Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2011

Fiat Lux, a propósito de CDS: apenas uma nota pessoal – 4 – por Júlio Marques Mota

Como se assinalou recentemente na Assembleia da República Francesa, “enquanto no mercado das acções, as posições curtas (vendas a descoberto) ao apostarem na depreciação de activos, que se obtêm por empréstimo ou que se fica de entregar mais tarde (3 dias no máximo), apresentam um risco superior (consequentemente mais dissuasivo) ao das posições longas (a de um comprador que detém uma acção e aposta sobre a subida do seu preço - o prejuízo não pode exceder o seu preço inicial, o de compra), enquanto tal os CDS oferecem não somente um meio de obter uma posição curta sobre as obrigações, mas podem incitar os especuladores a apostarem sobre o default dos emitentes[1] e exercer uma pressão à baixa sobre as obrigações subjacentes. Porque comprar a protecção (a posição curta) é tomar o risco de perdas fracas face a lucros potencialmente levados (a fortiori se o comprador não detém o título subjacente portador material do risco), enquanto vender protecção conduz à existência de lucros potencialmente muito elevados (está a comprar o risco subjacente)”.

 

Em síntese, no mercado das acções, para o especulador sobre operações curtas, a venda a descoberto, o prejuízo é ilimitado e o ganho é limitado. No caso dos CDS, especular sobre a descida das obrigações é comprar CDS e aqui o prejuízo é limitado ao prémio de risco enquanto o ganho é relativamente ilimitado. De acordo com Satyajit Das o contrato de CDS facilita a venda a descoberto do risco de crédito. Isto permite ultrapassar os problemas estruturais, como a natureza ilíquida do mercado de garantias dadas sobre títulos privados (as operações repo anteriormente citadas) que existem quando se quer especular a descoberto directamente com títulos dados como garantia.

 

Conclusão em mercados à baixa é favorecida a especulação sobre obrigações, onde o ganho pode ser considerado relativamente ilimitado e os CDS aparecem aqui como um instrumento de excelência para o efeito.

 

Os CDS são transaccionáveis e, portanto, tendem a ser encarados como autênticas garantias que podem ser vendidas em qualquer momento. Os agentes nestes mercados compram-nos não porque esperam uma eventual situação de incumprimento, mas sim porque esperam que os CDS variem de preço em resposta à evolução da situação financeira, da empresa ou do país. Os títulos descem, o medo instala-se, num movimento de Panurge, a procura de CDS aumenta, o prémio de risco aumenta, e pode-se voltar a vender os CDS que comprados, por exemplo, a 2% podem ser vendidos agora a 5 ou 6% aos múltiplos gestores de contas, de fortunas, aos fundos de pensão das seguradoras, etc. Como sublinhou Michel Aglietta na citada Assembleia da República Francesa, “privados de todo e qualquer determinante objectivo, os actores tomam as suas decisões em funções heurísticas que consistem, na prática, a imitar os outros. Cada um está assim sobre o mesmo quadro de referência [e com o mesmo programa informático, diremos nós], produz-se uma convenção de desconfiança relativamente a todos os valores, excepto o da liquidez absoluta: é, pois, uma convenção do medo que se instala”. E se o pânico continuar a crescer, quem os compra, volta também a especular, vai vendê-los a uma taxa mais alta e, por cada subida de taxa, por cada acesso de pânico, por cada subida de CDS, esta repercute-se nas emissões seguintes do Tesouro Público de cada país e são os Estados soberanos que afinal estarão a pagar tudo, e tudo porque se permite esta arma mortífera contra os Estados, as vendas a descoberto ou o seu equivalente, os CDS. Alimente-se a máquina do medo, este instala-se, os spreads disparam e eis os gestores de contas a correr contra o desastre que temem que pode acontecer repentinamente, comprando as protecções para os títulos que têm. Como se sublinhou na Assembleia da República Francesa “sem ir até à teoria da conspiração conduzida por especuladores ávidos, basta que os mercados financeiros tenham seguido as suas tendências naturais para que a crise se espalhe e se agrave em proporções muito excessivas relativamente aos riscos reais.

 

A dinâmica dos mercados é, em si-mesma, auto-realizadora: quando antecipam um agravamento dos riscos de incumprimento, a procura de protecção sobre os títulos cresce; os prémios de risco aumentam ou o valor dos CDS sobe; correlativamente os mercados exigem taxas de remuneração superiores para os novos empréstimos. O refinanciamento torna-se mais caro, o serviço da dívida aumenta, os défices dos países em dívida aumentam, necessitando a emissão de cada vez mais títulos de dívida, os riscos de insolvabilidade aumentam. As taxas voltam a subir ainda mais, ainda mais e assim sucessivamente”, a dinâmica da dívida criada pela desregulação dos mercados e pelos encargos assumidos torna-se infernal e simultaneamente estrutural. Na linha deste documento oficial de um país da zona euro, podemos pois afirmar, com efeito, que a actual estrutura da UEM que a Comissão quer ainda mais reforçada, tem levado a uma situação criada pelos mercados financeiros que é, no mínimo, bem caricata. Sobre os títulos da dívida traçam-se grandes apostas, e a especulação é isso mesmo, mas onde o resultado é só um. Como? Simples. O medo instala-se, o especulador ganha, o custo do risco dispara, todos terão ficado a ganhar, esse risco estende-se a todos os títulos emitidos independente das suas maturidades e o Estado esse, vai pagar tudo isso nas próximas emissões. O especulador perde, as apostas são de muitos, muitos milhões mesmo e o Estado vai, via Orçamento, salvar o banco, e o resultado é o mesmo.

 

Voltámos a pagar, via défice primário. Em tempo de crise, em tempo de pânico, no mínimo, é criminoso. Mas, já agora, haja alguém, algum governo, algum ministro das Finanças, algum regulador que esclareça todos os que da crise estão a ser vítimas como se determina e com que rigor, afinal, o valor dos CDS da dívida soberana, qual é afinal o risco de incumprimento de um Estado sobre a sua dívida! Que o diga, por exemplo, Christine Largarde, ministra da Economia de França, depois de ter lembrado que “a crise grega diz-nos que o mais pequeno estremecimento provocado pelo muito estreito mercado dos CDS soberanos é suficiente para deslocar o preço das obrigações soberanas, permitindo àqueles que se tinham posicionado a descoberto embolsarem lucros importantes, mesmo se a prova precisa que estes movimentos foram criados nunca existirá”. A ministra sabe, os Governos sabem, a Comissão Europeia sabe, os Reguladores sabem, mas os trabalhadores gregos, esses, que trabalhem, que paguem. Na Europa, sobretudo, que nos digam então como se explicam as quantias agora exigidas, como se explicam os spreads aplicados. Se aceitam que todos nós as paguemos, que aceitem então explicar a cada um de nós a razão exacta daqueles montantes de encargos que nos saem a todos nós das entranhas da vida. Um exemplo, tirado de MarKit, a 6 de Janeiro de 2011, quanto a spreads em vigor: como  CDS soberanos tínhamos os seguintes valores por país : a Alemanha (55 pontos de  base), a Bélgica, (238), a Espanha, (346), a França (108), a Itália, (247),  a Irlanda, (609), Portugal, (526), a Grécia, (1009, ou seja 10%, digamos, sem comentários) enquanto que o CDS aplicado à Turquia ,(146).  Graficamente, a 6 de Janeiro de 2011 as imagem que destes  mercados nos  são mandadas, são as seguintes:

 

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 21:00

editado por Luis Moreira às 17:30
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Quinta-feira, 20 de Maio de 2010

Proibição do véu integral em França . Defesa da dignidade da mulher ou ataque à sua liberdade individual


Frederico Mendes Paula
“A defesa patrimonial da laicidade é levantada pelos gauleses contra as mudanças culturais. Mas é difícil lutar contra essas mudanças quando trazidas pelos próprios franceses. Já não podemos brincar ao nós e eles quando são francesas convertidas ao Islão a usar o niqab”.

Muito se tem falado em relação á presença Islâmica na Europa, sobretudo em França, sobre o facto de os imigrantes tentarem impor os seus costumes enquanto estrangeiros mal agradecidos á sociedade ocidental, a qual os acolheu benevolentemente.

Vou-me centrar em França, país onde o debate está na ordem do dia e que personifica a meu ver a contradição ocidental entre tolerância e xenofobia.

Em primeiro lugar convém lembrar que a população de origem magrebina existente em França resulta do facto de os franceses terem colonizado os seus países durante décadas, concedendo posteriormente a esses povos o direito de viverem e trabalharem em França.

Em França, onde fazem o trabalho sujo que os franceses não querem fazer e onde pagam os seus impostos, que contribuem para pagar as reformas dos franceses.

Hoje em dia os franceses de origem magrebina são aproximadamente 5.000.000 de pessoas, quase 10% dos 65.000.000 de franceses, cidadãos de pleno direito desse país e maioritariamente muçulmanos.

Algumas das mulheres que professam a religião muçulmana, cerca de 2.000, usam o niqab, um véu que esconde a face, associado ao hijab ou ao xador, que lhes cobrem a cabeça e o pescoço.

Essas 2.000 mulheres representam cerca de 0,003% da população de França e 0,08% do total de mulheres muçulmanas francesas.

É deste “problema” que estamos a falar, ainda por cima com uma nuance _ a grande maioria dessas mulheres são jovens de origem magrebina nascidas em França ou francesas convertidas ao Islão.

Segundo as estatísticas existem cerca de 60.000 franceses convertidos ao Islão, a maioria dos quais mulheres, número que aumenta anualmente em cerca de 3.600 cidadãos.

Para “resolver este problema” o governo de Sarkozy vai apresentar um projecto de lei, que para muitos dificilmente terá pernas para andar do ponto de vista jurídico, pretensamente para defender a dignidade da mulher muçulmana.

Esse projecto de lei contém, de entre vários artigos, dois fundamentais:

O artigo 1 que pune com uma coima de 150 euros o uso de qualquer adereço destinado a dissimular a face no espaço público, podendo a coima ser substituída por um “serviço de cidadania”; o artigo 2, que está a ser fortemente contestado pela comunidade muçulmana, que prevê 1 ano de prisão e 15.000 euros de multa a quem “instigar” o uso de qualquer adereço que dissimule a face (este segundo artigo destina-se a abrir a porta á prisão de homens por denúncia de mulheres).

Na minha opinião o resultado prático desta lei, a ser aprovada, será o mesmo que teve a proibição do hijab nas escolas francesas em 2004 _ aumentou exponencialmente o seu uso entre as alunas de origem magrebina.

A própria falta de tacto com que Sarkozy está a lidar com o problema, apelidando o niqab de burqa, comparando os cidadãos muçulmanos franceses aos talibãs, chamando ignorantes aos franceses ao pretender que não sabem distinguir uma coisa da outra, mostra que a forma de o governo combater o fundamentalismo em França só vai contribuir para engrossar as fileiras dos obscurantistas “islâmicos”.

O aparecimento desta lei neste momento tem como razão desviar as atenções da população dos verdadeiros problemas existentes na sociedade, procurando um bode expiatório para a crise, e assim tentar reconquistar os votos que Sarkozy perdeu para a extrema-direita de Le Pen.

Se bem que algumas mulheres o utilizem por opção com justificação religiosa ou pressão dos maridos, a maioria utiliza-o como forma de contestação política e tomada de posição face aos valores do ocidente, que segundo elas, permite a degradação da imagem e dignidade da mulher, por exemplo aceitando a prostituição em lugares públicos e a pornografia.

Esta tomada de posição ideológica joga contra o próprio Islão e aumenta o sentimento de islamofobia por parte da sociedade ocidental que vê na religião islâmica, e diga-se que legitimamente, um factor de atraso social e de “marcha atrás” da humanidade no seu caminho para o progresso.

Não esquecer que fobia significa medo e é de facto o medo que motiva a xenofobia dos ocidentais.

Faço notar que do lado “islâmico” não estamos a falar de religião nem de espiritualidade, mas sim de obscurantismo, intolerância, ignorância, aproveitamento político e manipulação, que os integristas ou fundamentalistas não desperdiçam para cativar pessoas para as suas fileiras.

Os defensores do véu integral legitimam o seu uso invocando o versículo 59 da Surat Al-‘Ahzab do Alcorão, que diz:

“Ó Profeta! Dize a tuas mulheres e a tuas filhas e às mulheres dos crentes que se encubram em suas roupagens. Isso é mais adequado, para que sejam reconhecidas e não sejam molestadas. E Allah é Perdoador, Misericordiador.”

A interpretação manipuladora e imediatista do Alcorão, que estes sectores da sociedade fazem, esvaziando-o do seu misticismo, espiritualidade e carácter gnóstico, não vendo no Livro nada para além das letras, é certamente o maior inimigo da Religião Islâmica e dos Muçulmanos enquanto comunidade de crentes.

Em Dezembro de 2009, o recém-falecido reitor da Universidade de Azhar do Cairo, Muhammad Sayyed Tantawi, afirmou que o niqab, o xador e a burqa não são islâmicos, são signos tribais.

E proibiu o seu uso nas várias instituições dependentes da Universidade, seguindo-lhe outras instituições.

O uso do véu integral não é islâmico. Nem no Alcorão nem na Sunnah.

Aliás o véu constituía até meados dos anos 90 uma excepção dentro do universo islâmico, altura em que começa a generalizar-se por motivo da influência integrista, sendo inclusivamente imposto pelos regimes mais retrógrados como por exemplo pelo dos talibãs, curiosamente na altura financiados e apoiados pelos Estados Unidos da América.

O véu integral é assim uma tomada de posição ideológica que surge por reacção á própria incapacidade dos países islâmicos em acompanhar a marcha do progresso, em proporcionar aos seus cidadãos liberdade, democracia e justiça.

Constitui de facto um factor de atraso social, discriminação da mulher e é atentatório da segurança pública.

Mas este problema terá de ser resolvido no seio da comunidade islâmica e não imposto por falsos moralistas como Sarkozy.

Cabe aos muçulmanos separar as águas, afirmando o Islão como uma religião tolerante, como uma via para a espiritualidade da sua comunidade, compatível com uma sociedade moderna e como contributo para a coexistência entre os povos.

Cabe aos muçulmanos separar a religião da prática social, separar o poder espiritual de poder político, conferir independência ao poder judicial, defender o carácter laico do estado nos países Islâmicos.

Já há quem hoje em França se interrogue sobre qual será a atitude do governo em relação ás poderosas sauditas veladas que anualmente visitam Paris e esbanjam milhões nas suas luxuosas lojas. Irão pagar a multa dos 150 euros? E os maridos, milionários que alimentam poderosos negócios europeus, serão encarcerados durante um ano por instigarem as suas mulheres a encobrir a face? A ver vamos.



publicado por Luis Moreira às 09:00
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Quarta-feira, 19 de Maio de 2010

O véu muçulmano em França



Transcrito do Aventar mas com a autorização do seu autor, Frederico Mendes Paula, vamos amanhã publicar " Probição do véu integral em França - Defesa da dignidade da mulher ou ataque à sua liberdade individual".




Esperamos tambem que a nossa " caçadora de estrelas" Manuela Degerine, escritora e professora a viver em França, nos possa trazer o seu testemunho para enriquecimento da discussão de um assunto tão importante para a Europa (Luís Moreira).
publicado por Luis Moreira às 23:00
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Bonjour, Schengen


Pedro Godinho

(comboio nocturno expresso Madrid – Paris, 1995)

- Bonjour… – cumprimentaram da porta as três raparigas e ficaram à espera que o homem que lhes bloqueava a entrada acabasse de arrumar as malas.
Ofereceu-se para lhes arrumar as mochilas. Acomodadas as bagagens elas entraram e instalaram-se. Os seis lugares do compartimento ficaram ocupados.
- São franceses? - perguntou a mais nova das raparigas, no momento em que o comboio Madrid-Paris abandonava a gare.
- Português.
- Europeu - respondeu o homem que lhes arrumara as mochilas, enquanto a mulher sorria aprovadora.
- Europeu? Mas é francês? - perguntou uma das raparigas, acrescentando que elas eram mexicanas.
- Sim, sou francês, mas agora digo sempre que sou europeu. - retorquiu o homem, iniciando uma profissão de fé na Comunidade Europeia e discorrendo sobre as vantagens do acordo de Schengen, mesmo para os não europeus. - Graças a Schengen viaja-se sem formalidades fronteiriças ou controlos de identidade - concluiu.
As mexicanas confirmaram que de facto apenas lhes tinham controlado os passaportes à chegada de avião, provenientes do México, mas não na viagem de comboio de ida Paris - Madrid.
- Bonjour... - a conversa foi interrompida pela chegada do revisor francês pedindo os bilhetes e os passaportes.
- Passaportes? mas Schengen... - começou o homem francês.
- E não me peçam explicações… Enquanto não vier a circular com novas directivas as ordens são para fazer como sempre. - disse o revisor - , enquanto guardava bilhetes e passaportes, depois de controlados, num envelope com o número do compartimento-cama. Recebemo-los de volta na manhã seguinte, uma hora antes de chegar a Paris.
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publicado por Carlos Loures às 21:00
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Terça-feira, 11 de Maio de 2010

Resistir ou colaborar?

Carlos Loures

No convívio com franceses, apercebi-me de que, muitos anos depois da ocupação alemã ter acabado, persistiam em vastos sectores da população, nomeadamente nas camadas mais pobres, ódio e preconceito contra os judeus. Ouvimos, lemos, vemos filmes sobre as o heroísmo da Resistência, mas a outra face da moeda foi o colaboracionismo. Porque durante uma ocupação ou uma ditadura, à maioria das pessoas oferecem-se duas possibilidades. Resistir ou colaborar.

O conceito de resistência abrange um vasto leque de opções que vai desde a distribuição de panfletos à luta armada contra o invasor. Colaborar é também conceito abrangente, indo desde não fazer nada, aceitando as ordens de quem manda, até à denuncia dos resistentes. Em Portugal, durante o período da ditadura, grande parte da população colaborou, mais que não fosse com a sua passividade, embora houvesse quem preenchesse as fileiras das forças repressivas ou se alistasse na Legião Portuguesa. Como se sabe, houve também quem resistisse.

Estamos a falar de coisas diferentes. Resistir em Portugal, contra a ditadura, ou em França contra o ocupante alemão, significaram graus de risco não comparáveis. Aqui, houve quem fosse assassinado, houve prisões prolongadas, torturas, represálias. Em todo o caso, muitos dos que resistiram, sobreviveram para narrar o que lhes aconteceu. Em França, fuzilamentos, campos de concentração e câmara de gás, depois da prisão e da tortura, foram a regra. A sobrevivência, foi a excepção.



Vêm estas considerações a propósito de um filme estreado recentemente em França, “La rafle” (“A Rusga”). Realizado por Roselyne Bosch, decorre em 1942 e conta uma história que até agora foi tabu – a rusga do Velódromo de Inverno de Paris, onde foram concentrados mais de 13 mil judeus, mulheres e crianças na sua maioria. Às quatro horas da madrugada de 16 de Julho de 1942, teve início a operação. Os polícias franceses receberam ordens para ir de casa em casa actuando «com a máxima rapidez, sem palavras inúteis e não fazendo qualquer comentário». Os solteiros foram transferidos para Drancy, a norte de Paris, escala prévia para a deportação para os campos de concentração alemães. As famílias ficaram no Velódromo, situado junto da Torre Eiffel.



No meio de um ruído infernal de choro e gritos, mais de oito mil homens, mulheres e crianças, sobreviveram sem água e sem comida durante cinco dias. Alguns conseguiram fugir. Os outros foram levados para campos de detenção e daí para Auschwitz. Do Velódromo, demolido em 1959, só resta uma pequena placa evocadora do que aconteceu naquele Verão de 1942 e da rusga apenas ficou uma fotografia na qual se vêm as camionetas em que as famílias foram transportadas. Como se quisessem apagar a memória.

“La rafle”, com um elenco onde se destacam Jean Reno e Mélanie Laurent, permite lembrar essa página negra da história recente de França e recuperar a memória perdida de um episódio histórico escamoteado durante anos. Só nos anos oitenta, houve tímidas referências nos livros escolares. Em 1995, Chirac reconheceu a responsabilidade francesa na deportação maciça de judeus: «A loucura criminosa do ocupante foi, sabemo-lo, secundada por franceses, pelo Estado francês.» disse num discurso histórico. Este vergonhoso episódio não ocorreu na chamada “França Livre”, sob o regime do marechal Pétain, mas na zona ocupada. É verdade que os invasores exigiram que lhes fossem entregues judeus franceses para os campos de trabalho. Contudo, foi iniciativa francesa a de nesta rusga incluir menores de 16 anos. Como no filme se salienta, a intenção foi a de não ficarem com o problema dos órfãos.

Resistir ou colaborar? É um dilema terrível para quem tem de tomar a decisão. Resistir implica abdicar de uma vida normal ou até abdicar da vida. Colaborar, nem que seja pelo silêncio, significa para quem tem consciência, envergonhar-se de olhar o espelho, mas permanecer vivo. Numa situação-limite, muitos optam por colaborar, fingindo que resistem. Fique claro que não estou a extrapolar uma realidade tão dramática para aquela que estamos a viver. Comparar esta democracia, mesmo chocha como é, com a ocupação nazi ou até mesmo com o salazarismo, seria faltar ao respeito devido à memória dos muitos que deram a vida pela liberdade.

Mas não terminarei sem uma referência à nossa realidade - Mutatis mutandis, na nossa cinzenta situação e na minha opinião, a dicotomia coloca-se assim: colaborar, é apoiar o Governo (seja ele do PS ou do PSD) ou atacá-lo na perspectiva do «maior partido da oposição» (seja ele o PSD ou o PS). Resistir, é recusar e denunciar este simulacro de democracia que encobre a oligarquia que, em nome dos valores democráticos, nos tiraniza.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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