Não chega a ser surpresa que as centenas de pessoas reunidas na conferência de que acabo de retornar concordassem em que o pacote de "salvamento" da Grécia aprovado há 12 meses fracassou em proporcionar uma solução para o problema de dívida do país.
Organizado por um espectro da sociedade civil grega de amplitude sem precedentes, o evento internacional lançou o apelo para que a Grécia (e agora a Irlanda) abra as suas dívidas aos povos daqueles países para uma discussão pública de quão justas e legítimas realmente são elas. Veteranos do Brasil, Peru, Filipinas, Marrocos e Argentina disseram aos activistas gregos para "permanecerem firmes" e não se submeterem a 30 anos de recessão devastadora por imposição de instituições como o Fundo Monetário Internacional.
O florescente movimento europeu de oposição a reembolsos de dívida e à austeridade está a fazer ligações concretas com grupos do Sul global e apresenta uma confiança e uma racionalidade que está a um milhão de quilómetros dos governos da Grécia e da Irlanda, os quais têm seguido políticas punitivas das pessoas comuns a fim de reembolsar banqueiros imprudentes.
Simplesmente não é possível que as políticas infligidas à Grécia, Irlanda e agora Portugal reduzam o fardo da dívida daqueles países – acontecerá exactamente o oposto, como se viu desde a Zâmbia na década de 1980 até a Argentina no princípio da última década. Políticas semelhantes àquelas que estão a ser infligidas sobre a Europa viram o rácio dívida-PIB da Zâmbia duplicar na década de 80 quando a economia se contraiu. A Argentina incumpriu as suas dívidas maciças em 2011, após uma recessão de três provocada pelas políticas do FMI. Tal como à Irlanda hoje, disseram à Argentina que ela havia ido longe demais, apesar de a dívida ter sido incorrida por um desastroso conjunto de privatizações e de um atrelamento da divisa impingido ao país pelo mesmo FMI. Trata-se de uma economia que começou a recuperar-se um mês após o incumprimento.
Então, por que é que estas políticas ainda estão a ser prosseguidas? Quase todo comentador soube desde o primeiro dia que os pacotes de "salvamento" não tornariam sustentáveis as dívidas da Grécia ou da Irlanda. Mas delegados na conferência deste fim-de-semana foram claros – que isto não é o problema em causa. O problema em causa é recuperar tanto dinheiro dos investidores quanto possível, por mais responsáveis que aqueles investidores fossem pela crise, e transferir o passivo para a sociedade.
Mesmo que a Grécia e a Irlanda precisem salvamento adicional em dinheiro ou reestruturação através de alguma espécie de títulos – as mesmas medidas impostas à América Latina na década de 1980, as quais criaram montanhas de dívidas tão grandes que aqueles países ainda estão a sofrer as consequências – os investidores privados terão de ser pagos. O argumento entre as populações da Alemanha e da Grécia torna-se quem pagará a maior parte da conta, criando um perigoso nacionalismo já muito evidente.
A PREFERÊNCIA PELO ESCURO
O Comissário Europeu para Assuntos Económicos, Olli Rehh, tem dito continuamente aos governos que estes assuntos são melhor cuidados no escuro – a discussão pública é fortemente desencorajada. Aqueles que realmente pagam o preço da austeridade discordam e activistas na Grécia e na Irlanda dizem que o primeiro passo em qualquer espécie de solução justa deve ser uma auditoria da dívida – modelada sobre aquelas executadas em países em desenvolvimento como o Equador.
Uma auditoria da dívida proporcionaria aos povos da Europa conhecimento sobre o qual basear decisões verdadeiramente democráticas. Como afirmou na conferência Sofia Sakorafa – a deputada grega que se recusou a assinar os termos do salvamento e saiu do partido governamental PASOK: "a resposta à tirania, opressão, violência e abuso é conhecimento". Andy Storey do grupo irlandês Afri reflectiu isto, dizendo que a finalidade de uma auditoria é "remover a máscara do sistema financeiro que controla nossa economia".
Os resultados de uma auditoria podem ser rápidos e concretos. Maria Lúcia Fattorelli , do Brasil, é uma veterana de auditorias da dívida e em 2008 ajudou grupos equatorianos a efectuarem uma auditoria endossada pelo presidente Correa. A economista classificou Correa como "incorruptível" quando as despesas públicas ascenderam, após o êxito do incumprimento nos títulos a seguir à auditoria. Entrar em acção agora poderia significar poupar países europeus das três décadas de desenvolvimento retardo experimentadas por países latino-americanos.
Mas os activistas reunidos este fim de semana acreditam que uma auditoria da dívida pode ser o arranque de algo ainda mais fundamental – um novo modo de pesar acerca da economia. Como afirmou Sakorafa, uma auditoria é o começou de uma recuperação de valores e de visão para mostrar "para além dos jogos de especulação no mercado, que há conceitos mais valiosos; há pessoas, há história, há cultura, há decência".
Tal rejuvenescimento da visão política é vital se não se quiser que a crise provoque empobrecimento e estimule hostilidades inter-europeias. No domingo, o economista irlandês Morgan Kelly disse que o seu país estava a caminhar para a bancarrota. Uma reunião secreta de líderes europeus na sexta-feira à noite chegou à mesma conclusão acerca da Grécia – um país que nos dizem estar a perder 1000 empregos por dia e onde a taxa de suicídios duplicou. O pacote de €78 mil milhões do salvamento de Portugal, dependente de um congelamento de salários na função pública e nas pensões, redução de compensações no despedimento de trabalhadores e cortes nos subsídios de desemprego exactamente no momento em que os números do desemprego estão a atingir níveis recorde, terá um impacto semelhante. Por toda a parte emigrantes estão a sair destes países em busca de melhores perspectivas.
Nenhuma quantia de compensação reparará o dano destas políticas que arruinarão a sociedade – como os delegados presentes do mundo em desenvolvimento testemunharam. Não há razão para a Europa esperar 30 anos para aprender esta lição. Um movimento europeu e internacional deve compensar a pobreza de visão dos nossos líderes. Sinto que tal movimento pode ter nascido em Atenas.
Sunday March 27 2011 Dear Portugal, this is Ireland here. I know we don't know each other very well, though I hear some of our developers are down with you riding out the recession.
They could be there for a while. Anyway, I don't mean to intrude but I've been reading about you in the papers and it strikes me that I might be able to offer you a bit of advice on where you are at and what lies ahead. As the joke now goes, what's the difference between Portugal and Ireland? Five letters and six months.
Anyway, I notice now that you are under pressure to accept a bailout but your politicians are claiming to be determined not to take it. It will, they say, be over their dead bodies. In my experience that means you'll be getting a bailout soon, probably on a Sunday. First let me give you a tip on the nuances of the English language. Given that English is your second language, you may think that the words 'bailout' and 'aid' imply that you will be getting help from our European brethren to get you out of your current difficulties. English is our first language and that's what we thought bailout and aid meant. Allow me to warn you, not only will this bailout, when it is inevit-ably forced on you, not get you out of your current troubles, it will actually prolong your troubles for generations to come.
For this you will be expected to be grateful. If you want to look up the proper Portuguese for bailout, I would suggest you get your English-Portuguese dictionary and look up words like: moneylending, usury, subprime mortgage, rip-off. This will give you a more accurate translation of what will be happening you.
I see also that you are going to change your government in the next couple of months. You will forgive me that I allowed myself a little smile about that. By all means do put a fresh coat of paint over the subsidence cracks in your economy. And by all means enjoy the smell of fresh paint for a while.
We got ourselves a new Government too and it is a nice diversion for a few weeks. What you will find is that the new government will come in amidst a slight euphoria from the people. The new government will have made all kinds of promises during the election campaign about burning bondholders and whatnot and the EU will smile benignly on while all that loose talk goes on.
Then, when your government gets in, they will initially go out to Europe and throw some shapes. You might even win a few sports games against your old enemy, whoever that is, and you may attract visits from foreign dignitaries like the Pope and that. There will be a real feel-good vibe in the air as everyone takes refuge in a bit of delusion for a while.
And enjoy all that while you can, Portugal. Because reality will be waiting to intrude again when all the fun dies down. The upside of it all is that the price of a game of golf has become very competitive here. Hopefully the same happens down there and we look forward to seeing you then.
Dois pequenos textos de antologia, onde de antologia é também a simples referência ao golf. Estarão Portugal e a Irlanda, no fundo da crise, a serem concorrentes uns contra os outros, a serem competitivos, a favor afinal daqueles que colocaram ambos os países na miséria: os senhores e as familías de quem se passeia pelo mundo para jogar gofe e praticamente sem pagar impostos. Estes não são aqueles que trabalham seguramente. E é tudo
Coimbra, 2 de Abril de 2011-04-02
Júlio Marques Mota
Os banqueiros responsáveis da crise estão de regresso aos comandos
Marc Roche, Le Monde
Há nomes praticamente desconhecidos do grande público que recentemente têm ocupado em evidência na esfera financeira. Três nomes que, para muitos, não dizem nada, mas que simbolizam a filosofia de uma profissão que não nada aprendido e todavia tudo compreendido : banqueiro por um dia, banqueiro para todos os dias, para sempre. Para a vida, para a morte! Que seja dito!
Comecemos pelo francês do lote referido. Jean-Pierre Mustier deve assumir a 21 de Março as suas novas funções de director das actividades de finança e investimento do estabelecimento italiano UniCredit, “para poder levar e desenvolver certas convicções ". Este personagem enigmático era o chefe na Société Generale , do trader louco Jérôme Kerviel. Tinha-se demitido em 2009.
O segundo protagonista é o americano Bill Winters, membro da comissão oficial britânica responsável pela reforma bancária. Este antigo banqueiro de negócios acaba de associar-se a dois peso bem pesados da vida dos negócios, o raider Lorde Rothschild e o industrial do luxo Johann Rupert, para criarem um fundo de investimento. Winters tinha sido um dos animadores da equipa de JP Morgan, que em 1994-1997 tivesse inventado os CDS crédito default swaps, estes produtos financeiros altamente tóxicos que contribuíram para a explosão do planeta financeiro .
Por último, há o caso de Alan Schwartz, o último patrão de Bear Stearns, o banco de negócios falido com os créditos imobiliários tóxicos, cuja queda em 2007 tinha sido o sinal premonitório da tormenta que veio a seguir. Depois da sua saída ignominiosa , o banqueiro de Nova Iorque tinha assumido a direcção de um hedge fund, Guggenheim Partners. Este fundo anunciou na semana passada a criação de um departamento de trading que utiliza os seus capitais próprios , uma actividade muito arriscada e altamente especulativa doravante proibida aos bancos.
Os banqueiros arrastados pela crise de 2008-2009 estão pois volta, como se nada se tivesse passado, e entram pela porta da frente. E a lista é longa, muito longa, ao ler diariamente as páginas da imprensa financeira. O caso mais escandaloso continua ainda a ser o de Antigone Loudiadis, a banqueira de Goldman Sachs que ajudou a Grécia a maquilhar as suas contas para lhe permitir entrar no euro. Este serviço valeu-lhe ser promovida à cabeça da companhia de seguros da casa Goldman Sachs!
Convenhamos, para qualquer lado que se olhe, ficamos com a cabeça à roda. Agora com um ar de quem está arrependido , Jean-Pierre Mustier terá estudado afincadamente durante o seu interlúdio londrino de ano e meio as biografias de Alan Greenspan, antigo director do FED, a Reserva Federal Americana, e de Henry Paulson, o secretário do Tesouro entre 2006 e 2008.
Na esfera dos flagelos, faz-se melhor. Greenspan passa para um dos grandes responsáveis da derrota pela sua política de dinheiro barato e pela sua recusa de uma regulação sobre os produtos derivados. Quanto a Paulson, que foi presidente de Goldman Sachs entre 1999 e 2006, não parou de estar sempre a defender os interesses do seu antigo empregador, Goldman Sachs.
O descalabro financeiro viu milhões de famílias perderem as suas casas , empregos, pensões de reforma. Com algumas excepções apenas , reencontra-se hoje os mesmos chefes à frente das grandes instituições financeiras. Nenhum dirigente da banca foi punido , mesmo nos casos de fraude provada sobre os créditos hipotecários. Neste tipo de negócios complexos, as provas são difíceis de reunir, e a incompetência não é um crime: este é o discurso oficial para justificar este laxismo judicial.
Enquanto que o contribuinte que salvou o sistema bancário deve apertar-se e bem o seu cinto, a hora é de novo para a concessão em toda a impunidade de bónus mirabolantes, à Wall Street como na City de Londres. Em Bruxelas e em Washington, os lobby bancários castraram os projectos de regulação, levando mesmo a gritos de meter medo só pela ideia de um reforço das normas prudenciais de capital. Com o desprezo mais descarado pelo civismo mais elementar, as zonas off-shore ajudam as multinacionais como as grandes fortunas a dedicarem-se à evasão fiscal legal. Para escapar ao imposto assim como ao regulador britânicos, os hedges funds londrinos terão encontrado a sua nova terra prometido, Malta, para especular em toda a calma do mundo.
A profissão bancária não vê sequer em que é que terá falhado em termos de honra ou de moral, explica-nos o consultor londrino Amin Rajan, especialista em liderança na condução de empresas. “Os meios financeiros tiveram êxito em fazer passar a mensagem que a crise é da responsabilidade do sistema, dos reguladores, dos bancos centrais, dos accionistas, ou mesmo das famílias, resumidamente, das vigarices dos outros. “ Na leitura bem particular que têm os banqueiros da deontologia, reconhecer as suas faltas seria uma confissão de fraqueza ou de culpabilidade.
No entanto, é necessário convir, os bancos, de que ninguém pode passar sem eles, não se deevem colocar todos no mesmo saco, e alguns preenchem mesmo as funções normais de financiamento da economia. O cardeal o arcebispo Westminster, Vincent Nichols, não disse outra coisa ao falar para os banqueiros : “A vossa missão consiste antes de mais nada em servir o interesse do público. “ Esta exortação não deveria ser gravada no frontispício à entrada do Hotel Guildhall, o hotel dos homens da City?
Marc Roche, Les banquiers responsables de la crise de retour aux manettes, Le Monde, 9.03.11
2.Da Irlanda com carinho, uma carta
Um pequeno conselho amigável a Portugal Domingo, 27 de Março de 2011
Caro Portugal:
Daqui lhe escrevo, da Irlanda. Eu sei que não nos conhecemos muito bem, embora eu tenha ouvido que alguns dos nossos promotores estão muito tristes com o facto de vocês estarem a ultrapassar a recessão.
Eles poderão ficar assim por uns tempos. Em todo o caso, não pretendo intrometer-me na sua vida mas tenho lido os jornais e causa-me impressão pensar que tenho de lhe escrever para lhe dar um pequeno conselho quanto à situação em que se encontra e quanto ao que ainda está para vir.
Porque, e com alguma ironia amarga, qual é a diferença entre Portugal e a Irlanda na presente situação? Cinco letras e seis meses.
Em todo o caso, reparo agora que Portugal está sob pressão para aceitar um resgate financeiro de urgência mas os vossos políticos estão a insistir que estão fortemente determinados a não o quererem. Para o fazerem, só por cima dos seus cadáveres. Diz-me a experiência que isto significa que
Portugal estará brevemente a querer um resgate financeiro, provavelmente a um domingo. Deixe-me primeiramente dar-lhe uma pista quanto às nuances da língua inglesa.
Dado que o inglês é a sua segunda língua, Portugal pode estar a pensar que as palavras bailout (resgate) e aid (ajuda) implicam que Portugal irá ter a ajuda dos nossos irmãos europeus para começar a sair das suas dificuldades actuais. Mas o inglês é a nossa primeira língua e foi isso que nós pensámos ser o significado de bailout e o de aid. Mas permita-me que o avise: não só este “resgate” – quando ele vos for inevitavelmente imposto – não livrará Portugal dos problemas actuais como também, na prática, os irá prolongar durante as futuras gerações.
Por tudo isto, o que esperam de si, Portugal, é que se mostre grato. Se quiser saber qual é o termo português adequado para traduzir o termo inglês bailout, sugiro-lhe que pegue no seu dicionário de Inglês-Português e procure palavras como: moneylending (empréstimos em dinheiro), usury (usura), subprime mortgage (hipotecas subprime), rip-off (roubo). Isto dar-lhe-á uma tradução mais exacta daquilo que lhe vai acontecer.
Fico, também, a saber que você, Portugal, vai mudar de governo dentro de dois meses. Vai desculpar-me pelo facto de eu-me permitir esboçar um certo sorriso quanto à mudança em questão. Não deixe de aplicar uma boa camada de tinta por cima das fendas da sua economia. E não deixe, também, de apreciar o cheiro dessa tinta fresca por algum tempo.
Nós, aqui, também arranjámos um novo governo – o que foi uma agradável manobra de diversão durante algumas semanas. O que você vai verificar é que o novo governo irá surgir no meio de uma certa euforia popular. O novo governo, entretanto, terá já feito todo o género de promessas durante a campanha eleitoral quanto a dar cabo dos detentores de títulos e por aí fora, e a União Europeia irá sorrir condescendentemente perante toda essa conversa fiada.
Então, quando o seu governo tomar posse, ele irá mostrar-se à Europa e dará algumas indicações. Você até poderá vencer alguns jogos de futebol com os vossos principais adversários, quaisquer que eles sejam, e pode até conseguir ser visitado por dignatários estrangeiros, como o Papa ou outros. Sentir-se-á uma atmosfera positiva, por algum tempo, enquanto todos se refugiam numa certa ilusão. E usufrua de tudo isso, Portugal, enquanto puder. Porque a realidade estará de novo à espreita, para se intrometer outra vez na sua vida, quando a diversão se desvanecer. O contraponto de tudo isto é que o preço de um jogo de golfe se tornou aqui mutio competitivo. Oxalá o mesmo aconteça aí. Esperamos vê-lo, Portugal, então.
Publicaremos nos três próximos três dias textos sobre a Irlanda, sobre a crise, sobre a banca, sobre o que nos espera se a União Europeia continuar a querer ser o espaço integrado onde quem governa são os mercados de capitais.
Começaremos por um texto, e mais um, dos Economistas Aterrados, dividido em duas partes, sobre a crise na Irlanda, sobre os mecanismos de ajuda que lhe estão subjacentes, sobre a sua origem, neste caso assente na financeirização das economias à escala global e com particular realce para a Irlanda que além do mais obteve o direito de ser um paraíso fiscal, direito que ainda mantém. Segue-se lhe um texto sobre a banca e uma carta escrita com amor e destinada ao povo português, publicada num jornal de grande circulação, Sunday Independent. . A crise da Irlanda mostra ao limite o absurdo da crise actual, pelo menos naquilo que a dinamizou, os seus aspectos financeiros. Mostra assim a subordinação total dos poderes políticos locais à boa lógica dos mercados financeiros, dos traders, dos seus ladrões, diremos nós. Curiosamente, gente dessa não está presa, mais ainda e curiosamente, gente desta levou a que o Estado soberano fosse avalista dos bancos e assumisse portanto o pagamento das loucuras destes. E agora, o povo irlandês está sob o comando da Troika (FMI, Comissão Barroso, Banco Central Europeu) e que trio a permitir tornar ainda a Irlanda mais dependente dos mercados.
A ajuda financeira, o famoso bailout, tem aqui as sérias conotações que uma carta escrita com amor, destinada ao povo português, muito bem explica, carta essa que será publicada amanhã. E nessa carta, quem a escreveu, bem percebeu o que significa no modelo e no contexto português ou irlandês, a descida do IVA do executivo de José Sócrates para quem quer jogar golfe, com uma mensagem de uma ironia bem amarga: nós, nos campos de golfe, também somos muito competitivos!.
Boa leitura, portanto.
Coimbra, 2 de Abril de 2011
Júlio Marques Mota
A crise irlandesa, emblema e símbolo da finança desregulada. Parte I e Parte II
Benjamin CORIAT
Economistas Aterrados(1)
A crise irlandesa é exemplar e deve exigir a nossa atenção por mais de uma razão. Primeiramente, porque se trata da crise de uma economia que durante muito tempo tem sido mostrada como o exemplo “modelo” pelos grandes promotores da liberalização em todo o mundo. O FMI, a OCDE, e mais perto de nós a União Europeia não cessaram de cantar as virtudes “do modelo” irlandês. A demonstração das vantagens e dos benefícios da liberalização (e sobretudo depois de um outro filho querido, a Argentina, ter voado em estilhaços no início dos anos 2000), é agora dada pela Irlanda, repetiam-nos as vozes autorizadas de todas as grandes instituições internacionais.
Esta crise é também exemplar porque nasce e forma-se no próprio centro do modelo: isto é, forma-se no interior do sistema bancário e financeiro que a liberalização tem promovido através das desregulamentações sistemáticas a que se tem assistido durante os 30 últimos anos. Esta crise é uma nova crise da finança desregulamentada e ilustra até ao exagero todas as suas tropelias.
Apresenta ainda a vantagem de ilustrar de maneira bastante esclarecedora a ideia de que os défices públicos actuais não são , de forma alguma , devidos a excessos da despesa pública dos Estados, mas sim que estes défices são hoje na sua grande parte o produto directo da situação que resulta da instalação de uma finança mundial desregulamentada. No caso da Irlanda, de maneira indiscutível, é a crise bancária que pura e simplesmente provocou a crise e que provocou igualmente a subida de défices públicos.
Esta crise ilustra a extrema injustiça dos planos de reestruturação postos em prática. Uma longa tempestade se abate sobre o povo irlandês, quando ninguém pensa mesmo em mexer nos imensos lucros acumulados e distribuídos pelos financeiros irlandeses ao longo de todos estes anos faustos, aos seus accionistas, aos seus dirigentes, aos traders. Tudo isto ao longo dos anos em que foi criada uma bolha especulativa extremamente lucrativa, sem ninguém que se preocupasse com as consequências que advirão a partir do seu rebentamento.
Por fim, mas não o fim, a crise irlandesa mostra mais uma vez os erros na construção da arquitectura monetária e financeira que o recente Tratado Constitucional era suposto santificar para as décadas futuras .
Mas comecemos pelo início. Como é que um modelo dado como exemplar - não se falava ainda há pouco tempo no “ Tigre Céltico” - se formou, depois, como e porque é que voou em estilhaços provocando com a sua passagem uma onda de choque que destabiliza a União Europeia nos seus próprios fundamentos ?
O modelo irlandês ou o que está por baixo dos Tigres
O que se designa sob o nome de modelo irlandês é uma construção que se pôs progressivamente em prática e que foi sujeita ao longo tempo a certas evoluções(2). Mas o seu ponto fixo, a sua característica central, tem sido uma política de atractividade , habilmente construída sobre as insuficiências da construção institucional da União Europeia. Esta não criou nem previu a prazo nenhuma regra de harmonização fiscal e a Irlanda bem cedo fez a opção de utilizar a concorrência pelo mínimo de imposição fiscal e aproveitar-se do vazio europeu a esse respeito. Fixando a taxa de imposição das empresas em 12,5% (contra cerca de 30% na Alemanha, 34% na França…), escolhe posicionar-se, no centro da União Europeia, como um paraíso fiscal, perfeitamente legal, perfeitamente respeitador das regras comunitárias.
Esta escolha decisiva, ligada a uma política de formação activa e bem feita veio a gerar os efeitos esperados. Numerosas empresas, mas também e sobretudo grandes multinacionais, localizarão sucursais ou mesmo a sua sede na Irlanda, para beneficiar desta generosidade. A contabilidade “criativa”, as manipulações contabilísticas entre filiais no seio das holdings farão o resto. Os lucros repatriados para a Irlanda escaparão aos países onde as actividades que os geraram se desenvolveram. No meio da década dos anos 2000, a Irlanda passa para a frente das Bermudas em matéria de repatriamentos dos lucros. Estes ascendem a cerca de 20% do PIB. É assim que a Irlanda atingiu o segundo lugar em termos de PIB/habitante (logo atrás do … Luxemburgo). Trata-se certamente de um crescimento que é uma ilusão mas, mesmo com 12,5% de imposição fiscal, os benefícios do Estado irlandês não serão pequenos , alimentando a continuação e o reforço das opções iniciais.
A banca e a finança internacional não ficarão de fora nestas localizações. Em duas décadas constitui-se na Irlanda um complexo bancário e financeiro totalmente sobredimensionado relativamente às necessidades e às possibilidades da economia local. O fornecimento em fundos externos ultrapassa rapidamente os levantamentos em poupança nacional. De Dezembro de 2004 a Dezembro de 2007, as importações de recursos vão crescer em cada ano cerca de 22 mil milhões de euros (contra 18,8 para depósitos de origem nacional (3) ) . Este afluxo vai provocar a formação de um regime de excesso de liquidez.
É aqui que se encontra a origem da formação de uma bolha sobre o mercado imobiliário. A oferta de crédito a taxas de juro baixas, para favorecer o endividamento a longo prazo das famílias - em conjunto uma fiscalidade resolutamente atractiva para os compradores - vai exceder todas as expectativas . A taxa de endividamento das famílias bate na Irlanda todos os recordes. Esta taxa vai aumentar sucessivamente durante a década de 2000, para atingir os 182,9% em 2009 (4) . André Orléan num estudo recente mostrou bem, a partir do exemplo do mercado imobiliário americano, como é que a subida dos preços, longe de provocar mecanismos correctores, se aauto-sustentam (5) . No caso da Irlanda, o desenvolvimento da bolha no imobiliária foi tanto mais forte e incompressível quanto a existência de um centro bancário e financeiro sobredimensionado, alimentado maciçamente por recursos financeiros externos, constituiu uma situação muito favorável à formação de grandes desequilíbrios . Para além dos bancos e das sociedades de crédito especializadas, a exposição ao risco (tendo em conta a subida da taxa de endividamento das famílias) também afectou os dois grandes seguradores de créditos as seguradoras irlandeses especializadas em seguros no ramo imobiliário na Irlanda, as monolines, o INBS (Irish Nationwide Bulding Society) e a BSE (Educational Bulding Society). Como nos Estados Unidos com os créditos subprimes, “as seguradoras” especializadas faliram rapidamente, tão rapidamente quanto foi necessário recorrer a elas .
A explosão da bolha vai, como era previsível, provocar a ruína dos bancos, de repente cheios de créditos mal parados, de créditos não cobráveis e, portanto, elas próprias deixaram de estar em condições de fazerem face às suas necessidades de refinanciamento, ao mesmo tempo que a bolha provocava um forte empobrecimento dos seus compradores. Para numerosas famílias irlandesas, a sua habitação , cujo preço tinha caído brutalmente, constituía, e de longe, o seu activo principal. Far-se-á, em 2008 , o primeiro plano de apoio de emergência com o Estado a ser chamado para evitar que com a falência bancária se desse o desmoronamento geral. Este plano será seguido por três outros, antes que a União Europeia, e o Euro, que é também a moeda nacional irlandesa, se venham a encontrar frontalmente atingidos , e não venha ela própria socorrer a Irlanda com um quarto plano de salvamento.
1 Tradução de Júlio Marques Mota. Revisão de António Gomes Marques.
2 Ver Renaud Lambert, “ Les quatre vies du modèle Irlandais », Le Monde Diplomatique,Outubro, 2010.
3 Jonathan McMahon, « The Irish banking crisis: lessons learned, future challenges » , 26 de Maio de 2010. Jonathan McMahon é, no seio do Banco Central Irlandês, o director-geral adjunto da supervisão das institutições financeiras.
4 Ibidem.
5 André Orléan, De l’euphorie à la panique : penser la crise financière, Collections du CEPREMAP, Editions de la rue d’Ulm, 2009.
Nem sabemos por que partitura devemos começar para apresentar Sean FitzPatrick, o homem orquestra deste banco que se tornará em 2007 o primeiro banco do país em termos de capitalização bolsista? Pelas pratos da história atormentada desta terra céltica, pelos címbalos da bolha imobiliária ou pelo violino deste que pretendia enganar o seu destino de contabilista? Este filho de pequeno agricultor, jogador e grande adepto do jogo do rugby na sua juventude, confundir-se-ia.
Com um diploma no bolso de estudos comerciais do University Colégio de Dublim, Sean Fitz Patrick entra em 1976 como tesoureiro para um pequeno banco de negócios, o Irish Bank of Commerce. Passa rapidamente a figura dominante neste banco . No fim de uma série de fusões-aquisições audaciosas, nasce, uma década mais tarde, Anglo Irish Bank na sua forma actual.
A obsessão deste personagem estranho , pequeno em estatura e de sorriso malicioso, era a de alcançar o pelotão da frente. Na ausência de uma rede de balcões não pode fazer forte concorrência aos dois mastodontes locais, Bank of Ireland e Allied Irish Bank, como banco comercial. Sean FitzPatrick atira-se de frente para o sector do imobiliário , ferro de lança da formidável expansão da economia irlandesa. O estabelecimento bancário financia-se junto do mercado interbancário.
Para satisfazer as necessidades dos promotores apressados, o Anglo Irish concede os seus empréstimos em poucas horas enquanto que os seus rivais exigem várias semanas de reflexão. Para este negociador impar com uma moral de aço, só o resultado conta, disposto a sacrificar as verificações habituais . O dinheiro brilha.
O microcosmo de Dublin olha para com ironia para a carreira deste outsider que não quer continuar a sê-lo. Porque Sean Fitz Patrick anda mesmo à procura de respeitabilidade. Este sujeito exuberante por vezes incómoda, “Seanie”, que não actua nem com discrição nem de luvas brancas está totalmente sintonizado com os seus mais fortes clientes , uma dúzia de promotores do imobiliário. “Self-made-men reaccionários, filisteus cúpidos, novos ricos no pior sentido do termo”, martela Frank McDonald, jornalista do Irish Times.
A elite financeira tira-lhe o seu chapéu. Acedendo em 2000 à presidência da associação bancária irlandesa, Sean FitzPatrick torna-se uma das peças soberanas deste famoso triângulo tóxico que compreende banqueiros, profissionais da construção e políticos. O patrão de Anglo Irish Bank joga evidentemente com mestria o jogo dos pequenos truques e das cunhas que são a norma nesta sociedade clânica onde todos se conhecem. Administrador da Dublin Docklands Development Authority, a organização responsável pela renovação dos estaleiros da capital, nomeia o presidente desta instituição para o seu conselho fiscal.
Autoritário, o patrão de Anglo Irish Bank é um adepto do exercício solitário do poder. A direcção oferece-se a si-mesma salários e bónus exorbitantes, vantagens em espécies e em planos de reforma colossais sem sequer informar a Administração . Este decepador de cabeças rebeldes neutraliza os controladores de riscos. A imprensa é silenciada pelos rendimentos em publicidade da bolha imobiliária. Irish Times, o jornal diário de referência, que investiu maciçamente num site de anúncios imobiliários, passa sob silêncio as advertências dos raros peritos que gritam à avisar dos perigos de sobreaquecimento, da bolha..
Luxuosos escritórios de representação são abertos nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na Suíça, a fim de financiar grandes obras à Nero. Um departamento de fusões-aquisições, a actividade de cambista, a gestão de tesouraria e um banco privado são assim criados para oferecer toda a gama dos serviços aos promotores. Se tal loucura das grandezas houve, esta foi claramente inspirada e incentivada pela explosão das actividades financeiras . Anglo Irish Bank sonhava simplesmente imitar Goldman Sachs. É de resto o responsável das actividades americanas, David Drumm, que Sean FitzPatrick escolhe, em 2005, para lhe suceder na Direcção-Geral. Um delfim de 38 anos não fará sombra àquele que se tornará o presidente não executivo.
A partir daí, em meados de 2007, a máquina ganha embalagem . Sob o efeito do rebentamento “da bolha”, as cotações na Bolsa caem a pique . Anglo Irish Bank jura alto e bom som que não há fogo no lago e que o Banco sairá das suas dificuldades: Mas o contribuinte deve levar a mão à carteira. Em Dezembro de 2008, Sean FitzPatrick e David Drumm são forçados à demissão.
De um dia para outro, os ídolos dos jovens diplomados irlandeses tornaram-se uma caricatura dos novos ricos . Os grandes conversadores como são as gentes de Dublin diziam mal deles nos pubs com o mesmo ardor com que os elogiavam ainda há pouco tempo antes . Cada um se interroga sobre a atitude incompreensível dos revisores de contas e auditores que não deram nenhum sinal de alarme quando ainda era tempo, sobre a carência das autoridades de tutela que nada foram capazes de prever e enfim sobre a forma ligeira dos políticos que fecharam os olhos .
Sobretudo, um dos mitos fundadores da República do Sudeste ganhou nesta tormenta: o acesso à propriedade. Na National Gallery de Merrion Square, um quadro de Erskine Nicol datado de 1853 mostra uma família de roupa esfarrapada que carrega com os seus magros haveres a lançar um último olhar para a exploração agrícola de que acabam de ser expropriados. “Como a fome e as perseguições, a proibição aos católicos de comprar um bem imobiliário imposta pelo colonizador britânico até 1882 permaneceu no imaginária de um povo durante muito tempo oprimido”, insiste o senador independente David Norris, professor de Literatura comparada.
“A casa de um Irlandês é o seu castelo ”, tinha-se o costume de dizer aquando do triunfo do Tigre céltico, parafraseando a obsessão dos vizinhos britânicos em tornarem-se proprietários. Nestes dias, os muros do Shelbourne Hotel, lugar diariamente frequentado por James Joyce, ressoam com a advertência de Finnegans Wake, um das suas obras-primas: “A casa de um irlandês é o seu caixão“.
(Marc Roche, Anglo Irish Bank - Un scandale irlandais, Le Monde, 19.12.2010 )
Um texto sobre a Irlanda, sobre a forma como se alimentou a dimensão da bolha, da crise, que agora a maioria de todos nós está a pagar. Viveu-see vive-se um períodoem que para alguns tudo era ou épermitido enquanto que a outros tudoera ou passou agora a ser exigido, é o que texto também mostra. Estranha duplicidade de critérios, marca inegável do neoliberalismo que os governos dos Estados membros da UEM, de direita ou de esquerda apelidados, assim comoa Comissão Europeia tudo fazem para manter. Talvez porisso ninguém viu, ninguém previu o que aí estava a acontecer, salvo por ironia ou por destino, James Joycequandon escreveu: “A casa de um irlandês é o seu caixão“..
Júlio Marques Mota
Anglo Irish Bank- Um escândalo irlandês
Roche Marc
Como um pequeno banco de retalho criado em 1964setransformounum imenso casino que desmoronou como um castelo de cartas? A História da ascensão e da queda do Banco que é símbolo dos errosda economia irlandesa. Por Marc Roche
Simon Kelly é um jovem promotor imobiliário irlandês. Antes de ter estar falido, era frequentemente convidado a tomar o pequeno - almoçocom osemissários do Anglo Irish Bank, o seu principal Banco para obtenção de fundos . O cenário: uma pequena sala do Shelboume Hotel forrado atecido almofadado, ao abrigo dos ouvidosindiscretos. A ementa: ovos mexidos com bacon e chouriço. E também café. Uma primeira cafeteira, depois uma segunda. “Tudo se passava nesta fase da conversa, recorda-se o promotor. Um simples aperto de mão selava um projecto de várias dezenas de milhões de euros. Anglo Irish Bank financiava, de olhos fechados, os projectos mais loucos.
Simon Kelly fez destes encontros no velho Hotela base do seu livro, Breakfast with Anglo, consagrado a maiorfalência financeira da verdejante Irlanda . O actual presidente do Anglo Irish Bank, Alan Dukes, terá sem dúvida todo o tempo de se irritarao olhar para as vitrines dos livreiros. Os dias do seu poder , símbolo dos erros e abusos da forte expansão imobiliária irlandesa entre 1997 e 2007, estão de facto contados. Face ao falhanço da operação de resgaste financeiro e ao facto das perdas líquidas atingirem uma profundidade abissal, a União Europeia e o Fundo Monetário internacional exigiram, com efeito, o encerramento do banco, declarado em falência a 19 de Novembro de 2010, como uma das condições para a concessão de uma ajuda internacional à Irlanda.
Como o céu de Dublin, Alan Dukes passa do sorriso o mais feliz a uma tristeza latente: «os antigos dirigentes cometeram o grave erro de se concentrarem num único sector , a construção , violando assim todas as normas de prudência », explica este ex-ministro da economia que alcançou este seu posto algumas semanas antes do banco ter sido colocado sob a tutela do Estado, em Janeiro de 2009.
O Estado-maior anterior deixou atrás de si o caos. Com a sua chegada, a nova equipa de direcção descobre um sistema gangrenado, cheio de conflitos de interesses e de compromissos . Na primeira fila estavamos antigos dirigentes que encheram bem os seus bolsos. O anterior presidente, Sean FitzPatrick, tinha uma gestão, no mínimo muito pessoal , como testemunham os empréstimos concedidos de 88 milhões de euros a si-mesmo,a título privado e no maiorsegredo. Estes fundos foram investidos com associados seus numaplataforma de exploração petrolíferana Nigéria, num complexo hoteleiro na Hungria, num casino em Macau. Por seu lado, o director geral, David Drumm, também levantou 8 milhões de euros sem o conhecimento dos outrospara comprarduas vastas propriedades, uma em Dublin, a outra em Capa Cod, no Massachusetts.
Fazer crer que há uma riqueza que não existe e dissimular uma dívida que existe: ao longo dos anos, a maquilhagem das contas do balanço tinha-se tornado a norma contabilística. Assim, uma instituiçãofinanceira irlandesa que trabalhava sobre hipotecas , uma caixa que trabalhava no imobiliário, emprestou cerca de7,3 mil milhões de euros através deincríveisacrobacias para esconder os prejuízos na véspera dapublicação dos resultados de 2007do Anglo Irish Bank. Por último, recorrendo aprodutos financeiros sofisticados para confundiras pistas, o banco financiou em cerca de28%o seu aumento de capital com as contas de um grupo de clientes . E istoserá apenas o princípio . Porque até agora, o inquérito da políciatem-se defrontado com uma sabotagemdos códigos informáticos que permitem aceder aos documentos mais comprometedores.Além disso, os faltosos transferiram os seus activos (casas, automóveis luxuosos, etc.) para as suasesposas. Como é que umapequena sociedade criada em 1964, especializada no seu início no financiamento da compra de material electrodoméstico, seconseguiu transformar num imenso casino que se desmoronou como um castelo de cartas ?
A Irlanda foi primeiramente um milagre que em seguida se transformou num desastre. E que está prestes a tornar-se, agora, num escândalo. É impensável que a União Europeia empreste hoje cerca de 90 mil milhões de euros para salvar os bancos e as finanças públicas irlandeses sem estar a exigir previamente um aumento da taxa de imposição fiscal sobre as sociedades - actualmente de 12,5%, e que deveria ser de pelo menos 25-30%. Primeiro porque os bancos e as outras sociedades implantadas na Irlanda acabarão sempre por voltar a estar em situação de ter lucros, graças ao plano de salvamento europeu. O mínimo que se possa exigir é que estes lucros seja então postos a contribuir de forma significativa. Em seguida, e sobretudo porque as estratégias de desenvolvimento fundadas sobre o dumping fiscal são destinadas ao malogro e nocivas tanto para os países vizinhos como para aqueles que as praticam. Já é mais que tempo para que a UE tome as coisas sob o seu controlo em troca da estabilidade financeira que esta nova posição comportaria realmente.
Em todos os países europeus, os impostos obrigatórios representam pelo menos 30 a 40% do PIB, e permitem financiar um nível elevado de infra-estruturas, de serviços públicos (escolas, hospitais…) e de protecções sociais (desemprego, reformas…). Se os lucros das sociedades são taxados a apenas 12,5%, então nada disto pode funcionar , a não ser se taxarmos muito fortemente o trabalho, o que não é nem justo nem eficaz, e contribui de resto para criar um desemprego elevado na Europa.
Digamo-lo claramente. Deixar que países que se enriqueceram graças ao comércio intra-europeu absorvam em seguida a base fiscal dos seus vizinhos, isto não tem rigorosamente nada a ver com os princípios da economia de mercado ou com o liberalismo. Isto só tem um nome e chama-se : roubo. E ir emprestar dinheiro às pessoas que nos roubaram , sem nada exigir em troca para que isso não se reproduza, a isto chama-se estupidez.
O pior ainda é que o dumping é igualmente nocivo para os pequenos países que o praticam. Certamente, cada país individualmente é metido num engrenagem: como na corrida aos armamentos, os irlandeses têm interesse a manter uma taxa fraca de imposto sobre as sociedades enquanto os polacos, os estónios etc. mantêm a deles. É exactamente por isto que a União Europeia deve pôr fim a este ridículo jogo de soma nula. Pode-se imaginar um imposto sobre as sociedades totalmente europeu, ou um sistema duplo com uma taxa mínima de 25% em cada país, completado com uma sobretaxa europeia de 10%. Deste modo permitiria à UE retomar à sua conta o acréscimo de dívida pública criado pela crise e permitir às finanças públicas nacionais repartirem por um bom caminho.
Uma tal retoma sob controle é ainda mais urgente tanto quanto o dumping contribuiu muito directamente para a bolha irlandesa e para a crise actual. Em especial, o dumping conduziu a manipulações contabilísticas enormes, totalmente artificiais, que tornaram totalmente ilegíveis os balanços bancários e as contas nacionais da Irlanda. Estas estão hoje gravemente poluídas por enormes fluxos de transferência via manipulação de preços (transfer pricing- visando localizar na Irlanda lucros realizados por sucursais baseadas em outros países europeus) de que ninguém conhece o valor exacto. Esta opacidade contabilística tomou proporções ainda mais elevadas que as manipulações gregas sobre as despesas de armamento e sobre o défice público. Nos dois casos, cabe à Europa pôr as coisas em ordem .
Mas com a condição de não se enganar no meio utilizado, no instrumento aplicado. A iniciativa Merkel-Sarkozy que consiste em dar a entender que certas dívidas públicas soberanas não serão reembolsadas integralmente (haircut) não é claramente uma boa ideia. Primeiro porque se quer fazer com que os bancos e os detentores de activos financeiros paguem pelos seus erros, o que é altamente desejável, então vale muito mais ter “um haircut fiscal” (reembolsam-se as dívidas, mas taxam-se os lucros financeiros através de um imposto europeu sobre as sociedades) que “um haircut selvagem” baseado na aposta em falências de Estados e de bancos, processo incerto de que ninguém domina bem para que se saiba quem pagará finalmente as consequências. Em seguida, e sobretudo, porque esta estratégia dos grandes países leva a tornar a criar todo um conjunto de taxas de juro diferenciadas sobre as 27 dívidas soberanas europeias, que fará apenas relançar ainda mais a especulação. Isto poria em causa a própria lógica da moeda única assim como poria em causa o interesse dos pequenos países a nela participarem. É urgente que os dirigentes franceses e alemães [e todos os dirigentes europeus e todas as Instituições da União Europeia ] tenham finalmente a coragem de ter uma visão europeia ambiciosa para se sair da crise actual.
* Thomas Piketty , director de estudos na EHESS e professor na ’Ecole d’économie de Paris.
( Le scandale du sauvetage des banques irlandaises, Dezembro, 2010.?
A Irlanda perdeu a confiança dos mercados devido às suas dificuldades bancárias e a União Europeia e o FMI vieram em seu socorro. Esta intervenção é muito mal sentida na Irlanda, porque põe em causa a soberania nacional, ainda recentemente alcançada pela qual muito lutaram, e a que dão muito valor, e porque parece anunciar uma acentuação da terrível austeridade que já está a ser imposta aos Irlandeses. Para além destas reacções compreensíveis, o problema essencial que se põe em todos os salvamentos bancários, desde o início da crise financeira, é saber quem é que vai pagar. O acordo que acaba de ser concluído com a Irlanda é deste ponto de vista muito claro e cada um tem a sua parte.
O contribuinte vai pagar
Tendo concedido empréstimos imobiliários muito pouco cuidadosos, os bancos irlandeses não têm dinheiro suficiente para fazer face os seus compromissos financeiros. Eles já não podem funcionar normalmente. Duas soluções são possíveis para resolver este problema: um aumento das suasdisponibilidades ( recursos) ou uma diminuição das suas responsabilidades ( compromissos). - O aumento dos recursos pode assumir a forma de empréstimos obtidos pelos bancos ou ser obtido através de um aumento de capital. A primeira solução é mais simples, mas apenas tem sentido para resolver um problema transitório (uma crise de liquidez). Por conseguinte não é adaptado à acatual situação dos bancos irlandeses, cujas dificuldades são bem mais profundas. É necessário por conseguinte proceder a um aumento do capital dos bancos, mas os candidatos não se vêem. O Estado irlandês substituiu-se então aos investidores que não estão interessados em investir nestes bancos:forneceu capital aos bancos e assim ficou seu accionista. Esta nacionalização, parcial ou total de acordo com os estabelecimentos bancários, foi decidida no início de 2009. Mas, hoje, são necessárias novas injecções de capital.
A escolha da recapitalização pelo Estado significa que é o contribuinte que paga o salvamento dos bancos. No caso de uma crise de liquidez, não seria um problema, porque o valor das acções dos bancos aumentaria uma vez os bancos saídos das suas dificuldades e poderiam ser revendidas com lucro. No caso de uma crise de solvabilidade como conhece na Irlanda, não é nada certoque o capital fornecido aos bancos possa um dia ser recuperado através de uma venda de títulos. O contribuinte paga por conseguinte sem nenhuma garantia de recuperar um dia o seu dinheiro. Assume o risco de incumprimento dos bancos.
A dívida dos bancos é, por conseguinte, transformada em dívida pública. O salvamento pela Europa consiste em transformar a dívida pública irlandesa em dívida pública europeia. Se se preferir, os Estados endividados emprestam a um Estado muito endividado. É isto realmente tranquilizador? Depois de tudo, como o diz Nouriel Roubini, a situação da França não é muito melhor que a da Irlanda. De onde vem o dinheiro emprestado à Irlanda? Do fundo europeu criado ao som de grandes fanfarras aquando da crise grega. Este fundo, lembremo-lo, devia ser cerca de 750 mil milhões de euros. De acordo com Christian Saint-Etienne, parece que o montante realmente disponível esteja mais próximo de 200 mil milhões, de modo que não haveria muito mais dinheiro em caixa para o próximo salvamento. A informação precisa de confirmação, mas também não é ela nada tranquilizadora.
A solução retida para salvar a Grécia ou a Irlanda não é por conseguinte necessariamente viável. Permite ganhar tempo. Mas o tempo suficiente? Somos levados a duvidar. Porque as pressões que são impostas aos rendimentos das populações são terríveis e é pouco provável que possam ser aumentadas e mantidas sobre um longo período de tempo. - A única solução seria então a diminuição das responsabilidades, sob forma de falência em devida forma, como deve ser, para os bancos com mais dificuldades, nomeadamente o Anglo Irish, ou então uma reestruturação da dívida. A palavra reestruturação significa que os credores aceitam uma diminuição do valor dos seus créditos. Por exemplo, uma obrigação de um valor de 100 € será reembolsada numa base de 70 € (haircut de 30%), ou seja o credor aceita uma perda de 30% em troca da certeza de ser reembolsado. A alternativa é a falência e, assim, o credor dos bancos pode ter interesse nesta reestruturação, mesmo que não a aceite alegremente. No caso da dívida dos países da América Latina, foi necessário dez anos de modo a que os credores estrangeiros aceitassem a reestruturação em larga escala da dívida, conseguida pelo plano Brady. Estes dez anos foram, na América Latina, a famosa “ década perdida” para o desenvolvimento. Seria bom evitar este erro na Europa e ir tão rapidamente quanto possível para a única solução sólida.A chanceler alemã tinha imposto, aquando do salvamento da Grécia, que qualquer plano deste tipo comportasse um procedimento de incumprimento da dívida soberana, levando a associar os credores às perdas. Mas nenhuma modalidade prática foi definida e esta disposição parece letra morta.
Obrigado Sarko
Nestas últimas semanas, tem-se questionado muito sobre a hipótese de que um acordo com a Irlanda seja subordinado ao abandono da política irlandesa de concorrência fiscal, consistindo esta em tributar muito fracamente as empresas estrangeiras para que estas se instalassem na Irlanda. É evidente que, se todos os países europeus imitassem esta política, o único efeito seria privar os Estados europeus de receitas fiscais. Esta política funciona apenas se a Irlanda seja quase que o único país a aplicá-la, e com isso tirando empregos aos outros países.
É por conseguinte lógico, se a Irlanda recorre à solidariedade financeira europeia, que esta política egoísta seja abandonada. Seria igualmente conforme com um princípio de justiça: se os impostos devem aumentar para financiar o salvamento dos bancos, porque é que são as famílias os únicos a pagar este salvamento? No entanto, tranquilize-se, caro leitor, o dumping fiscal irlandês continua em boa forma, poupado, preservado.
O primeiro ministro irlandês afirmou que a questão da taxa do imposto sobre as sociedades não tinha sido abordada. É verdadeiro que Intel, Google e Microsoft sublinharam que a questão é considerada por estas empresas como um problema sério (Google economiza 3 mil milhões de dólares de imposto por ano graça à judiciosa localização das suas actividades) e que Singapura era um lugar extremamente acolhedor. O primeiro ministro agradeceu especialmente a Nicolas Sarkozy: “I very much welcome the fact that Presidente [Nicolas] Sarkozy indicated that there is no question of Ireland' s corporation tax rates being an issue in these discussion or negociations”? Devemos nós associarmo-nos a estes agradecimentos? É certo, atrair os investimentos estrangeiros é a melhor possibilidade de crescimento para a Irlanda. Mas não é isto às custasdos outros países europeus.
Como é que o dinheiro emprestado à Irlanda (e à Grécia) será reembolsado? Através do regresso ao crescimento económico, poder-se-á esperar no caso da Irlanda. Através do rigor, respondem as autoridades: o aumento dos impostos sobre as famílias e a baixa das despesas públicas deve permitir suprimir os défices, devem seguidamente libertar excedentes orçamentais que servem para reembolsar a dívida. No caso da Grécia, a mentira era tal que se poderia certamente imaginar que o Estado, melhor gerido, poderia libertar recursos, mesmo se é muito duvidoso que estes sejam suficientespara reembolsar a dívida pública. No caso da Irlanda, a ideia é simplesmente surrealista: o país já tem-se multiplicado em planos de rigor cada um delesmais duro que o precedente anterior que se possa imaginar, na esperança de salvar a indepenência a que atribui tanto valor, Como era de prever, o resultado foi quase que nulo, o efeito depressivo da política de austeridade sobre o crescimento vem sucessivamente alargando o défice que a referida política pretende reduzir. Um novo plano por conseguinte está previsto. Crer-se-ia que se está perante os médicos especialistas das sangrias com que Molièrenos provoca.
A cegueira das autoridades que se tem verificado desde o início da crise atinge por conseguinte, aqui o seu máximo. A obsessão continua a mesma: evitar que os detentores de capitais sofram as consequências das perdas acumuladas pelos bancos ou pelos Estados aos quais emprestaram. O preço a pagar é a baixa dos salários, a subida do desemprego, ou mesmo o exílio.
O nosso amigo Carlos Mesquita escreveu sobre o caso da economia irlandesa, no artigo “Nós e a Irlanda”, sintetizando as linhas gerais de uma situação que a imprensa portuguesa tem esquecido bastante. Afinal, a corrupção do “Tigre Celta” e a má administração irmanam-se com a nossa permitindo meter ao bolso fortunas que os bancos facilitaram no compadrio com construtores, dinheiro fácil para os consumidores, “sub-prime” para os especuladores e outros, que não o sendo, pensavam fazer bons investimentos de modo fácil, simples e seguro.
Andaram num corrupio a prometer este mundo e o outro de modo a convencer o pagode irlandês que em pouco tempo ficava tudo rico pois até os governos, de pernas abertas, facilitavam os investidores estrangeiros de modo absolutamente liberal.
Um país agrícola apresentava-se, pelo menos em Dublin, com ares de bem vestir, bem comer e bem viver como pude verificar há 10 anos quando lá estive.
Nós aqui, ignorantes, julgávamos que os irlandeses, com rigor e inteligência, tinha conseguido o milagre de um modelo económico de sucesso. Logo, o nosso exemplo era a Irlanda onde, afinal havia outra… verdade escondida e as contas da nação, dos bancos e do crédito andavam todas maradas.
Curiosamente os senhores da EU, que têm por obrigação fiscalizar estas coisas económicas, nunca desconfiaram de nada como não desconfiaram dos gregos, rapaziada que sempre esteve na primeira linha da planificação económica e da disciplina fiscal. Subitamente, aquele pessoal responsável por estas coisas em Bruxelas, séquito de funcionários pagos em ouro de lei, descobriram tudo agora com Portugal e a Espanha no mesmo saco, com razão, diga-se de passagem.
Resolvidos que estejam os desregramentos financeiros destes quatro marginais a EU e o mercado do euro retornarão à paz porque todos os outros (Bélgica, França, Itália, p. ex.) estão bem muito obrigado. Todavia, para acertar algumas agulhas para uma economia real, haverá que fazer mais uns cortes que nos serão impostos de modo a alcançarmos o paraíso.
O texto de sábado, de Marc Roche, sobre os bancos Irlandeses serem os responsáveis pela crise do “Tigre Celta”, suscita – me duvidas. Já antes os defensores do modelo económico Irlandês tinham vindo justificar a crise, dizendo que ela nada tinha a ver com as opções de política económica dos governantes; era fruto da gestão imprudente dos banqueiros e gestores financeiros. A minha primeira observação é se esses irresponsáveis apareceram por “geração espontânea”, ou são fruto da doutrina económica dominante nos últimos quase 30 anos. Foram formados para actuar no sistema da liberdade plena de mercado (como todos os que saem das Universidades) e aproveitaram; o governo irlandês acompanhou porque não o fazer era optar por outro modelo económico, e os irlandeses em geral também usufruíram da riqueza virtual, uma vez que o PIB per capita na Irlanda (o dobro do português para metade da população) não correspondia à economia real irlandesa. A atractividade da Irlanda para captar investimento estrangeiro, era por um lado devido às taxas reduzidas comparativamente a outros países, mas igualmente pelos bons resultados (como refere o texto) da praça financeira na administração de hedge funds – que por definição são desregulados. Também nesse caso é desnecessário culpar a falta de regulação; essa falta faz parte do sistema e da doutrina das restrições à intervenção estatal sobre a economia.
A corrente económica e ideológica que vigora é absolutamente contra qualquer controle dos Estados, apesar de em 2008/2009, os Liberais perante a patente falência da sua teoria, terem admitido alguma regulação. Já esqueceram, estão quase recompostos, e as alternativas não conseguiram impor-se. A Irlanda, antes de rebentar a bolha imobiliária interna, esteve exposta ao “sub prime” dos Estados Unidos através de produtos “derivados”, vários bancos europeus (incluindo portugueses) investiram na praça irlandesa devido à sua rentabilidade; à imagem da corrida às recompensas do BPP. Como todos os investidores querem ser pagos e o governo irlandês assumiu a 100% a cobertura bancária, só resta aos irlandeses pagarem os devedores incumpridores e as falcatruas dos financeiros; melhor seria terem feito umas sumptuárias auto-estradas.
O que está em causa é saber se devemos olhar para as micro razões que num ou noutro país concorreram para criar crises especificas, ou se o Liberalismo económico contemporâneo junto com a Globalização, que criou fluxos de capital inversos aos previstos (das economias emergentes para os países ricos) não irá no futuro obrigar o mundo a viver em permanente crise. Nada está a ser feito ao nível das instituições, do G20 à União Europeia, para repensar a corrente ideológica dominante, contrária à construção de “Estados de bem-estar social”.
Portugal que entrou no Euro com o escudo sobrevalorizado, que apesar dos imensos fundos estruturais não reformou nem formou, tem dificuldades adicionais para crescer em tempo de austeridade. Por isso devemos estar atentos a cada medida de economia política, e tentar perceber se ela vai no sentido de recuperar a economia ou de contribuir para aprofundar a depressão económica e social.
O que está agora em cima da mesa é o aumento do salário mínimo.
ous les récits consacrés il y a quelques années au Tigre celtique, comme avait été baptisée l'Irlande en raison de ses taux de croissance à l'asiatique, commençaient invariablement par un séduisant paradoxe. Celui de la métamorphose des terres à nu des tourbières en un skyline de tours de verre et d'acier en mouvement perpétuel.
Les élites bancaires se sont trouvées au coeur de la transformation d'une nation rurale et bigote en un prodigieux laboratoire du secteur tertiaire. Mais comme l'atteste la déconfiture économique de l'île d'Emeraude, les « affaires » ont fini par rattraper un monde financier de mèche avec les promoteurs immobiliers et les milieux politiques. Un triangle toxique... « Méfiez-vous des grosses banques de petits pays qui, privées demarché local digne de ce nom, se sentent tout naturellement obligées de croître au-delà de leur base de départ en prenant des risques... » : comme l'indique un opérateur de la City, le naufrage irlandais incarne jusqu'à la caricature la folle course à la taille des banques locales.
Le miracle de l'Eire Comme en Belgique, en Islande ou en Ecosse, le secteur financier irlandais est organisé en oligopole. Trois grandes banques de détail (Bank of Ireland, Allied Irish Banks et l'Anglo Irish Bank), ainsi que deux caisses hypothécaires se partagent l'essentiel d'un marché domestique de 4,4 millions d'âmes. Que faire de cet argent qui afflue subitement dans les coffres à la fin des années 1990, conséquence de l'élévation du niveau de vie et d'une santé économique de cheval ? Une politique fiscale audacieuse, en particulier l'impôt bas sur les sociétés qui attire les entreprises étrangères, une place financière en plein essor spécialisée dans l'administration des hedge funds et une main-d'oeuvre formée et bon marché alimentent le miracle de l'Eire.
Pour les banques à la recherche de placements hautement rémunérateurs pour cette manne, la solution est évidente : investir massivement dans l'immobilier, surtout commercial et de bureaux. Les établissements dublinois financent les yeux fermés promoteurs et entreprises du BTP. Parallèlement, les ménages, certains pas toujours solvables, se voient offrir des prêts hypothécaires à 100 %, voire au-delà, sans même qu'un bulletin de salaire leur soit réclamé.
A la tête des banques, une nouvelle génération de dirigeants mégalomanes a remplacé les banquiers prudents à l'ancienne. Trop petite pour eux, l'Irlande : il leur faut le Royaume-Uni, l'Amérique, l'Asie ! On ouvre des succursales luxueuses dans tous les recoins du globe. Tant que le versement de gros dividendes est assuré, les actionnaires ne trouvent rien à redire aux anomalies des bilans, aux primes de fin d'année mirifiques, au train de vie fastueux des seigneurs de l'argent.
Par ailleurs, à l'intérieur des banques, le népotisme est la règle. Les principes de bonne gestion sont allégrement bafoués. La caste au sommet emprunte au nez et à la barbe des commissaires aux comptes des dizaines de millions d'euros pour financer l'achat de manoirs, yachts ou voitures de sport.
Clientélisme, renvoi d'ascenseur et magouilles Comment expliquer de tels dérapages, dignes d'une république bananière ? Tout d'abord, dans ce mouchoir de poche où tous les décideurs se connaissent, la nomenklatura financière vit en complète symbiose avec le monde politique et les industriels de la truelle.
Depuis l'indépendance, en 1921, la vie publique est dominée par deux grands partis, le Fianna Fail et le Fine Gael, qui se situent... au centre. Sur les questions économiques, il n'existe aucune divergence de fond. Le clientélisme, le renvoi d'ascenseur et les magouilles sont la norme. Parlementaires, financiers et magnats de la construction fréquentent les mêmes clubs de golf ou les cercles hippiques et s'entendent comme larrons en foire.
Ce lien ombilical explique que, à l'automne 2008, Brian Goggin, de la Bank of Ireland, et Eugene Sheehy, d'Allied Irish Banks, parviennent à imposer au nouveau ministre des finances, Brian Lenihan, d'offrir une protection à 100 % des dépôts bancaires comme des prêts vérolés. Cette décision ne fera qu'empirer les choses.
A ce jour, malgré les malversations avérées, aucun banquier n'a été mis sous les verrous. Les promoteurs au coeur du scandale ont pu émigrer en toute impunité. D'autres ont transféré à leur épouse la propriété des biens mal acquis pour mettre ceux-ci à l'abri d'éventuelles saisies. « Ce pays reste clanique, quasi mafieux. Le pouvoir est patrimonial », s'indigne un observateur, effaré par l'inertie de la justice et de la police. En clair, aux yeux des banquiers, si le système financier a capoté, c'est la faute à la crise de confiance, aux bâtisseurs requins, aux investisseurs cupides... Pas la leur.
Des contrôleurs peu expérimentés Deuxième ingrédient de la tragédie qui se joue aujourd'hui : la faiblesse du régulateur. Trois contrôleurs peu expérimentés ont été chargés pendant longtemps de la surveillance des deux principales banques de l'île. Appendice de la banque centrale, l'organisme de tutelle n'a fait aucun effort pour pousser ses ouailles à limiter les risques. De plus, la peur de faire fuir les investisseurs étrangers en quête de stabilité et d'avantages fiscaux a poussé le Trésor à assouplir encore davantage les règles.
Ensuite, face à l'attrait des gros salaires de la place financière ou des géants de l'électronique, la fonction publique tire la langue pour recruter les meilleurs éléments. C'est pourquoi le gouvernement a pris pour argent comptant la sous-évaluation par sa banque conseil, Merrill Lynch, choisie en raison de ses origines irlandaises, du « trou » bancaire à financer. Par la suite, aucun suivi de l'utilisation des 50 milliards d'euros injectés par Dublin depuis 2008 dans le secteur financier n'a été assuré.
Les Irlandais ont aujourd'hui la gueule de bois et s'interrogent. Pour sortir de l'ornière, leurs banques, de facto en faillite et nationalisées, doivent dare-dare se délester au rabais de leurs actifs périphériques ou étrangers. La priorité est désormais de se recentrer sur le marché intérieur détrôné, au cours de la dernière décennie, par l'expansion à l'étranger, la ruée sur l'immobilier ou les petits génies des marchés et des produits miracles.
Comme le disait Byron de l'Italie, les banques irlandaises ne sont plus que la « triste mère d'un empire mort »...
(Le Monde - Article paru dans l'édition du 26.11.10)
Um pescador pesca nas suas redes uma jovem e bela mulher. O seu canto atrai os peixes e a vontade de viver a um homem alcoólico que tem na filha, doente, a única razão de viver.
Só a criança compreende, dá nome às coisas pouco normais, aceita a verdade ainda que inverosímel, antevê um horizonte menos escuro para todos. E persiste, com a clarividência que só os olhos puros de uma criança são capazes.
As imagens são belas, puras e duras como um wiskie irish, straight, sem água e sem gelo. O mar profundo e cinzento da Irlanda, as suas costas de um verde que se confunde com o mar e com o céu, as sua gentes duras que são capazes de serem felizes neste ambiente hostil e também terrivelmente belo.
Uma história belíssima, pouco habitual, com actores a compor personagens densas e ricas, música e canções trazidas pelas ondas...
Saiam antes da última cena. Até aí tudo é perfeito.