Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2011

Futebol, cultura e democracia

 


 

 

 

 

 

Carlos Loures

Estas três palavras andam por vezes tão separadas que mais parecem pertencer a três diferentes idiomas. Quando ouvimos as claques insultar os adversários em linguagem rasteira ou quando tomamos conhecimento de actos de corrupção ou de deturpação da verdade desportiva, é difícil associar ao futebol os conceitos de cultura e de democracia. No entanto, ao longo da minha vida profissional, grande parte dela passada no mundo da edição, por diversas vezes me cruzei com o futebol. Vou referir dois desses fortuitos encontros. 


Anos atrás, traduzi um livro de Ernesto Sábato, o grande escritor argentino, um dos indigitados crónicos para o Prémio Nobel da Literatura. Foi o romance «Sobre héroes y tumbas» que na edição portuguesa, com o acordo do autor, ficou «Heróis e Túmulos». Não foi trabalho fácil, pois tendo estudado o castelhano europeu, deparei com um texto cheio de argot porteño que só vim a decifrar com a ajuda de Sábato. - tendo-lhe confiado os problemas, mandou-me um glossário com termos que os dicionários de que dispunha  não registavam. 

Contudo, o que me surpreendeu num intelectual de tamanha dimensão foi o rigor com que as suas personagens discorriam sobre futebol, descrevendo jogadas de confrontos históricos entre o Boca e o River Plate, evocando grandes jogadores... Vim depois a saber que Sábato, hoje quase centenário, pois nasceu em Junho de 1911, é um fervoroso adepto do Boca Juniors, o clube do mítico Diego Maradona. Hei-de voltar a falar de Ernesto Sábato e oxalá que seja a propósito da atribuição do Nobel – poucos escritores houve e há que tanto justifiquem esse galardão. 


Num almoço que, há muitos anos tive com o grande musicólogo João de Freitas Branco e com o maestro Ivo Cruz no restaurante Belcanto, no Largo de São Carlos, Freitas Branco contou-me um episódio muito curioso ocorrido durante a vinda a Lisboa do grande violinista ucraniano David Oistrakh, que na altura era considerado o maior executante do mundo, sobretudo de compositores do repertório russo contemporâneo. 


Logo após a chegada e a recepção protocolar, Oistrakh chamou Freitas Branco de parte e pediu-lhe para lhe arranjar maneira de ir ver o Eusébio jogar. Embora surpreendido pelo inusitado pedido, o maestro contactou o presidente do Benfica e logo foi disponibilizado um camarote para Oistrakh e Freitas Branco. Diz-se que, no final do concerto, o grande violinista não agradeceu pela segunda vez os aplausos do público do São Carlos, para poder chegar rapidamente ao estádio. No final do jogo, em que Eusébio marcou um golo magnífico, David Oistrakh foi ao balneário cumprimentar o jogador.

Sobre o concerto em São Carlos, o grande escritor José Gomes Ferreira escreveu um interessante poema, que vem publicado no 2º volume de Poeta Militante (Não, não deixes secar/este fio de água de violino/que nas manhãs de ouro/completa as nossas sombras com flores -/ enquanto os pássaros de sementes nos olhos/procuram na espiral dos voos/outro cárcere de recomeço.). A leitura deste belo poema de Gomes Ferreira, leva-nos até a Fernando Namora e a Manuel Alegre. O primeiro, no seu poema «Marketing», alude aos 5-3 do Eusébio à Coreia. Manuel Alegre, sobre o «Pantera Negra» diz:

Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro e sua matemática
Buscava o golo mais que golo – só palavra
Abstracção ponto no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema.

Futebol, democracia e cultura – palavras de idiomas diferentes e de distintos mundos conceptuais? Não necessariamente. Figuras míticas como Pinga, Pepe, Peyroteo, Eusébio fazem parte da face luminosa do futebol. Bem sei que há a face oculta, aquela a que a resplandecente luz solar da verdade nunca chega – claques, subornos, tráficos diversos… Hoje quis falar da sua face positiva, luminosamente inspiradora.

Aquela em que o futebol nos reconcilia com a beleza da vida, dela fazendo parte. O futebol não tem de estar sempre nos antípodas da cultura e da democracia. 

Nota: Publiquei este texto no "Todos Somos Portugal", um blogue do nosso colaborador Carlos Godinho. É um blogue ligado às coisas do futebol em particular, nomeadamente da actividade das selecções, e do desporto em geral. Por serem estes dias dominados pelo futebol, pareceu-me oportuno publicá.lo aqui .

publicado por João Machado às 16:20
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Sábado, 26 de Junho de 2010

Cultura, democracia e futebol

Carlos Loures

Estas três palavras andam por vezes tão separadas que mais parecem pertencer a três diferentes idiomas. Quando ouvimos as claques insultar os adversários em linguagem rasteira ou quando tomamos conhecimento de actos de corrupção ou de deturpação da verdade desportiva, é difícil associar ao futebol os conceitos de cultura e de democracia. No entanto, ao longo da minha vida profissional, grande parte dela passada no mundo da edição, por diversas vezes me cruzei com o futebol. Vou referir dois desses fortuitos encontros.


Anos atrás, traduzi um livro de Ernesto Sábato, o grande escritor argentino, um dos indigitados crónicos para o Prémio Nobel da Literatura. Foi o romance «Sobre héroes y tumbas» que na edição portuguesa, com o acordo do autor, ficou «Heróis e Túmulos». Não foi trabalho fácil, pois tendo estudado o castelhano europeu, deparei com um texto cheio de argot porteño que só vim a decifrar com a ajuda de Sábato. - tendo-lhe confiado os problemas, mandou-me um glossário com termos que os dicionários de que dispunha  não registavam.

Contudo, o que me surpreendeu num intelectual de tamanha dimensão foi o rigor com que as suas personagens discorriam sobre futebol, descrevendo jogadas de confrontos históricos entre o Boca e o River Plate, evocando grandes jogadores... Vim depois a saber que Sábato, hoje quase centenário, pois nasceu em Junho de 1911, é um fervoroso adepto do Boca Juniors, o clube do mítico Diego Maradona. Hei-de voltar a falar de Ernesto Sábato e oxalá que seja a propósito da atribuição do Nobel – poucos escritores houve e há que tanto justifiquem esse galardão.


Num almoço que, há muitos anos tive com o grande musicólogo João de Freitas Branco e com o maestro Ivo Cruz no restaurante Belcanto, no Largo de São Carlos, Freitas Branco contou-me um episódio muito curioso ocorrido durante a vinda a Lisboa do grande violinista ucraniano David Oistrakh, que na altura era considerado o maior executante do mundo, sobretudo de compositores do repertório russo contemporâneo.


Logo após a chegada e a recepção protocolar, Oistrakh chamou Freitas Branco de parte e pediu-lhe para lhe arranjar maneira de ir ver o Eusébio jogar. Embora surpreendido pelo inusitado pedido, o maestro contactou o presidente do Benfica e logo foi disponibilizado um camarote para Oistrakh e Freitas Branco. Diz-se que, no final do concerto, o grande violinista não agradeceu pela segunda vez os aplausos do público do São Carlos, para poder chegar rapidamente ao estádio. No final do jogo, em que Eusébio marcou um golo magnífico, David Oistrakh foi ao balneário cumprimentar o jogador.

Sobre o concerto em São Carlos, o grande escritor José Gomes Ferreira escreveu um interessante poema, que vem publicado no 2º volume de Poeta Militante (Não, não deixes secar/este fio de água de violino/que nas manhãs de ouro/completa as nossas sombras com flores -/ enquanto os pássaros de sementes nos olhos/procuram na espiral dos voos/outro cárcere de recomeço.). A leitura deste belo poema de Gomes Ferreira, leva-nos até a Fernando Namora e a Manuel Alegre. O primeiro, no seu poema «Marketing», alude aos 5-3 do Eusébio à Coreia. Manuel Alegre, sobre o «Pantera Negra» diz:

Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro e sua matemática
Buscava o golo mais que golo – só palavra
Abstracção ponto no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema.


Futebol, democracia e cultura – palavras de idiomas diferentes e de distintos mundos conceptuais? Não necessariamente. Figuras míticas como Pinga, Pepe, Peyroteo, Eusébio fazem parte da face luminosa do futebol. Bem sei que há a face oculta, aquela a que a resplandecente luz solar da verdade nunca chega – claques, subornos, tráficos diversos… Hoje quis falar da sua face positiva, luminosamente inspiradora.

Aquela em que o futebol nos reconcilia com a beleza da vida, dela fazendo parte. O futebol não tem de estar sempre nos antípodas da cultura e da democracia.

Nota: Publiquei este texto no "Todos Somos Portugal", um blogue do nosso colaborador Carlos Godinho. É um blogue ligado às coisas do futebol em particular, nomeadamente da actividade das selecções, e do desporto em geral. Por serem estes dias dominados pelo futebol, pareceu-me oportuno publicá.lo aqui também.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Quinta-feira, 24 de Junho de 2010

Vicente Lusitano, um oliventino - o maior músico português do século XVI


Carlos Luna

Há já dez anos, Lisboa homenageou, na sua toponímia, um músico português e alentejano renascentista,dando o seu nome à (agora  antiga) Rua Particular à Quinta da Torrinha, na freguesia da Ameixoeira, a norte do Lumiar. Convém recordá-lo, para que se não esqueça que o maior músico nacional do século XVI foi um filho da maior região portuguesa.Falamos de um homem que passou à História com o nome de Vicente Lusitano, um dos poucos músicos portugueses que conquistou audiência musical no estrangeiro, e logo como compositar e teórico afamado no ramo . Foi mesmo professor em Roma, Viterbo, e Pádua.

A primeira referência de vulto a Vicente Lusitano data de Junho de 1551. Nesse ano, durante uma recepção musical em casa do banqueiro florentino Bernardo Acciaioli, em Roma, por causa de uma composição
musical então ouvida (o canto gregoriano da antígona "Regina Coeli"), surgiu um diferendo em torno de qual dos géneros pertenceriam ascomposições musicais do tempo. Com uma opinião, estava Nicola Vicentino (1511-1576), italiano, ao serviço do Cardeal de Ferrara. Com opinião contrária, estava VICENTE LUSITANO, que dizia que o género musical seria o diatónico, e não um sistema misto de três géneros
(diatónico, cromático, e enarmónico).


Realizou-se então um concurso, em que os argumentos dos dois foram ouvidos e avaliados por especialistas, e o vencedor proclamado foi Vicente . Note-se que, em plena época do Concílio de Trento,
dar razão a quem se opunha a um protegido do Cardeal de Ferrara, muito próximo do Papa, foi algo surpreendente. Todavia, Vicente Lusitano era uma pessoa muito influente, ligado também à Cúria Papal, considerado um grande especialista musical, resultantes de quinze anos de aturados estudos.
Vicente Lusitano era considerado um dos maiores teóricos musicais do seu tempo. Entre 1551 e 1555, publicou-se em Roma a sua colecção de motetes "Liber primus epigratum" ( ou "motetta dicuntur"). Em 1555, também em Roma, surgia outra obra sua, "Introdutione facilissima", que seria reeditada em Veneza em 1558, e de novo em 1561.

Em 1561, surpreendentemente, o músico português estava no Würtemberg, na Alemanha, ocupando um ugar importante na Capela da Corte daquele Estado Germânico. Uma carta de 30 de Maio de 1561 dá-nos
as últimas informações de certa credibilidade sobre a sua pessoa: tinha-se convertido ao Protestantismo, casara-se, e não voltaria mais portanto ao Mundo Católico. Terá morrido no Würtemberg, ou quiçá em
Paris, talvez por volta de 1570. Para evitar perseguições, terá evitado dar motivos para que dele se falasse.
Lamentavelmente, a sua música perdeu-se quase inteiramente, exceptuando-se um madrigal, publicado sabe-se lá porquê em 1562 em Veneza, e, segundo a estudiosa Maria Augusta Barbosa, talvez o
"Tratado de Canto e Órgão", um manuscrito encontrado na Biblioteca Nacional de Paris, cuja autoria é incerta, embora haja fortes probabilidades de ser de Vicente Lusitano.

Segundo João de Freitas Branco, os duzentos anos da música renascentista portuguesa estão integrados na época mais esplendorosa de toda a História da Música Portuguesa, ainda que o nosso conhecimento dela apresente várias lacunas. Os vultos mais importantes de então, para além do mais notável (Vicente Lusitano), foram Manuel Mendes, Filipe de Magalhães, Duarte Lobo, Francisco Martins, Manuel
Cardoso, António Carreira, e Manuel Rodrigues Coelho.Curiosamente, um dos grandes centros musicais portugueses de então, referido já como importante em 1543, mas com tradições firmadas anteriores, era Olivença, situação que se prolongou pelo menos até 1630. Ter-se-á desenrolado uma "luta" entre o Clero e os estudantes e a Burguesia de Olivença, que influenciou o ensino da Música na localidade, ignorando-se se essa mesma luta não terá estado na origem da posterior decadência dessa arte ali.A História de Vicente Lusitano, um "pardo" (Mulato, mestiço) nascido em Olivença entre 1520 e 1530, que chegou a ser um músico de dimensão europeia e a andar próximo da Corte Papal, para posteriormente ser atraído pelo Protestantismo e desaparecer da cena histórica, é bem o espelho de uma época de grandezas e misérias, de
pragmatismo étnico e cultural, mas de final dogmático e intolerante, que foi a centúria de quinhentos em Portugal.
publicado por Carlos Loures às 11:00
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