Com a devida vénia transcrevemos da edição on line do JORNAL DE ANGOLA, esta notícia emitida às 15:40 de ontem
A inauguração de um monumento em Pontedera, Itália, em homenagem ao escritor José Saramago, constitui um dos pontos altos do XIX Festival Sete Sóis Sete Luas, anunciou, ontem, em Lisboa, em conferência de imprensa, o seu director. Marco Abbondanza disse que a inauguração do monumento – “um símbolo iluminista, à semelhança de Saramago, que mostrou que podemos construir o nosso próprio destino” –, do escultor andaluz César Molina, é no dia 16 de Julho. “Ao longo dos mais de 20 anos de relacionamento que manteve connosco, José Saramago deu-nos uma lição de vida e foi a primeira pessoa a aderir a este festival, que pretende dar ênfase às manifestações artísticas e culturais mediterrânicas e dos países lusófonos”, frisou o responsável. O monumento fica no pátio do Centrum, numa praça que, em 2012, por ocasião da 20ª edição do festival, passa a chamar-se “Piazza José Saramago”, referiu. À inauguração do monumento sucede à estreia, em Itália, do documentário “José e Pilar”, da autoria do cineasta Miguel Gonçalves Mendes, que vai ser apresentado em todas as localidades italianas que aderiram à rede do festival Sete Sóis Sete Luas. A rede do festival é constituída por 25 cidades de dez países da bacia do Mediterrâneo e por Cabo Verde, Croácia, Espanha, França, Grécia, Israel, Itália, Marrocos, Portugal e Brasil. Capri, Itália, e Ceuta, Espanha, são duas das novas cidades que aderiram, este ano, ao festival Sete Sóis Sete Luas, enquanto Vila Real e Azinhaga do Ribatejo – terra natal de Saramago – não participam devido a cortes financeiros, disse Marco Abbondanza.
Ando há tempos para trazer aqui algumas palavras sobre um grande intelectual – José Luis Sampedro. É um escritor catalão de língua castelhana muito pouco conhecido em Portugal. Li o seu romance La sonrisa etrusca em 1993. Comprei-o uma noite, após o jantar, num dos quiosques das Ramblas, por onde gosto de deambular. Por essa altura, ia a Barcelona com grande frequência. Para os almoços havia sempre muitos colegas a convidar-me. Os jantares eram, em regra, solitários, pois todos iam para suas casas. Uma vez ou outra, o meu saudoso amigo Deiros, administrador-delegado da empresa para a qual eu trabalhava, me convidava para jantarmos no Círculo Ecuestre (no cruzamento da Avinguda Diagonal com a carrer Balmes) de que era sócio. Ambiente e comida óptimos.
Mas o jantar dessa noite foi num qualquer restaurante do Bairro Gótico. Antes de vir até ao hotel, dei a volta ritual pelas Ramblas e, num quiosque em frente do Teatre del Liceu, deparei com o livro do José Luis Sampedro, uma edição da Alfaguara – a trigésima terceira, datada de 1992.. Já ouvira falar, mas nunca lera nenhum dos seus livros. Quando, ainda cedo (onze horas?) me deitei e comecei a ler o livro, estava longe de pensar que me iria acontecer o que aconteceu – só deixar de o ler quando vi que era dia e tinha um dia de trabalho pela frente.
Estava já a clarear e tinha de estar muito cedo na editora – como o Josep Vidal pode comprovar , os catalães são rigorosos. Continuei a ler no aeroporto, depois no avião e já acabei a leitura em casa – 350 páginas. Fiquei fascinado com aquela história que um escritor catalão (e que escreve em castelhano) situa em Itália. Digamos que é um bom exemplo do vigor cultural da pátria latina, mesmo nos nossos dias em que a onda avassaladora da anglofização quase não nos deixa respirar.
A história é simples - um velho calabrês chega a casa de um filho em Milão para fazer uma revisão geral – análises, radiografias, electrocardiogramas…
No Museu Romano de Villa Giulia a sua atenção fixa-se no sarcófago etrusco, sobre o qual as esculturas de um casal deitado num triclínio sorri. Como se aqueles dois longevos amantes, Os esposos (como se chama a peça) se rissem da morte. A imagem fica-lhe gravada. Viverá em Milão duas grandes emoções que também o farão sorrir da morte – o neto, que desconhecia, e no qual derrama todo o seu amor e também o amor romântico por uma mulher. A sua última aventura amorosa. Recomendo a leitura e, por isso, não vos conto a história, só vos deixando sobre ela um tópico – o amor é uma vitória sobre a morte. É uma história maravilhosa, bem escrita e esplendidamente efabulada.
E começou aí o meu interesse por José Luís Sampedro escritor que até então desconhecera. Li os seus romances e mais recentemente descobri a sua faceta de humanista. Comecemos então por revelar alguns dados essenciais da sua biografia.
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José Luis Sampedro Sáez nasceu em Barcelona no dia um de Fevereiro de 1917. Além de escritor e de humanista, é também um reputado economista, defendendo uma economia mais humana, mais solidária e capaz de contribuir para o desenvolvimento e dignidade dos povos.
Entre o ano em que nasceu e os 13 anos, viveu em Tânger. Em 1936, ao eclodir a Guerra Civil, foi mobilizado pelo Exército Republicano, alistando-se depois naquilo que se chamou «exército nacional» - os rebeldes falangistas.
Acabada a guerra, já em Madrid, frequenta o curso de Ciências Económicas na Universidade Complutense, concluindo-o em 1947. A partir de 1955 e até 1969, faz parte do corpo docente dessa mesma universidade. Ao mesmo tempo ocupa diversos cargos no Banco Exterior de España, chegando a ser seu Subdirector Geral. Em 1976 volta ao banco como assessor de Economia. E ao mesmo tempo que desenvolve a sua actividade docente ou como economista, começa a publicar a sua obra literária. Quase centenário, continua com a sua acutilância humanística a criticar a decadência moral e social do Ocidente, do neoliberalismo, bem como as brutalidades do capitalismo selvagem.
Hei-de voltar a falar deste escritor. Sobretudo sobre a sua faceta de economista.
Para já, sobre ele vou dar a palavra a José Saramago:
Esta tarde ouvi falar de José Luis Sampedro, economista, escritor, e, sobretudo, sábio daquela sabedoria que não é dada pela idade, ainda que esta possa ajudar alguma coisa, mas pela reflexão como forma de vida. Perguntaram-lhe na televisão pela crise de 29, que ele viveu em criança, mas que depois estudou como catedrático. Deu respostas inteligentes que os interessados em compreender o que está ocorrendo encontrarão nos seus livros, tanto escreveu José Luis Sampedro, ou procurando a reportagem na rede, mas uma pergunta que ele próprio fez, não o jornalista, ficou-me gravada na memória. Perguntava-nos o mestre, e também a si mesmo, como se explica que tenha aparecido tão rapidamente o dinheiro para resgatar os bancos e, sem necessidade de qualificativos, se esse dinheiro teria aparecido com a mesma rapidez se tivesse sido solicitado para acudir a uma emergência em África, ou para combater a sida… Não era necessário esperar muito para intuir a resposta. À economia, sim, podemos salvá-la, mas não ao ser humano, esse que deveria ter a prioridade absoluta, fosse quem fosse, estivesse onde estivesse. José Luis Sampedro é um grande humanista, um exemplo de lucidez. O mundo, ao contrário do que às vezes se diz, não está deserto de gente merecedora, como ele, de que lhe dêmos o melhor da nossa atenção. E façamos o que ele nos diz: intervir, intervir, intervir.
(in Outros Cadernos de Saramago, 24 de Outubro de 2008)
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