Segunda-feira, 13 de Junho de 2011
Já aqui tive oportunidade de, mais de uma vez, ter referido a obra Eichmann in Jerusalem : A Report on the Banality of Evil, Nova Iorque, 1963, de Hannah Arendt (1906-1975) a filósofa alemã, de ascendência judaica, e naturalizada norte-americana. A tese da banalização do mal, inteligentemente exposta por Arendt, demonstra que uma mudança de paradigma, convertendo a anormalidade em coisa corrente, pode transformar homens normais em monstros. Um funcionário zeloso, metódico e competente, o homem que estava a montante de uma extensa cadeia de responsabilidades terá sido “vítima” dessa instauração do mal como moeda corrente na Alemanha de Hitler. A “solução final”, Endlösung der Judenfrage, foi a designação criada para o plano de genocídio sistemático. Adolf Eichmann parece ter sido o criador da expressão – partiam os nazis da premissa de que os judeus constituíam um problema endémico da sociedade europeia e que exterminá-los seria a solução desse problema.
Em 20 de Janeiro de 1942, na Villa Wannsee, um palacete debruçado sobre um lago a sudoeste de Berlim, foi tomada a decisão que conduziria ao Holocausto. O objectivo era estudar a maneira de erradicar definitivamente os judeus da sociedade alemã. Os maiores horrores, filtrados por expressões eufemísticas, assumiam um ar de normalidade. Calculados os judeus em onze milhões, foram meticulosamente estudados meios de «eliminar a praga» - Sendo eles sujeitos a «trabalho apropriado» (trabalho escravo e subnutrição em campos de concentração), calculou-se que uma elevada percentagem seria eliminada por «causas naturais», O remanescente seria tratado de forma adequada, pois se posto em liberdade seria semente de uma restauração hebraica. As pessoas de sangue misto não foram esquecidas.
Terá então Eichmann inventado a expressão «solução final». Entre o pessoal que servia à mesa destas diligentes e metódicas criaturas havia um judeu que fixou a expressão. Azar de Eichmann. Nem terá sido ele o mais interventivo no processo. Por exemplo o médico Josef Buhler terá insistido com Reinhard Heydrich no sentido de levar a cabo a « solução final» como dissera, e muito bem, o camarada Eichmann. A questão judaica, tinha segundo Buhler de ser resolvida no curto prazo. As actas de reunião foram encontradas. Lá estava o louvor a Eichmann por ter encontrado uma expressão feliz para designar algo que a todos preocupava. A expressão «solução final» pôs a corda em torno do pescoço de Eichmann. Ele teve um papel na concretização do plano de extermínio – tal como muitos outros – médicos, engenheiros que conceberam os fornos crematórios, químicos que trabalharam no gás fatal. Eichmann foi quem tudo organizou como funcionário competente e zeloso que era. Teria levado a cabo com igual eficiência uma operação de salvamento, uma operação de resgate de náufragos. Esta a tese de Arendt. Quando muda o paradigma numa sociedade e o que é monstruoso passa a ser normal, o mal banaliza-se, ninguém estranha e homens que normalmente seriam apenas bons funcionários, transformam-se em seres horrorosos.
O julgamento de Adolf Eichmann foi rodeado de grande mediatismo. Os grandes jornais de todo o mundo enviaram jornalistas. O governo israelita abriu as sessões do Tribunal ao públicos para cobrir as sessões que foram tornadas públicas pelo governo israelita. Hannah Arendt era a correspondente da revista The New Yorker e foi nessa qualidade que recolheu elementos para o seu livro. Além de crime contra o povo judeu, apesar de se ter declarado "Inocente no sentido das acusações”, Eichmann foi acusado de crimes contra a Humanidade, e de pertencer a um grupo organizado com fins criminosos. Foi condenado por todos os seus crimes e enforcado em 1962, nas proximidades de Telavive.
Arendt expendeu então a sua tese sobre a banalização do mal, dizendo ter sido a « pura ausência de pensamento que lhe permitiu transformar-se num dos maiores criminosos da sua época. É banal e até mesmo cómico: nem com a melhor boa vontade se conseguiria descobrir em Eichmann a mais pequena profundidade diabólica ou demoníaca», diz Hannah Arendt na obra citada. Por «ausência de pensamento» quer ele significar, inexistência de sentido critico que leva as pessoas a aceitarem como normais as maiores anormalidades. Não sei se no caso de Eichmann Arendt teria razão. Porém, vemos na nossa sociedade banalizarem-se situações anómalas.
Em Portugal, a ausência de pensamento, levou-nos durante 50 anos a aceitar uma ditadura fascista e leva agora pessoas inteligentes a aceitar como normais todas as anormalidades que transformam a nossa democracia representativa num novo fascismo – ou seja, numa oligarquia em que dando aos cidadãos o direito de escolher o faz segundo o célebre axioma de Henry Ford - até 1925 os modelos só estavam disponíveis na cor preta, que tinha secagem mais rápida. Daí surgiu a famosa frase: “Os clientes podem escolher qualquer cor, desde que seja preto”. Nós podemos escolher o governo que quisermos, desde que escolhamos entre a pior gente do PS ou do PSD, os empregados dos grandes grupos económicos e dos interesses do grande capital. Se acham que «banalização do mal» é exagerado, corrijo - é a banalização da estupidez.
Quinta-feira, 11 de Novembro de 2010
Carlos LouresJá aqui tive oportunidade de, mais de uma vez, ter referido a obra
Eichmann in Jerusalem : A Report on the Banality of Evil, Nova Iorque, 1963, de Hannah Arendt (1906-1975) a filósofa alemã, de ascendência judaica, e naturalizada norte-americana. A tese da banalização do mal, inteligentemente exposta por Arendt, demonstra que uma mudança de paradigma, convertendo a anormalidade em coisa corrente, pode transformar homens normais em monstros. Um funcionário zeloso, metódico e competente, o homem que estava a montante de uma extensa cadeia de responsabilidades terá sido “vítima” dessa instauração do mal como moeda corrente na Alemanha de Hitler. A “solução final”,
Endlösung der Judenfrage, foi a designação criada para o plano de genocídio sistemático. Adolf Eichmann parece ter sido o criador da expressão – partiam os nazis da premissa de que os judeus constituíam um problema endémico da sociedade europeia e que exterminá-los seria a solução desse problema.
Em 20 de Janeiro de 1942, na Villa Wannsee, um palacete debruçado sobre um lago a sudoeste de Berlim, foi tomada a decisão que conduziria ao Holocausto. O objectivo era estudar a maneira de erradicar definitivamente os judeus da sociedade alemã. Os maiores horrores, filtrados por expressões eufemísticas, assumiam um ar de normalidade. Calculados os judeus em onze milhões, foram meticulosamente estudados meios de «eliminar a praga» - Sendo eles sujeitos a «trabalho apropriado» (trabalho escravo e subnutrição em campos de concentração), calculou-se que uma elevada percentagem seria eliminada por «causas naturais», O remanescente seria tratado de forma adequada, pois se posto em liberdade seria semente de uma restauração hebraica. As pessoas de sangue misto não foram esquecidas.
Terá então Eichmann inventado a expressão «solução final». Entre o pessoal que servia à mesa destas diligentes e metódicas criaturas havia um judeu que fixou a expressão. Azar de Eichmann. Nem terá sido ele o mais interventivo no processo. Por exemplo o médico Josef Buhler terá insistido com Reinhard Heydrich no sentido de levar a cabo a « solução final» como dissera, e muito bem, o camarada Eichmann. A questão judaica, tinha segundo Buhler de ser resolvida no curto prazo. As actas de reunião foram encontradas. Lá estava o louvor a Eichmann por ter encontrado uma expressão feliz para designar algo que a todos preocupava. A expressão «solução final» pôs a corda em torno do pescoço de Eichmann. Ele teve um papel na concretização do plano de extermínio – tal como muitos outros – médicos, engenheiros que conceberam os fornos crematórios, químicos que trabalharam no gás fatal. Eichmann foi quem tudo organizou como funcionário competente e zeloso que era. Teria levado a cabo com igual eficiência uma operação de salvamento, uma operação de resgate de náufragos. Esta a tese de Arendt. Quando muda o paradigma numa sociedade e o que é monstruoso passa a ser normal, o mal banaliza-se, ninguém estranha e homens que normalmente seriam apenas bons funcionários, transformam-se em seres horrorosos.
O julgamento de Adolf Eichmann foi rodeado de grande mediatismo. Os grandes jornais de todo o mundo enviaram jornalistas. O governo israelita abriu as sessões do Tribunal ao públicos para cobrir as sessões que foram tornadas públicas pelo governo israelita. Hannah Arendt era a correspondente da revista The New Yorker e foi nessa qualidade que recolheu elementos para o seu livro. Além de crime contra o povo judeu, apesar de se ter declarado "Inocente no sentido das acusações”, Eichmann foi acusado de crimes contra a Humanidade, e de pertencer a um grupo organizado com fins criminosos. Foi condenado por todos os seus crimes e enforcado em 1962, nas proximidades de Telavive.
Arendt expendeu então a sua tese sobre a banalização do mal, dizendo ter sido a « pura ausência de pensamento que lhe permitiu transformar-se num dos maiores criminosos da sua época. É banal e até mesmo cómico: nem com a melhor boa vontade se conseguiria descobrir em Eichmann a mais pequena profundidade diabólica ou demoníaca», diz Hannah Arendt na obra citada. Por «ausência de pensamento» quer ele significar, inexistência de sentido critico que leva as pessoas a aceitarem como normais as maiores anormalidades. Não sei se no caso de Eichmann Arendt teria razão. Porém, vemos na nossa sociedade banalizarem-se situações anómalas.
Em Portugal, a ausência de pensamento, levou-nos durante 50 anos a aceitar uma ditadura fascista e leva agora pessoas inteligentes a aceitar como normais todas as anormalidades que transformam a nossa democracia representativa num novo fascismo – ou seja, numa oligarquia em que dando aos cidadãos o direito de escolher o faz segundo o célebre axioma de Henry Ford - até 1925 os modelos só estavam disponíveis na cor preta, que tinha secagem mais rápida. Daí surgiu a famosa frase: “Os clientes podem escolher qualquer cor, desde que seja preto”. Nós podemos escolher o governo que quisermos, desde que escolhamos entre a pior gente do PS ou do PSD, os empregados dos grandes grupos económicos e dos interesses do grande capital. Se acham que «banalização do mal» é exagerado, corrijo - é a banalização da estupidez.
Quinta-feira, 30 de Setembro de 2010
Carlos Loures Circularam e circulam pela net e em e-mails fotografias de uma manifestação realizada em Londres pela comunidade muçulmana. Vêem-se manifestantes exibindo cartazes onde se diz entre outras coisas: «Matai aqueles que insultam o Islão», «Europa. Pagarás, a tua demolição está em marcha»; «O Islão dominará o mundo»; «Europa, pagarás. O teu 11 de Setembro vem a caminho»; «Prepara-te para o verdadeiro holocausto». Segundo se diz também nessas mensagens, tratava-se de uma manifestação pacífica. Habituei-me a acolher com cepticismo e cuidado estas informações que, muitas vezes mais não são do que desinformações. Lá estão as fotografias, com os cartazes escritos em inglês, mas todos sabemos como é fácil manipular fotografias. Verdade ou mentira, não há dúvida que entre os muçulmanos passa uma corrente de intolerância e ódio que nada contribui para que, quem não compartilha a sua crença, possa ao menos ser solidário com a sua legítima revolta.
Existem, mas são poucas, as vozes que nos defendam a causa palestiniana, por exemplo, com serenidade e isenção. Compreendo que seja difícil ser isento quando estamos a ser chacinados, vemos as nossas casas bombardeadas, as nossas crianças assassinadas, a nossa terra ocupada. É difícil, mas aos muçulmanos pede-se esse supremo acto de heroísmo. Do lado judaico existem , sempre existiram, essas vozes. Bem sei, que os judeus, embora em permanente perigo de extermínio à mínima distracção, estão numa situação diferente. Mas não se julgue que a posição dos israelitas é fácil. Entendo que a criação do Estado de Israel foi um erro da diplomacia britânica. No entanto, hoje a nação judaica é um facto consumado. Milhões de pessoas a povoam. A sua destruição, como propugnam os fundamentalistas islâmicos, seria um crime.
O crime que foi o dar o território dos palestinianos aos judeus, não se apaga com o crime de exterminar os israelitas. Entendo que a criação do Estado de Israel foi um erro da diplomacia britânica. No entanto, hoje a nação judaica é um facto consumado. Milhões de pessoas a povoam. A sua destruição, como propugnam os fundamentalistas islâmicos, seria um erro. Não se deve desistir da utopia de um estado em que judeus, muçulmanos, cristãos, ateus, convivam pacificamente. É uma utopia própria de quem vê o problema do exterior. Não agrada nem a judeus nem a palestinianos. Mas é a única solução digna de seres humanos.
Vem tudo isto propósito de duas das tais vozes vindas do lado hebraico, de dois livros, um que a professora israelita Idith Zertal (1944), professora de História e Filosofia Política na Universidade de Basileia, nascida antes da fundação do Estado num kibutz de Ein Shemer, ficou entusiasmada por finalmente ver traduzido em hebraico - a obra de Hannah Arendt (1906-1975) «Origens do Totalitarismo» - que li precisamente na sua edição espanhola, outro, um ensaio da própria professora Idith Zertal - «A Nação e a Morte», Falemos primeiro de Hannah Arendt.
Tendo nascido numa família hebraica de Linden (Hanôver), estudou Filosofia e Teologia em Königsberg (actual Kalinigrado) e trabalhou com Martin Heidegger na Universidade de Marburgo (uma relação que não foi apenas intelectual). Foi depois para Heidelberga, doutorando-se na respectiva universidade, em 1929, com uma tese, acompanhada por Karl Jaspers - «A experiência do amor na obra de Santo Agostinho».
Em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, dada a sua condição de judia, foi proibida de publicar as suas obras e de ensinar. Por outro lado, o seu envolvimento com os movimentos sionistas, obrigaram-na a fugir das garras da Gestapo. Com seu marido, Heinrich Blütcher, foi presa em França. Fugindo e escondendo-se por diversos países da Europa, chegaria em 1941 aos Estados Unidos onde ensinou e escreveu.
Em 1951 publicou «Origens do Totalitarismo» que, quase seis décadas depois, surge, finalmente, traduzido em hebraico. De uma forma que à época era extremamente polémica, Arendt compara o estalinismo com o nazismo, considerando que o totalitarismo se instala explorando a «solidão organizada» das massas.
Publicaria em 1963 «Eichmann em Jerusalém» onde, contrariando as teses oficiais de que Eichmann era um monstro, Arendt demonstra que ele era um ser normalíssimo, um burocrata que foi cumprindo ordens com um grande zelo. As organizações judaicas considera-la-iam traidora, tanto mais que no seu livro aludia a cumplicidade de alguns judeus na prática dos crimes de extermínio. Arendt afinal apenas alertava para a necessidade de manter uma permanente vigilância para garantir a defesa da liberdade.
Hannah regressaria à Alemanha, onde contactaria o antigo professor Martin Heidegger, que, devido às suas concessões ao regime nazi, se encontrava afastado do ensino. Envolveu-se na reabilitação de Heidegger, o que contribuiu para que as associações judaicas a atacassem de novo. Da correspondência de Arendt com Heidegger saiu um notável livro de correspondência entre os dois – “Lettres et autres documents(1925-1975)”, Editions Gallimard, Paris.
Em tradução para o castelhano surgiu o livro de Idith Zertal com o título «La nación y la muerte. La Shoah en el discurso y la política de Israel», obra em que a autora fala de «um país de excessos e de paradoxos». Shoah é palavra hebraica para Holocausto. Não hesita em qualificar como maligna a ocupação dos territórios palestinianos, dizendo. «Governar outro povo de uma maneira tão brutal é devastador também para nós». E condena a omnipresença do Holocausto como explicação e justificação para tudo, inclusive para o facto, de usarem sobre outros uma violência brutal, assumindo apesar disso o papel de eternas vítimas.
«O vínculo entre a constituição do Estado e a Shoah e os seus milhões de mortos continua a ser indissolúvel… Desde 1948 e até à crise de 2000 não houve guerra que não tenha sido entendida, definida e conceptualizada na sociedade israelita de uma perspectiva relacionada com o genocídio», e utiliza como exemplo, por vezes obsceno, da matança sistemática perpetrada pelo regime nazi.
Usar e abusar da memória para, de forma descontextualizada, praticar actos condenáveis é a melhor forma de dar razão aos que querem ver destruído o Estado de Israel. Zertal traça no seu ensaio um minucioso percurso através das diferentes funções que o discurso político atribuiu ao intento de exterminar os judeus nos campos de concentração, começando em Israel com as intervenções de Bem Gurion no momento da fundação do Estado.
Essas funções contribuíram, por um lado, para interpretar a história dos judeus como uma sucessão de episódios que, desde os tempos mais remotos, prefiguravam a formulação da utopia sionista de finais do século XIX e a sua concretização em 1948. Mas, por outro lado, contribuíram também para aquilo que Shlomo Ben Ami define no prefácio como «a base ideológica de uma sociedade de vítimas com imunidade moral na sua confrontação com o mundo árabe e com o mundo em geral».
É aqui que Zertal conflui com Arendt, no conceito, por esta aplicado a Eichmann, da banalização do mal que leva homens normais a aceitar assassínios em massa. Por alguma coisa Israel tem um arsenal nuclear. Será para responder às pedras da Intifada?
Quarta-feira, 26 de Maio de 2010
Carlos Leça da VeigaQue relacionamento há com Goa, sabendo-se que a União Indiana é um dos maiores potentados mundiais? Quem – que governação portuguesa – exemplo lamentável, nunca nada fez com a importância mais devida para proteger, senão incentivar, o património cultural português deixado nos territórios que, anos atrás, foram chamados Estado Português da Índia? Em Goa, mais um mau exemplo da política externa portuguesa, deixou-se morrer o jornal “O Heraldo” que era, no mundo, o periódico mais antigo publicado em língua portuguesa, tudo consequência dos governantes daqui não terem sido capazes de dar-lhe o socorro financeiro mais necessário à sua sobrevivência.
O colonialismo português, mau grado muitas depredações de ordem vária (não esquecer a criminalidade do tráfico da escravatura) apesar de tudo, como fruto último duma convivência muito estreita e duma irrecusável bonomia social – afinal, um fenómeno cultural tornado histórico – gerou, contra todas as piores expectativas, bons entendimentos e companheirismos dignos, uns e outros, de reconhecimento internacional. Por desgraça, este notável capital político não têm merecido dos sucessivos governos nacionais posteriores ao 25 de Abril a atenção e o favor duma preocupação política à altura das necessidades tanto nacionais como, por igual, as de todos os novos Estados de Expressão Oficial Portuguesa, reconhecidos todos os condicionalismos e todas as particularidades próprios de cada qual.
Para que a subsistência afirmativa de Portugal, no quadro dum posicionamento internacional verdadeiramente ímpar seja, de facto, uma realidade sentida será obrigatório que tenha uma preocupação muito intensa com a possibilidade de transformar os velhos relacionamentos, com todos os novos Estados de Expressão Oficial Portuguesa, em parcerias firmes e sustentáveis, sobretudo, nas áreas da economia, da educação, da cultura, da tecnologia e da ciência. Só desta maneira, face ao mundo, conseguir-se-á a consagração duma alternativa política, cultural e social repleta das mais variadas virtudes políticas e, por isso mesmo, capazes de potenciarem as parcas possibilidades económicas portuguesas enquanto, a seu par e em contrapartida – uma contrapartida valiosa – a população portuguesa tem sectores bem habilitados capazes de facultar, com mérito reconhecido, tanto as suas disponibilidades técnico-cientificas, como as suas diferenciações profissionais.
“A cooperação deve ser progressista, quase revolucionária” na expressão do único português, o Embaixador Dr. Luís Gaspar da Silva, que entendeu, com a inteligência, a sapiência e a ponderação dignas de mencionarem-se, as formas correctas a serem adoptadas para os relacionamentos com todos os Estados, hoje em dia, congregados na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
“A importância da política de cooperação não é só o acordo económico como motivo determinador e a causa principal e única das relações diplomáticas. Ela é, essencialmente, um processo cultural que caminha para a liberdade, conduzindo à solidariedade e à autonomia moral do mundo integralmente humano” e mais, como pode ver-se na “Utopia, seis destinos”, obra publicada por aquele Senhor Embaixador, “A África deve ser considerada como ideia central da geopolítica portuguesa. Ela representa um dos vectores primaciais da nossa acção histórico-pragmática”.
Haveria de ser uma política promissora para o investimento financeiro e humano bem melhor do que aquela de subserviência manifesta mostrada face à chamada união europeia – o IV Reich – concretamente às suas potências continentais.
Tem de perguntar-se se os donativos europeus terão mais valor real que as possibilidades de trabalho – de emprego – no mundo que a História nos fez conhecer e, como assim, ser conhecidos pela História?
Dir-se-á que todas estas várias maneira de questionar ou de observar os relacionamentos com um mundo por onde os portugueses tanto passaram vivem, apenas, duma atitude populista e que não são nada mais do que isso; que nada mais conseguem vislumbrar que não sejam superficialidades; que não traduzem a complexidade dos problemas; que não levam em linha de conta as correlações de força dos relacionamentos internacionais; que o terceiro mundo é para esquecer; que não atendem aos interesses nacionais; que nada têm que ver com os propósitos da Democracia; que não estão na primeira linha das perspectivas da união europeia; que contrariam os altos desígnios dos possidentes nacionais; que são contrárias ao afluxo do investimento estrangeiro; que prejudicam a tal retoma económica que – tem de dizer-se – nos moldes políticos actuais, essa, nunca chegará; que ignoram as dificuldades da conjuntura internacional e que não atendem às prioridades da política europeia, uma política que, essa sim, tem de ser propugnada, porquanto – aqui entra o puro oportunismo e a mais estafada desonestidade política – perspectiva um eldorado infalível.
Viver-se nesta nítida dependência política imposta pelo exterior, só pode causar indignação. Quantos senti-la-ão?
Quem tem sido ludibriado é quem tem de queixar-se e de fazê-lo sustentado nas suas possibilidades próprias, com autonomia e não por intermédio de cabeças alheias. Os que tudo sabem – isto é, julgam saber – já tiveram mais de trinta anos para demonstrarem as suas falências políticas e, como assim, têm de perceber que devem sair de cena. É fundamental unir os esforços dos independentes – dos não-alinhados – para desenhar-se uma resposta da indignação nacional.
Como deixou escrito Hannah Arendt, “São os Homens que fazem milagres porque, por receberam o dom duplo da liberdade e da acção, são capazes de instaurar uma realidade que seja sua”