Domingo, 12 de Junho de 2011
José Magalhães Momentos (mostra de fotografia)
"A Cup of Tea", Matosinhos
11/6 a 9/7/2011
Segunda-feira, 20 de Dezembro de 2010
José Magalhães
Hoje é Domingo. Faltam muito poucos dias para a noite de consoada deste ano.
Estou em minha casa, em sossego, ouvindo música, olhando distraído a televisão que, sem som, debita, num qualquer noticiário, imagens de desgraças, umas atrás das outras.
O meu pensamento voga, ora entre os sons mágicos de Tchaikovsky ora pelas imagens que a caixa mostra, ora ainda pelos acontecimentos últimos. Nestes, pára constantemente. Aos poucos tudo desaparece e a época natalícia vai-se aproximando e envolvendo o meu pensamento. Lembro-me da tradição que, mesmo os que se dizem não ligados à religião católica, todos vão mantendo.
Uma das tradições que vou teimando em manter, é o jantar do dia vinte e quatro de Dezembro, a Ceia de Natal. Por tradição, juntamos a família nessa noite, e na casa de seja quem for designado para o fazer, comemos o bacalhau cozido, acompanhado com batatas, couves e polvo e regado com o melhor azeite que for possível comprar. O vinho, costuma ser o maduro tinto, do Douro claro, ou então Verde, também tinto, de Ponte de Lima.
Este ano, para não fugir à regra, contamos as cabeças que iriam estar presentes, não fosse ter surgido mais alguém entretanto. No entanto, a contagem que eu queria, não dava certo. Faltava gente, ao contrário das minhas expectativas.
Este ano o Natal, a noite da consoada, não vai ter o charme de outros anos. Na verdade, esse charme, a alegria obrigatória que sentia nesta época do ano, a magia que cheguei um dia a encontrar, desapareceu há muito. Mas, sempre fui conseguindo esquecer as agruras da vida com a alegria e a felicidade que os meus iam tendo.
De qualquer forma e porque me sinto assim, começa a ser recorrente esta maneira de estar nesta altura do ano, apesar de rodeado de muita gente, alguma até talvez com alguma boa vontade e benevolência para comigo, ponho-me a pensar e quase a sonhar.
O meu pensamento voga livre e com rumo certo. Directo ao meu Natal de antigamente.
São sonhos velhos, os que tenho, com muitas saudades misturadas, de muitos Natais bem passados, com uma família enorme (sim, é verdade, pertenço aos felizardos que tiveram uma infância e adolescência felizes, e com uma família grande), com um avô paterno bonacheirão e amigo de comer bem, tias e tios e primos que enquanto o dinheiro não abundou, se mostraram sempre muito boas pessoas, e a felicidade de todos os anos, dormirmos (fomos durante muitos anos dezanove pessoas naquela casa) de 24 para 25 em casa dos avós, todos juntos, numa alegria imensa.
A consoada, com toda a gente à mesma mesa, ou quase toda porque os mais pequenos ficavam numa mesa à parte por falta de espaço, era barulhenta, com todos a falar ao mesmo tempo, e muito alegre. Não havia espaço para o silêncio nem para a menos alegria. Ninguém abandonava a mesa sem autorização do meu avô, mas também ninguém queria, e o jantar durava muito tempo, sabendo todos nós de antemão, que no dia seguinte o almoço, com o peru a roupa velha os miúdos as sobremesas e o champanhe, seria mais uma vez uma enorme festa.
Perto da meia-noite, os mais velhos iam assistir à Missa do Galo, enquanto os mais novos estavam já na cama, de olhos esbugalhados pela insónia provocada pala ânsia da chegada da manhã do dia seguinte e das prendas que cada um iria ter nessa altura.
Prendas, era uma para cada um, que o dinheiro não abundava e o consumismo ainda não se fazia sentir, e que maravilhosa que essa prenda era. O primeiro a acordar ia ver se o Menino Jesus já tinha chegado e colocado as prendas nos sapatos que estavam em cima do fogão de lenha, e vinha avisar os outros. Cada um se entretinha a ver o que lhe tinha calhado e depois era a festa de mostrar aos outros e começar a brincar.
Mas as minhas saudades e os meus sonhos sobre os bons tempos, não se limitam à consoada e ao dia de Natal. Vão muito para além disso, transformando cada dia num Natal contínuo.
Lá em casa, havia duas pessoas mais, que eram como que da família; a srª Margarida e o sr Aurélio. Eram casados um com o outro e desde tempos imemoriais, trabalhavam para os meus avós. O sr Aurélio, homem bom mas muito reservado e pouco dado a manifestações, tratava de tudo o que dissesse respeito aos animais e ao campo e obedecia cegamente à mulher, e a srª Margarida, dava ordens sobre ordens ao marido e tratava das lides da casa e da cozinha. Nos últimos anos, ela, já doente, era quase só da cozinha que tratava (e que bem que cozinhava), pois que tinha uma ajudante para os quartos. Eram, estes dois, para mim como uns segundos avós, principalmente ela, por quem eu, e todos os meus primos (éramos nove), tínhamos uma adoração enorme, que era correspondida em triplicado. Era a nossa conselheira, a nossa ouvinte, aquela a quem, quando era preciso dizer alguma coisa aos nossos pais ou avós e não havia muita coragem, nós confiávamos a diligência de o fazer, e tínhamos a certeza que o seria bem feito. Era a alma daquela casa! Depois da sua morte, nunca mais nada foi o mesmo.
A cozinha, razoavelmente grande, era o local por excelência do casarão, e a srª Margarida era a dona única daquele espaço. Lá nos reuníamos, fofocávamos, bilhardávamos, desfazíamos zangas novas ou antigas, contávamos anedotas, ouvíamos histórias de tempos idos, recebíamos oferendas de batatas ou couves tronchudas ou qualquer outro mimo, roubávamos batatas acabadas de fritar, e comíamos uns maravilhosos ovos estrelados (um dos meus mimos preferidos e que ela adorava oferecer) com um sabor tal, que por muito que tenha procurado, nunca mais na minha vida voltei a encontrar.
Nesta quase véspera de Natal, poucos dias antes da noite de consoada, voltei a lembrar-me desses tempos (a srª Margarida faleceu no início de 1991 e o sr Aurélio já há anos tinha morrido), da enorme falta que essa mulher me faz, e estou certo também a todos os meus primos e primas, e senti uma tristeza imensa, tanto pelas saudades desses tempos fabulosos, como pela impossibilidade dos meus filhos e sobrinhos crescerem com tanta qualidade, quanto a que nós tivemos.
Texto de Fernando Moreira de Sá eFotografia de José Magalhães
Existem dias de magia nos quais o Douro acorda envolvido em algodão doce como se fosse obra de um certo mago.
Tudo começa na Foz onde o Douro encontra a morte nas águas geladas do Atlântico.
Um misterioso manto branco acinzentado invade, pé ante pé, a superfície da água do rio desde a Foz até aos limites da velhinha Ponte D. Maria.
Ao longo do despertar do dia avança como se possuindo longos e gordos braços pelas diferentes ruas e ruelas da Alfândega, de Massarelos, de Miragaia, da Ribeira. Não sei se não será um verdadeiro espreguiçar.
Qual manto de Noiva a rastejar por debaixo dos tabuleiros das diferentes pontes que invade. Mesmo se a Ponte da Arrábida aparente desaparecer mas é mais por confusão e fusão de cores. Na Ponte D. Luís parece sustentar ambos os tabuleiros dando uma ilusão de suspensão destes no ar, como flutuando à mercê dos seus humores.
Quem olha desde a Serra do Pilar fica hipnotizado. E tentado. Uma tentação diabólica de se atirar para cima dela como se aquela nuvem enganadora fosse uma gigante almofada que nos leve numa viagem sobre a cidade.
Ao olhar para a nossa direita deparamos com a velha senhora, a inolvidável Ponte D. Maria. Até ele, sempre tão atrevido, se curva perante a sua beleza respeitável e pede licença para passar. Sim, o nevoeiro mágico enviado, quiçá, por Merlin, antes tão indiferente às restantes obras de arte passando por debaixo delas sem pestanejar abranda junto à D. Maria e respeitosamente a cumprimenta e lhe solicita autorização. Por vezes a demora é tal que logo o Rei Sol o impele e o reduz a uma injusta insignificância.
No meu Porto há dias assim.
Sexta-feira, 26 de Novembro de 2010
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Foto: José Magalhães |
José MagalhãesNa minha cidade
Nasce o Norte insubmisso
E gente de rostos rugosos
Falando com impropérios
Nasce o regionalismo com viço
E nos belos Invernos chuvosos
Também nascem os mistérios
A minha cidade
Cheira a rio e cheira a mar
E tem poentes de ouro
A enfeitar o granito.
Tem pombas a esvoaçar
Rabelos colorindo o Douro
E mar até ao infinito.
Tem uma bruma no ar
Gente que é um tesouro
E pregões ditos em grito.
Na minha cidade
Fala o pobre e fala o rico
Comendo sardinhas e iscas
Fala a voz de uma paixão
Contra qualquer mexerico
Loas aos quadrados e às riscas
Gritam na pantera e no dragão
E quando os ouço, absorto
Sinto dentro de mim um frémito,
e ouço um grito
“VIVA, PORTO,
ÉS UMA NAÇÃO!”