Quinta-feira, 17 de Março de 2011

O pacto ibérico - por Carlos Loures

 

 

Quando, há 72 anos, em 17 de Março de 1939 foi assinado o Pacto Ibérico (também designado por Aliança Peninsular) a Guerra Civil, embora não tivesse terminado, estava no fim e era evidente que o os chamados «nacionalistas» iam sair vencedores. Em Novembro do ano anterior tinham derrotado  os republicanos na terrível batalha do Ebro e atravessando o rio, haviam caído sobre a Catalunha, rompendo a frente republicana em diversos pontos.

 

Em Setembro de 1938, as Brigadas Internacionais haviam saído de Espanha, e as tropas 

 

do general Juan Modesto, debilitadas e com graves problemas de manutenção e abastecimento, opuseram uma fraca resistência à horda fascista. Intensificando-se os bombardeamentos sobre o porto, a ofensiva sobre a Catalunha chegou ao fim com as tropas de Franco a entrar em Barcelona. Em 21 de Fevereiro a orgulhosa capital do Condado assistiu a um humilhante desfile da vitória franquista.

 

Quando, no dia 17 de Março de 1939, Francisco Franco e António de Oliveira Salazar apuseram as suas assinaturas no documento, Madrid ainda resistia heroicamente, como último reduto. Mas no dia 28 do mesmo mês os nacionalistas entrariam na cidade, acabando praticamente com o conflito.

 

No dia 1 de Abril a guerra terminaria. Acima podemos ver a ordem de serviços de Francisco Franco, dando o conflito como encerrado.

  

 

 

Desde que em Julho de 1936 o exército de África, às ordens de Franco, invadira Espanha para derrubar o regime republicano, Salazar, que receava que um regime comunista se instalasse no estado vizinho optara, tão abertamente quanto possível, pelo apoio à “Cruzada” franquista. 

  

 

Embora nunca fosse oficialmente reconhecido, tropas portuguesas intervieram no conflito – eram os voluntários  dos Viriatos. Este nome foi dado ao grupo de voluntários portugueses do tércio da Legião Portuguesa que participaram na Guerra Civil de Espanha (1936-1939). O Major Jorge Botelho Moniz, um dos militares da revolução de 28 de Maio - criador, em 1930, do Rádio Clube Português e amigo pessoal de Salazar -  organizou um corpo de milícias portuguesas, os "Viriatos", para intervir ao lado dos franquistas. Salazar não aprovou formalmente, mas deixou a ideia concretizar-se.  Segundo números nunca oficializados esses voluntários ascenderam a 20 mil homens. Destacaram-se alguns  pilotos aviadores portugueses que integraram as forças nacionalistas espanholas, como por exemplo José  Adriano  Pequito Rebelo, José Caetano R. Sepúlveda Veloso e Simão Aranha. Também por Viriatos ficaram conhecidos os elementos de uma missão militar de observação portuguesa em Espanha, enviada pelo governo de Lisboa durante a Guerra Civil, dividida numa secção de Assistência e numa de Observação. Nesta missão, foram enviados pilotos como Flores de Barros, Morais Calda, Luís Filipe Craveiro Lopes de Sousa, Francisco Levi Vieira Cardoso Dias e Faro e António Henriques da Cunha. Na foto acima, vemos a partida de "Viriatos" para Espanha.

 

Outras ajudas foram prestadas – a entrada de armamento pelos portos portugueses, a cedência da antena do  Rádio Clube Português aos rebeldes fascistas, que emitiam diariamente para Espanha. Um pormenor que relaciono com o RCP, pois terá sido Botelho Moniz a emitir a ordem – os benfiquistas eram comummente designados, na imprensa e na rádio, por “vermelhos”.  O major terá proibido essa designação, substituindo-a pela de “encarnados”, pois vermelhos (rojos) era o que a propaganda chamava aos republicanos. Lamentavelmente, os actuais dirigentes do clube não recuperaram a primitiva e legítima designação e até mesmo na Benfica TV se usa a ridícula e pífia designação de “encarnados”.

 

Em que consistia o Pacto Ibérico?

 

Os dois países reconheciam mutuamente as respectivas fronteiras, estabeleciam relações de amizade e comprometiam-se a efectuar consultas diversas entre si, com vista a uma acção concertada no conflito global que já se adivinhava e que eclodiria dentro de meses. A Grã-Bretanha, a potência tutelar de Portugal, pôs a sua diplomacia ao serviço desta aproximação entre os dois regimes ditatoriais – preocupada com o expansionismo germânico e italiano, preocupavam o governo britânico que interpretou o Pacto como uma derivação positiva. Os governos das democracias ocidentais tiveram um comportamento estranho e lamentável – a democracia sempre foi sacrificada a interesses pontuais. As democracias e a própria União Soviética – basta lembrar outro pacto – o germano-soviético, assinado em 23 de Agosto de 1939.

 

O clausulado da aliança peninsular de 1939 foi objectivado em protocolo adicional, datado de 29 de Julho de 1940, instituindo a obrigatoriedade de consultas mútuas entre os dois Estados signatários. Portugal, apesar da germanofilia de muitos dos dirigentes salazaristas, manteve uma posição de não-beligerância ao longo da Segunda Guerra Mundial.  O mesmo fez Espanha, embora a gratidão de Franco para com Hitler tivesse sido expressa no envio da Divisão Azul - a 250. Einheit spanischer Freiwilliger da Wehrmacht. A Divisão Azul foi uma unidade de voluntários espanhóis que serviu a partir de 1941 (e oficialmente até 1943) no lado alemão durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente na frente oriental contra a União Soviética. Composta por cerca de 46 mil homens, sofreu baixas importantes – cinco mil mortos e oito mil feridos.

 

Alguns portugueses (Viriatos) foram integrados na Divisão Azul.

 

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

El 6 de octubre de 1934 en Cataluña

Josep A. Vidal

Durante a penas medio día, entre las 20 horas del día 6 de octubre de 1934 y las 7 horas de la mañana siguiente, Cataluña estuvo constituída en Estado. Los hechos y su contexto, narrados brevemente, son éstos.

La Segunda República Española, que, tras su proclamación en 1931, inició un período reformista con el objetivo de modernizar y democratizar el país, provocó inmediatamente la reacción de las fuerzas conservadoras y de derechas, que se opusieron a todos y cada uno de los ejes fundamentales de la reforma política: el proceso de laicización del Estado mediante la separación de los poderes político y eclesiástico, la descentralización política mediante una serie de procesos autonomistas y la aprobación del Estatuto de Cataluña en 1932, la reforma agraria, la reforma militar, el sufragio femenino... La conspiración contra la República empezó de inmediato. Los partidos políticos de derechas buscaron la connivencia con el fascismo europeo; los movimientos obreros –también en la oposición por considerar que las reformas de la nueva República no daban satisfacción cumplida a sus aspiraciones– radicalizaron las acciones revolucionarias y anarquistas.

Las elecciones parlamentarias de noviembre de 1933 fueron ganadas en España por la coalición de derechas formada por los radicales de Alejandro Lerroux –un demagogo españolista cuya trayectoria política va desde la práctica de la demagogia anarquista y obrerista y el anticlericalismo a principios de siglo hasta las posiciones conservadoras e igualmente demagógicas, patrioteristas y españolistas que exhibió durante el período republicano– y la CEDA (Confederación Española de Derechas Autónomas) de José María Gil Robles –monárquico, procedente de los sectores católicos conservadores y afín a los postulados del fascismo europeo–, que, habiendo obtenido un número insuficiente de parlamentarios, dio su apoyo a la formación de gobierno por Lerroux. El triunfo de las derechas inaugura el llamado Bienio Negro, cuya nefasta trayectoria política no se verá frenada hasta febrero de 1936 por la victoria de la coalición de izquierdas del Frente Popular.

En Cataluña, donde el gobierno de izquierdas presidido por Lluís Companys está llevando a cabo el despliegue del Estatut en vigor desde diciembre de 1932, el Parlamento aprueba, en marzo de 1934, la Llei de contractes de conreu, una modesta reforma agraria que favorecía o regulaba el acceso de los campesinos a la propiedad de la tierra. Aunque esta ley, en realidad, blindaba la defensa de la propiedad privada ante probables pretensiones colectivistas o socializadoras de las explotaciones agrarias, los grandes propietarios –integrados en el Institut Agrari Català de Sant Isidre– la consideraron un ataque frontal a sus prerrogativas y privilegios y la impugnaron ante el Tribunal de Garantías Constitucionales de la República Española, que la revocó, desautorizando así al la cámara legislativa catalana. En Cataluña, las posturas se radicalizaron y las reivindicaciones campesinas, obreras y nacionales confluyeron en una causa, en cierto modo, común.

La resolución del Tribunal contra la ley aprobada por el Parlamento catalán alegando la incompetencia de la institución catalana para aprobarla, era un ataque a las aspiraciones nacionales catalanas, que veía nuevamente obstaculizado el desarrollo del margen de autonomía que le concedía un Estatuto ya de por sí muy desnaturalizado. Por esta razón, las aspiraciones nacionalistas e independentistas se radicalizan también. No obstante se inician negociaciones entre el gobierno catalán y el gobierno de la República, cuyo consejo de ministros estaba entonces presidido por el valenciano Ricardo Samper, para intentar la recuperación de la ley sancionada. Pero las negociaciones encaminadas a resolver el conflicto entre ambas instituciones chocaron con la oposición de la CEDA, que veía en ellas una muestra de debilidad del gobierno español.

El 1 de octubre, Samper cede definitivamente a las presiones de la CEDA y presenta su dimisión. Esto supone una remodelación del gabinete de gobierno de la República y la cesión de varias carteras ministeriales a miembros de la CEDA.

Los sectores conservadores, derechistas y profascistas de la sociedad española alimentaban, desde antes de 1933, la esperanza de que Gil Roble, el líder cedista, se pusiera declaradamente al frente de un movimiento antirrepublicano y diera un golpe de Estado de signo totalitario. Por eso, la entrada de la CEDA en el gobierno de la República suscitó una reacción revolucionaria inmediata entre las fuerzas de izquierda y las organizaciones obreras y nacionalistas. Este estallido a la defensiva se tradujo en la llamada a la huelga general, que obtuvo respuesta en todo el territorio nacional. Sin embargo, en dos puntos de la geografía española el movimiento de defensa ante la involución que el gobierno de la CEDA hacía temer tomó un cariz singular: Asturias y Cataluña.

En Asturias, donde la minería era la fuerza obrera principal y donde el socialismo tenía una larga y arraigada ascendencia sobre el movimiento obrero, la huelga desencadenó un movimiento insurreccional que cristalizó en la proclamación de la República de Obreros y Campesinos de Asturias, de carácter socialista. Los obreros, que en guardia por el triunfo de las derechas en 1933 habían hecho previsiones de una acción revolucionaria, y organizados en comités revolucionarios, se apoderaron de los puestos de la Guardia Civil, de las fábricas de armas y de la dinamita de las minas, y constituyeron el llamado “Ejército Rojo”, que se puso en pie de guerra.

La reacción del gobierno de la República Española fue inmediata, iniciando una violenta represión que, tras dos semanas de lucha, puso fin a la sedición. El asalto sin cuartel de las fuerzas gubernamentales, formadas por tropas de la Legión y el cuerpo de Regulares llegadas de Marruecos bajo el mando de los generales Manuel Goded y Francisco Franco, se saldó con más un número de muertos que, dejando al margen el baile de cifras entre los historiadores, se cuenta por varios centenares muertos, probablemente cerca de 2000, y una represión implacable de las organizaciones obreras.

El episodio de Asturias fue, en opinión de muchos, el prólogo o el primer capítulo de la Guerra que estallaría apenas dos años más tarde, el 18 de Julio de 1936, a raíz del golpe de Estado contra la legalidad republicana. Y lo fue tanto por la participación del ejército de África, como por la presencia de sus generales, que liderarían más tarde la sedición, como por el hecho de haber servido de trampolín al general Franco en su carrera militar, que al cabo de pocos meses de estos hechos fue nombrado Jefe del Estado Mayor, como por la brutalidad empleada en el asalt y la represión del movimiento revolucionario.

En Cataluña, el acceso de la CEDA al gobierno hizo suponer no sólo el fracaso de las negociaciones para salvar la Llei de contractes de conreu y la reforma agrària a ella vinculada, sino también la culminación de la campaña que contra el Estatuto de Autonomía y contra la autonomía misma de Cataluña había llevado a cabo sistemáticamente desde el primer momento la formación liderada por Gil Robles. Las expectativas eran funestas: en una España gobernada por la CEDA la autonomía de Cataluña tenía los días contados.

Por eso, el 6 de octubre, cuatro días después de la constitución del nuevo gobierno y apenas dos días después del estallido insurreccional de Asturias, el presidente de Cataluña, Lluís Companys, decidió anticiparse a los malos augurios y proclamó el Estat Català de la República Federal Española, una opción que ya había considerado desde meses atrás, cuando empezó a hacer algunas previsiones y planes que, llegado el momento de la verdad, resultaron totalmente inconsistentes.

También en el caso de Cataluña la reacción del gobierno de la República de Alejandro Lerroux fue inmediata: la declaración del estado de guerra en Cataluña, la toma de posiciones por parte del ejército –bajo las órdenes del general Batet, capitán general de Cataluña, que no aceptó las órdenes del Presidente de la Generalitat–, el asedio a las instituciones de gobierno y la represión. El presidente Lluís Companys, con los miembros del gobierno de Cataluña, fue detenido y encarcelado, primero en un buque de la Armada, el "Uruguay", de donde fue luego trasladado al penal del Puerto de Santa María (Cádiz) para cumplir los 30 años de prisión a que fue condenado. El Estatuto de Cataluña quedó sin efecto y se instauró en Cataluña un régimen de excepción en manos de los radicales lerrouxistas y la CEDA con la aquiescencia de la Lliga, el partido conservador que amparaba los intereses de la burguesía y de los terratenientes; se incautaron tierras a los campesinos, fueron represaliados los dirigentes agrarios y del movimiento obrero; se clausuraron publicaciones, se disolvieron ayuntamientos, se impuso el castellano como lengua de la Administración en Cataluña, se tomó el edificio del Parlamento catalán y fue dedicado a funciones militares... Al mismo tiempo, el gobierno de la República iniciaba un programa de demolición sistemática de todos los progresos conseguidos –que no eran muchos– en el período 1931-1933.

En febrero de 1936, no obstante, caído el gobierno de derechas después de un sinfín de escándalos financieros y de corrupción, triunfó en las elecciones la coalición de izquierdas Frente Popular. Este triunfo supuso el restablecimiento del Estatuto de Cataluña y, en virtud de una amnistía, la recuperación de las instituciones de gobierno catalanas y la liberación de Lluís Companys y los políticos catalanes prisioneros. A su regreso a Barcelona, en un discurso ardoroso y patriótico, Companys hizo una afirmación que la historia ha conservado: "Tornarem a lluitar, tornarem a sofrir, tornarem a vèncer" (volveremos a luchar, volveremos a sufrir, volveremos a vencer).

La vuelta a la situación anterior al régimen de excepción significó la entrada en vigor de la Llei de Contractes de Conreu. Esta vez la Lliga Catalana aceptó, aunque, como es de suponer, sin ningún entusiasmo, la puesta en práctica de una ley que, no obstante, volvería a ser abolida en 1939, tras el triunfo de las fuerzas franquistas y la llamada España Nacional, una España surgida de un golpe de Estado contra la legalidad republicana.

Después de febrero del 36, mientras Alejandro Lerroux se instalaba en Portugal, donde permaneció hasta 1947 y desde donde dio tácitamente su beneplácito al franquismo. José María Gil Robles, aún en España, alentaba y animaba el levantamiento militar que finalmente se produjo el 18 de Julio de aquel año. Estallada la guerra, el dirigente de la CEDA pasó a Francia, desde donde fue a dar también en Portugal y ahí fue miembro del Consejo Privado de Don Juan de Borbón, Conde de Barcelona y padre del actual rey de España, Juan Carlos I; en los primeros años de la década de 1950, regresó a España, donde, desde posiciones democristianas y monárquicas, mantuvo una cierta oposición al régimen franquista; en 1977 participó, sin éxito, en las primeras elecciones de la recién estrenada democracia del posfranquismo.

Lluís Companys siguió al frente del gobierno de Cataluña durante la guerra, hasta que en 1939 pasó a Francia siguiendo el camino del exilio. Allí fue detenido por agentes de la Gestapo y entregado a España, donde fue torturado, encarcelado, sometido a un consejo de guerra, condenado a muerte y fusilado en uno de los baluartes del castillo de Montjuïc, en Barcelona.

Murió descalzo. Dicen que quería sentir bajo las plantas de sus pies la tierra catalana... Dice también alguno de sus biógrafos que, después de los interrogatorios y las torturas, le resultaba imposible calzar zapatos... Dicen también que gritó “Per Catalunya!” antes de caer abatido por las balas...

Era el 15 de octubre de 1940.

Hoy, a punto de cumplirse los 70 años de aquel hecho infame, a punto de cumplirse 25 años de democracia en España, todas las iniciativas y reclamaciones llevadas a cabo ante las instituciones democráticas españolas para conseguir la anulación del Consejo de Guerra a Lluís Companys han fracasado.

publicado por Carlos Loures às 09:00
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Sexta-feira, 1 de Outubro de 2010

Dia Mundial da Música - Salvador Bacarisse

Paulo Rato

Salvador Bacarisse Chinoria (Madrid, 1898 – París,1963), músico e compositor espanhol. Durante o Governo da República, desempenhou funções na sua área de competência, sendo director artístico da Unión Radio até 1936. Quando, em 1939, terminou a Guerra Civil, exilou.-se em Paris. Foi militante do Partido Comunista de Espanha a partir de 1945 e, até 1963, ano de sua morte, trabalhou na Radiodiffusion-Télévision Française como produtor de programas em língua castelhana.


Entre a sua vasta obra, destaca-se este "Concertino para guitarra e orquestra em lá menor, opus 72", composto em 1957 num estilo romântico próximo do "Concerto de Aranjuez", composto em 1940 por Joaquín Rodrigo. Vamos ouvir com atenção.

publicado por Carlos Loures às 20:00
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Terça-feira, 14 de Setembro de 2010

A lição magistral de Miguel de Unamuno

Carlos Loures

No dia 12 de Outubro de 1936, Salamanca, uma das mais belas cidades de Castela, foi cenário de um drama. Um entre milhares dos que, por aquela época Espanha foi cenário. Quando a Guerra Civil foi desencadeada, de 17 para 18 de Julho, com o desembarque do Exército de África, Salamanca foi tomada pelas tropas rebeldes no dia 22. A cidade transformou-se na capital provisória, com a instalação de ministérios e das sedes de organizações falangistas. O reitor da Universidade, Miguel de Unamuno, defendeu inicialmente a sedição contra a República, fazendo um apelo aos intelectuais europeus para que apoiassem a rebelião. A sua adesão ao movimento foi breve. A repressão criminosa à solta pela cidade, os fuzilamentos sumários, depressa o puseram contra a barbárie fascista.

Os intelectuais eram presa apetecida pelos falangistas – e fácil, pois em geral não eram de grandes resistências. Às armas, opunham às vezes belos e corajosos discursos que provocavam gargalhadas aos imbecis das camisas azuis, discursos que muitas vezes eram cortados a meio pelo ladrar das espingardas. Em fins de Julho, nos bolsos do reitor amontoavam-se cartas de familiares e de amigos, de colegas e alunos seus presos – professores, escritores, jornalistas, artistas, pedindo-lhe que usasse a sua influência para livrar os entes queridos da morte. Unamuno foi, no início de Outubro, ao paço episcopal, onde Franco estava a residir e instalara o seu posto de comando, suplicar clemência para os amigos. Em vão, pois todos iam sendo executados.

Unamuno já não acreditava naquela gente e arrependeu-se de a ter apoiado com o seu prestígio de figura mundialmente conhecida, espantando e desiludindo a intelectualidade internacional que, salvo raras excepções, condenou o golpe militar fascista contra a República. Foi-se apercebendo, dia a dia, do horror que alastrava por Espanha. Em 12 de Outubro, decorreu na sala dos actos (o «paraninfo») da Universidade a abertura solene do ano académico. Unamuno, acabrunhado, decidira não falar e tomava apontamentos enquanto os discursos «patrióticos» se sucediam. De súbito, pôs-se de pé. As palavras brotaram-lhe de um jorro, como um impetuoso rio de lava:

«Falou-se aqui de guerra internacional em defesa da civilização cristã; eu próprio o fiz. Mas não, a nossa é apenas uma guerra incivil. » (…) «Vencer não é convencer e é preciso convencer, principalmente, e não pode convencer o ódio que não deixa lugar para a compaixão. Falou-se também de catalães e bascos, chamando-lhes anti-Espanha; pois bem, com a mesma razão podem eles dizer o mesmo. E aqui está o senhor bispo, que é catalão, para vos ensinar a doutrina cristã que não quereis conhecer, e eu, que sou basco, levei toda a minha vida a ensinando-vos a língua espanhola, a qual não sabeis…»

Nesta altura, o general Millán-Astray, que odiava Unamuno, que o acusara de corrupção, começou a gritar «-Posso falar? Posso falar?» A sua escolta puxou das armas e alguém entre o público gritou - «Viva a morte!». O general derramou todo o seu estúpido rancor, designando a Catalunha e o País Basco como cancros de Espanha. Contudo, acrescentou, o fascismo redentor de Espanha iria exterminá-los cortando em carne viva como um frio bisturi. Estava tão enraivecido que ficou sem voz. Ouviram-se então diversos vivas a Espanha. Fez-se um silêncio absoluto e mortal. Os olhos voltaram-se para Unamuno. Erguendo-se, este proferiu um discurso que seria a sua derradeira lição, a sua lição magistral:

«Conheceis-me bem e sabeis que não sou capaz de ficar em silêncio. Por vezes, ficar calado é o mesmo que mentir, pois o silêncio pode ser interpretado como aceitação» (…) «Acabo de ouvir o grito necrófilo e insensato de “Viva a morte!” Isto soa-me igual a “Morra a vida”. E eu que passei toda a vida a criar paradoxos que provocaram a reprovação e o enfado daqueles que os não compreenderam, tenho de vos dizer, com autoridade na matéria, que este ridículo paradoxo me parece repelente. Uma vez que foi proclamada em homenagem ao último orador, entendo que foi a ele dirigida, se bem que de uma forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele próprio é um símbolo da morte. E outra coisa. O general Millán-Astray é um inválido. Não é preciso que o diga em tom mais baixo. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Porém os extremos não servem como norma. Desgraçadamente, hoje em dia há demasiados inválidos. E depressa haverá mais se Deus não nos ajudar. Custa-me pensar que o general Millán-Astray possa ditar normas de psicologia de massas. Um inválido que não tenha a grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem, não um super-homem, viril e completo apesar das suas mutilações, um inválido, como disse, que não possua essa superioridade de espírito, costuma sentir-se aliviado vendo como aumenta o número de mutilados em seu redor» (…)«O general Millán-Astray gostaria de criar uma Espanha nova, criação sem dúvida negativa, à sua própria imagem. Por isso ele desejaria uma Espanha mutilada».
Millán-Astray que entretanto recuperara a voz, rugiu: «Morra a inteligência!». Unamuno respondeu-lhe com a serenidade de quem se sabe perdido: «Este é o templo da inteligência! E eu sou o seu supremo sacerdote! Vós estais profanando o seu recinto sagrado. Sempre fui, apesar do que diz o provérbio, profeta no meu próprio país. Vencereis, mas não convencereis. Vencereis porque tendes força bruta de sobra; mas não convencereis, porque convencer significa persuadir. E para persuadir necessitais de uma coisa que vos falta – razão e direito na luta. E parece-me inútil pedir-vos que penseis em Espanha».

Carmen Polo, a mulher de Franco, deu o braço Unamuno e acompanhou-o até sua casa, protegendo-o da fúria dos falangistas. O marido censurou Millán por não ter executado o professor logo após o seu discurso. Houve quem propusesse a sua expulsão do cargo de reitor, acusado de tudo, o que da perspectiva fascista era condenável. Em 22 de Outubro Franco assinou o decreto da destituição. Prisioneiro em sua casa, deu uma entrevista ao escritor e filósofo grego Nikos Kazantzakis (1883-1957) em que, em certo passo, afirmou: «Um dia, em breve, levantar-me-ei, e lançar-me-ei na luta pela liberdade, eu sozinho. Não, não sou fascista, nem bolchevista; sou um solitário». Morreu em sua casa em 31 de Dezembro de 1936, de doença súbita. Apesar de tudo o que se tinha passado e de praticamente o terem mantido sob prisão domiciliária, os falangistas fizeram-lhe um funeral exaltante, como se em vida ele tivesse sido um deles. Morto, já não os pode desmentir nem afrontar.

Ortega y Gasset escreveu: «A voz de Unamuno ecoava sem parar por toda a Espanha há um quarto de século. Ao cessar para sempre, temo que o nosso país sofra uma era de silêncio atroz». Não se enganou – o «silêncio atroz» iria durar até 1975 e os seus ecos, traduzidos na herança que o regime democrático recebeu do fascismo, ressoam ainda na imposição de uma Espanha «Una» que sufoca a liberdade na Catalunha, no País Basco e na Galiza.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Sexta-feira, 27 de Agosto de 2010

O crescimento das crianças

Raúl Iturra

B - Pilar




      Hermínio, Julho de 2010

Hermínio corria a cavalo. Como já o tinha dito. Corria. Corria rápido. Corria rápido para fazer barulho. Barulho nas pedras da rua. Da rua do lugar de Vilatuxe, em Vilatuxe. De Vilatuxe a Gondoriz Pequeno, a casa do lar familiar. Corria no seu cavalo por cima dos seus vinte anos. Para Esperanza poder ouvir. Poder palpitar. Poder pisar a raiva do seu peito. Peito do Hermínio, que desde os três anos de idade, corria a cavalo. Corria o seu pai. O José António, o senhor da metade de Vilatuxe, porque a outra metade era do seu irmão José (Genealogia 6). De Vilatuxe Paroquia, de Vilatuxe lugar, de Gondoriz Pequeno, de Gondoriz Grande. Dos Carvalhinhos. De outros sítios. José António era um monárquico, no tempo dos debates entre república e Monarquia, a seguir a primeira República do Estado Espanhol, em 1870. Hermínio gostava de ouvir esse pai. Pai que gostava dos cavalos e que pouco ou nada fazia que não fosse tomar conta deles. Cavalo entre os quais Hermínio cresceu e foi criado. Os cavalos que o seu pai usou até a idade da morte. E que o meu amigo, usa na juventude dos seus 70 anos, enquanto ensina um neto, Isaías, a ser senhor dos cavalos. A forte ideia de Hermínio foi sempre a de dominar a natureza, de semear, de reproduzir cabras e ovelhas e cavalos. Em pequeno, foi levado a casa da avó materna, Manuela Canda. Uma outra proprietária de Gondoriz, mas de Gondoriz Grande, com terras ao sul da Paroquia, quanto que as dos Medela ficavam ao norte, disseminadas por vários sítios.




O lembrado minifúndio galego, do qual tantos temos falado (Beiras 1968, Iturra 1979 e 1998, Vilares, 1982ª, Cardesín 1992) e que tanto deu para falar. Muita terra, mas pouco dinheiro das vendas de cereais, batatas, milho, leite. Os senhores recebiam pagos em produtos, de outras casas as quais eles alugavam as terras em enfiteuses ou contrato pela vida de três gerações. Ou alugavam por tempo certo. Hermínio ficou habituado a ser filho de senhores, mas de senhores que não tinham o dinheiro suficiente para poder entrar no mercado que a Europa estava a abrir. Com uma agricultura como a Holandesa, ou da França, ou mesmo da Castela, que ganhava em exportações a uma Galiza que estava fechada e que circulava bens em praças e feiras. Hermínio, entre o seu nascimento e o de a sua irmã Marcelina, teve a experiência de ter ao pai José António na emigração, em procura de dinheiro. E, a partir do seu nascimento, estiveram oito anos em casa da referida avó materna, Manuela Canda, agora senhora de Carrefeito, Paroquia de Lebozán, onde casara. Hermínio foi criado pela avó e pelo filho de ela, o Padre Balbino, um frade muito rígido e disciplinado. Enquanto os seus pais andava pelos Estados Unidos, e a mãe pelo Uruguai, Montevideu, a fazerem dinheiro em trabalhos comerciais. E é aí onde aprende de cavalos e de tomar conta deles, até regressar a casa, a volta dos pais. O próprio Hermínio vai a Escola de lugar de Carvalhinhos, sem saber uma letra antes: de agricultura, muito, de letras, nada. Ainda que em casa, houvesse um letrado, ainda que em casa as pessoas todas fossem letradas e descendentes de letrados. O próprio Hermínio trabalha a terra e não é letrado como os seus pais, avos e tios, porque a época não era propícia. Lentamente, o seu sistema social estava a declinar. Teve que confrontar, a seguir o seu nascimento, a abolição dos direitos de foro ou enfiteuses, e perder as terras pelas quais os seus pais foram demandados. A crise do ano de 1929 que afecta ao Estado Espanhol, como a todo o mundo ocidental, acaba com os direitos senhoriais, a Monarquia, estabelece a II República, e suporta a guerra civil, que em Vilatuxe é vivida calmamente. Hermínio nem tinha que ocultar as suas simpatias pessoais pela causa republicana. Havia, como ele diz, um acordo entre o Pároco desse tempo e o chefe dos republicanos, que salvou a muita pessoa de desaparecer o ser levada á tropo ou á cadeia. Ele próprio, menino, lembra e observa, e essa observação é transferida aos seus filhos, que acabam por ser pessoas de democracia, de bom contacto com os vizinhos, fosse o que for a cor dos seus pensamentos. Caracteriza a Hermínio a sua tolerância e simpatia com as pessoas. Defende as causas justas, dá liberdade as pessoas para agirem, não julga, aceita e opina em privado as pessoas o que ele pensa que deve ser feito. È verdade que corre a cavalo entre as moças, porque o sente seu dever de cavaleiro e cavalheiro, o seu desejo natural. Esse que não tem porque deixar de satisfazer como achar melhor. E não publicita o que pensa ser o seu direito privado. É o que Pilar vê e aprende. Como vê e aprende a famosa frase do pai: é a vida e é preciso aceitar. E é o que diz aos seus irmãos e sobrinhos, que têm por ele um carinho especial e tenro. Ocupado nos seus assuntos, não é por isso que larga a sua família, a que atende todos os dias. Infatigável trabalhador, cria esse espírito nos seus filhos, incute a justiça e a calma. Diz Hermínio que um dia o seu filho José de 23 anos, vem falar com ele e diz que a sua namorada está grávida. E diz que diz a Pepe, o José da língua Galega e Castelhana, que é melhor casar para evitar problemas a rapariga. Casar, se estão namorados. E Pepe diz está-lo. Hermínio oferece a casa dele para eles viverem e trazer aí ao neto. E decide alargar a casa com o próprio José, esse Pepe, um bom albañil, pedreiro em português. Que sabe que constrói para ele, para a sua mulher e para o seu descendente, que acaba por ser uma filha, Mónica. È o que Goody tem persistido em dizer (1958,1973,1976), um Grupo Doméstico. Como é em todo Vilatuxe. Que acolhe aos seus, desde que os seus façam como o patrão da casa, diz. Porque o próprio Hermínio tem que construir a sua casa, como referi no capítulo 1, porque decidir celebrar o seu matrimónio com uma camponesa. A mamã Esperanza, mãe da sua filha mais velha e grávida do próximo, que acontece ser José. Hermínio é capaz de juntar aos parentes em uma permanente entreajuda, em uma permanente tornajeira de trabalho, que tenho relatado incansavelmente a traves dos anos e em várias línguas (1977, 1979,1980, 1988, 1990,1991,1998). Uma tornajeira que divide o trabalho por especialidade e por necessidade: o cavalo dele, o de David seu vizinho e amigo, o tractor do seu sobrinho filho de irmã, António O Ferreiriño, a força de trabalho do seu cunhado Amado, irmão de Esperanza, e outros, da denominada cooperativa, com a qual tanto trabalhara eu ao longo de anos, já 26. Grupo que hoje em dia está incrementado pelos filhos casados que colaboram com os seus velhos, porque sabem agricultura, apoiam as forças decadentes, embora nenhum trabalhe, ainda que saiba, de agricultura. Pilar vê colaboração, vê reciprocidade, vê não crítica, vê carinho, vê calma com os caprichos, vê justiça no mal comportamento. Vê castigo quando corresponde. Vê uma crença que não se exibe, e uma fidelidade e respeito á família. Tem todos os dados para entender as opções. Tanto, que é até difícil viver com uma pessoa que todo sabe, que todo resolve, que é capaz de construir o contexto do problema, para resolve-lo. A pessoa ideal para procurar para os trabalhos. Como vê o papel da sua mãe, Esperanza Dobarro (Genealogia 7), filha e neta de jornaleiros sem terra, imigrados desde Ourense, outra Província Galega, a de Pontevedra, em Vilatuxe. A mãe tem que trabalhar a terra desde muito nova e tomar conta dos pais, como filha mais nova que ela é. Conforme com todo, não teve ambição especial desde nova. Diz-me um dia, enquanto falávamos, que o seu primeiro bebé estava a nascer, como fiz referência no capítulo 1, que sujeitou ao bebé até acabar o trabalho. Foi logo a casa, teve o bebé, e no dia seguinte estava outra vez a trabalhar, como sempre, com a família toda. Famílias sem terra, pedreiros, jornaleiros, sapateiros, até comprarem a pouco e pouco a terra, que hoje a eles pertence. Não tinham a facilidade de Hermínio, proprietário que perde a terra pela nova lei dos anos vinte deste século, mas que, com a sua longa permanência de cinco anos de emigrante em Venezuela. A trabalhar em indústria primeiro, em cavalos depois, poupa para investir nas tecnologias precisas na altura. A mamã Esperanza é silenciosa, fala o que o marido diz e aceita sem comentários os seus deveres domésticos. Habituada a trabalhar toda a vida, faz medo a Pilar. Medo de ver uma mulher, a sua mãe, que vive com um padrão difícil de medir, o marido dela, o seu próprio pai. Um pai que sempre quis mimar aos seus filhos, mas sem meios para o fazer. É por isso que emigra durante esses seis ou sete anos. Tempo que Esperanza e os filhos nascidos, ficam a viver com a avô paterna. Avô de muito mau humor, que diz aos pequenos que o pai o não os queria, por isso tinha emigrado. E os filhos mais velhos, Carmen, José e Olga, crescem com essa ideia na cabeça.

Pilar é que nada de isso sabe e ouve, e recebe o carinho do pai na construção da nova casa que os acolhe. O pai é uma medida pela qual ela é capaz de encontrar a o homem com o qual casa e que ocupa-se do filho, como Hermínio dos seus. Pilar é a reprodução do que o pai faz na vida. Da forma em que o pai foi feito, com pais sempre ausentes e zangados, ela não é assim criada e até pode ter o luxo de estudar música. Pilar, a filha preferida de Hermínio, que passou pela memória de todos os ciclos da Historia de Espanha, já relatados. Pilar, habituada a crianças, capaz de criar a sua, mas menos capaz do que o marido, como a sua mãe, que pouco tempo tem para os seus filhos, por se dedicar mais ao trabalho do marido e a acompanha-lo. É Esperanza quem diz um dia na cozinha, eu faço na intimidade, o que o meu marido diz e quando quer, e quando não quer, nada. É o modelo de Pilar, como diria um Freud (1920), uma Klein (1932), uma Alice Miller já citada. Especialmente Miller, capaz de analisar a vida de Hitler, Mussolini e Picasso, a partir do estudo dos seus pais, especialmente da sua mãe.


O Guernica (1937) de Picasso, seria o resultado da guerra que ele viu bem antes da guerra civil de Espanha, a com a mãe a dar a luz no meio da fugida a França. Os gritos, a casa desfeita, os animais bombardeados, são as memórias de dias tristes, que ele exprime no desenho. Como Pilar exprime o seu carinho pelos seus, na música. E na capacidade de ensinar doutrina aos outros meninos. Uma catequista de Vilatuxe, que guarda a ideia de ser livre, com todo. Sem viver oprimida ao bem e o mal, sem pensar no pecado, só agir. Agir no bem dos outros. Com as críticas necessárias as pessoas da família que não tratam dos filhos, como ela sente que foi tratada, ela e Miguel, esse irmão filho que tão cedo, para ela, chegou. Uma capacidade de construir o real e de se habituar as mudanças, retiradas do exemplo do pai e da distanciada mãe. Com um acolhimento aos outros, que sempre serei capaz de agradecer, devido a sua companhia e aprendizagem do estudo de arquivos, nos anos em que investigávamos juntos a sua genealogia e todo Galiza. A mãe e o pai foram feitos de forma diferente. A mãe, no acolhimento de um lar que tinha que trabalhar unido para poder reproduzir a vida, no esforço de todos para pagar em bens. O pai, em um lar muito dividido e pouco amados os indivíduos, dispersos pelas casas familiares. Uma mãe sem bens, que sabe optimizar a falta de eles. Um pai, de uma classe social que está a cair e desaparecer. Um comportamento de dois, diferenciado pelo contexto interactivo. Donde, o comportamento de Esperanza ganha ao de Hermínio. É Esperanza a que, em silêncio, cria a solidariedade que Hermínio anda a praticar. Mas, uma solidariedade doméstica que começa pela subordinação ao homem e o pedido as filhas a fazerem o mesmo, bem como a medida as noras de serem calmas com os maridos, os seus filhos. Pilar aprende de Esperança, a reprodução afectiva e económica da casa. E do pai, o entendimento do comportamento e a ironia. Uma herança dupla, como a de Victoria, de uma correlação emotiva de dois seres feitos por conjunturas históricas diferentes e contraditórias. A de Hermínio, classe senhorial, a mandar. A de Esperanza, classe de serviço, a obedecer. A se dar aos outros, enquanto Hermínio espera dos outros. É mais uma contradição sintética na herança de Pilar. Seja qual for a sua classe, é homem, e na Galiza, patriarcal, são eles os mandam. Esperanza é mulher, que na Galiza, serve. Mais outra ainda, a de uma Lusitanidade introduzida por Afonso Henriques de Portugal, no século XII do presente milénio que acabou para passar ao segundo. Uma Galiza, reino autónomo e com ideias e cultura celta, sueva e visigótica, animista, como a de Victoria e os seus Picunche. Que vêem reforçados os elementos cristãos suevos, como o catolicismo castelhano de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, e primeiro rei português da Galiza. Factos da historia, que aparecem na herança de Pilar, entre a autonomia galaica da mulher e a sua igualdade com o homem, e a subordinação católica franco - castelhana dos lusitanos que os invadem com comportamentos, até o dia de hoje. Comportamento luso galaico reforçado na luta contra Castela, mais importante que a luta já morta, contra o condado Portucalense do dito Afonso Henriques. É por isso que Pilar e os seus pares, lêem Castelão e Rosália de Castro. E falam uma combinatória de duas línguas, feita hoje só uma, o luso-galego que me parece, por causa de vida real, se mais bem um luso-castelhano, a formosa língua galega. É a herança de Pilar, dos seus irmãos, dos seus pares, mais ainda, do que nunca foi dos seus pais e ascendentes. Lutavam pela terra: para a ganhar, para a não perder, conforme. Com as novas leis da União Europeia que retira do direito à propriedade, a todos os reprodutores não capazes de reproduzir. As preocupações têm-se diversificado e só um mínimo deles, ficam interessados na terra, enquanto uma grande maioria, fica preocupado das habilitações, do saber e dos lucros. É assim que era Pilar quando não era. Na Historia. Na memória social. Só um projecto reprodutivo. É assim que foi feita, assim que existe, assim a sua herança, contraditória como a de Victoria, sintetizada por ela no seu saber ao longo do tempo. Como fazem os seus irmãos e pares do seu tempo. É assim Pilar. Como eram os seus ancestrais que a fizeram. Como os seus pais, como ela própria, como os seus ancestrais. Do que vamos falar depois. Porque agora interessa entender que a existência da criançada crescida, é a coordenação de informação transferida em curto espaço de tempo, para situações diferentes. É só entre os começos do Século XVIII e do dia de hoje, que a Galiza está a se reformular sistematicamente, entre Monarquias absolutas, constitucionais, duas repúblicas, duas guerras, uma ditadura, uma democracia, uma construção de uma sociedade mais igual. Como Victoria, que vive o que os seus pais não viveram e toca aos filhos e netos fazer. Mas, insisto, do qual vamos falar depois, para ver como é Anabela e os seus que a fizeram. Como Victoria e Pilar, esse dois dos três elos que me ligam a etnografia e etnologia de meu trabalho de campo dos últimos três anos.
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Sábado, 14 de Agosto de 2010

14 de Agosto



Carlos Loures


Há 615 anos teve lugar a Batalha de Aljubarrota. Foi um rude golpe para as pretensões castelhanas de se apoderarem deste pequeno reino que, a oeste da Península desafiava o seu poder militar. Na Espanha actual fala-se pouco de Aljubarrota. As enciclopédias dedicam-lhe pequenos verbetes e os livros escolares uma ou duas linhas. E no entanto, foi uma dura derrota que atingiu profundamente o reino do Trastâmara João I – quase todas as grandes famílias castelhanas perderam filhos na batalha. O luto e a tristeza foram de grande dimensão. Mas queria falar de um outro acontecimento ocorrido neste dia 14 de Agosto , mas em 1936 – o massacre de Badajoz.

Desencadeada a insurreição contra a II República espanhola, de 17 para 18 de Julho desse ano, as colunas do Exército de África, constituídas essencialmente por legionários e por tropa moura (da Legión Extranjera), sob o comando do tenente- coronel Yagüe, avançaram rapidamente até Badajoz, onde se lhes deparou uma feroz resistência por parte do Exército da República, duros combates e bombardeamentos sucessivos feitos pelos junkers alemães, a cidade foi tomada pelas forças ditas «nacionalistas». Como sempre acontecia, adivinhava-se que Badajoz ia pagar com juros o empenho que pusera na sua defesa. A batalha de Badajoz desenrolou-se no dia 14 de Agosto. O massacre de Badajoz estendeu-se pelos dias 15 e 16.

Os jornalistas que vinham com as colunas de Yagüe na sua avançada, foram proibidos de entrar. No entanto, vindos de Portugal pela fronteira do Caia, os jornalistas portugueses Mário Neves e Norberto Lopes, do Diário de Lisboa e alguns repórteres franceses conseguiram entrar na cidade no dia quinze de Agosto. Foi através dos trabalhos destes jornalistas, e pelo que escreveu Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, chegado a Badajoz nove dias depois, que o mundo pôde conhecer a dimensão da tragédia e o terror que acompanhava a avançada das tropas franquistas.

Mário Neves (1912-1999) foi um grande jornalista que, após a Revolução desempenhou vários cargos políticos. Tornou-se particularmente conhecido por, durante a conferência de imprensa que em Maio de 1958 Humberto Delgado realizou no Café Chave d'Ouro, em Lisboa, ter feito ao general a famosa pergunta: «Se for eleito que faz a Salazar», obtendo a famosa resposta: «Obviamente, demito-o!» Quando a guerra civil eclodiu, era redactor do Diário de Lisboa e foi nesse jornal que deu a conhecer o que se estava a passar naquelas primeiras semanas do conflito. Norberto Lopes (1900-1989) era outro jornalista de eleição,que tive o prazer de conhecer, por motivos profissionais, tendo em consequência descoberto que éramos vizinhos, pois vivíamos perto – ele em São Pedro do Estoril, eu na Parede. Frequentávamos a mesma praia, a da Azarujinha, onde ele se sentava numa cadeira desmontável e eu ficava estendido na areia escutando os relatos de aventuras por ele vividas – o massacre de Badajoz era um deles.

Logo que entraram na cidade os legionários começaram a fuzilar todos os homens que apresentassem indícios de ter usado uma arma. Em Le mur, Jean-Paul Sartre conta a história de um homem cujo casaco estava coçado no ombro, o que para os legionários significava que a correia de uma espingarda produzira o desgaste do tecido. O homem negou sempre, dizendo ser cobrador de um carro eléctrico. Foi fuzilado com os outros, não deixando antes da descarga do pelotão de, como os outros, erguer o punho e morrer saudando a República.

Depois destes primeiros fuzilamentos, o número de prisioneiros crescia e, dado o seu elevado número, foram sendo concentrados na praça de touros e mortos em grupos por rajadas de metralhadora. O fosso das velhas muralhas e as portas do cemitério, foram também cenário de execuções sumárias.

No dia dezasseis, uma coluna de fumo branco que se elevava a um quilómetro e meio da cidade atraiu a atenção do jornalista português Mário Neves. As pessoas a quem perguntou disseram-lhe que naquela zona se situava o cemitério. No dia seguinte, Mário Neves encontrou-se casualmente com um padre e foi graças a este sacerdote que descobriu a origem da misteriosa coluna de fumo: era dos cadáveres! Amontoavam-nos no cemitério, regavam-nos com gasolina e deitavam-lhes fogo. O próprio padre o levou ao cemitério para que o pudesse ver com seus próprios olhos. A impressão foi tão forte que Mário Neves começou o despacho telefónico desse dia assim: «Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui.» Voltou, porém, quarenta e seis anos depois para ser entrevistado pela cadeia inglesa Granada TV, que preparava a série intitulada The Spanish Civil War . É um trecho dessa entrevista que podemos ver abaixo.


14 de Agosto de 1385 – Castela sofria um rude golpe nas suas pretensões de hegemonia e era derrotada em Aljubarrota; 14 de Agosto de 1936, a violência da reacção à proclamação da II República e às tendências federalistas que logo se esboçaram, pondo em risco a concepção de uma Espanha una e forte, católica e conservadora, provocava o terror, semava a morte em Badajoz, anunciando o que iria suceder durante as quatro décadas seguintes.Uma longa noite caía sobre a Península.


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Segunda-feira, 19 de Julho de 2010

A Guerra Civil de Espanha começou há 74 anos

Carlos Loures



Ontem, 18 de Julho, passaram 74 anos sobre a eclosão da Guerra Civil de Espanha. Estava-se em 1936 . O conflito só terminaria quase três anos depois, em 1 de Abril de 1939. Morreu cerca de meio milhão de pessoas. 74 anos na escala humana anos são uma vida, são muito tempo. Porém, à escala da História, não são nada. A Guerra Civil de Espanha foi ontem. Aproveito para uma reflexão sobre quanto, desde ontem para hoje, a direita ( tal como a esquerda) mudou. Em Espanha e não só.

Como muitos de vós saberão melhor do que eu, em 16 de Fevereiro de 1936, em eleições livres e democráticas, uma frente de esquerda, resultante da aliança dos anarquistas com os partidos republicanos, a chamada Frente Popular venceu, proclamando-se a II República (a I República vigorara entre 11 de Fevereiro de 1873 e 29 de Dezembro de 1874). A direita militar espanhola, as classes possidentes, a Igreja católica, suportaram mal o clima de controvérsia dos primeiros passos do jovem regime. Clima que adensaram com provocações e actos insensatos (que os houve de ambos os lados), mas vitimizando-se sempre a direita, cometendo dislates e crimes, mas comportando-se com o tom pudicamente ofendido de uma virgem num bordel.

Em suma, todas as forças reaccionárias, aproveitando como pretexto os erros das esquerdas, se mancomunaram para derrubar a República. Os pormenores históricos estão ao dispor, em livros, em filmes, não os vou repetir. Direi só que os generais golpistas de 18 de Julho de 1936 deram corpo a tudo o que de mais sinistro existia no substrato daquilo a que se chama «espanholidade», crisol onde se misturam sentimentos e interesses contraditórios, nacionalidades sufocadas, quezílias seculares mal resolvidas. Três anos e quase 500 mil mortos depois, a guerra terminou com a vitória da direita. As trevas da repressão abateram-se sobre Espanha – foram quase quarenta anos de ditadura de uma direita reaccionária, ressabiada, raivosa. Estúpida como só as ditaduras sabem ser.

Porque a maior contradição de Espanha é a sua existência, a forma brutal como amalgamou povos com identidade própria, com cultura e história, fundindo tudo para dar corpo à utopia concebida um dia, há mais de cinco séculos, por uma rainha castelhana e por um rei aragonês que sonharam unificar toda a Península Hispânica. A República, ainda que timidamente, ensaiava os primeiros passos no sentido de criar uma federação de estados autónomos. Na Galiza, homens como Castelão, Carvalho Calero, Alexandre Bóveda, concebiam um anteprojecto de Estatuto de Autonomia para a Galiza, em cujo artigo primeiro se declarava – “A Galiza é um Estado livre dentro da República Federal Espanhola”.

Na Catalunha, o governo republicano reconheceu a Comunidade Autónoma da Catalunha, aprovando, em 1932, o seu Estatuto. Francesc Macià foi eleito Presidente da Generalitat,. A vitória de Franco varreu todas estas “veleidades” e impôs uma España una. Curioso é que a democracia, que formalmente regressou em 1975, tenha conservado com unhas e dentes o centralismo imposto pelo franquismo, concedendo alguma autonomia, mas recusando liminarmente que catalão, galego ou basco tenham paridade com o castelhano. Viu-se, há dias a rejeição parlamentar do Estatuto da Catalunha. A democracia, esta coisa a que chamamos democracia, repudia o fascismo, mas aproveita-lhe os sobejos.

Porque os objectivos continuam a ser os mesmos – conservação de valores considerados intemporais, tais como os privilégios de classe, prevalência da religião como cimento dum edifício mais torto do que a torre de Pisa – o estilo mudou. Um derradeiro assomo deste estilo arruaceiro no estado espanhol foi o assalto golpista ao Congresso, em 23 de Fevereiro de 1981, por forças da Guarda Civil comandadas pelo tenente-coronel Tejero. Rajadas de pistola-metralhadora e gritos de «Quieto todo el mundo! Al suelo! Al suelo!». Don Juan Carlos fez a sua rábula de democrata (coisa que podia e deveria ter feito dez ou vinte anos antes, durante o reinado de Franco). A própria direita condenou o acto e, pronto, tudo acabou em bem.

Hoje as coisas não são tão visíveis, tão claras como eram há setenta anos. A direita descobriu o seu nicho ecológico no seio da democracia. Não sei se já repararam que todos, ou quase todos, os partidos de direita fazem questão de incluir na sua sigla a palavra «democrata», «democracia»… A nova direita adaptou-se à democracia; mais – não saberia já viver noutro sistema. Mas…

A ideia da extinção dos conceitos de direita e de esquerda já não se justificarem no pós-modernismo é uma ideia de direita. Porque a direita actual tem vergonha da direita de ontem, tal como aqueles filhos licenciados que se envergonham dos pais analfabetos os quais, em todo o caso, lhes punham todos os dias a comidinha na mesa. Mussolini, Hitler, Salazar, Franco, Auschwitz, Tarrafal, Guernica, Gestapo, Pide, … que nojo!».

A designação até pode vir a cair em desuso. O que esse desuso não extinguirá é a realidade subjacente à classificação. E aqui sou forçado a emitir uma definição pessoal. Para mim, a distinção entre direita e esquerda pressupõe uma clivagem, entre os que querem conservar valores que implicam a manutenção das desigualdades sociais e os que, sem se importarem com esses valores, querem transformar a sociedade e promover uma igualdade absoluta dos cidadãos perante a lei, bem como o acesso de todos, de modo igual, aos bens que a comunidade, no seu conjunto, puder produzir. Quando a direita aceitar isto sem reservas, deixará de ser direita e, então sim, deixará de se justificar a distinção.

A Guerra Civil de Espanha começou faz hoje 74 anos. Foi há muito tempo. Foi ainda ontem.
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