(Enviado por Júlio Marques Mota)
Tal como o crime, o teorema era quase perfeito. A direita é o campo do capital, ou seja, do capitalismo. Dado que este está em crise, a direita está igualmente em crise. A esquerda só podia, por conseguinte, ganhar as eleições europeias. Problema: em toda a União, os eleitores votaram com o seu boletim de voto contra a esquerda social-democrata. Será porque os 21 governos de direita não gerem a crise assim tão mal como isso? Sem dúvida. Mas isto não explica tudo, dado que na Alemanha, onde os dois partidos estão no poder, a CDU obtém uma votação bem superior à do SPD. É assim, porque a esquerda não é credível. Quer porque, feito o balanço, este não está a seu favor, quer porque não encarna o futuro. Duas hipóteses que se reforçam, mais do que se excluem.
A primeira é apenas demasiado evidente: a esquerda não gere melhor que a direita. Prova-o a situação catastrófica da Espanha, da Grã-Bretanha e de Portugal, dirigida por socialistas. Sobretudo, o facto de os partidos conservadores serem a emanação política das teses liberais não poderá ocultar que a social-democracia, por oportunismo ou contradição intelectual , não deixou, nestas últimas décadas, de se adaptar à famosa “ lei do mercado”.
É certo: temos o exemplo britânico, que ninguém encarna melhor do que Gordon Brown, principal artesão da desregulação durante os seus dez anos passados no Ministério das Finanças. Hoje o sistema está a romper pelas costuras. Ver os membros do Parlamento outrora mais respeitado do mundo a sujar as mãos no dinheiro como vulgares escroques da City ilustra até à caricatura a deriva dos anos Blair.
A esquerda anglo-saxónica não é a única a ter-se deixado seduzir pelas sirenes liberais. Mesmo os alemães caíram na mesma situação. Como o mostram os votos na Die Linke (a Esquerda – novo partido alemão – com 7,5% dos votos) e no do SPD (20,8%), a mais baixa votação desde a Segunda Guerra mundial, a esquerda alemã nem sempre fez o balanço dos anos Schröder. Deve ela felicitar-se com a ideia de que a política liberal do antecessor socialista de Angela Merkel voltou a dar à Alemanha a sua competitividade de outrora ou, pelo contrário, deve julgar demasiado pesado o preço pago: desenvolvimento do trabalho precário e emergência de trabalhadores pobres a Ocidente? O SPD não se distinguiu melhor que o seu homólogo francês.
No entanto, o PS dispõe de uma declaração de princípios, adoptada em Junho de 2008. Um documento importante, dado que o partido só se deu a este tipo de exercício por cinco vezes desde 1905. Pode ler-se aí que «ser socialista, é não se satisfazer com o mundo tal como ele é». Ou ainda que «os socialistas fazem uma crítica histórica do capitalismo, inventor das desigualdades, portador de irracionalidade , factor de crises». Mas este documento foi redigido bastante à pressa, em três reuniões. Resultado: tão depressa foi publicado, tão depressa foi esquecido.
Sobretudo, como não sublinhar as contradições do texto e certas reformas conduzidas pelos socialistas? Quem liberalizou os mercados de capitais? Pierre Bérégovoy, ministro das Finanças de François Mitterrand de 1988 à 1991. Quem tornou mais atractiva a fiscalidade sobre as stock-options? Dominique Strauss-Kahn, titular da mesma pasta dez anos depois. Quem, em 2000, julgava que era necessário reduzir o imposto sobre o rendimento, mesmo sobre o dos mais ricos «a fim de evitar a fuga ou a desmotivação dos contribuintes de rendimentos mais elevados»? Laurent Fabius, nas mesmas funções. Que pensa o PS destas reformas? Que elas contribuíram para o sucesso internacional dos grupos franceses e por conseguinte para a grandeza do país? Que são necessários compromissos com o capitalismo que nos rodeia? Que elas participaram nos excessos da finança e no crescimento das desigualdades? Ninguém o sabe. A relação da esquerda com o dinheiro permanece no domínio do ainda não questionado, do não reflectido. Daí a indisposição de numerosos eleitores e militantes. Como por toda a parte na Europa.
Felizmente para ela, a esquerda francesa não conheceu escândalo comparável ao do SPD, quando Schröder passou a ser um (dos ricos) dirigentes de Gazprom, menos de um mês depois de ter deixado o poder. Apesar de tudo, certos percursos individuais de ministros ou de seus conselheiros que estão à cabeça de grandes organismos internacionais ou de grandes empresas privadas (Capgemini, Casino, Cetelem, Lazard, amanhã França Telecom…) baralham as fronteiras entre a esquerda e a direita e desestabilizam a opinião pública.
Tendo em conta o comportamento «de cada um para si» que reina no Partido Socialista, francês, como não pensar que, para numerosos líderes socialistas, o exercício do poder é vivido mais como um acelerador de carreira pessoal do que como uma missão recebida de eleitores preocupados com as mudanças colectivas? Não é por acaso se, apesar dos limites evidentes do simpático apoio, numerosos eleitores de esquerda deram o seu apoio a uma lista conduzida por um eterno rebelde que não ambicionará a chefia do Governo e a um magistrado símbolo da luta contra o dinheiro louco.
Durante vinte anos (1988-2008), a social-democracia pôde, em nome da construção europeia e do euro, fazer aceitar o liberalismo em nome do federalismo. O menos Estado mas mais Europa. Este ciclo conclui-se e, como o prova o empenhamento de certos socialistas em defesa de José Manuel Barroso, a esquerda europeia já não tem nem líder nem programa credível. E nada indica que o rosa e o verde se combinem harmoniosamente.
(LE MONDE | 16.06.09 )
FALSA EVIDÊNCIA N.º 8: A UNIÃO EUROPEIA DEFENDE O MODELO SOCIAL EUROPEU
A construção europeia apresenta-se como uma experiência ambígua. Duas visões da Europa coexistem, sem se atreverem a confrontar-se abertamente. Para os social-democratas a Europa deveria ter como objectivo a promoção do modelo social europeu, fruto do compromisso social do pós-Segunda Guerra Mundial, com a sua protecção social, os seus serviços públicos e as suas políticas industriais. Deveria ser um baluarte contra a globalização liberal, uma forma de proteger, manter e fazer avançar este modelo. A Europa deveria defender uma visão própria da organização da economia mundial, a globalização regulada por instituições de governação mundial. Deveria permitir aos países-membros manterem um nível elevado de despesas públicas e de redistribuição, protegendo a sua capacidade de as financiar através da harmonização fiscal sobre as pessoas, sobre as empresas e sobre os rendimentos de capital.
Todavia, a Europa não quis assumir a sua especificidade. A visão que prevalece actualmente em Bruxelas e na maioria dos governos nacionais é, em vez disso, a de uma Europa liberal, cujo objectivo é o de adaptar as empresas europeias às exigências da globalização: a construção europeia é uma oportunidade para pôr em causa o modelo social europeu e para desregulamentar a economia. A prevalência do direito europeu da concorrência sobre as regulamentações nacionais e sobre os direitos sociais no Mercado Único permite introduzir maior concorrência nos mercados de produtos e serviços, diminuir a importância dos serviços públicos e organizar a concorrência entre os trabalhadores europeus. A concorrência fiscal e social permitiu reduzir os impostos, nomeadamente sobre os rendimentos de capitais e empresas (as “bases móveis”) e permitiu fazer pressão sobre as despesas sociais. Os tratados garantem quatro liberdades fundamentais: a livre circulação das pessoas, bens, serviços e capitais. Mas, longe de se limitar ao mercado interno, a liberdade de circulação de capitais tem sido dada aos investidores do mundo inteiro, submetendo assim o tecido produtivo aos constrangimentos da valorização do capital internacional. A construção europeia apresenta-se como uma forma de impor reformas neoliberais aos seus povos.
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