Carta enviada a diversos jornais sobre o texto abaixo relativo ao desemprego na juventude portuguesa e à ausência de mecanismos de controle e de apoio aos nossos jovens licenciados. Os documentos falam por si e que haja alguém neste país que fale por eles, pelos nossos estudantes e a favor deles. Vale a pena relê-los de novo agora na versão integral.
O presente trabalho aqui apresentado, fruto de circunstâncias e de vários azares de outros muito mais novos que eu e cujas situações aqui se retratam, foi concluído a 12 de Fevereiro. Quis o acaso também que no dia 13 o jornal Público venha com uma grande reportagem sobre a geração actual de licenciados. Coisas independentes, portanto. Neste meu texto de acasos e azares feito e sem nenhuma pretensão a querer ter, creio que num detalhe, pelo menos nesse, vem dar uma outra dimensão à muito boa reportagem sobre a geração a que se refere o trabalho dos Deolinda: aqui e agora é mesmo necessário ir para além do espelho de Alice, não basta estar-lhe junto, atingir o seu limite, não, é necessário ir para além dele, é necessário ir para dentro da realidade que os apontamentos pelos alunos a mim deixados nos dão a entender: quando se fala de licenciados recentes agora empregados não se fala do ajustamento ou do desajustamento entre o que da formação que é adquirido e o posto de trabalho que foi conseguido. E disso também é preciso saber. Se é o que pensamos, se o que os documentos nos mostram tende a ser geral, não tenhamos então dúvidas, estamos a arrasar uma grande parte desta geração que para nada disto está preparada. e possivelmente e por essa mesma razão a deixá-la depois irrecuperavelmente desamparada. E é também aqui que Bolonha se transforma num verdadeiro desastre.
Tomo a liberdade senhores jornalistas de vos propor que partam o espelho de Alice e nos devolvam à luz da realidade e das nossas consciências o que de trágico a esse nível se estará a passar e ao mesmo tempo também a silenciar.
De como vai o mercado de trabalho para os licenciados deste país, para os licenciados de Bolonha, pois estes casos referem-se a três jovens recém-licenciados, e uns embaraçados comentários que se lhes seguem.
Um documento em duas partes portanto. Na primeira parte colocamos testemunhos de vários licenciados a entrarem no mercado de trabalho, o seu primeiro contacto com o mundo dos empregadores. Uma segunda parte que consta de uns comentários desajeitados por causa da brutalidade do que nos testemunhos anteriores é exposto. Face a estes depoimentos, face à violência não visível ao público a que cada um dos nossos estudantes, indefesos, está sujeito, nunca senti tanta dificuldade em escrever, apenas tinha vontade de não me mexer, ficar parado, a olhar, de olhar vazio para o ecrã do computador. Leiam, vejam, indignem-se. Sublinhe-se que vários nomes de empresas, mesmo subcontratadas, são fictícios, apenas mantivemos os nomes correctos quando se trata de empresas bem conhecidos do público.
A) Vias de desemprego, os relatos
Primeiro Candidato a emprego
Empresa Ganhar Desafios pertencente ao Grupo KF
Actividade Comercial - Comercial porta a porta, door-to-door.
Venda de telefones Optimus Remuneração de base - ZERO; Apenas comissões variáveis portanto com as vendas.
Deslocações de serviço. No meu carro pessoal e caso fosse com outros colegas nas suas viaturas teria de dar 5€ ao proprietário da viatura por dia.
Preparação para actividade : Depois da entrevista tive um dia de formação no terreno, para dar a minha resposta final
Resultado desta oferta de emprego:
Não, não aceitei, porque os métodos de venda que presenciei não me pareceram eticamente recomendáveis . Como ideia: grande maioria do nosso público-alvo contactado, eram pessoas acima dos 65 anos de idade. Pessoas fragilizadas, sem qualquer hipótese de defesa, com baixas reformas, a viver em aldeias bastante afastadas dos centros urbanos, às quais eram ocultadas informações importantes, ou eram fornecidas falsas informações.)
Segundo candidato a emprego, uma outra empresa,
Empresa de recrutamento Os Talentosos, e o local de trabalho era a Portugal Telecom
Actividade : Comercial door-to-door, sobre venda de telefones, internet e televisão
Na entrevista de selecção foi-me devidamente explicado que antes da resposta final iria ter um dia de formação no terreno.
Na hipótese de aceitar , a minha remuneração seria da seguinte forma, a partir somente do segundo mês, pois havia um mês para formação profissional:
SMN (pago pela empresa de recrutamento) + subsídio de refeição e comissões (pagas pela PT)
Aceitei, uma vez que tudo me pareceu profissionalmente muito limpo em que se apresentavam todas as condições dos serviços. E devemos sublinhar que o público-alvo contactado era bastante amplo.
1º mês era de formação profissional
- frequentar curso de formação profissional nas instalações da PT, 8h por dia.
- caso ocorra algum imprevisto (alheio à empresa de recrutamento) que impeça a frequência (a minha) ou que implique alteração de local ou horário do curso, não me seria conferido a qualquer título o direito de indemnização
- a minha admissão ficaria dependente do meu aproveitamento até ao final do mês de formação.
-apesar de poder ficar com um contrato de trabalho a 6 meses, este seria mensalmente sujeito a reapreciação face à quantidade de contratos de serviços vendidos e seria despedido se esta ficasse abaixo dos objectivos previamente marcados. E assim se transforma um contrato de 6 meses renováveis em contrato mensal renovável.
- até ao final da formação não poderia desempenhar trabalho subordinado
- seria pago um valor inferior a 3€/hora, que apenas seria processado se obtivesse bom aproveitamento e se permanecesse na empresa pelo um período mínimo de um mês após a conclusão do curso.
Este mês de formação profissional, na realidade consistiu em ir para o terreno no carro da empresa vender porta a porta, door-to-door, como se eu já fosse um comercial normal.
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