Quarta-feira, 15 de Junho de 2011

Texto do capítulo "Outro Mundo É Possível" do livro "Portugal-Ensaio Contra a Autoflagelação" de Boaventura de Sousa Santos

 

 

Texto enviado pela Ethel Feldman

 

Desmercadorizar é um imperativo incontornável na busca de uma sociedade melhor. Sobrepostas às crises financeira, económica e social que acompanham o capitalismo desde o seu início, as crises ecológica, energética e alimentar vieram conferir um grau de convicção maior a algumas constatações que até agora não tinham merecido a atenção do cidadão comum. Eis algumas dessas constatações.

Primeiro, conceber o desenvolvimento como crescimento infinito assente na apropriação intensa da natureza é uma conceção que nos conduz ao desastre. A natureza está a dar múltiplos sinais de que os seus ciclos de regeneração vital têm vindo a ser violados muito para além do que é sustentável. A natureza aguenta bem o uso por parte dos humanos mas não o abuso. O planeta não é inesgotável. O estilo de vida nos países desenvolvidos é energívoro e submete as energias não renováveis a uma pressão insustentável.

Segundo, a redução do bem-estar ao bem-estar material, baseado no consumo de bens disponíveis no mercado, deixa de lado muitas dimensões da vida (a espiritualidade, o cuidado, a solidariedade, os valores éticos) essenciais ao florescimento humano. Tornam-se necessários outros indicadores de bem-estar.

Soa hoje menos absurda ou exótica a iniciativa de um pequeno país budista entalado nos Himalaias, Butão, que, em 1972, decidiu criar um índice de Felicidade Interna Bruta (por analogia com Produto Interno Bruto) para medir o desenvolvimento humano com base nos valores da sua cultura.

Terceiro, como qualquer outro fenómeno histórico, se o capitalismo teve um início, certamente terá um fim. Aliás, a crise ecológica está a mudar os termos dos desafios que enfrentamos: se o problema não for o de saber se o capitalismo sobreviverá, é certamente o de saber se sobreviveremos ao capitalismo.

Quarto, o capitalismo, por mais dominante, não conseguiu nunca erradicar totalmente outras lógicas de relações económicas que não passam nem pela acumulação infinita de riqueza nem pelo lucro a qualquer preço; essas lógicas (algumas existiam antes do capitalismo e sobreviveram, outras surgiram com o capitalismo e para lhe resistir) contêm um repertório de inovação social e económica que pode ser precioso num contexto em que se aprofundam as crises social, ecológica, alimentar e energética.

Refira-se, a título de exemplo, o conceito de "viver bem", Sumak Kawsay em quéchua, que os indígenas do Equador lograram transformar em imperativo constitucional, ao mesmo que atribuíram à natureza (Pachamama, a terra mãe) a titularidade de direitos próprios dela e não dos humanos.

Desmercadorizar significa impedir que a economia de mercado estenda o seu âmbito a tal ponto que transforme a sociedade no seu todo numa sociedade de mercado, numa sociedade onde tudo se compra e tudo se vende, inclusive os valores éticos e as opções políticas.

O imperativo de desmercadorizar envolve a promoção do mais amplo conjunto de iniciativas, muitas delas já testadas pelo tempo e pela capacidade de criar bem-estar para os que nelas participam. Com algumas adaptações, as propostas pela desfinanceirização da Europa estão hoje a ser avançadas a nível mundial.

Constituem um dos núcleos centrais do objetivo de desmercadorizar a vida pessoal, social, política, cultural.

Com o mesmo objetivo, muitas outras propostas e iniciativas têm vindo a ser apresentadas. Fazem parte da consciência antecipatória do mundo e vão esperando a hora da vontade política para as levar à prática. Entre muitíssimas outras, eis algumas.

- Promover formas de economia social tais como cooperativas, economia solidária, sistemas de entreajuda e de troca de tempo e de trabalho

 

- Submeter ao controlo público (não necessariamente estatal) democrático (não burocrático) a exploração e gestão de recursos e de serviços essenciais ou estratégicos

 

- Desmercadorizar a natureza na medida do possível - de que é bom exemplo o pacto internacional da água, há algum tempo em discussão - promovendo uma nova relação entre seres humanos e natureza assente na ideia de que os primeiros são parte da segunda (não existem à parte dela) e que por isso deverão respeitar os ciclos vitais de regeneração da natureza, sob pena de suicídio coletivo

 

- Definir uma nova geração de direitos fundamentais: os direitos da natureza, os direitos humanos à água, à terra, à biodiversidade e a consequente consagração de novos bens comuns insuscetíveis de serem privatizados

 

- Interditar a especulação financeira sobre a terra e os produtos alimentares a fim de evitar a concentração de terra (está em curso uma contrarreforma agrária) e a subida artificial dos preços dos alimentos

 

- Transformar a soberania alimentar em eixo de políticas agrárias para que os países deixem de ser, na medida do possível, dependentes da importação de alimentos

 

- Regular estritamente os agrocombustiveis pelo impacto que têm na segurança alimentar e na soberania alimentar. O impacto destes projectos na agricultura e na vida dos camponeses não é difícil de imaginar

 

- Aumentar a vida média dos produtos manufaturados. Um carro ou uma lâmpada podem durar muito mais tempo sem acréscimo de custos

 

-Tributar de forma agravada alguns produtos agrícolas que viajam mais de 1000 km entre o produtor e o consumidor, criando com a arrecadação um fundo para apoiar o desenvolvimento local dos países menos desenvolvidos

 

- Incluir a diminuição do tempo de trabalho entre as políticas de promoção de emprego

 

- Proibir o patenteamento de saberes tradicionais e reduzir drasticamente a vigência de direitos de propriedade intelectual na área dos produtos farmacêuticos e agrícolas

 

- Aproveitar ao máximo as potencialidades democráticas da revolução digital para promover uma cultura livre que recompense coletivamente a criatividade de artistas e investigadores, generalizando a inovadora experiência do movimento do Open Source Software, e da Wikipedia.

Estas são algumas imagens da consciência antecipatória do mundo.

Dir-se-á que são utópicas ou eivadas de romantismo. Sem dúvida.

Mas devemos ter em conta algumas cautelas ao estigmatizar a utopia.

Muitas destas propostas, quando detalhadas tecnicamente, dispõem de medidas de transição e são susceptíveis de aplicações parciais.

Acresce que uma ideia inovadora é sempre utópica antes de se transformar em realidade. Finalmente, porque muitos dos nossos sonhos foram reduzidos ao que existe e o que existe é muitas vezes um pesadelo, ser utópico é a maneira mais consistente de ser realista no início do século XXI.

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O livro Portugal - Ensaio contra a autoflagelação, com 154 páginas, divide-se em sete capítulos. Desde o primeiro, com "breves precisões conceituais sobre as crises e suas soluções", até ao último, com o título "Outro mundo é possível" (palavra de ordem do Forum Social Mundial, de que Boaventura de Sousa Santos é um principais dirigentes ou teorizadores), o autor analisa a situação atual, seus problemas e desafios, e faz propostas. O trecho que publicamos é o final desse último capítulo, sobre o que considera ser, criando um novo termo, o terceiro "imperativo" - depois de "democratizar" e "descolonizar" - para "sair da crise com dignidade e esperança". Boaventura carateriza a autoflagelação como "a má consciência da passividade", considerando não ser "fácil superá-la num contexto em que a passividade, quando não é querida, é imposta".(Paulo Borges)

publicado por Augusta Clara às 18:00
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Sexta-feira, 3 de Dezembro de 2010

Les banques irlandaises sont-elles responsables de la crise ?

Marc Roche
(Londres, correspondant)




Ont-elles été bien contrôlées ?

L'UE a-t-elle trop longtemps fermé les yeux ?

ous les récits consacrés il y a quelques années au Tigre celtique, comme avait été baptisée l'Irlande en raison de ses taux de croissance à l'asiatique, commençaient invariablement par un séduisant paradoxe. Celui de la métamorphose des terres à nu des tourbières en un skyline de tours de verre et d'acier en mouvement perpétuel.

Les élites bancaires se sont trouvées au coeur de la transformation d'une nation rurale et bigote en un prodigieux laboratoire du secteur tertiaire. Mais comme l'atteste la déconfiture économique de l'île d'Emeraude, les « affaires » ont fini par rattraper un monde financier de mèche avec les promoteurs immobiliers et les milieux politiques. Un triangle toxique...

« Méfiez-vous des grosses banques de petits pays qui, privées demarché local digne de ce nom, se sentent tout naturellement obligées de croître au-delà de leur base de départ en prenant des risques... » : comme l'indique un opérateur de la City, le naufrage irlandais incarne jusqu'à la caricature la folle course à la taille des banques locales.

Le miracle de l'Eire Comme en Belgique, en Islande ou en Ecosse, le secteur financier irlandais est organisé en oligopole. Trois grandes banques de détail (Bank of Ireland, Allied Irish Banks et l'Anglo Irish Bank), ainsi que deux caisses hypothécaires se partagent l'essentiel d'un marché domestique de 4,4 millions d'âmes.
Que faire de cet argent qui afflue subitement dans les coffres à la fin des années 1990, conséquence de l'élévation du niveau de vie et d'une santé économique de cheval ? Une politique fiscale audacieuse, en particulier l'impôt bas sur les sociétés qui attire les entreprises étrangères, une place financière en plein essor spécialisée dans l'administration des hedge funds et une main-d'oeuvre formée et bon marché alimentent le miracle de l'Eire.

Pour les banques à la recherche de placements hautement rémunérateurs pour cette manne, la solution est évidente : investir massivement dans l'immobilier, surtout commercial et de bureaux. Les établissements dublinois financent les yeux fermés promoteurs et entreprises du BTP. Parallèlement, les ménages, certains pas toujours solvables, se voient offrir des prêts hypothécaires à 100 %, voire au-delà, sans même qu'un bulletin de salaire leur soit réclamé.

A la tête des banques, une nouvelle
génération de dirigeants mégalomanes a remplacé les banquiers prudents à l'ancienne. Trop petite pour eux, l'Irlande : il leur faut le Royaume-Uni, l'Amérique, l'Asie ! On ouvre des succursales luxueuses dans tous les recoins du globe. Tant que le versement de gros dividendes est assuré, les actionnaires ne trouvent rien à redire aux anomalies des bilans, aux primes de fin d'année mirifiques, au train de vie fastueux des seigneurs de l'argent.

Par ailleurs, à l'intérieur des banques, le népotisme est la règle. Les principes de bonne gestion sont allégrement bafoués. La caste au sommet emprunte au nez et à la barbe des commissaires aux comptes des dizaines de millions d'euros pour financer l'achat de manoirs, yachts ou voitures de sport.

Clientélisme, renvoi d'ascenseur et magouilles Comment expliquer de tels dérapages, dignes d'une république bananière ? Tout d'abord, dans ce mouchoir de poche où tous les décideurs se connaissent, la nomenklatura financière vit en complète symbiose avec le monde politique et les industriels de la truelle.

Depuis l'indépendance, en 1921, la vie publique est dominée par deux grands partis, le Fianna Fail et le Fine Gael, qui se situent... au centre. Sur les questions économiques, il n'existe aucune divergence de fond. Le clientélisme, le renvoi d'ascenseur et les magouilles sont la norme. Parlementaires, financiers et magnats de la construction fréquentent les mêmes clubs de golf ou les cercles hippiques et s'entendent comme larrons en foire.

Ce lien ombilical explique que, à l'automne 2008, Brian Goggin, de la Bank of Ireland, et Eugene Sheehy, d'Allied Irish Banks, parviennent à imposer au nouveau ministre des finances, Brian Lenihan, d'offrir une protection à 100 % des dépôts bancaires comme des prêts vérolés. Cette décision ne fera qu'empirer les choses.

A ce jour, malgré les malversations avérées, aucun banquier n'a été mis sous les verrous. Les promoteurs au coeur du scandale ont pu émigrer en toute impunité. D'autres ont transféré à leur épouse la propriété des biens mal acquis pour mettre ceux-ci à l'abri d'éventuelles saisies. « Ce pays reste clanique, quasi mafieux. Le pouvoir est patrimonial », s'indigne un observateur, effaré par l'inertie de la justice et de la police. En clair, aux yeux des banquiers, si le système financier a capoté, c'est la faute à la crise de confiance, aux bâtisseurs requins, aux investisseurs cupides... Pas la leur.

Des contrôleurs peu expérimentés Deuxième ingrédient de la tragédie qui se joue aujourd'hui : la faiblesse du régulateur. Trois contrôleurs peu expérimentés ont été chargés pendant longtemps de la surveillance des deux principales banques de l'île. Appendice de la banque centrale, l'organisme de tutelle n'a fait aucun effort pour pousser ses ouailles à limiter les risques. De plus, la peur de faire fuir les investisseurs étrangers en quête de stabilité et d'avantages fiscaux a poussé le Trésor à assouplir encore davantage les règles.

Ensuite, face à l'attrait des gros salaires de la place financière ou des géants de l'électronique, la fonction publique tire la langue pour recruter les meilleurs éléments. C'est pourquoi le gouvernement a pris pour argent comptant la sous-évaluation par sa banque conseil, Merrill Lynch, choisie en raison de ses origines irlandaises, du « trou » bancaire à financer. Par la suite, aucun suivi de l'utilisation des 50 milliards d'euros injectés par Dublin depuis 2008 dans le secteur financier n'a été assuré.

Les Irlandais ont aujourd'hui la gueule de bois et s'interrogent. Pour sortir de l'ornière, leurs banques, de facto en faillite et nationalisées, doivent dare-dare se délester au rabais de leurs actifs périphériques ou étrangers. La priorité est désormais de se recentrer sur le marché intérieur détrôné, au cours de la dernière décennie, par l'expansion à l'étranger, la ruée sur l'immobilier ou les petits génies des marchés et des produits miracles.

Comme le disait Byron de l'Italie, les banques irlandaises ne sont plus que la « triste mère d'un empire mort »...

(Le Monde - Article paru dans l'édition du 26.11.10)


publicado por Carlos Loures às 21:00
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