Sexta-feira, 29 de Abril de 2011
Júlio Marques Mota (continuação daqui )
2) O fim dos milagres
Depois de um primeiro alerta a partir de 2006, as dificuldades manifestam-se no Verão de 2007 com o início da crise dita de “subprimes”. A economia islandesa abranda rapidamente. A falência de Lehmann Brothers a 15 de Setembro de 2008 precipita as coisas.
O mercado interbancário mundial contrai-se brutalmente. Os bancos deixam de emprestar uns aos outros os fundos de que cada um precisa e que são indispensáveis para o exercício da sua actividade. Para os bancos islandeses, isto significa o fim do milagre. Privados dos recursos que obtinham no mercado financeiro internacional, ficam totalmente asfixiados. Os montantes em jogo são de tal modo consideráveis que o Estado e o Banco Central - bem o queriam ter feito - são incapazes de os recapitalizar. O sobredimensionamento da finança local traduzia-se, com efeito, por esta consequência essencial: já não tinham mais o credor de última instância: o Banco Central era uma espécie de anão, em relação aos bancos privados.
Neste contexto, os acontecimentos aceleraram-se. Em pouco mais de uma semana, o sistema financeiro islandês é completamente abalado. Os três grandes bancos (que representavam então, lembremo-lo, 85% dos activos bancários islandeses), desmoronam-se, afundam-se. Cessação geral de pagamentos.
Ao mesmo tempo suspendem-se as operações de bolsa de Reykjavik até ao dia 13 de Outubro. A agência de notação Ficht por sua vez degrada a notação sobre a Islândia, contribuindo assim para tornar ainda mais caro o recurso ao endividamento privado internacional[13].
Na sequência do conjunto deste processo que terminou no final de 2010, a liquidação dos três bancos é pronunciada pelo tribunal regional de Reykjavík (22 de
Novembro 2010)[21]. Nesta data, de acordo com o Jornal Oficial da União Europeia, que (devido ao facto de a Islândia fazer parte do EEE) publicitou oficialmente destas decisões, em que o balanço dos bancos se apresentava como segue. Os activos de Glitnir eram considerados em cerca de 783 mil milhões de ISK para um passivo de cerca de 2.838 mil milhões de ISK, ou seja um défice de 2.055 mil milhões de ISK (cerca de 12,8 mil milhões de euros). No caso do banco Landsbanki, os seus activos situavam-se em cerca de 1.138 mil milhões de ISK para um passivo cerca de 427 mil milhões de ISK, ou seja, um défice de 2 289 mil milhões ISK (cerca de 14,3 mil milhões de euros). Só para estes dois únicos bancos, a diferença entre o passivo e os activos ascende por conseguinte a 27 mil milhões de euros[22]. E são os credores estrangeiros dos bancos islandeses (prática dos bancos e dos investidores institucionais atraídos por altas taxas de rendimento propostas pelos bancos islandeses durante o seu período de crescimento desenfreado) que deverão assumir estes prejuízos.
O controlo cambial é instaurado a 28 de Novembro de 2008 para bloquear a fuga dos capitais. Mas sobretudo - como na Irlanda e na Grécia - o governo islandês compromete-se a assegurar rapidamente o regresso ao equilíbrio orçamental. As taxas de imposição sobre os rendimentos são aumentadas, novas taxas são introduzidas e as despesas públicas são reduzidas. O acordo representa no plano orçamental um esforço de 3% do PIB por ano até 2013 (OCDE, 2009[26]). Aqui, como na Grécia e na Irlanda, estas medidas significam uma multiplicação dos cortes com as despesas sociais e uma purga imposta aos assalariados e às classes mais pobres[27].
Ponto extremamente importante, o FMI adia a assinatura do acordo. Propõe-se assim condicionar este acordo à satisfação do pedido do Reino Unido e dos Países Baixos para que seja primeiro resolvido o diferendo sobre o banco em linha Icesave. Sob esta pressão, um acordo “de princípio” é encontrado a 14 de Novembro[28]. A partir de então, o FMI e a Islândia assinam por sua vez a 19 de Novembro. A 20 de Novembro, o apoio do FMI é completado por empréstimos de Estado a Estado: Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia à parte concedem um empréstimo conjunto de 2 mil milhões de euros.
[26] Etude économique de l’Islande, OCDE (2009).Veja-se: http://www.solidariteetprogres.org/article5863.html sobre o impacto social dos compromissos orçamentais impostos pelo FMI .
[27] Veja-se: http://www.solidariteetprogres.org/article5863.html sobre o impacto social dos compromissos orçamentais impostos pelo FMI.
[28Acordo de princípio porque, como veremos, certas modalidades práticas continuavam por regular.
Os meses que se seguem a este acordo são desastrosos para a economia islandesa.
O PIB diminui brutalmente. Desce cerca de 6,9% em 2009 (gráfico 6).
As falências multiplicam-se; a taxa de desemprego sobe em flecha em poucos meses de 3% para 9% (gráfico 7).
Com a forte depreciação da coroa (gráfico 4), as importações passam a ficar mais caras
e a inflação dispara (gráfico 8).
Os salários nominais baixando, o poder de compra (o salário real) diminui brutalmente (gráfico 9).
Endividadas em divisas estrangeiras, numerosas famílias vêem o montante dos seus prazos de pagamento mais do que duplicar[29]. Numerosas são as que deixam de poder reembolsar ou que se consideram em dificuldades (quadro 1). Além disso, a nacionalização dos bancos significa eliminar o valor de três quartos da capitalização bolsista do país. A bolsa desmorona-se (gráfico 10).
[29] Segundo as estimativas do governo, cerca de 10% da população subscreveu um crédito em divisas estrangeiras.
São cerca de 85.000 os pequenos accionistas que ao terem aplicado grande parte das suas poupanças em valores bancários perderam praticamente tudo, ficaram praticamente sem nada. A notação da dívida soberana desce fortemente até a um nível próximo das aplicações de carácter especulativo.
CONTINUA...
publicado por siuljeronimo às 20:00
editado por Luis Moreira às 17:33
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Quinta-feira, 28 de Abril de 2011
Júlio Marques Mota
“Pode-se perguntar à maioria das pessoas - agricultores, pescadores, professores, doutores, enfermeiros – se estão dispostas a assumir a responsabilidade da falência dos bancos privados? Esta questão, que estará no centro do debate no caso do banco islandês Icesave, vai ser a questão quente em numerosos países eurpeus”
Ólafur Ragnar Grimsson, Presidente da República da Islãndia (Outubro de 2010)
Porquê voltarmos hoje à crise islandesa?
Este pequeno país já não está sob o centro da actualidade. É certo que teve uma crise bancária e financeira espectacular que conduziu o Estado e o país inteiro à beira da falência. Além disso, se é certo que os montantes das dívidas em questão são importantes, os valores globais (algumas dezenas de milhares de milhões de euros) não são susceptíveis de perturbar gravemente os equilíbrios financeiros internacionais. Por fim, face às últimas notícias, as coisas por ali vão bem melhor: baixa da inflação, retoma do crescimento, baixa do desemprego…
[11] http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5i_8IvTANWHSQ6zt8mF5Kxj8mU81
g?docId=CNG.613bea31ca2dfb51007376451423f687.421
Todos estes elementos se explicam pelo clima de euforia que reinava então. O dinheiro era fácil. Os rendimentos das colocações eram confortáveis. De um ponto de vista da valorização “do valor accionista”, a estratégia é onerosa. Os rendimentos eram muito elevados. O ROE (rendimento sobre os capitais próprios) excede largamente os 15%. Em certos bons anos este atinge 40% ou até mesmo 50% (gráfico 2).
E é bem certo que os dividendos por acção crescem muito fortemente (gráfico 3).
Tudo parece sorrir a esta estratégia. Em 2007, a ilha ocupa o primeiro lugar à escala mundial de acordo com o índice de desenvolvimento humano (IDH) das Nações Unidas, o quinto lugar dos países mais ricos do mundo com um PIB per capita de 50 mil dólares. Melhor ainda, os poderosos analistas e especialistas em previsões da OCDE ou do World Economic Forum prevêem um futuro brilhante para este país. A Islândia é classificada como sétimo melhor país em termos de competitividade da sua economia!
Com efeito, e na própria altura em que dois relatórios escritos por peritos, entre os mais reconhecidos da finança internacional “oficial”, elogiam a banca e a regulação financeira da Islândia[12], todas as condições estavam a ser reunidas para o aparecimento da catástrofe. A rã financeira islandesa conseguiu mesmo inchar de tal modo que parecia um boi. Só lhe restava rebentar. Com um sistema bancário totalmente sobredimensionado e extrovertido, mais que qualquer outro, a economia islandesa está exposta aos riscos da conjuntura financeira internacional.
[12] Trata-se de um lado do relatório de F. Michkin (Professor em Columbia e que exerceu altas funções no Federal Reserve Bank de New York de 1994 a 2007), intitulado «Financial Stability in Iceland» (sic !...) publicado em 2006, e por outro do relatório de Richard Portes, Professor na London Business School, intitulado «The Internationalisation of the Iceland’s Financial Sector», publicado em 2007. Os dois relatórios encomendados depois da crise de 2006 que sacudiu a Islândia, insistem no entanto sobre a solidez da finança islandesa, sobre a excelência do seu percurso e sobre a qualidade da supervisão exercida pelas autoridades. Estes textos estão disponíveis em:
http://www.vi.is/files/555877819Financial%20Stability%20in%20Iceland%20Screen%20Version.pdf
http://www.iceland.org/media/jp/15921776Vid4WEB.pdf
CONTINUA...
publicado por siuljeronimo às 20:00
editado por Luis Moreira às 02:29
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Terça-feira, 12 de Abril de 2011
Em "Porque silenciam a Islândia?" já o nosso leitor Francisco Gouveia revelava fenómenos sociais e políticos relevantes que se desenrolam na pequena ilha perdida no meio do mar. Mas com o resultado do referendo de ontem não e mais possível silenciar ou ignorar.
Com o "não" ao pagamento, por parte dos cidadãos, das dividas contraídas pelos bancos privados, no contexto de negócios privados, constitui-se o maior desafio politico ao sistema financeiro internacional e que e impossível ignorar. Os cidadãos, tal como nos aqui em Portugal demos conta há muito, não tem que pagar prejuízos resultantes de mas praticas ou mesmo de fraudes praticadas ao abrigo do poder dos especuladores financeiros.
O que se vê e que os negócios financeiros, arriscam o que arriscam porque, não correm nenhum risco, este fica sempre do lado dos estados, o que quer quiser, do lado dos cidadãos que pagam com os seus impostos negócios por os quais não foram ouvidos nem achados. Os cidadãos Islandeses não vão nisso, e desafiam corajosamente o sistema financeiro mundial que brinca com a vida de pessoas e mesmo dos estados.
Mesmo que os Estados Europeus e os Estados Unidos continuem nesta politica de cobertura das praticas criminosas financeiras, a partir de agora o mundo fica a saber que um pequeno país, sem aviões e sem submarinos, não verga perante os abusos dos senhores do mundo.
O que poderá acontecer? Ameaças, muitas ameaças, a que os cidadãos islandeses vão responder aumentando a produção dos seus bens e serviços, vão voltar a economia real, perceber que "não há almoços grátis" e responder como todos os países deviam responder. Em vez de viverem acima das suas possibilidades, largando mão do que tem e não terão nunca, desenvolverão os investimentos que efectivamente dão retorno e não os que interessam a banca internacional. E não se deixarão roubar com taxas de juro de 10%.
"Assim não vos pagamos!" Este e o único discurso que financeiros sem escrúpulos e Estados de cócoras temem!
in Publico, pag. 10
A partir deste momento histórico o sistema financeiro vai perceber que os cidadãos e os estados exigem lisura de comportamentos e que não vale tudo! Os cidadãos foram convertidos em garantias de operações especulativas internacionais!
Quinta-feira, 17 de Março de 2011
Revolução na Islândia:um segredo bem guardado
Todas as pessoas devem ler e pensar no que está a suceder na Islândia.
Ninguém sabia de nada. Não convém!? É espantoso (ou talvez não) a que ponto os nossos media clássicos ignoraram isto! Revolução pacífica na Islândia, silêncio dos media Por incrível que possa parecer, uma verdadeira revolução democrática e anticapitalista ocorre na Islândia neste preciso momento e ninguém fala dela, nenhum meio de comunicação dá a informação, quase não se vislumbrará um vestígio no Google: numa palavra, completo escamoteamento. Contudo, a natureza dos acontecimentos em curso na Islândia é espantosa: um Povo que corre com a direita do poder sitiando pacificamente o palácio presidencial, uma "esquerda" liberal de substituição igualmente dispensada de "responsabilidades" porque se propunha pôr em prática a mesma política que a direita, um referendo imposto pelo Povo para determinar se se devia reembolsar ou não os bancos capitalistas que, pela sua irresponsabilidade, mergulharam o país na crise, uma vitória de 93% que impôs o não reembolso dos bancos, uma nacionalização dos bancos e,cereja em cima do bolo deste processo a vários títulos "revolucionário": a eleição de uma assembleia constituinte a 27 de Novembro de 2010, incumbida de redigir as novas leis fundamentais que traduzirão doravante a cólera popular contra o capitalismo e as
aspirações do Povo por outra sociedade. Quando retumba na Europa inteira a cólera dos Povos sufocados pelo garrote capitalista, a actualidade desvenda-nos outro possível, uma história em andamento susceptível de quebrar muitas certezas e sobretudo de dar às lutas que
inflamam a Europa uma perspectiva: a reconquista democrática e popular do poder, ao serviço da população.
http://www.cadtm.org/Quand-l-Islande-reinvente-la
Desde Sábado 27 de Novembro, a Islândia dispõe de uma Assembleia constituinte composta por 25 simples cidadãos eleitos pelos seus pares.
É seu objectivo reescrever inteiramente a constituição de 1944, tirando nomeadamente as lições da crise financeira que, em 2008, atingiu em cheio o país.
Desde esta crise, de que está longe de se recompor, a Islândia conheceu um certo número de mudanças espectaculares, a começar pela nacionalização dos três principais bancos, seguida pela demissão do governo de direita sob a pressão popular. As eleições legislativas de
2009 levaram ao poder uma coligação de esquerda formada pela Aliança (agrupamento de partidos constituído por social-democratas, feministas
e ex-comunistas) e pelo Movimento dos Verdes de esquerda. Foi uma estreia para a Islândia, bem como a nomeação de uma mulher, Johanna
Sigurdardottir, para o lugar de Primeiro-ministro.
24 de Janeiro de 2011 Jean REX
PS: recebido por mail de pessoa identificada
http://www.parisseveille.info/quand-l-islande-reinvente-la,2643.html
Islândia
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Domingo, 19 de Dezembro de 2010
Eleja VincentII. Náufragos da Islândia Ainda há três semanas, Ragnar Kristinn Kristjansson era um empresário a quem os ventos polares tinham dado sorte. Com 48 anos, este ruivo, dinâmico, vivia das suas rendas. A sua exploração de cogumelos tinha-lhe trazido a fortuna e a felicidade. Desde a baía envidraçada da sua elegante residência secundária, em Fludir, a duas horas de estrada a sudeste de Reykjavik, a capital, podia contemplar orgulhoso e sereno as vastas planícies vulcânicas da Islândia. Quando fazia bom tempo, o seu terraço era o ideal para admirar as auroras boreais.No banco, tinha direito aos melhores cumprimentos e atenções. Os melhores conselheiros, taxas privilegiadas. O sector financeiro da ilha estava no seu apogeu. Todas as audácias eram autorizadas. Para o seu último investimento, tinham-lhe dado prometido 40% de lucros. Era uma aplicação num hotel em Pittsburgh, nos Estados Unidos. E ele acreditou!Em três dias, no início Outubro, tudo naufragou: as rendas, o hotel em Pittsburgh. Depois de uma década de euforia, um crescimento entre 4% e 7% por ano, a crise financeira internacional atingiu a Islândia, que nada via do estava a acontecer. Esta faliu, à boa maneira do Monopólio, com contas congeladas, créditos bloqueadas, poupanças que se desfizeram em fumo.Em 72 horas, a 7,8 e 9 de Outubro, o governo teve brutalmente que nacionalizar os três principais bancos do país para salvar o que era ainda “salvavel”. Bancos com nomes “bárbaros” até então respeitados: Glitnir, Landsbankinn et Kaupthing. É neles que Kristjansson tinha feito as suas aplicações. Como a maior parte dos 300.000 Islandeses. Hoje, como muitos, está furioso.Em Reykjavik, manifestantes reclamam a cabeça do governador do Banco Central. Nas ruas da capital, não há um transeunte que não tenha perdido qualquer coisa com esta falência. “Não tenho nenhuma ideia do que é que resta da minha pensão!” diz, desolado, Peter, 58 anos, consultor em informática. Como muitos, tinha uma reforma por capitalização. “É simples, perdi todos os anos de poupança! ”, diz-nos, com o passo apressado, Hafsteinn Halldorsson, um trabalhador, com emprego temporário, de 48 anos.Para responder às inquietações das pessoas, o governo instaurou um centro de chamadas telefónicas. Também pediu a abertura das igrejas até mais tarde, à noite. E concedeu vários guarda-costas e um porta-voz ao primeiro-ministro.Nas lojas, perante uma procura em forte contracção, tenta-se por todos os meios escoar as existências. Nos prospectos distribuídos nas caixas do correio, os preços estão em queda: 50% nos produtos de pastelarias, 80% nos móveis, 90% nos sapatos. As galerias de arte e o meio artístico, muito dependentes do mecenato empresarial, temem o pior. Nos jovens, o humor é pobre. Estudantes inscritos nas universidades estrangeiras foram obrigados a regressar e com urgência. Com o desmoronamento da coroa, a vida fora da Islândia tornou-se inacessível. Outros pensam em se ir embora, “para não pagar durante vinte anos as dívidas dos pais”. Uma mãe diz-nos das intenções que traz o seu filho, jovem ainda, numa noite, de regresso da escola: “Agora, vai ser necessário comer tudo até limpar o prato!”Nestes dez últimos anos, foi a finança que alimentou o crescimento. Graças a ela, os Islandeses tinham ganho o hábito de se considerarem como “o povo mais feliz do mundo”. As estatísticas mostravam-no. Depois de ter sido um dos países mais pobres do mundo ocidental, a ilha tinha-se tornado a lugar sobre de terra onde se morria mais tarde, com menos doenças e mais rico.Mas este crescimento era frágil. Era baseado em empréstimos maciços no estrangeiro - até 550% do produto nacional bruto - com uma moeda sobreavaliada. A crise mundial não teve nenhuma dificuldade em inverter o castelo de mapas. No país dos fjords, dos geysers e dos rios cheios de salmões, o dia-a-dia tornou-se rapidamente muitíssimo duro. “Poderia esperar eventualmente uma terceira guerra mundial, mas nunca isto!” lamenta com humor, Kristjansson. No seu caso, a crise poderia apenas forçá-lo a voltar a trabalhar . Mas para a maior parte dos islandeses, as coisas são mais complicadas. A ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) não resolverá tudo. Desde há três semanas que a inflação não para de fazer explodir os preços. As contas correntes funcionam, mas todas as contas de poupança ou de colocação estão congeladas. Ninguém teve tempo de retirar o seu dinheiro. Esperando eventualmente uma ajuda estrangeira, o Estado impôs medidas de salvaguarda de um dia para o outro.
Todas as importações são bloqueadas. Com falta de divisas, o Banco Central recusa a saídas de coroas. Faltam muitos produtos nas lojas. Só os sectores alimentar e farmacêutico são poupados. Privada de dinheiro, a Islândia é um país paralisado. “É como se se trate de um filme de acção em que, aquando da pior cena do filme, se tenha pegado no seu telecomando e carregado na tecla pausa ”, observa Einar Arnason, economista no sindicato do fundo de reforma dos empregados do sector público.Para as famílias como a de Ragnhildur Sigurdordottir, 42 anos, e o seu cônjuge, a situação ficou crítica. São proprietários de um rancho perto de Selfoss, uma pequena cidade sobre a costa Atlântica, a trinta minutos de Fludir. Têm duas crianças, e 50 poneys islandeses que é necessário alimentar. Ora, há três anos, para poder investir perto desta povoação onde, como por toda a parte na Islândia, as paredes das casas são cobertas com chapas onduladas e bem coloridas, tiveram que contrair um empréstimo.O crédito que os obrigaram a subscrever, como a muitos islandeses, foi feito em divisas estrangeiras. Um produto que os bancos tinham elaborado para obter taxas de juro pouco elevadas e atrair os clientes. Os outros empréstimos propostos na época eram a taxas três vezes superiores, mas a aposta era arriscada. Com a desvalorização da coroa nas últimas semanas, as mensalidades explodiram. Para Sigurdordottir, estas duplicaram. A família vivia regularmente a crédito, a descoberto, mas agora está ainda muito pior. Na Islândia, não se grita, não se enerva face à adversidade. Fiel ao pragmatismo islandês, esta bonita mãe de família de cabelos compridos e louros recusa, por conseguinte, alarmar-se. Prefere agarrar-se à promessa governamental de reescalonamento dos créditos para as famílias em mais dificuldade: “De qualquer modo, não temos poupanças e nada para vender.”
Os créditos em divisas estrangeiras asfixiam também numerosos pescadores e agricultores, como Sigurdur Agustsson, proprietário da segunda exploração agrícola do país em superfície, perto de Fludir. Tem 550 hectares, 160 vacas e três crianças. Os rios cheios de salmões que aluga a ricos estrangeiros apaixonados da pesca à linha continuarão a ser uma fonte de rendimentos, mas demasiado fraca. “Se o governo não faz alguma coisa, não consigo ver absolutamente nada em que é que isto vai dar, explica este luterano praticante. Não posso sequer vender, não há compradores.”Até à falência, o crédito era quase uma religião, na Islândia. Empréstimo para o 4 × 4, empréstimo para a cozinha, para a televisão. Quando as crianças queriam comprar uma casa, hipotecavam a dos pais. Todos os cartões de crédito a débito era diferidos e tudo se pagava com eles: os cigarros assim como o pão. Nas lojas, o 18 de cada mês uma data era esperada. Era o início de várias semanas de vida a crédito. Para as festas de fim de ano, em Dezembro, os bancos antecipavam esta data para o 11 do mês.O sistema atraiu numerosos polacos. Como a família Tozefir, que desembarcou em Fludir há oito anos. Graças aos milagres do crédito, Michal, 30 anos, e a sua mulher, empregados num hotel, não têm nada a invejar de uma família de quadros franceses: uma grande casa, Jeep, iMac, trampolim no jardim… “Até à crise, a Islândia era um sonho para nós!” explica Michal. Mas hoje, têm um empréstimo em euros sobre o automóvel. O seu orçamento apertou-se consideravelmente. E não haverá nenhuma visita à família na Polónia este Inverno.Muitos dos seus compatriotas decidiram simplesmente voltar ao país. É particularmente o caso em Reykjavik, onde vinham trabalhar como trabalhadores sazonais na construção. Em três semanas, com a desvalorização da coroa, os seus salários perderam até metade do seu valor. Na capital, o bloqueio dos créditos obrigou de repente as numerosas gruas de estaleiros que pendem sobre o mar a retardarem o seu ritmo. Por toda a parte florescem escritos a dizerem “ vende-se”, sobre pavilhões ainda em obras.Na Associação Nacional para o Emprego (ANPE local) , é a ebulição. Em poucos dias, a agência teve um afluxo de desempregados com o qual nunca tinha sido confrontada até aí. Nestes últimos anos, a taxa de desemprego nunca excedeu 1,5%. Agora, num mercado de emprego de 170.000 postos de trabalho, cerca de 3.500 pessoas precipitaram-se para a agência, 600 das quais foram despedidas do sector bancário. A organização teve que empregar pessoal, na urgência.Para os economistas, é somente daqui a dois meses que os efeitos da falência começarão realmente a fazerem-se sentir. E em dois meses chegará um encontro caro aos Islandeses. Um encontro que torna um pouco mais agradáveis as longas noites de Inverno, Natal.
Les naufragés d’Islande, Le Monde, 23.10.08.
Sábado, 18 de Dezembro de 2010
Uma peça em três actos, o sonho de uma noite de Verão, o pesadelo do dia seguinte e um epílogo. (da compra um clube de futebol até à necessidade de comer tudo até limpar o prato, às igrejas abertas à noite como resposta)
Gerard Lemarquis
1. Islândia: um país à beira da falência
Um país à beira da falência, mendiga no estrangeiro um financiamento a curto prazo, com dois dos três grandes bancos nacionalizados, numa situação de catástrofe, uma inflação de 15% e uma moeda, a coroa islandesa, que, num ano, perdeu 60% do seu valor: esta é a situação actual da Islândia. Como é que se pôde chegar a isto? É a questão que se coloca ao Islandês médio que tem o sentimento de não ter participado em nada para esta triste situação.Esta crise que arrasa a Islândia não é de imediato visível. As grandes artérias de Reykjavik estão cheias dos mesmos sumptuosos 4×4, dia e noite. A floresta de gruas aí continua, pendendo sobre estaleiros parados. Ali, onde se devia construir um palácio da música, “um World Trade Center”, um hotel de luxo de 400 quartos e a nova sede do banco Landsbanki- em falência e nacionalizado desde terça-feira 7 de Outubro de manhã - só a sala de concerto será construída. Mas Reykjavik continua a ser ao mesmo tempo calma e habilidosa, com os seus céus de chuva fulgurantes e o seu desemprego inexistente.
Sim, como é que se chegou até aqui? A Islândia não é um país em vias de desenvolvimento, é uma sociedade muito moderna de 330.000 habitantes, a mais rica das nações nórdicas depois da Noruega, que bate todos os palmarés internacionais. É um Estado de Direito cujas instituições são análogas às dos países escandinavos. E no entanto, chegou-se até esta situação. Jornal Le Monde. 9.10.08.
Há primeiramente um problema interno que não é novo: os Islandeses, desde há várias gerações, vivem a crédito, acima das suas possibilidades. Várias gerações o fizeram desde a guerra, é a sua cultura, e sempre pagaram as suas dívidas ao preço de um segundo ou mesmo terceiro emprego. Tem-se aqui o sentimento de se viver quando se tem dinheiro. Mas não é isto que arruinou a Islândia, ainda que os bancos, facilitando sempre a vida aos Islandeses, lhes propusessem ainda recentemente que pagassem o seu alojamento por um período de quarenta anos e sem entrada inicial. Os jovens casais que por isso foram tentados, pagam-no hoje bem caro: a sua dívida excede hoje o valor da sua casa. As gerações precedentes saem-se ligeiramente melhor. As suas reformas serão cortadas, o primeiro-ministro, Geir Haarde, anunciou-o a não deixar qualquer margem de dúvida, segunda-feira, porque os fundos de pensão possuem uma importante carteira de acções nos bancos em situação de falência.
Mas, se o problema fosse apenas interno, a pequena sociedade islandesa em breve estaria recuperada, tanto os ciclos de recessão e de expansão se põem rapidamente em marcha, numa sociedade também ela reduzida. O problema é, com efeito, a dimensão desmesurada dos bancos islandeses em relação ao país assim como a imprevidência e os erros do banco de emissão islandês. O primeiro-ministro revelou que as dívidas dos bancos representavam hoje doze vezes o PNB da Islândia. Era tempo para que os Islandeses, surpreendidos, o ficassem a saber.
O terceiro banco do país, Glitnir, foi o primeiro a não se poder refinanciar. A notícia da sua nacionalização abalou a confiança nas sucursais do segundo banco, Landsbanki. Os seus clientes recuperaram os seus activos na Grã-Bretanha num movimento de pânico, pondo o banco Landsbanki de joelhos. Na situação de incapacidade de pagamento, foi colocado sob o controlo das autoridades financeiras. E quem, durante a crise, deu a impressão de não medir a situação? Quem, desde há anos, evitou assinalar a excessiva dívida dos bancos? O director do banco de emissão, David Oddsson, antigo primeiro-ministro e presidente do partido.
Os bancos islandeses são recentes e a sua história é uma saga edificante. Outrora todos os bancos de Estado, muito numerosos também para um pequeno país, fundiram-se. De De todos eles ficaram apenas três, privatizados nos anos 1990. O esquema é o clássico. Mas a quem confiar o núcleo duro destes bancos? Cruel dilema e conflito de interesses: ricos dirigentes e patrões revelaram-se ser empresários que, uma vez tornados banqueiros, se atribuíram a si-mesmos créditos com uma culpada liberalidade.
Os dois bancos, hoje nacionalizados, têm perfis que se assemelham. Note-se, para os freudianos, que os empresários islandeses são ou irmãos, ou ainda uma associação pai-filho.
O homem de negócios Björgólfur Gudmundsson, que acaba de perder dezenas de mil milhões de coroas em três dias, tinha tentado abrir à concorrência o transporte de frete marítimo na Islândia. Encurralado pela falência, emigrou para a Inglaterra. Alcoólico arrependido mas confiando no futuro do consumo de álcool na Rússia, ai investiu numa cervejaria e introduziu em Saint-Pétersbourg o consumo das misturas “breezers” vodka-soda. Bem gerida, a empresa prosperou e foi vendida à Heineken. “Gudmundsson Monte-Cristo”, e de regresso à Islândia, tinha os meios financeiros para adquirir o Landsbanki com o dinheiro russo. Mas o pai e o filho lançaram-se na farmácia e no telefone na Europa do Leste, e, depois, numa grande variedade de investimentos nem sempre felizes na Grã-Bretanha. O pai, como os oligarcas russos, ofereceu-se a si-mesmo um clube de futebol da primeira divisão britânica, West Ham, um sonho de criança.
Johannes e Jón Ásgeir Jóhannesson, que possuíam 31% do banco Glitnir, o primeiro nacionalisado, é também a história de um pai e de um seu filho. O pai, merceeiro , lançou uma cadeia de super-mercados a preços baixos. O filho casou com a herdeira da maior cadeia de supermercados. Aí também, uma grande ambição deslizou lentamente para a desmesura. Na Dinamarca, a sua sociedade, após ter investido maciçamente no imobiliário, lançou um diário gratuito hoje desaparecido.
A sua situação financeira na Grã-Bretanha também não é mais brilhante: só as pequenas ervilhas congeladas Iceland deram lucros. Todas as insígnias prestigiosas compradas a preço forte no mercado, a joalharia ou os brinquedos deixaram de ser vendáveis. Embora empobrecido o filho voa sempre em jacto privado entre a Islândia e Nova Iorque, onde reside.
Terça-feira de manhã, o banco de emissão dotou a coroa de uma taxa fixa (130 coroas para um euro), e os Russos prometeram um empréstimo de 4 mil milhões de euros. Este regresso dos Russos faz sorrir a quem se recorda da guerra-fria. Os Americanos tinham então uma base de 4.000 soldados que abandonaram depois para destinos mais quentes, a Islândia foi um elo de ligação essencial na detecção dos submarinos soviéticos. Os Russos, na época, “namoravam” os Islandeses, e trocavam petróleo contra roupas de lã e arenque. A Islândia perdeu a sua importância geopolítica, mas poderia voltar a ser interessante se o a fusão dos gelos polares transformar o norte das costas da Sibéria numa auto estrada marítima.