português). A poesia lírica produzida nesta região era escrita neste idioma que não só era utilizado pelos naturais, como, ultrapassando as suas fronteiras, chegava a Leão e Castela – as “Cantigas de Santa Maria”, obra do rei Afonso X, o Sábio, foram escritas em galego-português. No século XII ocorreu a separação de Portugal da coroa leonesa.
A Galiza gozava também de alguma independência relativamente à gula castelhano-leonesa que se ia agudizando. Porém, no século XIV, a intervenção galega a favor de Pedro I de Castela contra Henrique Trastâmara, provocou, após a vitória deste último, o exílio de numerosos galegos em Portugal. Posteriormente, ao tomar posição por Joana, a Beltraneja contra Isabel I de Castela, a Galiza viu as suas instituições nacionais desmanteladas e a sua aristocracia novamente perseguida. De perda em perda, assinale-se que em 1601 o país era representado nas Cortes de Castela pela cidade leonesa de Zamora. Em suma: a Galiza deixara de existir, já não só enquanto estado, mas desaparecia também como nação.
No século XIX verificou-se um renascer do sentimento patriótico do povo galego. Foi nessa «revolução» político-literária que se inseriu a obra de Rosalía de Castro e de outros insignes escritores – talvez seja mesmo mais correcto afirmar que o galeguismo foi um produto do esforço desses intelectuais. Entre o século XV e os anos de Oitocentos, o idioma, nomeadamente a sua fonética, fora sendo invadido por castelhanismos. Foram os chamados «Anos Escuros». Com Rosalía e os seus Cantares Gallegos o farol do amor e do orgulho pátrios reacendeu-se – foi o «Rexurdimento». No século XX, o franquismo (embora Franco fosse galego) suprimiu todas as veleidades – a língua do Estado passou a ser o «espanhol» (deixando de se dizer «castelhano»). Por decisão política e à revelia da ciência linguística, o galego passou de idioma à categoria de dialecto rural.
Uma questão que se coloca desde há muito tempo - se português e galego são duas línguas diferentes ou duas formas dialectais da mesma língua? Carolina de Michaëlis respondeu afirmativamente e foi da opinião de que oi verdadeiro nome do idioma seria
galego-português. Os reputados filólogos portugueses Lindley Cintra e Manuel Rodrigues Lapa, são da mesma opinião. Na Galiza, as pessoas dividem-se entre «reintegracionistas» - os que preconizam a reintegração do galego no português-padrão - e numa outra corrente, os «antiintegracionistas» ou «isolacionistas», que defendem uma via autónoma, ligada à fala popular e distanciada do português de Portugal. O que, implicitamente, agrada mais a Madrid. Na realidade essa «fala popular» é um galego que há séculos é filtrado através do castelhano. Está tão invadido por castelhanismos que facilmente permite ser classificado como um dialecto do castelhano. Nas próximas crónicas darei voz aos que nos garantem que o galego e o português são duas formas de falar a mesma língua. Entre essas vozes, destaca-se a do nosso homenageado, o Professor Ricardo Carvalho Calero.