(Continuação)Como esses antigos amigos, Olga Murillo e Sérgio Galán, o marido da nossa amiga da infância, Olga, a nos subjugarem com o intuito de nós ajudar, mas que, como eram muito católicos, fizeram jurar a minha irmã e a mim, que o que íamos dizer era verdade. É evidente que tivemos que mentir! E, desde esse dia, a mentira foi para todos, de uma ou outra maneira. Estes amigos da família, Conservadores de Direita, já falecidos mas de feliz memória enquanto éramos todos vizinhos de Quinta no nosso lar ao pé do mar, perguntaram si éramos ou não marxistas. Quer a minha irmã quer eu, dissemos: “marxistas, nós?. Nem pensar!
Como bem sabem somos Católicos devotos”, uma das primeiras mentiras de uma lista de várias, que, no decorrer do tempo, salvaram as nossas vidas. Bom, mentiras não eram, era apenas passar pelo lado da verdade, sem se pronunciar sobre o fundo do assunto, ou passar pelo lado da verdade. O nosso problema era que tínhamos sido convocados por uma proclama do novo Governador da Província de Talca, para nos apresentarmos à Segunda Feira, 17 de Setembro de 1973, aos barracões do Exército e prestar declarações.
Tínhamos medo, imenso medo, quer a minha irmã, quer eu. Nem dormir era possível. Tive a brilhante ideia de irmos o dia prévio, à Catedral para assistir à Missa dos aristocratas, ao meio dia, sempre oficiada pelo Bispo. Mas, o Bispo, esse o meu amigo já citado antes, Dom Carlos González Cruchaga, tinha saído ao estrangeiro. As fronteiras estavam fechadas, quer para entrar, quer para sair. Para sair, eu diria, fronteiras ainda mais fechadas. Era preciso, como no Portugal de Salazar, de uma carta de Convite para um sítio que der importância ao Chile, e ai podíamos ir. Á falta de Bispo para nos defender, recolhemos todas as estampas que estavam nos assentos dos fregueses, o livro da Missa de esse dia, era a época da liturgia do Advento ou a espera do aniversário do nascimento do Messias. Era, por assim dizer, o nosso Advento, essa espera de querer saber o que era requerido para nós e de nós. Folga dizer que essa noite, entre Domingo 16 e Segunda 17 de Setembro, quer Blanquita a minha irmã, quer a minha mulher Gloria e eu, nem dormíamos, muito embora pretendíamos calma e paz e falávamos de outras coisas. A minha fiel sogra, mãe da minha mulher, que sempre nos acompanhara nos bons e maus momentos, apareceu em casa e lá ficou.
A casa era grande. Quem não aparecia, era o marido da minha irmã, o quinta bisneto do Conde da Conquista, cujo nome tenho apagado das minhas memórias. Apenas sei que a família o levou para o aeroporto, foi enviado para Europa e o seu itinerário por esses campos, embora conhecidos por mim, desapareceram, porque sim, da minha memória. Ou por outra, posso dizer o seu nome, fica assim escrita a memória de mais uma infâmia acontecida nesses dias: Mário Sánchez Garcia-Huidobro. Digo ao leitor, nunca confie nos nomes bascos da América Latina, nem em nomes com traço no meio de um dos apelidos! Sempre voltam para trás! Esse foi o caso connosco, que quero deixar passar rapidamente. Ele apareceu no Domingo prévio e solicitou a separação a minha irmã. O resto, e história deles, não minha. Mas, sim da minha irmã, que teve a grande sorte de ser filha de quem era, como eu, e dos dois estarmos casados com pessoas as nossas iguais em breeding ou ancestrais, educação e classe social. Nós, que lutamos contra a sociedade de classes, para continuar a viver e lutar pelo mesmo motivo, tivemos que ver, ouvir e calar, excepto para defender as nossas vidas.
As 7 da manhã do dia seguinte, Segunda 17, estava já uma larga fila de pessoas temidas, à espera, ou, como se diz em chileno castiço nos rodeios, “al aguaite”- palavra chilena castiça usada para definir as corridas de bois, vacas e touros, numa pista feita de canas e barro, denominada media luna, uma forma de corridas de toros, herdada de Texas, onde, normalmente, junta-se o gado, e uma trás outro, é feito correr nos bordos da dita media luna, para depois seres castrados os touros novos, corridos por um cavalheiro que está “al aguaite” do animal, para este não escapar e ser ferido depois. É assim, que nós estávamos, “àl Aguaite” dos nossos assassínios, à espera do que puder acontecer, doravante, quando a lei tinha mudado imenso e a não conheciamos. Todos amigos, lutamos juntos pelos ideais socialistas e sabíamos o que passava aos, nesse dia, antigos militantes da UP. Muitos deles, sacerdotes, especialmente o meu grande amigo António Gil, unido em matrimónio sacramental nos dias do governo UP, com a Doña Alícia Guerra, a empregada dos missionários, esse António, Advogado e Padre, de nacionalidade espanhola, que tanto ajudou a nós todos, desde o exílio na Espanha ele, na Grã-bretanha , nós. Alícia, a minha afilhada de matrimónio, costumava dizer nas minhas visitas a Madrid: “Ai, Don Raúl, quién lo vió como era, elegante e perfumado y quien lo ve ahora, siemnpre com la misma ropa”. António, que tinha usufruído da nossa amizade e hospedagem em casa, foi enviado por ela a me comprar roupa nova. Agradeci e não fui. Era exilado e tinha direito a usar o que tiver, não forem após dizer que o exílio era para ganhar milhares de dinheiro! Escusa dizer que no Chile da UP, quem os casara realizara o matrimónio sacramental, era um outro o nosso amigo de Cristãos para o Socialismo, o Padre Holandês, Heinrich van der Meer, e o padrinho fui eu. Épocas passadas, aguas movidas em poucos dias, dias que pareciam que pareciam uma eternidade. Às 7 em ponto a porta foi aberta e tivemos que entrar a correr e em fila, entre outras duas filas de soldados que batiam em nós. Fomos conduzidos a um relvado, á espera de sermos chamados para interrogatório. Perto do meio dia, apareceu a infame figura do Sargento Mor, o perseguidor, um tal Sukino....abriu o cinto, colocou revolver e balas por cima da mesa e começou a dizer, apontando com o dedo: “oye tú, ven p’ acá” esse para acá em Castelhano, que os descosidos não sabem dizer, porque não sabem “haular” (hablar, em Castelhano), passamos um a um pela dita mesa. Os que estávamos “al aguaite”, íamos falando em silêncio entre nós. Vários soldados armados apareceram, a única mulher do grupo era a minha irmã, e falavam desses “piropos” dos descosidos: “m’ijita rica, le gusta ehto?”. Em Castelhano seria: “ Linda señorita, le gusta ésto?), e abriam a braguilha. Entre António e eu, fizemos de biombo para ocultar a minha irmã, mas eles chegavam mais e mais e eu, no meu desespero pela hipotética anunciada ofensa, disse em voz de patrão :”Oye tú, soldado, esta señora es mi hermana e necesita ir al retrete”, perante a minha figura e voz de comando, disseram onde estava e ela ficou lá tanto quanto possível. Enquanto Blanquita estava ai, perguntei calado ao António Gil: “Crees en Dios?”, e ele, já com raiva, alçou a voz e disse, acreditar não acredito, mas de haver, deve ser, porque estes pecadores criminosos devem ir ao infiernooooooooooo!, palavra lançada e fica em Castelhano porque foi assim referido. Bem como o meu Amigo camponês, companheiro de Partido e leal colaborador na Escola para Camponeses, ou Escuela Rural del CEAC, aberta por nos na Pontifícia, por nome Ventura de Huilquilemo, como era conhecido, essa vila e fazenda, nesses dias deles, Ventura, o marido da Margarida Huencho, outro nome que referia ao meu amigo Ventura da etnia Picunche que habitava essas terras cuja casa tinha sido a minha, onde eu pernoitava nas suas terras da antiga Hacienda Huilquilemu para a minha pesquisa da vida dos trabalhadores rurais, e era atendido pela sua mulher, a referida Margarida Huencho, também estudante nossa na Escola Rural para mulheres, que era de dia, nesse dia também em prisão com nós, disse-me: “Estamos acá, porque pecamos, nos revelamos contra el patrón y eso es malo a los ojos de Dios, el patrón es su representante” Pedi para ele calar e acrescentei: “O, Ventura, desde quando estás tão temido de Deus? Não será porque, como eu, também tens medo”, em Castelhano, como é evidente. O meu caro amigo Ventura estava arrependido, com medo. Acrecentara que: “Fue el señor que me metió en esto ...! Por ventura, Ventura e Margarita eram socialistas bem antes do que eu! Aliás, foi ele que um dia encabeçou uma fila de tractores e trabalhadores rurais para entregar de volta as terras expropriadas, hoje deles, à CORA! Consegui convencer a eles para voltarem para trás, e, por respeito a mim, bem conhecido deles, voltaram para trás!...por pouco tempo: estávamos já ao bordo do precipício que matou o projecto socialista empreendido por Allende e tantos mais.
Tornando a história da prisão e o campo, folga dizer que a quantidade de culatras das carabinas que caíram sobre nós, ao todo já 40, foram imensas. Blanquita e eu fomos convocados e acusados de comunistas e sediciosos e de levantar a população, com enganos de promessas de terra própria e outras habilidades nossas para subverter a ordem estabelecida por....Bernardo O´Higgins!...( foi à procura duma data verdadeira mas longínqua, por não saber bem o que andava a fazer..., excepto matar marxistas como eu...) dentro do País. A minha irmã, que sempre foi muito senhora, usou os seus sentimentos senhoriais para dizer: “Eu, comunista? O que é que tenho eu a ver com esses rotos?. Oiça, o meu marido, o quinta neto do Conde da Conquista o não permitiria e eu devo respeito a ele e obediência” e por ai fora. A seguir, fui eu, ainda os dois sentados nesse banco em frente a mesa do Sukino, mandou tirar a minha carteira esvaziar os bolsos, etc., e ficou surpreendido da papelada que encontrou: um cartão de agradecimento endereçado a mim, de um Membro da Corte de Apelo (no Chile, Corte de Apelaciones), um outro do Bispo amigo, as orações do Domingo, dia prévio ao interrogatório que estou a referir, um cartão do meu pai e outros papeis que eu, de forma conveniente e adequada, tinha colocado nos meus bolsos. “Como entonces, tú eres amigo d’ehstas personas?”. Com calma disse: “Oiça o meu Mayor, mais respeito, eu trato a si pelo seu grau, espero pelo menos ser tratado por si e pelo o meu nome”, acrescentei, “É evidente que são os meus amigos, são da minha classe social, bem diferente à sua”.
A luta de classes, por eles dinamizada com mortes dos mais pobres, dos sem trabalho, acusados incessantemente do “pecado” de serem comunista aos que nada tinham e assim ferir a mão de obra por causa de morte dos trabalhadores, a procura dos mesmos ficou diminuída e os poucos que podiam trabalhar, eram pagos se forem escolhidos. Essa luta de classes, mal empregue por eles, os nosso torturantes, fez-me a usar, contra a minha ideologia, a usei eu para me defender. Acrescentou: “Mas, o Senhor (já, agora...) escreve livros subversivos e marxistas”, e mostrou um dos meus livros sobre estrutularismo, no qual debato as teorias de Lévi-Strauss e de Karl Marx, esse o meu velho Mestre e amigo na França, Claude Lévi-Staruss, e o meu orientador ideológico e científico, a traves dos, Karl Heinrich Marx . Disse de imediato: de certeza deve ser também marxista para saber do que este livro trata.
Ripostou: “Yo? Marxista? Que piensa Ud.!. Acrescentei: “Bom. Se não é marxista é natural que não entenda este livro, vou-lhe explicar...” Fui cortado por ele ao dizer: “no pierdo el tiempo en tonterias, ni lei este porqueria....” .Hups!, levou as mãos a cara e ficou vermelho. É dai que me agarrei para dizer: “Se não sabe marxismo nem leu o meu livro, não pode julgar-me, não tem provas, excepto o seu ódio ao Presidente da República e os seus apoiantes. Disse ele: “pensha mandalo a carcel a Ud. y su hermana, pero em vista de...” ( Em Castelhano seria: Pensava enviarlos a la cárcel), e os murmúrios foram apagando - se enquanto saia em silêncio, envergonhado. A minha irmã ficou livre de ir à cadeia de freiras do Bom Pastor e eu...
Eu, no dia seguinte, as 23 horas da noite, fui levado ao campo de concentração, como relatara na Introdução. Mais do que 35 soldados entraram a nossa casa. A minha mulher, disse-me: “Debe ser para ti, yo abro la puerta”, disse ela, e, de facto, perguntaram por mim e pelo meu amigo Francisco Vio. A minha mulher toda Senhora e serena como ela é, disse que Francisco Vio ai não morava e que eu de certeza, os recebia. Disse o oficial que eu tinha apenas cinco minutos para me vestir e acompanhar a eles, mais uma vez, a interrogatórios ao Regimento. Escolhi com cuidado a minha roupa, comprada em Bond Street de Londres, a rua mais cara da Grã-bretanha, elegante sem pretensões, mas agasalhada porque no Setembro de Talca, as noites são frias. A luta pelos meus livros já foi relatada, sai à rua, as casas tinham apagado as luzes, mas espreitavam pela janela: eu sabia i que a casa gasta!. Eles deviam-se salvar também e ser o meu amigo, era o seu perigo de vida. Saí calma e estendi a mão a todo e cada soldado que tinham metralhadoras endereçadas a minha casa e a mim, por dentro constrangido, por fora, patrão. Disse a minha mulher: “mal esteja despachado, apareço, não venhas tú, há toque de recolhimento entre as 16 e 7 horas da tarde-noite-madrugada. Fica em casa e toma conta de Paula, que nada deve saber disto até ser eu a contar”.
Falámos em inglês, para dar um certo touch ou, em português, toque de...distinção! Era medo, medo irreprimível, medo ao que não tinha sido e medo ao que poderia ser, que não sabíamos... Cumprimentei a todos, um por um, “Buenas Noches, soldado” a cada um, e todos fizeram continência, para ripostar: “ Buenas noches, Senhor”. O medo e o desespero, apenas Gloria e eu sabíamos, mas a sua presença na porta da nossa casa para dizer adeus e boa sorte, deu-me ânimo. Fui levado num camião militar, à procura do meu eterno amigo, Francisco Vio, já recuperado do esconderijo onde o tínhamos levado com a minha irmã.
Mariana Giacaman Valle , a sua mulher, foi como Gloria, amável, sorridente e gentil, com esse lindo sorriso que ela sabe usar, até convidou aos soldados a tomar “a cup of tea”, enquanto o seu marido era preparado para sair. Eles não sabiam que eu estava ai. Mas, eu vi a eles e pensei, meu caro amigo, hoje vamos morrer, mas nada falei quando ele entrara no camião militar e, ao me ver ai, disse, surpreendido: “Raul! Estás cá pela minha culpa!” Ele tinha sido o Director da Corporação da Reforma Agraria em Talca, CORA, e expropriado todos os latifúndios da Região. Erra para sermos fuzilados. As nossas mulheres, entretanto, se acompanharam à distância: nem telefonar nem ir à rua eram possíveis a essas horas. Essa noite passamos mais do que três horas em pé, com as mãos levantadas a dois centímetros de distância da parede ou muro. A seguir, fomos conduzidos a uma piscina: Pancho e eu (Pancho, diminutivo de Francisco no Chile, como Chico em Portugal. Ao pé do Pancho, eu recuperava a minha força, sentia que o devia proteger e disse: devemos sair deste sítio, vou ver o que fazer. Pancho, sempre tímido, a conhecer bem as minhas forças e manhas, disse: “Por favor Raúl no hagas nada...!” Mas, ordenei a um soldado trzer um ofiical, porque eu, pela minha classe, não falava com cabos, e o soldado, campónio, obedeceu.: “oiça, cá há um engano: nos não somos de Partido nenhum e a vossa luta é contra membros de Partido”. O oficial, ao ver a minha calma e a minha zanga, comentou: “Evidente, se não são de partido, devem ir já para casa”, e eu, todo contente, entrei a piscina e disse ao Pancho “Vês? Vamos embora” Mas o oficial tornou ao pé de nós para perguntar se éramos membros de algum movimento: os arquivos deles não estavam muito bem organizados: Francisco Vio era o Director da referida CORA, candidato a Deputado que não ganhou, e já nomeado Secretário de Estado aquando o Presidente ainda era vivo, posse que não teve, porque o Presidente foi morto. Ao perguntar, a minha forma destemida me falou à consciência: “Raúl, vê, ouve e cala, não podes ir tão longe”. Respondi, com desmaio e disfarçada raiva- eu queria sair daí, custasse o que custar, e a resposta ia-me manter retido, pensei e adivinhei bem: “Bueno, movimiento, si...” O oficial, que não era de Talca, mas conhecia os nossos nomes, por ser das famílias que éramos, perguntou: “Então, quê, do MIR?”
Disse, não, do MAPU, do qual eu era Presidente, mal entrei no Partido em 1972. O oficial riu e disse-me: “A la piscina otra vez!” O MIR era esse Movimento de Izquierda Revolucionara dos bentinhos de esquerda, que fizeram negra a vida do nosso Presidente e que, a seguir, tramaram a vida do Ditador. A minha irmã andou ai num tempo. Hoje em dia, nem quer lembrar. Os filhos do Ministro de Allende, da Educação, Edgardo Henríquez, perdeu dois filhos nas batalhas entre MIR e soldados. A seguir essas mortes e a saída da prisão por ser Ministro do assassinado Presidente, levamos ao Don Edgardo, o velhote mais doce e querido, e a sua mulher, para Professor à Universidade de Oxford. O tempo passou e Don Edgardo era tratado com respeito e senhorio, como ele merecia. Perdeu filhos, perdeu noras, perdeu netos, mas ele e a sua mulher, não ficaram perdidos, até acabar a vida.
Nós, sim, durante um tempo. No dia seguinte, sem dormir, sem comida, fomos interrogados por separado, Pancho e eu. O meu interrogador era um detective que tinha todo o meu arquivo, sabia que eu era do MAPU, não apenas membro, mas fundador em Talca e Presidente do mesmo. O meu interrogador falou que eu conhecia a lei e que sabia que era criminoso. Eu ripostei: queira desculpar, até o 11 de Setembro, conhecia a lei, mas ela mudou dentro de 24 horas no dia da morte do nosso Presidente, faça o favor de me explicar qual a lei hoje. Ele enumerou a quantidade de delitos por mim cometidas, como salvar pessoas, acolher intimidados na minha casa, escrever a homilia da qual já falei, de ser inteligente e sabido, mas usar mal as minhas capacidades que não dignificavam ao Chile por ser Marxista. E fui condenado a confrontar um pelotão de fuzilamento. Levantaram as armas, eu pensei. “Por boa causa morro” e aceitei o meu destino com clara consciência de ter agido bem pelo meu País e o nosso povo, do qual eu era parte. Pancho foi condenado a prisão, onde esteve dois meses, até que um irmão do seu pai, Almirante rebelde, o mandou ao exílio, porque preferia um Vio exilado, que um Vio criminoso. Encontramo-nos na Grã-bretanha, onde consegui para ele um sítio de Professor em Sussex por 6 meses.
Eu? Não fui fuzilado, o pior minuto da minha vida. Fiquei deprimido e tornei a casa. A nossa única filha, nesse tempo, Paula, viu-me entrar e disse, ao reparar que eu chorava de raiva e desespero: “ Tú no eres mi papá, tú eres una figura como en Mission Impossible (ela falava Castelhano e Inglês, vínhamos da Grã Bretanha!), tienes una máscara que te hace parecer como my Dad”. Até o dia de hoje, psicanalista como ela é, essa impressão nunca mais se apagou da sua memória. Até solicitou ao telefone, hoje de manhã, 8 de Fevereiro de 2008, não ser referida no texto que preparo.
Todo aconteceu nessa Terça Feira 18 de Setembro, o dia Nacional do Chile, 163 anos após da nossa Independência da Coroa da Espanha. Ainda ando no exílio. O exílio tem sido comprido e parece nunca mais acabar. Todos são os meus países, nenhum é o de verdade....por enquanto....Ou para sempre? Não coloco a pergunta, porque resposta não tenho....por enquanto, também. Apenas sei que estou vivo
Notas:Advento é a época da liturgia da espera do Nascimento de Jesus. Conhecimento meu por ter estudado Direito Canónico, por ter sido muito religioso na minha infância e pela família ser Católica Praticante, pratica desaparecida em mim em quanto eu era um cientista. Quem se quiser informar mais, ver o sítio Net http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Advento&btnG=Pesquisar&meta= ou a página Web: http://victorix.no.sapo.pt/meus/didakh/advento.htm
Tenho referido esta História na Revista criada por nós na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto, Educação, Sociedade e Culturas Afrontamento Porto, número temático 10, pagina 91. O texto está no sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-ou na página Web: http://unics.iscte.pt/depant/investigadores.html PT&q=Educa%C3%A7%C3%A3o%2C+Sociedade+e+Culturas&meta= e na página Web: http://www.loja.up.pt/produtos/produto.php?id=573 , apenas resenha, o Director, o meu falecido amigo Stephen Stoer, não queria colocar os textos on line, para vendermos mais Revistas e pagar a sua publicação!
Marx, referido com história de vida em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx
Mariana Giacaman Valle, essa a minha eterna amiga e comadre, já avô, ou, en chileno castiço, abuela, Biliotecária excelente do Governo do Chile, em ODEPA, amiga querida que, quando falei com ela por causa do livro e para colocar questões sobre a denominada Promoción Popular e Sérgio Ossa Pretot, a la 2ª chamada me endereçou palavras amáveis, ao dizer: “Já puh, no me llamis mah. Ánada-te a la chucha...!” E não telefonei mais. Chucha em castelhano castiço do Chile quer dizer vagina, enquanto que em Portugal, é uma forma de acalmar às crianças ao pôr na boca deles um goma denominada chucha ou tetina, de rebouçado ou de borracha. A minha querida comadre mandou-me calar!
Para saber da vida e sofrimentos do velho Reitor e co-fundador da Universidade de Concepción, ao Sul do Chile, ver o sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Edgardo+Henr%C3%ADquez&meta= Para saber da sua vida, ver a página Web: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Edgardo+Henr%C3%ADquez&meta= , onde aparece a sua ordem de detenção.
Quem queira saber mais de mim, visite o sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-NPT&q=Ra%C3%BAl+Iturra+CV+na+Net&btnG=Pesquisar&meta= ou a página Web: http://webserver.cm-lisboa.pt/servicos/camlatina/raul_iturra.htm , no qual até a minha foto aparece, não sei porque....
Volodia Teitelbom, Senador do Partido Comunista do Chile, refugiado em Moscovo e retornado ao Chile ao ser votada outra vez a Democracia, foi quem nos ensinara essa palavra, no seu livro, que tenho comigo, do ano 2000: La Gran Guerra de Chile y otra que nunca existió, Editorial Sudamericana, Santiago de Chile. ver o sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Volodia+Teitelboim+La+Gran+Guerra+de+Chile+y+otra+que+nunca+existi%C3%B3&btnG=Pesquisar&meta= Para saber da sua vida, a página Web: http://www.ansa.it/ansalatinabr/notizie/rubriche/spot/20080201095834586378.html , história que me deixa estonteado, devo reconhecer, porque aparece na sua história de vida que este grande amigo e herói da Pátria, acaba de falecer....Esse antigo Presidente do PC Chileno e Deputado no Congresso, diz a Página Web: “O escritor e político chileno Volodia Teitelboim Volosky, vencedor do Prémio Nacional de Literatura, ex-presidente do Partido Comunista do Chile e maior biógrafo de Pablo Neruda, faleceu na noite desta quinta-feira, aos 91 anos de idade, devido a um câncer linfático. Proveniente da geração literária de 1938, Teitelboim é considerado o autor de uma das melhores biografias de Pablo Neruda, poeta chileno e Prémio Nobel de Literatura. "Neruda" foi publicada em 1984, em Madrid, e traduzida aos idiomas alemão, francês, inglês e russo.
O golpe militar de Augusto Pinochet em 1973 o surpreendeu quando estava em Roma, e após a proibição de seu retorno ao Chile, transferiu-se indefinidamente a Moscovo. Acrescenta a notícia da Web: No exílio, editou a revista Araucaria de Chile, publicada em Madrid e convertida em um importante veículo de difusão da resistência não só dos chilenos, mas de muitos escritores latino-americanos que se opunham às ditaduras militares do continente instauradas nos anos 60, 70 e 80”.
Após o seu retorno a Chile, Volodia Teitelboim publicou :Gabriela Mistral, pública y secreta (1991), Huidobro, la marcha infinita" (1993),Los dos Borges: Vida, sueños, enigmas (1996), Muchacho del siglo XX (1997), Notas de un concierto europeo (1997), Voy a vivirme (1998), La gran guerra de Chile y otra que nunca existió (2000). Obra toda na Editorial Sudamericana de Chile, Santiago.
E já no século XXI, escreveu Noches de rádio (2001) e Ulises llega en locomotora, (2002), seus dois últimos romances. (ANSA)
01/02/2008 09:58. Para saber mais da vida de Volodia, visite a Enciclopédia Net, Wikipedia, The free Enciclopedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Volodia_Teitelboim
Babeuf, Gracchus Nöel, 1794, escreve no seu Jornal La Tribune du Peuple, Nº 35, Agosto. O texto está no livro que tenho comigo: Babeuf, de Écrits présentes par Claude Mazauriac, Messidor, Éditions Sociales, 1988, Paris. O livro está comigo por causa do Historiador Jean Soublin, que guarda correspondência comigo per e-mail, chamou a minha atenção sobre estes autores. O texto não está na Net, mas sim no livro referido. Para saber onde encontrar o texto, visite a Página Web: http://links.jstor.org/sici?sici=0031-2746(196207)22%3C60%3ATBFUTP%3E2.0.CO%3B2-5 . Para saber de Babeuf, visita o sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Gracchus+Babeuf+Le+manifeste+de+pl%C3%A9b%C3%A9ians&btnG=Pesquisar&meta= Para saber mais, visite a página Web, onde eu escrevo sobre o Manifesto, página Web: http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3941 , bem como esta referido num outro texto meu da Net: http://site2.caleidoscopio.online.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=32&Itemid=115 ou http://www.answers.com/topic/fran-ois-no-l-babeuf , bem como pode ler o seguinte: os neo-bovistas de Marseille , solicitaram a Marx e Engels escrever um Manifesto para comemorar as ideias da Igualdade proclamada pela Revolução Francesa de 1789, mas nunca cumpridas. Eles escreveram outro Manifesto ou: Le manifeste de Comunnards, traduzido como Manifesto Comunista, publicado na França em 1848. O texto está na página Web: http://fr.wikisource.org/wiki/Manifeste_du_parti_communiste?match=es ou no sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&sa=X&oi=spell&resnum=0&ct=result&cd=1&q=+Karl+Marx+Friedrich+Engels+Manifesto+de+Communards&spell=1 O conceito socialista não existia no Século XVIII, o conceito Comunista, foi criado por Marx e Engels em 1848. Babeuf foi o inspirador, por ser o Presidente da Commune de Paris, onde todos eram iguais! Sob o seu mandato, foi possível a liberação de Paris e inspirou a Revolução Francesa de 1789, que vinha desde o Sul, dos camponeses de Marselha. Para saber mais sobre a Revolução francesa , visite a página Web: http://fr.wikipedia.org/wiki/R%C3%A9volution_fran%C3%A7aise Pode visitar também o meu livro da Editora Afrontamento, Porto: O presente, essa grande mentira social. A reciprocidade com mais-valia. Ensaio de Sociologia Económica, no sítio Net: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ra%C3%BAl+Iturra+O+presente%2C+essa+grande+Mentira+Social(Continua)
Capítulo 3-De volta à Inglaterra. Corrigido 17-03-08
O leitor deve ter ficado com a ideia de ter estado em um país em Revolução, uma não declarada guerra civil . O leitor não se engana, o Chile era um País em sitiado, rodeado de inimigos de um projecto para sermos todos iguais. Desde os escritos de Babeuf, ou Gracchus Nöel , ao começo deste texto que estou a escrever, denominado Le Manifeste de Pébéians, ninguém tinha referido o conceito igualdade, excepto ao começo da Revolução francesa de 1789
Salvador Allende em 1970
…
resposta ao comentário de Luís Moreira….
Estes dias foram de debate em muitos sítios e páginas pessoais da internet. Foi um fim-de-semana de muitas lembranças e comemorações públicas e pessoais. Como é natural, as pessoais são de quem tem essas memórias íntimas. As públicas, para contestar, debater ou responder. Sinto-me no meio das duas. Não há memórias pessoais não vinculadas às memórias públicas. Se assim não fosse, não seríamos seres sociais, que, queiramos ou não, orientamos a vida pelas pautas da cultura, sendo cultura hábitos, costumes, idioma, comportamento adequado às circunstâncias, boa educação, simpatia, solidariedade, entre ajuda e outros hábitos que fazem de nós, pessoas. Habituamo-nos a uma forma de ser, comportamento que orienta as nossas vidas de uma forma quase inalterável, quer individualmente quer em grupo.
Quando muda o hábito, o grupo social fica desnorteado, não sabe qual forma de agir deva adoptar. No caso de Allende, houve uma mudança sem transição, passagem de um lugar, assunto, tom ou estado para outro. Isto foi o que aconteceu com o Governo de Salvador Allende.
Como se sabe, o Chile é um país com uma larga percentagem de classe média, essa classe que tem aprendizagem, habilitada para assuntos profissionais ou de ofícios que rendem dinheiro, ofícios e profissões que permitem um certo lucro, que, poupado, pode ser investido em bens que incrementam o capital de uma pessoa. Classe média que estava habituada aos seus trabalhos, a educar os seus filhos, a organizar pequenas indústrias ou comércio em parceria com membros do seu grupo doméstico ou da família alargada, ou empregados pagos com ordenados adequados ao seu trabalho. Atrever-me-ia a dizer que o Chile era um país de costumes e hábitos que raramente mudavam. Filho de Advogado, estudava Direito, filho de médico, a Faculdade de medicina era o seu destino.
Dentro dessa classe média, havia um largo grupo que dependia da Função Pública, nomeadamente em trabalhos de secretariar membros do Governo, os quais normalmente são bem remunerados e herdados pelos descendente, porque funcionam com base nas bem conhecidas cunhas ou favores pedidos a pessoas influentes que admitem no seu secretariado filhos de parentes ou amigos. Era hábito no Chile esse mudar de Governo, que levava ao poder pessoas de diferentes ideologias. Normalmente, a Administração Pública era sempre duplicada entre os apoiantes de governos anteriores com outra ideologia e os novos de ideologia ou de partidos, entretanto admitidos. Escândalo que todos toleravam, mas que Allende em todas as suas candidaturas à Presidência da República, quatro ao todo, tinha advertido que ele iria respeitar os funcionários de carreira, mas governaria com os seus próprios. A tramóia contra a sua ideologia socialista marxista estava montada. Especialmente quando anunciou a confiscação das grandes empresas, como as fábricas de tecidos de Tomé e Chiguayante, no centro sul do Chile, as minas de carvão e cobre e as grandes herdades de terra para serem entregues aos trabalhadores. O fim de Allende estava selado com estes princípios e ele sabia.
Foi assim que teve que correr. Mas a sua corrida não foi à margem da lei, pelo contrário, usou os resquícios não cumpridos da lei, como a da Reforma Agrária, lei que o seu antecessor, Eduardo Frei Montalva, tinha feito aprovar, para entregar as terras que não rendiam, por serem terras secas, sem água, que os inquilinos sabiam trabalhar com gado e pastorícia. Mas, terras que rendiam dinheiro apenas para eles e não para exportar e acrescentar o PIB do país. Era necessário confiscar as grandes haciendas, especialmente as produtoras de bom vinho para exportar e lucrar com os impostos sobre a exportação, tal como as de frutas. Outra lei que Allende usou, foi a votada por unanimidade nas duas câmaras do Congresso, a Chilenisación do cobre, uma triste lei que mandava pagar impostos unicamente pela extracção e exportação do mineral, a riqueza do Chile. Allende confiscou-as e demandou às empresas norte-americanas que as possuíam, o pagamento de uma indemnização pelo lucro obtido de bens que não lhes pertenciam por serem da Nação.
Não houve transição, não havia tempo. O Presidente era um homem honesto, falou abertamente das suas ideias socialistas, da redistribuição da riqueza: a cada um conforme as suas necessidades, de cada um conforme as suas possibilidades.
Como homem honesto, as nacionalizações pagas tiveram por base o acordo da avaliação efectuada pelos respectivos proprietários. Para fuga aos impostos, os capitalistas tinham avaliado as suas indústrias pelo valor mais baixo possível. Foi este, pois, o preço pago pelo Estado Chileno aos proprietários expropriados.
A impreparação e inexperiência dos trabalhadores na gestão dos bens, mesmo com a participação de alguns técnicos, aumentaram o caos vivido naqueles anos: repartiam a produção entre eles e vendiam-na como se fosse da sua propriedade. Allende teve que parar esse caos e muitos de nós correr às Haciendas, minas, e indústrias para formar consciência que os bens não eram deles, eram do Estado e era impossível criar um mercado negro de produtos que não lhes pertenciam.
Allende correu quer para nacionalizar, quer para pagar, quer para formar consciência proletária no povo, o que no seu terceiro ano de mandato começava a aparecer. Nós corríamos com ele, Cristão para o Socialismo, movimento religioso formado por freiras sacerdote e laicos, colaborou intensamente nessa campanha. Devo confessar que fui um desses, apesar de não ser homem de fé. Não mentia, defendia.
A corrida de Allende em tantas direcções, não o esgotaram. A sua popularidade continuava a subir, como aconteceu nas eleições municipais de 1972, em que a sua votação cresceu para 52% em todo o país.
Foi assim que pensou fazer um plebiscito, como a lei permitia, para perguntar ao povo se queria ou não que ele continuasse como Presidente. Estávamos certos que ganharia com uma percentagem de mais de 50% dos votos. Pensou apresentar a ideia ao povo, com consciência proletária em transição acelerada, a 12 de Setembro e confiou esse segredo, que poucos de nós sabíamos, ao General em Chefe das Forças Armadas.
No terror desse possível sucesso, o general advertiu de imediato as Forças Armadas, o General Leigh a CIA, e o golpe de Estado teve de ser antecipado e improvisado, sendo realizado na data que sabemos, um dia antes de anunciar a ideia de plebiscito ao povo do Chile.
Allende correu a alta velocidade, mas não atingiu o fim: foi assassinado a 11 de Setembro pelas forças que temiam o Chile como país socialista marxista...A transição tinha começado…mas foi brutalmente interrompida aquando do assassinato do Presidente…e a sua honestidade.
Carlos LouresEm 11 de Setembro de 1973, ainda sob a ditadura do Estado Novo, íamos recebendo as notícias terríveis que vinham do Chile. Cerca das seis da tarde (meio-dia em Santiago), estava na estação do Cais do Sodré com o Diário de Lisboa tremendo-me nas mãos e fazendo um grande esforço para que as lágrimas não se soltassem. Tudo estava perdido. Com o violento esmagamento da Revolução chilena, para nós, os marxistas que não acreditavam que da Rússia, da China, da Coreia ou da Albânia algo de positivo viesse, com Revolução cubana cada vez mais enredada nas malhas de outro imperialismo, o Chile era um farol de esperança. Um farol cuja luz era, naquele dia, brutalmente extinta.
Quando, a partir de 25 de Abril de 1974, pudemos livremente comentar o trágico acontecimento, cada tendência política fez a leitura que mais lhe convinha – os católicos conservadores viram nele a consequência lógica da tomada do poder por forças ao serviço do marxismo internacional, uma espécie de castigo de Deus. Os neo-liberais, não fugiram muito a esta explicação, pondo a tónica nas dificuldades que o governo de Salvador Allende colocou às leis do mercado. Isto é, puseram o mercado e os Estados Unidos no lugar de Deus. As diferentes linhas marxistas – os pró-soviéticos, os pró-chineses e os pró-albaneses – viram o golpe como uma resposta do imperialismo à política «aventureirista» do governo popular do Chile. Condenaram o golpe, mas a lição que tiraram foi a de que não se deve provocar o capitalismo.
No fundo, quando se falava do Chile, era de Portugal que se estava verdadeiramente a falar. Naqueles dezoito meses que a nossa Revolução durou, o povo celebrando a liberdade nas ruas, promovendo assembleias à revelia dos partidos, preocupava tanto os que defendiam uma solução «democrática» como os que pugnavam pela disciplinização do caudal revolucionário por parte das cúpulas dos partidos marxistas, estalinistas, marxistas-leninistas, maoístas, etc. PCP, UDP, MRPP e as dezenas de grupúsculos em que essa esquerda se cindiu.
A cada um sua verdade, como diria Pirandello, neste caso, a cada um o seu Chile. Pelas ruas, quando no «Verão quente» de 1975 se sentia já o bafo fétido da reacção, gritávamos «Portugal não será o Chile da Europa!», procurando esconjurar o perigo de um banho de sangue e de um regresso ao fascismo. Franco, apesar de moribundo, não hesitaria em nos enviar a sua divisão Brunete. (cujos carros de combate, diz-se, ainda chegaram a aquecer os motores para vir a Lisboa quando do disparatado assalto à Embaixada de Espanha. Os generais espanhóis, apenas esperavam autorização do Pentágono. Que não veio, pois Frank Carlucci, o embaixador norte-americano e homem da CIA, viu maneira de o assunto se resolver com a prata da casa – os Comandos e as suas «chaimites» foram suficientes para dominar uma esquerda militar dividida e hesitante. Otelo, que comandava o COPCON e dispunha de força suficiente para fazer os Comandos engolirem as «Chaimites», deixou-se aprisionar em Belém.
O povo, mesmo estando unido, pode ser vencido quer pelos seus inimigos quer pelos seus falsos amigos. Foi assim no Chile. Foi assim em Portugal, embora de forma muito menos dramática. Os chilenos, pelos caminhos da repressão brutal, os portugueses conduzidos por cavilações subtis, estão todos onde os donos de Pinochet e os patrões dos governantes portugueses queriam. Nos braços da economia de mercado.
Mas se a lição do Chile não evitou que a Revolução de 25 de Abril se tenha transformado numa “evolução” para a normalidade, torna-se mais estranho que ela não tenha servido aos chilenos para, pelo menos, recusarem novos governos assumidamente de direita, como recentemente fizeram ao eleger Sebastián Piñera para a presidência, em substituição da socialista Michelle Bachelet. Já aqui tenho dito por diversas vezes que a direita se move dentro dos chamados sistemas de democracia representativa como peixe na água. Os golpes militares deixaram de fazer sentido – carros de combate nas ruas, jactos bombardeando palácios presidenciais, fuzilamentos, tortura? É caro e é feio - dá mau aspecto.
Para quê tanto espalhafato – com a Amnistia Internacional à perna e os jornalistas a especularem? Em vez de tiros, votos; em vez de tanques, aviões e fuzilamentos, promessas demagógicas que toda a gente sabe que não vão ser cumpridas. E nem vou dizer que estou surpreendido com o que aconteceu no Chile, com a eleição de Piñera. Afinal, nós portugueses, depois de quase meio século de ditadura, não deixámos que, à sombra da democracia, se criasse uma ditadura do bloco central? A direita aprendeu a lidar com a democracia e manipula-a melhor do que a esquerda.
“Portugal não será o Chile da Europa!” – onde isso já vai.