Quinta-feira, 17 de Junho de 2010

Nós é que amamos - II

Queira o leitor entender que somos poucos a estudar a criança como entidade humana que entende e aprende, sendo esse o problema a resolver. Os adultos procuram que a criança seja um adulto em pequeno, como Philipe Ariés tão claramente diz (1964), ou Lahire estuda (1993), ou como temos analisado com os colegas de minha equipa de investigação. Análise da infância, que Pierre Bourdieu e equipa, não quiserem tomar como objecto de análise. Pierre Bourdieu, ao todo em relação a infância, escreve a experiência humana no livro que lhe deu a fama, no seu La misére du monde (1993). Livro que trata em diálogo, a interacção dos seres humanos. Como Eugène O’Neill (1956) faz no Longa viagem do dia á noite, onde a criança aparece no corpo e comportamento de cada adulto. Porque a interacção do lar, acaba por ter atalhos denominados de adulto, atalhos de criança, atalhos de emotividade, atalhos de razão. Atalhos que definem a realidade que vivemos. A criança não tem atalhos de adulto para o adulto, tem sempre comportamentos irreflectidos e espontâneos, que os pedopsiquiatras gostam de estudar. E que a população do quotidiano gosta de celebrar, com um limite: cresce, e rejeita tanto apalpar na sua inteligência e emoções.

Uma criança desenvolve-se durante o seu crescimento, e é nesse crescimento, que o adulto tem o prazer de observar que imita o seu comportamento. Como uma que conheci de perto, essa que o seu avô lhe dizia para fazer um cavalheiro, e ele cruzava as pernas, uma por sobre o joelho da outra, e as mãos pousadas por sobre o joelho livre, e a mirar em frente com cara de adulto sério, como relato no livro de 1999: Brincadeiras da minha meninice, AJTG. Até se cansar. Uma maneira de atrair a atenção do avô e dos adultos que gostavam de ver. Se depois não comia, era o grito que mandava, não a sedução. A sedução acaba aí onde começa a ideia de que é o adulto quem sabe, quem manda, que disciplina, que grita e pune, como se essas atitudes forem ensinar. Não corrigir com paciência, é ensinar. Deixar fazer, é ensinar. Que mandar ler, é ensinar. Que privar à criança de brincar com os seus pares, é ensinar. Marcado estou pela minha reflexão sobre o processo de aprendizagem, já citado no Nº 1 da Revista Educação, Sociedade e Culturas, Afrontamento, Porto,1994, nunca mais acabado de citar, tornado a referir, comentado mais uma vez. Porque está retirado da minha experiência na análise de grupos domésticos e a sua interacção. Aí é que vejo a heterogeneidade da vida da criança, o que é. O resultado que passa a ser. O que o seu professor desconhece e que Luís Souta estudou (1995), que Telmo Caria estudou (1997), que Ricardo Vieira estudou (1997). E outros. Em outras classes sociais, como Henrique Costa Gomes de Araújo (1998). O leitor não fique pouco feliz por tanta citação. É só para ajudar a referir o que pretende saber, o crescimento das crianças de forma espontânea, etnográfica. A criança que é, não o problema que se coloca ao adulto. É a criança, a pequenada da qual tomamos conta até eles tomarem conta de nos, como argumentei antes em outros ensaios desta palestra de debate. Até nos observarmos o que eles calculam. Como estudou Filipe Reis (1989-1991-1997), na Beira Alta. Esse cálculo, resultado de essa vida quotidiana que a pequenada tem, longe dos adultos. O com adultos, quando é ritual. Porque a pequenada, como todo ser, tem uma vida diferenciada entre vários assuntos que bem sabe distinguir.

A- Victoria

Entre os Picunche, os pequenos são queridos e cuidados por todos. Como toda criança mapudungum do Chili pré hispânico, é o futuro da nação. Gabriela Mistral, a poetisa chilena que ganhou o prémio Nobel de 1949 e que se reclamava índia do Norte do Chile – onde habitam ainda os Aymara ou Aimara-, teve a delicadeza de dizer: “Piececitos de niño, azulosos de frio, como os vem e no os cubrem, Dios mío” (1922). Entre vários dos seus versos, todos dedicados à pequenada. Essa Gabriela Mistral que essa professora primaria de Pablo Neruda, que cresceu e nunca mais se lembrou de ser pequeno, as vezes. Como era na vida real. Essas histórias que Victoria nunca estudou porque em casa não sabiam e porque na escola não sabiam e porque na sua infância Neruda estava banido do País e Mistral, ignorada. Victoria e os seus congéneres estudam os mitos que a educação oficial quer ensinar, a obra ou a história grossa, o dado largo, a fisiologia sem desenhos. Ou com o livro cosido nos sítios perigosos, os do corpo. Victoria aprendeu em casa todo o perigoso da vida, nas disputas da mãe e do pai, disputas as quais não tinha direito a aceder, porque as não entendia. Mas a tradição Picunche tomava conta de ela, e ora a irmã Rebeca tratava de pequena, ora a pequena ficava na casa dos tios, dos primos Cárcamo que moravam em frente, esse Nestor Cárcamo, Alcalde de Pencahue por anos sem fim, o pai de Alexandra a sua amiga. Com a qual brincavam aos animais, as bonecas, as corridas de cavalos, a trabalhar a terra. Victoria amava e era amada. O período turbulento em que cresceu, foi ignorado por ela, como por todo ser que quiser ter um mínimo de paz pessoal transferindo essa paz aos descendentes. Cada casa de vizinho, era a sua casa, á qual se pode entrar sem bater á porta, e ficar as comidas, se quiser e houver. Brincadeira reiterada era tecer ao tear, trabalho Picunche existente ao longo de séculos não contados, porque não havia escrita. Observei muitas pequenas a colaborar com a mãe em cardar a lã, mexer na máquina de madeira, tratar das madeixas. Ou brincar ás escondidas, ao capelão, luche em mapudungun, com as vizinhas da rua ou na escola. Infância e adolescência percorridas com a calma que a proximidade da mãe, trazia. Com os namoros como recados que entre elas se enviavam, para falar deles. Espontaneamente, a imitar aos adultos na sua expressão de carinho e de amor pelos outros. Victoria, como vários outros, ia à catequeses, ritualmente à primeira comunhão e a confirmação. À missa obrigatória dos Domingos. Doutrina que aprendeu, incutiu em si e foi a base da vida de crescimento que foi levando. Até que aos seus vinte e dois anos, a mãe morreu. Foi levada pelos primos Cárcamo a casa de cidade de Talca, onde morava antes da morte da mãe, para complementar os seus estudos com os do ciclo secundário e estudos superiores na Univeridade. Uma das poucas do sitio, que estudou para fazer o seu futuro. Como criança, teve apoios solícitos dos irmãos todos, que juntaram a sua emotividade em torno da mais nova.

Uma pequena assim criada, acaba por ser doce e serena, a estar em paz consigo própria, porém, em paz com os outros de fora de casa. A sua geração cresceu a observar que havia adultos que desapareciam por causa de ditadura governamental, bem como outros que não falavam por temor a repressão criminosa governamental. E cresceu a aprender nos textos que por cima de todo outro valor, estava o do bem comum, essa ironia do livro, porque bem comum não existia: nem todos eram iguais. Uma contradição que entendeu no real. No entanto, foi capaz de ser igual com todos os seus da sua classe e do seu povo. Disciplinada para os estudos, disciplina que aprendeu do trabalho da mãe e dos horários de trabalho dos irmãos mais velhos. Entendida no campo, que percorreu metro a metro nas propriedades da família. Romances, nenhum, pelo medo aos homens que podiam ser como o pai, abusador de menores, como o cunhado: para eles, era apenas maia uma fêmea para penetrar e assim eles ter prazer, perante o pranto de Victoria, atrocidades que lhe ensinaram a incapacidade de confiar e amar.
publicado por Carlos Loures às 15:00
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