Carlos MesquitaEstamos num imbróglio com as portagens das auto-estradas. Comecemos por uma ponta. O desenvolvimento do país tem sido desigual como é reconhecido por todos. Apesar do território continental ser pequeno, regiões inteiras mantiveram-se distanciadas do litoral desenvolvido, e inter-regiões, devido à má qualidade das acessibilidades. Os fundos europeus permitiram encetar a construção de estruturas viárias que começaram por ser atabalhoadas com os IPs do cavaquismo, mas nos governos seguintes melhoraram e fizeram-se obras que ajudaram a fixação das populações. Durante anos eu e outros na imprensa regional fizemos eco da exigência dos habitantes locais, para a construção de estradas capazes de contribuírem para tirar o interior do subdesenvolvimento; a guerra mais prolongada foi decerto a do Jornal do Fundão pela construção do túnel da Gardunha, feito após dezenas de anos de espera, no tempo de Guterres.
Na minha região de Trás-os-Montes, pediu-se durante anos que acabassem o IP3 que começava na Figueira da Foz e nunca mais alcançava, como planeado, Chaves. Veio a ser a auto-estrada A24 que só chega a Viseu, pois há umas inteligências estrábicas que acham que uma estrada entre Coimbra e Viseu é uma paralela à A1 que vai de Lisboa ao Porto. Não me lembro de alguém pedir uma auto-estrada, algo semelhante às vias rápidas de Espanha servia, embora de Vila Real à fronteira fizesse sentido auto-estrada, por ser a principal saída do norte do país para a Europa, viajando pelo Cantábrico (Irun). Feitas as auto-estradas em parcerias público/privadas, sobra agora uma renda anual de 700 milhões. Pensar que isso pode ser pago pelos utilizadores (nas do interior), é não saber usar uma máquina de calcular, portageiros são outro disparate, não há alternativa aos meios electrónicos de pagamento.
As portagens no interior não vão resolver nada, apenas acrescentar mais problemas à economia. Os pagantes serão apenas os turistas, que ficam com mais uma razão para não ir para esses destinos, e os transitários, aos quais já faltou mais para fazerem uma revolta séria. De qualquer maneira quem se vai ressentir será primeiro a economia e vida local, porque as SCUT são um instrumento de correcção das assimetrias regionais, de “coesão social e territorial”, em seguida será toda a economia do país. Todas as matérias-primas todos os produtos transformados, consumíveis e bens de primeira necessidade, andam sobre rodas; sobem os custos de transporte aumenta os preços, inflação em cima das medidas de austeridade.
As SCUT tinham critérios razoáveis para introduzir portagens: 80% do PIB nacional, índice de poder de compra concelhio superior a 90% da média nacional, tempo de percurso em via alternativa não superior a 130% do tempo na SCUT e obviamente, via alternativa.
Aplicar portagens sem que essas condições se verifiquem é retirar competitividade a grande parte do país; isso é que leva à desertificação do interior, não é o fecho de escolas com poucos alunos. Com as SCUT no interior, aplicam-se princípios de equidade nos direitos e oportunidades, que se querem perverter em nome duma falsa igualdade, o “pagam todos”, que mais não é que considerar iguais realidades distintas. Os portugueses gostaram dos fundos estruturais, e da subsidiariedade definida no Tratado da CE, mas não são capazes de os aplicar em casa; estão a ser explorados os sentimentos nacionais mais rascas, a inveja, o egoísmo, a trica de vizinhança, a hipocrisia e a mesquinhez. Voltando o norte contra o sul, cidade contra cidade, região contra região. Perdeu-se o sentido da proporcionalidade e da necessidade. Até o campeão da solidariedade, (já não engana, é mesmo um vulgar populista) Fernando Nobre quer que paguem todos, é justo diz ele, pensando conquistar votos. Vão pagar todos mas não é apenas nas portagens. Sócrates deixa-se arrastar pelo PSD e Passos Coelho já não tem máscara. A emenda ainda é pior que o soneto.
Os 20% mais pobres não se manifestam, os 30% no limiar da pobreza também não, nem as populações isoladas do interior, com os sindicatos a representar privilegiados, resta a economia real, aquela que ainda mexe. Conto com os camionistas para parar tudo. Contra este governo e o próximo.
Texto publicado na edição do Expresso de 13 de Março de 2010, por Henrique MonteiroQuando comecei a trabalhar, a pátria precisava de ser salva dos desvarios do PREC e por isso pagámos mais impostos. Depois, nos anos 80, houve um choque petrolífero, salvo erro, e tivemos de voltar a salvar a pátria. Veio o FMI, ficámos sem um mês de salário e pagámos mais impostos. Mais tarde, nos anos 90, houve mais uns problemas e lá voltámos a pagar mais, para a pátria não se afundar. Por alturas do Governo de Guterres fui declarado ‘rico’ e perdi benefícios fiscais que eram, até então, universais, como o abono de família. Nessa altura, escrevi uma crónica a dizer que estava a ficar pobre de ser ‘rico’… Depois, veio o Governo de Durão Barroso, com a drª Manuela Ferreira Leite, e lembraram-se de algo novo para salvar a pátria: aumentar os impostos! Seguiu-se o engº Sócrates, também depois de uma bem-sucedida campanha (como a do dr. Barroso) a dizer que não aumentaria os impostos. Mas, compungido e triste e, claro, para salvar a pátria, aumentou-os! Depois de uma grande vitória que os ministros todos comemoraram, por conseguirem reequilibrar o défice do Estado, o engº Sócrates vê-se obrigado a salvar a pátria e eu volto a ser requisitado para abrir mão de mais benefícios (reforma, prestações sociais, etc.), e – de uma forma inovadora – pagando mais impostos.
Enquanto a pátria era salva, taxando ‘ricos’ como eu (e muitos outros, inclusive verdadeiros pobres), os governantes decidiram gastar dinheiro. Por exemplo, dar aos jovens subsídios de renda… por serem jovens; ou rendimento mínimo a uma pessoa, pelo facto de ela existir (ainda que seja proprietária de imóveis); ou obrigar uma escola pública a aguentar meliantes; ou a ajudar agricultores que se recusam a fazer seguros, quando há mau tempo; ou a pedir pareceres para o Estado, pagos a peso de ouro, a consultores, em vez de os pedir aos serviços; ou a dar benefícios a empresas que depois se mudam para a Bulgária; ou a fazer propaganda e marketing do Governo; ou a permitir que a Justiça seja catastrófica; ou a duplicar serviços do Estado em fundações e institutos onde os dirigentes (boys) ganham mais do que alguma vez pensaram.
E nós lá vamos salvar o Estado, pagando mais. Embora todos percebamos que salvar o Estado é acabar com o desperdício, o despesismo, a inutilidade que grassa no Estado. Numa palavra, cortar despesa e não – como mais uma vez é feito – aumentar as receitas à nossa custa.
Neste aspecto, Sócrates fez o caminho mais simples. Fez exactamente o contrário do que disse, mas também a isso já nos habituámos. Exigiu-nos que pagássemos o défice que ele, e outros antes dele, nunca tiveram a coragem de resolver.