Pela República!
João Paulo Freire
Lisboa, 1934
Cada homem que presa a sua honra e ouve sua consciência, tem por condição principal na vida, ser leal, sincero e oportuno, desde que esta oportunidade não possa ser tomada como conveniência material para servir os seus próprios interesses.
Ser oportuno é ter a noção exacta das suas atitudes quando a consciência lhas impõe. O que um homem de bem não pode fazer nunca, sob pena de dar aos outros o direito de o classificarem de menos digno, é usar perante os acontecimentos o estratagema da double face, do malabarismo repugnante de possuir duas honras, uma para uso caseiro e outra para uso público.
Quando se implantou a República, o novo regime encontrou-me do lado de lá da barricada. E nas horas de luta e de perigo, quando ser-se monárquico não era uma posição de gozo, mas de sacrifício, fui monárquico, abertamente, francamente, lealmente.
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Pensamentos de Guerra Junqueiro
Estela Brandão
Editorial Domingos Barreira, s. d.
Deixou bastantes cartas insertas em alguns livros: «O poeta do Só» de Eduardo de Sousa; «Entre Gigantes» de João Paulo Freire; «Vida, Poesia e morte» de Alberto de Oliveira;
Guerra Junqueiro. «Como ele escreveu», de Tomás da Fonseca.
Além destas, várias outras do Conde de Arnoso, a Luís de Magalhães, a Barbosa Calém, às «Novidades», a Fialho de Almeida e a José de Figueiredo.
Implantada a república em 1910, pertenceu à Assembleia Constituinte, e em 1911 foi ministro de Portugal na Suíça.
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Memórias de Guerra Junqueiro
Lopes D’Oliveira
Lisboa, 1938
A certa altura, o Poeta pegou de um manuscrito, de sua letra, e sentou-se num canapé, que, com algumas, poucas, cadeiras e a mesa, constituía todo o mobiliário.
E começou a ler a Oração à Luz, ainda então inédita.
A voz de Junqueiro, de timbre metálico, quase forte no habitual, era um pouco velada, e, com a luneta no nariz, um pouco nasalada; sempre doce e harmoniosa quando lia ou perorava, a emoção dava-lhe agora uma vibração estranha.
Tínhamos ficado de pé...
Ele ia recitando o intróito, no deslumbramento magnífico do hino ao sol...
Faúlhas de luz divina! E um grande clarão passou:
Homem! Quando a alvorada alumie o horizonte, Ergue-te em pé, ergue essa fronte!
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Memórias do Capitão
João Sarmento Pimentel
Editorial Inova, 1974
Que diremos que estas «Memórias» são? História ou literatura? Ficção ou documento? Sonho ou realidade? Reminiscência ou fantasia? Colocar nestes termos a questão é, desde já, prevenir perplexidades em que. perante elas, ainda que seduzidos pelo fascínio, alguns leitores se debaterão.
Porque é tão raro que alguém saiba transformar em arte a História de que participou. Tão raro que, sabendo-o, do mesmo passo insufle as ressonâncias da vida aos factos soltos de um passado extinto. Tão raro que o fervor, o entusiasmo e a ternura sobrevivam lúcidas e, todavia, capazes de rodear de sonho os tempos idos, para melhor reviverem-nos. Tão raro que as recordações, longe de secarem-se, palpitem de uma vida transbordante que as faz mais vivas do que terão sido.
Afonso Duarte (1884-1958)
Elegia do cavador
Quadro de Graça Morais
Deus do céu venha a meu rogo
Que a enxada já mal se ferra:
Grita o sol dardos de fogo
E eu ando farto da terra!
Há nuvens negras a prumo
sobre os meus ombros, ó dor!
São minha carne a pôr fumo,
São bagas do meu suor.
Vejo daqui a subir
Fumeiros da minha casa…
Outros que passam a rir
Custam-me os nervos em brasa.
Serei eu escravo dum crime
que a Deus fizesse algum homem?
De corpo feito num vime,
Minhas lágrimas consomem.
Deu-me Deus a vida cara,
P´rás nuvens se vai meu ganho:
Custam-me os olhos da cara
Donas das terras que amanho.
(Sete Poemas Líricos, 1929)
Cavador ( 1913 ) Jardim Guerra Junqueiro (Jardim da Estrela), escultura de
Guerra Junqueiro (1850-1923)
O cavador
Dezembro, noite, canta o galo...
Rouco na treva canta o galo...
– Oh, dor! oh, dor! –
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Bate-lhe à porta, é teu vassalo,
Que traga a enxada, é teu vassalo,
Miséria negra, o cavador!
O vento ulula... Tremem ninhos...
Na noite aziaga tremem ninhos...
– Oh, dor! oh, dor! –
A neve cai, fria d’arminhos...
Na escuridão, fria d’arminhos...
– Oh, dor! oh, dor! –
Passa maldito nos caminhos,
D’enxada ao ombro nos caminhos,
Fantasma negro, o cavador!
Vem roxa a estrela d'alvorada...
Vem morta a estrela d'alvorada –
– Oh, dor! oh, dor! –
Montanhas nuas sob a geada!...
Hirtas, de bronze, sob a geada!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Torvo, inclinado sobre a enxada,
Rasga as montanhas com a enxada,
Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou desde que é dia...
Cavou, cavou... Bateu meio-dia...
– Oh, dor! oh, dor! –
De pé na encosta erma e bravia,
Triste na encosta erma e bravia,
– Oh, dor! oh, dor! –
Largando a enxada, «Ave-Maria!...»
Reza em silêncio... «Ave-Maria!...»
Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou na serra agreste,
D'alva à noitinha, em serra agreste...
– Oh, dor! oh, dor! –
E um caldo em prémio tu lhe deste,
Meu Deus!... seis filhos tu lhe deste...
– Oh, dor! oh, dor! –
Batem trindades... «Pai Celeste!...
Bendito sejas, Pai Celeste!...»
Reza, fantasma, o cavador!
Cavou cem montes... que é do trigo?
Gerou seis bocas... que é do trigo?!
– Oh, dor! oh, dor! –
Bateu a Fome ao seu postigo...
Bateu a Morte ao seu postigo...
– Oh, dor! oh, dor! –
«Que a paz de Deus seja comigo!...
Que a paz de Deus seja comigo!...»
Disse, expirando, o cavador!
(Os Simples, 1892)
Luís Cília canta-nos, com música de sua autoria, os versos de Guerra Junqueiro:
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