Much ado about nothing, é, como se sabe, o título de uma peça do divino Shakespeare. Vi-a há uns bons vinte anos muito bem encenada e representada no Teatro da Cornucópia, dirigido pelo excelente Luís Miguel Cintra. Para o que quero dizer hoje, a história que a peça conta não interessa; aliás nestes últimos dias, talvez influenciado pela realização do Congresso realizado em Viana do Castelo, tenho procurado no teatro a inspiração para as minhas crónicas. Hoje fui buscá-la ao mestre William.
Penso que a cada facto da actualidade deve ser dada a importância que ele realmente tem e para mim (e se fosse só para mim, não valeria a pena escrever este post). Pois o tema que vou abordar é completamente irrelevante. É o tema dos políticos descartáveis, como são agora as fraldas a que o Eça aludia e cuja substituição aconselhava a bem da higiene. Diz-se (ou melhor há quem garanta) que Passos Coelho será o futuro primeiro-ministro de Portugal. Será ou não será, mas, mesmo que seja, o que irá isso mudar nas nossas vidas? Passos Coelho é um rapaz emproado, muito convencido da própria importância, a quem nunca ouvi uma frase que merecesse a pena reter. Daquela cabeça nunca sairá uma ideia que se aproveite, vaticino eu. Mas, na sua insignificância intelectual, é um dos tais políticos descartáveisque fazem muito jeito a quem, de facto, manda. Quanto mais ideias tivesse, mais empatava o negócio. Essa gente que decide deve estar hesitante entre um Sócrates que já deu boas provas e um outro que demonstra ter aptidão para o cargo. Os eleitores talvez estejam receptivos a mudar, mas há aquela de que em equipa que ganha não se mexe. E Sócrates já provou aos patrões que é um ganhador. Quando decidirem, dão corda aos papagaios da comunicação social e vai disto. Os eleitores quando forem votar "livremente"´, já estarão devidamente esclarecidos. Porque isto não é uma questão em que entrem as ideias. Os interesses é que interessam. Os deles. Falemos um pouco desse partido que se autodesigna "social-democrata" e de alguns das suas figuras mais mediáticas.
Do Partido Social Democrata, ou do seu antecessor PPD, nunca saiu uma palavra, um conceito, uma ideia. Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador arguto, mas previsível. Pacheco Pereira é um homem de cultura, mas que se perde em labirintos que ele próprio constrói. Intelectualmente, Pedro Passos Coelho, fica muito atrás de qualquer deles. Em suma, o PSD é um deserto de ideias. Dirão, e o PS- Perguntarei qual deles? Aquele onde milita Eduardo Lourenço? O de Soares? O de Sócrates? Sobre cada uma destas sensibilidades, tenho uma opinião diferente. Mas o PS foi ontem – hoje estou a falar do PSD.
Sá Carneiro, a figura de proa do partido, o que disse ele de importante? Este discurso de que o vídeo abaixo se refere, é um exemplo de demagogia acabada, palavras de circunstância ditas numa altura em que usar gravata nos transportes públicos dava direito imediato ao apodo de fascista. É apesar de tudo elucidativo sobre o vácuo que já por ali existia - para comunicar tinham de recorrer à linguagem corrente,com frases que tanto podiam vir da esquerda como da direita - nada de próprio, de original. Do CDS e do PPD à extrema-esquerda quem não abrisse uma intervenção com palavras deste género perdia o direito ao uso da palavra. Onde está a genialidade que nos obriga a suportar o nome deste senhor em avenidas e praças de todo o País?
Comícios aparte, citem-me uma frase lapidar (já nem peço um discurso, um livro, porque não gosto de pedir coisas impossíveis). Lugares comuns, frases de sentido banal e de moralidade óbvia na melhor das hipóteses. Um deserto de ideias, repito, o PSD e o pensamento de Sá Carneiro. Nunca percebi a razão do culto. A única explicação reside na sua morte trágica. Hagiograficamente terá valor, mas é pouco em termos de filosofia política.
Por favor, não extraiam desta apreciação negativa elogios aos outros partidos – estou apenas a falar do PSD, não se infira o que não digo. Embora desde já possa dizer o que toda a gente sabe – o PS tem na sua origem algumas bases de filosofia política (o pior é a prática), o PCP também e é mesmo o mais ortodoxo, o BE é a manta de retalhos que tudo cobre – Enver Hodja, Trotsky, Mao, Greenpeace e os touros de morte de Salvaterra; o CDS… O CDS existe fora dos mercados em época eleitoral? Mas estou só a falar do PSD.
Deliberadamente, não me refiro à personalidade do Passos Coelho. Não me interessa. Dará um primeiro-ministro? Claro que sim. Nem bom nem mau, antes pelo contrário – Pedro Sócrates ou José Passos Coelho - mais um para no dia seguinte ao da sua eleição começar a ser atacado por partidos da oposição, sindicatos, professores, médicos, bombeiros voluntários… Os atletas do tiro ao alvo gostam de mudar a fotografia com que exercitam a pontaria. Já aqui tenho por diversas vezes afirmado o desfasamento evidente entre as designações dos partidos, as suas bases programáticas e a sua prática política. Quando eu era pequeno, havia uns brinquedos, creio que da Majora, com rectângulos de madeira – cabeças, troncos e membros que se tinham de colocar no devido lugar para formar as figuras certas. Pois os nossos partidos parecem o resultado desse jogo feito por uma criança estúpida ou maliciosa – a cabeça de um polícia, o tronco de um crocodilo e as pernas de uma bailarina – ou vice versa.
A propósito do pensamento de Alain Touraine sobre o socialismo, falei sobre a discrepância entre a filosofia política do socialismo e a prática política dos partidos europeus que usurparam esse nome. Falando da social-democracia, eu diria que esta (numa definição sintética de enciclopédia) é uma ideologia política de esquerda surgida, como quase todas elas, no século XIX, como eco da grande revolução de 1789 e na sequência do socialismo utópico que afirmava o princípio da igualdade, da fraternidade e da liberdade, mas não encontrara o caminho para atingir tais objectivos.
A social-democracia surgiu da necessidade de encontrar uma transição pacífica da feroz sociedade capitalista da época, com crianças de cinco anos e mulheres grávidas a trabalhar nas fábricas, para uma sociedade socialista, igualitária, fraterna e livre. Era gente marxista, mas que lutava por uma evolução pacífica, democrática e sem traumas, para o socialismo. O berlinense Eduard Bernstein (1850 - 1932) foi o grande pensador revisionista do marxismo e talvez o principal teórico da social-democracia.
Façamos uma pausa e reconheçamos que este desiderato corresponde ao melhor do objectivo fundacional do PS. Mário Soares e companhia eram, pois, teoricamente, pelo menos, social-democratas. A praxis social-democrata diverge da marxista por defender o primado da luta política, sobrepondo-a à igualitarização social e à imposição de reformas económicas bruscas e traumáticas. Uma transição gradual do capitalismo para o socialismo, portanto. Uma espécie de quadratura do ciclo.
O que li na (quanto a mim paupérrima) obra política de Sá Carneiro não foi nada disto, mas sim a defesa de conceitos neo-liberais, a recusa da luta de classes. A recusa da revolução, portanto. Estou a referir-me a Por uma Social-Democracia Portuguesa (1975) que li há mais de 30 anos.
Tudo seria muito bonito, se o capitalismo não fosse um animal feroz, cioso dos seus interesses, ao ponto de destruir cidades com bombas nucleares para os defender. O reformismo gradual preconizado pela social-democracia, o tal socialismo de rosto humano, é uma coisa bonita como o milagre das rosas, mas impraticável. Porém, o que este partido soit disant social-democrático preconiza nem sequer é isso – defende pura e simplesmente o princípio neo-liberal do cada um que se amanhe, nasces pobre, mas amanhã podes ser milionário e por aí fora.
O que acontece ao PSD não me interessa e só o digo por saber que, verdadeiramente, só interessa a quem faz da política carreira profissional. Porque se o PSD ganhar as próximas legislativas nada de importante mudará nas nossas vidas – o novo governo não voltará atrás com nenhuma das medidas erradas que o actual assumiu e acrescentar-lhes-á outras igualmente lesivas dos nossos interesses. O PSD, diga-se, nada tem a ver com a social-democracia. Os social-democratas, os genuínos, queriam atingir o comunismo sem revolução, através de reformas sucessivas que iriam tornando o capitalismo cada vez menos malévolo. Os social-democratas portugueses não querem nada disso – talvez atingir um welfare state democrático, com um mínimo de perturbações sociais (isto para os mais revolucionários).