No século XIX e no princípio do XX nem todas as casas de Lisboa tinham água corrente. Trabalho penoso que os portugueses não o queriam fazer, o dos “aguadeiros”; os galegos aproveitaram para criar aquilo a que chamaríamos hoje um «nicho de mercado». Aquilino Ribeiro em Lápides Partidas (1945), refere um galego, do Porriño, que escreve à mulher: «A terra é boa, a xente é tola, a auga é deles e nòs vendemoslla». Aliás, na literatura portuguesa da primeira metade do século XX, os galegos eram parte integrante da paisagem humana, principalmente em Lisboa. Eduardo Noronha, em Memórias de um galego, tem uma personagem que diz «Os portugueses vão para o Brasil, nós vamos para Portugal, é mais perto, melhor caminho e ganha-se mais dinheiro». Entre muitos outros, Fernando Assis Pacheco pertencente a uma família oriunda da Galiza e José Saramago, escreveram sobre galegos. Uma lista de referências literárias a tão simpática gente, não cabe nas características deste texto por demasiado extensa e já existe um bom trabalho, o de Rodrigues Vaz, Os Galegos nas Letras Portuguesas, (Pangeia Editora, Lisboa, 2008)
Nasci em plena Baixa de Lisboa e, desde que me lembro, sempre encontrei galegos por perto. E as minhas primeiras recordações remontam a um tempo em que as feridas da Guerra Civil de Espanha ainda sangravam naqueles anos quarenta e, portanto, ainda havia imigração galega, pese embora a pobreza que grassava aqui por Portugal. A presença desses imigrantes era notória. Na minha rua, a dos Douradores, quase todos os restaurantes eram de galegos. Aniversário, dia festivo ou por qualquer extravagância naqueles tempos de economia apertada, lá íamos, eu e os meus pais, até à Antiga Casa Pessoa, ao Bessa, ao Guimarães. Por vezes saíamos da nossa rua e íamos até ao João do Grão. Éramos amavelmente atendidos por empregados com a característica pronúncia. Nunca considerámos os galegos como estrangeiros. Faziam parte da cidade, lisboetas como todos os outros. Mas ali, a Baixa, sobretudo as ruas mais modestas – Madalena, Fanqueiros, Douradores, Correeiros, Sapateiros… - concentravam comércios (tascos restaurantes – em casas de andares superiores, em quartos e partes de casa alugados viviam famílias galegas. Era uma pequena Galiza, a «little Galiza», como diriam os norte-americanos.
Na escola primária tive diversos colegas galegos ou galegos de segunda geração e no Ateneu, onde estudei, também os meus dois melhores amigos eram, em graus diferentes, descendentes de galegos. O José González, filho de galegos, ambos do Porriño e que terão vindo já adultos e casados. O José já aqui nasceu. Gente bem colocada, com uma excelente alfaiataria. O Jaime Camecelha, que, mais do que um amigo, foi para mim como um irmão, (faleceu em 2003) era descendente bastante mais remoto de uma família galega vinda, salvo erro, de Pontevedra para Portugal há muito tempo, talvez nos anos negros do século XIX. Era neto de Alfredo Camecelha, o primeiro atleta a ganhar uma prova para o Benfica (depois transferiu-se para o Sporting). Num torneio realizado em 1909, lançou o peso e fez também parte da equipa de luta de tracção nesse mesmo torneio. Ainda o conheci, na casa onde o Jaime vivia com os pais e irmãos, numa festa de aniversário por meados dos anos 50, tocando viola e cantando. Nascido em 1880, teria cerca de 75 anos, conservando uma grande jovialidade. Já nascera em Lisboa. Seu pai, sim, era um imigrante, nascido no Porriño. Penso escrever uma pequena biografia deste atleta. No grupo do café Gelo, havia um poeta galego de 2ª geração – o José Carlos González que colaborou no nº 2 da revista “Pirâmide”, de que já aqui falei. Era um bom poeta, com uma linguagem surrealista ou surrealizante.
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(Foto de José Magalhães) |
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