No dia 18 de Janeiro de 1934, faz hoje 77 anos, eclodiu uma insurreição armada na Marinha Grande. O vídeo que antecede este texto parece estar carregado de simbologia partidária do PCP, mas não é bem assim. O hino «A Internacional», foi composto durante a comuna de Paris, em 1888, por Pierre Degeyter, operário anarquista de origem belga. A letra foi escrita pelo anarquista francês Eugène Pottier. Foi a partir de 1896, após a realização do congresso do Partido Operário Francês realizado em Lille e durante o qual foi tocado e cantado, que o hino se difundiu por toda a Europa através dos delegados presentes.
O autor da versão portuguesa da letra foi o anarco-sindicalista Neno Vasco (Gregório Nazianzeno Moreira de Queiroz e Vasconcelos) que, no ano de 1909, traduziu para o português a letra do hino, a qual segue o original francês, reflectindo a influência da literatura e poesia inspiradas pelo socialismo utópico que ficara da geração de 70, quando não mesmo pelo anarco-sindicalismo, maioritário no movimento operário português nas primeiras décadas do século passado. Dei esta explicação, pois «A Internacional» não é comunista, mas sim o hino de que quase todas as correntes de esquerda. O vídeo acima reflecte, de facto, a sua origem partidária, não por ter «A Internacional» na banda sonora, mas porque as três vítimas que destaca, são militantes do PCP.
Para se entender o que aconteceu no dia 18 de Janeiro de 1934, é preciso ir um pouco atrás. Com efeito, a nova Constituição plebiscitada em 1933, dava margem ao Estado Novo para retirar todas as liberdades cívicas aos cidadãos, apoiando-se num texto que, oficialmente, a maioria do eleitorado aprovara. No dia 23 de Setembro desse ano foi publicada a legislação sobre a organização corporativa do trabalho. No que ao universo laboral se referia, a liberdade sindical era extinta, pois só seriam legais os sindicatos nacionais, enquadrados na estrutura corporativa.
Foi criada uma «Frente Única» para fazer face a esta nova arrancada no sentido de consolidar a ditadura. As organizações dos trabalhadores, sobretudo a Confederação Geral do Trabalho, dominada pelos anarquistas, defendeu a realização de uma greve geral insurreccional. O PCP preconizou uma estratégia diferente - das assembleias gerais dos sindicatos marcadas para votar os estatutos, deviam sair moções repudiando a nova legislação, criando-se uma grande movimentação de massas que poderia resultar na tal greve geral projectada pelos anarquistas.
Porém, a proposta da CGT prevaleceu e os próprios militantes do PCP envolvidos na organização aderiram à ideia mais radical. Na noite de 17 explodiram algumas bombas: duas em Lisboa e uma em Coimbra. Contudo, no dia 18 de Janeiro, a adesão à greve geral foi decepcionante. Paragens de laboração apenas em fábricas de Almada, do Barreiro e do Algarve. Na Marinha Grande, as coisas passaram-se de modo diferente. Tudo começou de acordo com os planos traçados – nas fábricas a laboração foi suspensa, cortou-se comunicações e houve manifestações de rua. Depois, a situação alterou-se quando os responsáveis locais, entusiasmados com a adesão maciça da população, resolveram criar um soviete.
Foi eleito um soviete que assumiu o controlo da vila, tomando o posto da GNR e a estação dos Correios. Beneficiando do factor surpresa, tudo foi feito sem derramamento de sangue, decidido passo a passo. À medida que as questões surgiam, iam sendo resolvidas. O comandante do posto da GNR e a sua família foi «aprisionado» numa pensão local. Os guardas ficaram sob custódia de um administrador de uma fábrica. O chefe da estação dos CTT, ao ser-lhe detido, pediu para ver a família. Conduzido à residência e respeitada a sua privacidade, aproveitou essa conduta dos revoltosos para, telefonicamente, denunciar o golpe às autoridades.
Durante algumas horas, a vila esteve ocupada pelos revolucionários, até que as forças militares que iam chegando os foram cercando, jugulando de forma violenta a revolta. Mais uma vez, o regime capitalizou esta acção, com ela justificando a criação do Campo de Concentração do Tarrafal.
A vila foi cercada por forças militares e, na madrugada de 19, as posições ocupadas pelos trabalhadores foram tomadas e a rebelião jugulada. Seguiu-se o que era de esperar de um regime como o que Salazar instituíra – prisões em massa, interrogatórios acompanhados de tortura, simulacros de julgamentos, deportações para as colónias.
O campo de concentração do Tarrafal foi criado para acolher presos do 18 de Janeiro. Na primeira leva de 152 presos que o foram estrear, 37 tinham participado no 18 de Janeiro. António Guerra, que liderou a ocupação da Estação dos Correios, condenado a 20 anos de degredo, ali morreu em 1948. O líder do movimento, o ferroviário, militante do PCP, Manuel Vieira Tomé foi brutalmente torturado, vindo a morrer no cárcere em Abril do mesmo ano. Houve centenas de prisões e de deportações.
Os sovietes ou conselhos operários foram uma inovação na luta de classes criada na Revolução Russa de 1905. Antes, na Comuna de Paris (1875), haviam existido estruturas semelhantes. Foi Rosa Luxemburgo, sobretudo na sua Greve de Massas, Partidos e Sindicatos, uma das primeiras teorizadoras deste tipo de organização. Os «conselhos operários» voltaram a aparecer na Rússia de 1917, na Revolução Húngara de 1919, na Revolução Espartaquista, na Alemanha, entre 1918 e 1919.
Estas e outras experiências forneceram as bases para a tese dos conselhos formulada por Anton Pannekoek. Os conselhos surgiriam também em Espanha durante a Guerra Civil. Em Portugal após o 25 de Abril de 1974, sobretudo o Partido Revolucionário do Proletariado, defendeu a criação de conselhos operários, que, com outras assembleias de base, dariam lugar a um sistema de democracia directa, conceito oposto à democracia representativa que nos governa.
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