Domingo, 20 de Março de 2011

A poesia é uma arma carregada de futuro? – por Carlos Loures

 

Celebra-se amanhã o Dia Mundial da Poesia. Mais um daqueles «dias» de que não gosto. Esta moda dos «dias», quando não é pura operação de marketing, parece-me ser uma maneira de pagar dívidas – o dia da mulher, maltratada e secundarizada ao longo dos tempos, o dia dos direitos humanos, permanentemente esquecidos e violados… Uma maneira de pagar dívidas com moedas falsas, digamos. O dia da poesia, não foge à regra – numa sociedade cada vez mais prosaica e utilitária, cada vez mais voltada para o ter, em detrimento do ser, o dia da poesia surge como uma compensação mal amanhada ao desprezo a que a arte poética é votada. Mas, podemos aproveitar o ensejo para abordar o tema do papel da poesia e do lugar do poeta na sociedade dos nossos dias.

 

Há meses atrás, a propósito da “maratona poética” que realizámos, interrogava-me se os poetas seriam ladrões de fogo ou artífices do verbo? Ladrões de fogo” foi uma expressão de Jean-Arthur Rimbaud que usei num texto que publiquei no terceiro número da revista “Pirâmide”. Nesse texto comparava os poetas a Prometeu. O poeta é um ladrão de fogo, um mago. Pelo poder da palavra cria a beleza para a ofertar aos homens. A comparação faz sentido, é sugestiva, mas talvez haja outra, menos bela, mas não menos verdadeira, pois o  poeta produz esta magia usando palavras comuns. A capacidade de, com palavras usadas no dia a dia, construir um poema, pode conduzir-nos à tal conclusão, complementar da primeira – além de mago, o poeta é um artífice.

 

A comparação com Prometeu trazendo o fogo do Olimpo para a Terra ou, como também já li algures, com Orfeu enfeitiçando a natureza, homens, animais e plantas, com o seu canto melodioso, é muito bonita. Mas equipará-lo a um trabalhador leva-nos a uma imagem, menos “poética” no sentido convencional, mas mais integradora da arte poética no quotidiano.: o poeta é um artífice. A expressão «artes e ofícios» tem aqui pleno cabimento - o poeta é, portanto, um homem comum, um artista como um sapateiro ou um alfaiate o são. Em vez de cabedal ou de tecido, usa palavras, sentimentos e conceitos como matéria prima.

 

Porque, na verdade, a divinização do poeta, isola-o e condena-o ao ostracismo. Ora um poeta, um escritor, um artista deveria ter uma função na sociedade. Como teve. Bem sei que na Pré-História não havia televisão, nem blogues, mas quem, nas sociedades primitivas dispensaria que à noite, acabadas as tarefas diárias, se contassem histórias? Podemos puxar pela imaginação: o fulgor das labaredas das fogueiras cria sombras sinistras nas paredes da caverna. O poeta, o contador de histórias descreve as peripécias da caçada, as crianças aconchegam-se temerosas às mães e as passagens mais excitantes da narrativa são sublinhadas com gritos de medo ou com um rumor de assentimento. Esse contador de histórias, o aedo da Grécia, bardos, jograis, trovadores, tiveram a mesma tarefa de um poeta, ou de um escritor dos nossos dias – efabular a realidade e devolvê-la, valorizada pelo verbo, aos seus protagonistas - os homens comuns. Não me digam que isto não é um trabalho.

 

Vejo persistir um conceito de poesia que nada tem a ver com essa função social, identificando-a com coisas etéreas e ideias imprecisas. Ora, na minha maneira de ver, a poesia nada tem a ver com essa indefinição. Ela  é, tal como o sonho na “Pedra Filosofal” como diz o Gedeão . "uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer” e o poeta, um trabalhador tão necessário como todos os outros. Claro, há grande poesia intimista, que ao dar-nos conta da dor, da angústia do indivíduo que a confessa, nos torna conscientes das nossas próprias dores e angústias. Não estou a querer reduzir o território da poesia. Estou a retirá-lo das regiões etéreas e a trazê-lo para o mundo dos homens.

 

Um dos sortilégios da poesia é explicar num verso o que, de outra maneira, só pode ser dito em muitas palavras. Mais do que mil explicações que aqui desse, há um poema de Gabriel Celaya (La Poesía es un Arma Cargada de Futuro) onde o que, para mim, a poesia deve ser cabe em quatro versos:

 

Poesía para el pobre, poesía necesaria
como el pan de cada día,
como el aire que exigimos trece veces por minuto,
para ser y en tanto somos dar un sí que glorifica.

 

E, noutros quatro versos, diz também o que entendo que a poesia não deve ser:

 

Maldigo la poesía concebida como un lujo
cultural por los neutrales
que, lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no toma partido hasta mancharse

 

Mas é melhor ouvirmos todo o poema na voz de Paco Ibañez:

 

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Quarta-feira, 8 de Setembro de 2010

Maratona Poética - Gabriel Celaya



Gabriel Celaya
(Hernani, Guipúzcoa, 1911 – Madrid,  1991


LA POESÍA ES UN ARMA CARGADA DE FUTURO

Cuando ya nada se espera personalmente exaltante,
mas se palpita y se sigue más acá de la conciencia,
fieramente existiendo, ciegamente afirmado,
como un pulso que golpea las tinieblas,

cuando se miran de frente
los vertiginosos ojos claros de la muerte,
se dicen las verdades:
las bárbaras, terribles, amorosas crueldades.

Se dicen los poemas
que ensanchan los pulmones de cuantos, asfixiados,
piden ser, piden ritmo,
piden ley para aquello que sienten excesivo.

Con la velocidad del instinto,
con el rayo del prodigio,
como mágica evidencia, lo real se nos convierte
en lo idéntico a sí mismo.

Poesía para el pobre, poesía necesaria
como el pan de cada día,
como el aire que exigimos trece veces por minuto,
para ser y en tanto somos dar un sí que glorifica.

Porque vivimos a golpes, porque apenas si nos dejan
decir que somos quien somos,
nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno.
Estamos tocando el fondo.

Maldigo la poesía concebida como un lujo
cultural por los neutrales
que, lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no toma partido hasta mancharse.

Hago mías las faltas. Siento en mí a cuantos sufren
y canto respirando.
Canto, y canto, y cantando más allá de mis penas
personales, me ensancho.

Quisiera daros vida, provocar nuevos actos,
y calculo por eso con técnica qué puedo.
Me siento un ingeniero del verso y un obrero
que trabaja con otros a España en sus aceros.

Tal es mi poesía: poesía-herramienta
a la vez que latido de lo unánime y ciego.
Tal es, arma cargada de futuro expansivo
con que te apunto al pecho.

No es una poesía gota a gota pensada.
No es un bello producto. No es un fruto perfecto.
Es algo como el aire que todos respiramos
y es el canto que espacia cuanto dentro llevamos.

Son palabras que todos repetimos sintiendo
como nuestras, y vuelan. Son más que lo mentado.
Son lo más necesario: lo que no tiene nombre.
Son gritos en el cielo, y en la tierra son actos.
_______________

Como só ele sabe, Paco Ibañez  canta agora- "La Poesia es un arma cargada de Futuro".




Daqui a 20 minutos acaba a nossa maratona.
Um último poeta; quem será? Será apenas um?

__________________
publicado por Carlos Loures às 23:40
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