Segunda-feira, 2 de Agosto de 2010

O Fagundes faz-nos muita falta

Carlos Antunes


O Jorge Fagundes foi sempre um homem muito solidário, antes e depois do 25 de Abril. Foi um dos advogados que mais presos políticos defendeu no Tribunal Plenário antes do 25 de Abril: presos do Golpe de Beja, maoístas da FAP, militantes clandestinos do PCP, não descriminando nenhum anti-fascista pela sua tendência ideológica.

Depois do 25 de Abril, foi o grande organizador da defesa dos presos do PRP. Convidando amigos advogados de todo o país, montou uma defesa extraordinária deste grande processo político. Foi ele que se encarregou pessoalmente da minha defesa e da Isabel do Carmo.

Já em liberdade, e porque tínhamos escritório na mesma rua, face a face, almoçávamos praticamente todos os dias. Tinha um humor fantástico e aproveitava o convívio do almoço para contar histórias inesquecíveis, muitas delas ligadas aos tribunais. Se o Sporting perdesse num domingo, a segunda-feira era sempre dia de luto. E como ele dizia , não era caso para menos...


A sua posição de grande e reconhecido advogado não o impedia de assumir responsabilidades políticas com grande coerência. Foi convidado para ser director do jornal Página Um, em 1976, cargo que assumiu com toda a coragem, mesmo quando choviam os processos jurídicos contra o jornal e contra ele como director. Sem alardes, era um homem com uma grande coerência revolucionária.



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Nota: Logo que soubemos do falecimento de Jorge Fagundes, solicitámos ao Carlos Antunes, grande amigo de Fagundes, um depoimento. Depoimento que só hoje nos é possível apresentar.
publicado por Carlos Loures às 11:00
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Quinta-feira, 24 de Junho de 2010

Memoriando


Carlos Loures

No Sábado, 22 de Maio, na livraria Ler Devagar, realizou-se o lançamento do sítio de internet memoriando.net, meio de divulgação do arquivo histórico do PRP-BR (Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias), bem como dos jornais Revolução e Página Um. Acontece que o site é dirigido por dois amigos de longa data – a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes; a Ler Devagar pertence a outro amigo que foi meu colega num curso da Faculdade de Letras, o José Pinho. Tinha ido por diversas vezes ao antigo espaço no Bairro Alto, mas não conhecia ainda a nova livraria situada na LX Factory. Por volta das seis da tarde, lá rumei a Alcântara, e, nas antigas instalações da Gráfica Mirandela, deparei com uma livraria de uma originalidade ímpar. Desse espaço e do José Pinho falarei noutra ocasião. Hoje quero recordar como, há muito tempo, conheci a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes. Portanto, fazendo um exercício de memória – memoriando, numa palavra.

Conheci a Isabel do Carmo durante a campanha eleitoral de 1969, numa reunião da CDE em Torres Novas, no Cine-Teatro Virgínia. Não era tão anarca como sou hoje, mas já me custava aceitar a disciplina partidária. Não estava em nenhum partido e eram visíveis as manobras do PCP para controlar tudo. A Isabel, à época militante do Partido, estava ali, obviamente com a missão de conter entusiasmos esquerdistas. Mas era diferente dos outros infiltrados pecepistas e eu e um outro enviado da Concelhia de Tomar logo o notámos e o comentámos. Apesar de tudo, entrámos em rota de colisão como era inevitável. Encontrámo-nos depois mais algumas vezes, sempre em reuniões clandestinas, claro. Cumprimentos educados – respeitava os militantes do Partido Comunista, mas evitava grandes conversas. Por seu turno, a Isabel não devia estar interessada em falar com maoístas (coisa que eu não era, mas, dizem-me que era o que constava a meu respeito, pois tinha estado na FAP).

Fiquei surpreendido, quando no princípio do Outono de 1973, em Lisboa, recebi um recado da Isabel do Carmo – se podia ir a uma determinada hora ao café Montecarlo. Lá fui, pensando que ia ser uma conversa inútil, pois entrar para o PCP era coisa que em caso algum eu aceitaria. Mas não era do PCP que a Isabel me queria falar, mas sim de um novo partido que fora criado no interior de Portugal, com o apoio a rádio Voz da Liberdade em Argel (que constituiu um importante instrumento de divulgação das acções das Brigadas Revolucionárias). Foi assim que aderi ao PRP a que estive ligado até 1980. Meses depois, no fim de 1973 ou no princípio de 1974, conheci o Carlos Antunes.


A Isabel e o Carlos, foram ambos os meus líderes carismáticos daqueles tempos agitados. Devo tê-los desiludido, pois não fui talhado para a vida partidária, não tenho qualquer ambição políitica e a minha colaboração não deve ter correspondido à expectativa que naquela tarde de Setembro ou Outubro de 1973, no Montecarlo, me pareceu existir a meu respeito.

Mesmo assim, teria sido impossível manter-me sete anos noutra organização. E quando saí, não foi em ruptura com eles, mas sim com a direcção que os substituiu quando estavam presos. Desilusões deles e divergências minhas aparte, sempre os estimei como amigos, mesmo quando discordava deles como dirigentes. A Isabel e o Carlos são pessoas que, generosamente, deram ao ideal do Socialismo tudo o que tinham para dar, inclusivamente a sua segurança, a sua liberdade. Quando vemos os políticos ligados ao poder actual a movimentar milhões, envolvidos em sujos compadrios e obscuras negociatas, não podemos deixar de nos lembrar de pessoas como o Palma Inácio, como o Manuel Serra, como a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes.

Encontrei também outros amigos que já não via há muito tempo e outros com que contacto com frequência, como o Rui de Oliveira e o Carlos Leça da Veiga, nossos companheiros aqui no Estrolabio, Conheci o Leça da Veiga também em 1973, numa reunião em casa de um companheiro. Dezenas de pessoas apinhadas numa sala de um apartamento. Calor sufocante. Falava-se da atitude a tomar face às tentativas de manipulação do PCP. A certa altura, do fundo da sala, um senhor com ar britânico, diz muito pausadamente qualquer coisa como «A solução seria sairmos da CDE. Escusávamos de estar a prejudicar o recenseamento eleitoral a esses senhores. Se é para continuar a discutir essas parvoíces, mais vale irmos para a União Nacional. Pelo menos, tem ar condicionado».

Memoriando, pois claro. Podia estar horas a lembrar coisas deste tipo. Mas, por hoje ficamos por aqui.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Terça-feira, 25 de Maio de 2010

Falando sobre Carlos Matos Gomes

Carlos Loures




É um amigo de longa data, embora não nos vejamos muitas vezes. Neste sábado (22 de Maio), encontrámo-nos na livraria Ler Devagar, de um outro amigo, o José Pinho. Era o lançamento do site Memoriando (de que irei falar aqui num dos próximos dias). Site de dois outros grandes amigos e companheiros de luta – a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes. Dirão – mas então este gajo só tem amigos? A minha resposta a essa questão é – Tenho, felizmente, muitos amigos. Eles, são, aliás, a minha maior (e única) riqueza. Quanto aos inimigos, também tenho um ou outro,  uso de uma feliz capacidade para os esquecer. Voltemos a Matos Gomes.

Militar de carreira, Coronel na situação de reserva, com comissões nas três frentes da Guerra Colonial, ferido e condecorado, é também um notável escritor. Usa como romancista o pseudónimo de Carlos Vale Ferraz e além do romance que o notabilizou em 1983 - Nó Cego, são de sua autoria ASP - De Passo Trocado, Soldado, Os Lobos Não Usam Coleira, adaptado ao cinema por António-Pedro de Vasconcelos, e muitos outros livros. Ficcionista, autor de obras de história militar, argumentista de cinema e televisão, Carlos Matos Gomes é um escritor de ímpar qualidade e, muito provavelmente, dispensaria esta apresentação.

Pela amizade e pela mais-valia que a sua colaboração iria significar para este modesto blogue, no sábado, não perdi a oportunidade de o convidar para colaborar no Estrolabio. Nessa mesma noite, enviei-lhe uma mensagem formalizando o convite.

Publicamos em seguida a sua resposta.

Carta de Carlos Matos Gomes a Carlos Loures

Foi um prazer rever-te ontem na Ler Devagar. Cá recebi o teu email com o convite para participar no blogue que animas com outros amigos. Um convite de alguém que admiramos e respeitamos é sempre honroso, porque revela da parte de quem nos convida consideração e interesse. Por isso te agradeço esta prova de estima.

Agora algumas considerações a quente e ao correr da pena sobre o que penso dos blogues em geral, um meio de comunicação de que sou leitor e apreciador e onde me enriqueço permanentemente, e deste Estrolábio em particular.

Sou, à partida, um consumidor de blogues e não um fornecedor. Aprecio tanto blogues colectivos como individuais. Nos colectivos aprecio os que têm um tema central, seja a vivência de uma experiência comum, um objectivo definido, a defesa de uma região, de uma causa, por exemplo, em detrimento dos de largo espectro, onde me sinto perdido, sempre à procura de saber: afinal o querem estes gajos, ou na esperança de encontrar uma preciosidade – que surgem, mas à custa de muito trabalho e tempo. Gosto também de blogues individuais, ou de grupos restritos, de pessoas que conheço e cujas visões me estimulam – com quem me identifico – ou de quem discordo, mas com quem aprendo que há outras evidências que não as minhas.


Ainda quanto à natureza dos blogues, julgo que estes, quando colectivos, devem ter uma identidade, deve existir algo de comum – facilmente reconhecível - entre os seus membros, mais do que a concordância na defesa dos grandes valores e princípios inscritos na Carta dos Direitos do Homem.
Dito isto, direi que li o arquivo do blogue, todos os post, o estatuto editorial, a lista dos colaboradores.

É evidente que o blogue é o que os seus membros querem que seja, não pretendo fazer nenhuma critica, apenas corresponder à amabilidade do teu convite com uma resposta e uma explicação.

Tenho, aliás, pelas pessoas que conheço e que participam no blogue a maior consideração e amizade. Algumas fazem parte da minha história. Como disse a Isabel do Carmo na apresentação do site: sabemos que estamos do mesmo lado, mesmo que não pensemos da mesma maneira. Pelo respeito que os membros do blogue e tu em particular me merecem queria autorizar-te a utilizar estas minhas "reflexões", tudo o que aqui escrevo, como melhor entenderes, dando conhecimento a que quiseres e da forma que quiseres, ou ficando com elas para ti. Se o transmitires a alguém, pedia-te em particular que desses conhecimento ao Carlos Leça da Veiga, pela consideração que ele me merece e porque o refiro num caso que utilizo como exemplo.

Voltando à essência do blogue, depois de ler os vários contributos e o editorial não ficou claro se ele se destina a pôr os seus membros a falarem entre si, ou a falarem para fora. Existem excelentes blogues de grupos de pessoas que falam entre si, como uma tertúlia e os leitores funcionam como assistentes. Mas julgo ser necessária essa clarificação. Se este blogue é para falar para fora, é para falar a quem? Qual é o público a que os membros do blogue querem chegar? Que efeitos pretendem atingir? (E cá estamos a falar de identidade: saber quem fala e o que têm a dizer – por detrás de cada frase existe uma mundo visão, uma ideologia, uma proposta de conversão – se não estamos no mundo da gratuidade, da conversa de barbeiro, ou de táxi, na maledicência, no domínio do passatempo.)

Agora quanto a conteúdos e princípios. Participar num grupo (o blogue é sempre um grupo) é aceitar uma pertença e uma identificação. Partindo do princípio de que o blogue se destina a apresentar interpretações para o exterior, eu tenho um conceito de Liberdade que não se sente ameaçada, nem ofendida por a Galiza não ser independente. Sou mesmo muito critico da associação de nacionalismo com liberdade. O chamado nacionalismo libertário (não encontro melhor definição para os textos do Leça da Veiga) merece-me sérias reservas, desde logo pela dificuldade de definição do que é uma nacionalidade (a questão da identidade nacional é uma never ending history), pela dificuldade de correspondência de nacionalidade com Estado – o que aqui na Europa deu origem a uma entidade de grande sucesso: o estado-nação, que é hoje a base do sistema político mundial e que eu duvido que possa ser substituído com vantagem por outras entidades de base religiosa, ou étnica, muito mais opressoras do que os actuais estados-nação – mas adiante. É só um exemplo.

Ainda sobre a Liberdade, esse belo conceito, também não me parece nada evidente, muito pelo contrário, que a proibição do uso da burka no espaço público em França e na Europa seja um atentado à liberdade das mulheres. Em primeiro lugar, porque a liberdade não é um conceito abstracto. A liberdade de certas mulheres poderem andar embiocadas dos pés à cabeça, sem identidade publicamente visível é a ideia de liberdade eu queremos para a Europa? Mas só na Europa? E os europeus que defendem esse direito para as mulheres na Europa porque não exigem o direito das mulheres islâmicas andarem de cara descoberta, de pernas nuas no espaço islâmico, ou até das mulheres europeias que lá se deslocam?

E quanto à política, perdoem-me se estou enganado, a tónica parece-me ser a da atribuição de todos os males ao governo – aos governos, a todos – como se estes caíssem sobre nós como as tropas vindas de Braga no 28 de Maio de 1926. Eu julgo que os governos fazem parte de nós, são emanações nossas, são o que queremos que sejam e que somos responsáveis por eles. Isto é - pergunto: os membros do blogue apreciam a situação política como se continuássemos a ver na democracia representativa um instrumento de opressão dos nossos inimigos? Ou ela é um instrumento para vivermos de acordo com o que queremos e somos capazes? Pelo que vi (não sei se mal, mas foi o que percebi), a linha maioritária vai no primeiro sentido, que está muito difundido na blogosfera (e é obviamente legítimo, mas do qual eu discordo) dos comentadores tratarem os políticos (que elegemos) como traidores, ladrões, crápulas, mentirosos, mas sem se oferecerem para os substituir, nem alternativa. Isto é, o tipo de apreciação política que se faz (ou vai fazer) no blogue é do género de só ver o argueiro no olho dos outros e jamais no nosso?

Como vês, meu caro Carlos Loures, a minha participação neste blogue iria, temo, fazer com que a discussão se voltasse para o interior, que se transformasse numa disputa interna, o que julgo não ser a vossa ideia, nem ser do interesse dos membros do blogue.

Depois de ler os post senti-me um estranho. O que viesse a escrever colidiria com o que lá está escrito. Levantaria a legítima pergunta: quem é este gajo? O que está ele a fazer aqui? É que penso que a Europa é um sítio excelente para viver, que devo fazer os possíveis para que continue a ser. Vejo esta crise como um momento difícil de reajustamento da Europa num mundo global em que tem de enfrentar outros espaços – casos da Ásia, da Índia, da América Latina e parece-me que devíamos fazer uma reapreciação dos nossos valores e objectivos não à luz duma realidade que já não existe, mas daquela que estamos a enfrentar.

Parece-me ainda que devíamos contribuir para os políticos que temos fazerem bem o seu trabalho (não me parece que o botabaixismo seja um bom contributo, e por isso o recuso). Ora, não vejo estas minhas ideias (interpretações e preocupações) reflectidas no blogue (prevejo que me classifiquem como socrático, laranja, coisas do género e da moda) e esta é a minha explicação para me achar inconveniente entre vós (que já têm uma identidade). Esta ausência de pontos de contacto não altera em nada o ponto assente que me tem norteado ao longo da vida de que a amizade e o respeito não são beliscados pelas visões diferentes do mundo, ou por distintas prioridades. A minha amizade e estima só morre pelas faltas de carácter, pelas traições, pelas indignidades e não é esse – muito pelo contrário – o caso entre mim e (pelo menos) os membros que conheço do blogue.

Vou passar a leitor atento do blogue e continuar amigo e solidário com os meus amigos que nele escrevem e contigo em particular.

Um grande abraço

Carlos Matos Gomes (23.05.2010)

Nota; Num dos próximos dias, responderei a esta carta. (CL)
publicado por Carlos Loures às 12:00
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