Quinta-feira, 22 de Julho de 2010

Lares - depósitos de corpo à espera da morte?

Clara Castilho

A) Um dia, de passagem por um Lar de Idosos:

¤ Lurdes, 50 e poucos anos, educadora de infância, teve reforma antecipada, pois, devido a sua doença psiquiátrica, se tornou incapaz de estar com crianças e de orientar a sua vida, devido a falta de apoio familiar. Teve reforma antecipada e encontra-se num Lar onde só é visitada, de quando em quando, por um sobrinho. Quando lá vou, tenta cravar-me cigarros. Dou-lhe em troca alguma conversa, a que corresponde com ar submisso. Levo-lhe romances simples que vai lendo e contando-me as histórias, pequenas lembranças, cremes para o corpo, perfumes, tentando fazer sobressair algo feminino por detrás do seu alheamento. Agradece sempre com o mesmo ar subserviente que me incomoda e constrange: “Obrigada, doutora, está muito bonita hoje!”. Fico duvidando se os elogios são uma espécie de garantia para que continue a ter com ela este tipo de relacionamento.

¤ Maria da Conceição responde a qualquer pergunta com “Sim”. Percebo que não entende o que lhe digo. Mas sorri feliz.

¤ Ouvem-se gritos de um quarto, gemidos de outro.

¤ Um “utente” passeia no jardim, de um lado para o outro, sem comunicar com ninguém. Outro, recusa-se a sair da instituição, fica ao lado da mulher e dos filhos que tentam entrar em comunicação com ele, falando do que aconteceu durante a semana e fazer pontes com um passado que viveram em conjunto e onde ainda havia interacções.

¤ Rui, o mais jovem, “deficiente mental”, quer começar a cantar-me cantigas infantis, enquanto me abraça e eu tento corresponder-lhe, ao mesmo tempo que me defendo para não ficar cheia da sua baba, sem que ele perceba isso como uma rejeição.

Neste Lar, uma equipa de terapeutas ocupacionais vem semanalmente fazer actividades com os utentes que têm capacidade para delas aproveitar – jogos, puzzles, exercícios de psicomotricidade, saídas para a comunidade. Devolvem às famílias, duas vezes por ano, o trabalho feito. E cantam e dançam e tentam animar.

A minha presença deve-se à estadia de um irmão com menos capacidades e que não pode estar sozinho. Das festas venho sempre com um estado de espírito deplorável. Admiro a força das pessoas que trabalham com esta população.

b) Outro dia noutro Lar:

A minha tia Maria Antónia, irmã de minha mãe, viúva, morreu-lhe o filho único, aos 50 anos. Não deu por isso. No seu cérebro já não se fazem ligações. Não fala, não nos transmite se se sente bem, se tem frio, se tem calor. Saberá quem é? Terá memórias? Faço-lhe festas na mão e não responde ao estímulo, de olhar vago. Se vê uma colher à frente da boca, abre-a e engole. É lavada, levantada, deitada. É isto vida?

As “colegas” aproveitam a minha presença para terem alguém com quem conversar – doenças, razões por que se encontram ali…

Em comparação com o outro Lar, não há ninguém que “anime” a vida destas pessoas.



C) Domus Vida - luxuoso Lar Mellos.

Berta, viúva, sem filhos. Vendeu a sua casa e está num “apartamento” de duas divisões, com mobília de sua casa. Entramos e reconhecemos a sua vida anterior. O almoço é numa sala bonita, com lugares marcados, “vizinhos” certos. Mas um engasga-se permanentemente, outra perde-se e não sabe o lugar, só com o terceiro se consegue ter uma conversa acertada. A solidão que sente é avassaladora. Fecha-se numa concha e quase não contacta com os amigos. Estes, com a vida sempre a correr, nem sempre se lembram do que ela necessita… Será feliz? Não! Seria mais em sua casa? Mas quem asseguraria as suas necessidades básicas?

REFLEXÕES

Em tempos idos, a comunidade garantia a sobrevivência e os cuidados dos mais velhos. O número de filhos era elevado, ainda havia mulheres a ficarem em casa a tomarem conta dos filhos, a que se acrescentava um elemento da geração anterior.

Os filhos diminuíram. E cada vez mais se coloca este problema – quem vai cuidar dos mais velhos? A previsão é de que a esperança de vida, nos países desenvolvidos poderá chegar aos 100 anos em 2060.

Falamos agora de uma “terceira idade” (que segundo alguns começa aos 60 anos)?

É a perca das funções cognitivas que nos incomoda mais. Perde-se a memória, a capacidade de aprender. É conhecida a perca dos factos mais recentes, ficando os mais antigos. Mas sabe-se hoje que se mantêm mais os acontecimentos mais positivos, esquecendo os negativos! Afinal somos sábios!

Sobre este assunto pode consultar-se o video “Biotechnology Aging and the Pursuit of Happiness”. Em 2008, realizou-se na F. Gulbenkian a Conferência “Uma sociedade madura num mundo global”, cujas comunicações foram publicadas em “ Tempo de Vida”, edição da mesma Fundação.


Num blogue (Hely Lima - www.hjlima.blogspot.com/, de 12 de Abril de 2006) relata-se que Paul Newman referiu uma frase de Bette Davis: “Getting old is not for sissies”. Será? Que andaremos todos a fazer com a velhice que vem a caminho ?


























Aná. Psicológica v.24 n.4 Lisboa out. 2006



Dissociações entre tarefas de memória: Evidência para uma distinção entre as memórias implícita e explícita (*)

Marco Vasconcelos (**)

Pedro B. Albuquerque (***)



Psicologia: Teoria e Pesquisa

Print version ISSN 0102-3772

Psic.: Teor. e Pesq. vol.25 no.3 Brasília July/Sept. 2009

doi: 10.1590/S0102-37722009000300012

Normas de emocionalidade para a versão brasileira do paradigma Deese-Roediger-McDermott (DRM)1



Emotionality norms for the Brazilian version of the Deese-Roediger-McDermott (DRM) paradigm
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Quarta-feira, 21 de Julho de 2010

Memorial do recolhimento (Prosa exemplar)

É com Luiz Pacheco que começamos uma série (não diária) de textos que consideramos exemplares. Neste mesmo espaço, publicaremos comentários extensos, de colaboradores efectivos ou não, que esta prosa exemplar suscite.
_______________________________________________________

Luiz Pacheco


Aqui há uns meses, chateadíssimo de viver sozinho, resolvi recolher a um lar de terceira - idade. Calcula-se o que é. Antros de horror, para onde os velhos são atirados porque aborrecem ou incomodam em casas de família, dos filhos. Não sei ao certo de onde veio esta moda, mas calculo. E veio para fiar. Normas comunitárias, subsídios que transformam idosos incapazes em rendosa matéria-prima; despojos humanos vampirizados por gente sem escrúpulos nenhuns e gulosa dos apoios oficiais, apenas. Lares? meros depósitos de pré-cadáveres. Pobre gente no derradeiro patamar da vida, apoquentada pela idade avançada, a insânia do caruncho, a doença, a invalidez física.

Tinha visto. Visitado para avaliar. Ficado horrorizado. Um filho meu, que uma vez me acompanhou, declarou quase soluçante: ó pai, não quero chegar a velho para isto! O pior, o mesmo fatal, é que a velhos chegam todos aqueles que não tiveram o azar de ficar pelo caminho… essa é que é essa. Com o meu conhecido pavor da Morte, o meu ainda alerta instinto de conservação, acostumei-me a fazer anos, a chegar aos setenta e picos. Também aconteceu ir parar, mas pelo meu pé, por opção voluntária e consciente, a um lar da dita terceira-idade. Ora, passados vão dois meses de recolhimento, entregue a árabes que não me consentem o vinho nem a carne de porco (e que nenhuma falta me fazem; e é esse o único fundamentalismo que lhes noto, no mais humaníssimos) só me posso felicitar. E felicito. Estou rodeado de ternas velhinhas, avós e bisavós bem estimadas e tratadas, tão satisfeitas quanto a idade e os achaques lhes permitem. Ao ouvir na televisão o Manuel Freire a cantar a Pedra Filosofal do Gedeão, diz uma, em êxtase: versos tão bonitos!

E tenho trabalhado. E tenho editado. E me considero privilegiado por isso. E surgiram-me apoios e palavras boas. De pessoas até desconhecidas. E lancei dois livros meus, edições aqui feitas. E não me considero arrumado. E não faltei nem uma quarta-feira nesta pequena tribuna do Diário Económico. E se padeci sustos e flatos e, às vezes, isto parece uma casa de orates, não perdi a vontade de rir de mim, principalmente, o que é óptimo sintoma. Dêem-me os parabéns. Tudo tem um fim, sei, sabemos todos. Aquela história que os elefantes conhecem a morte (e morrem) tem a sua beleza e a sua nobreza. E quando me surge um neto pequenino… e quando Raio de Luar vier… fazem-me o favor de me invejar. Há razões que o coração tão bem conhece. E a razão aprova.

Último texto de “Isto de estar vivo” – Luiz Pacheco e Alice Geirinhas, Contraponto, Agosto 2000, Palmela.




“Isto de estar vivo ainda um dia acaba mal. É uma frase do Manuel da Fonseca. Para o Manuel acabou, coitado. Ele caiu de uma escada abaixo, os amigos estavam à espera dele no café, ele não aparecia, foram lá a casa dele, e deram com ele inanimado. Depois ficou em coma profundo e morreu daí a uns 8 dias, talvez. Isto [o lar] não é uma casa alegre. Não pode ser. É o terceiro lar onde estou e já sei que não há hipótese de arranjar melhor. Agora, para pagar isto é que me vejo um bocado aflito, porque eu não tenho dinheiro que chegue para isto. Como é que faço? Olhe, faço os possíveis. Isto custa para cima de mil euros por mês. O que eu recebo não dá para estar descansado. Tenho uma situação muito incerta.


Tenho um subsídio vitalício de 120 contos por mérito cultural. Há muita gente que tem. Agradeço isso ao Alçada Baptista. E ao Balsemão. Foi o Balsemão que inventou um decreto, que era o do mérito cultural, para legalizar estas pensões. O meu subsídio em princípio é vitalício, é um subsídio pelo passado. Mas com essa maluca das Finanças - por acaso até é gira, é muito feia mas é gira, é uma mulher a sério, não é o Peixoto, aliás o Barroso! - nunca se sabe. Mas não, porque se uma pessoa tem mérito cultural não o perde por causa da Ministra das Finanças.

Eu até estou um bocado resguardado. Enfim, estou bem aqui. Este quarto é um bom quarto, apetece trabalhar. Eu é que já não estou muito capaz de trabalhar, porque a memória, a vista, tudo isso inibe um tipo. Já não leio os jornais, não consigo. A minha ligação com o mundo é a rádio.

As minhas doenças, sei que está tudo mais ou menos controlado. São coisas antigas, tenho a minha medicação. Moralmente depende muito dos dias. Sou muito influenciável por qualquer coisa, por qualquer dia de sol. Se é bom? Ó faxavor! Você nem faz ideia!

Ai fulano de tal está cheio de papel? Quero lá saber! Qualquer dia morre!




























ntraponto, Agosto 2000, Palmela
Em Abril de 2004, numa entrevista à Pública, dizia:
publicado por Carlos Loures às 21:00
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