Segunda-feira, 18 de Abril de 2011

Evento da Literatura Angolana – 1977: Agostinho Neto, Sagrada Esperança

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sílvio Castro

 

A 1ª. edição do livro de Agostinho Neto, Sagrada Esperança, União dos Escritores Angolanos, Luanda, 1977 tem a força de inauguração dos novos tempos derivados dos grandes fatos de 1974 e que abria igualmente novos horizontes para a gente angolana, mesmo dentro dos horrendos fantasmas trazidos pela guerra civil que tão longamente a atormentará ainda. Nos poemas de Agostinho Neto, impregnados de grande humanidade e de ampla participação com a vida de sua gente e de seu país, corria todo um frêmito de denúncias, mas igualmente de esperanças.

 

 

 

 

 

 

Os poemas de Sagrada Esperança, de certo modo, tivera um aparecimento anterior à histórica edição de Luanda-77, isso com a tradução italiana de Joyce Lussu, Con occhi asciutti, Il Saggiatore, Milão, 1963. Porém, apesar da importância da operação da grande ativista cultural que foi Joyce Lussu, a sua operação não deve ser considerada como o primeiro aparecimento da poesia do poeta angolano. Tudo isso porque, a intelectual italiana tem um conceito de tradução que pode ser considerado discutível, e mais ainda porque trabalhou os textos de Agostinho Neto partindo de uma experiência pouco comum: devido às prisões do lider angolano, a tradutora italiana tem possibilidade de receber os poemas somente por via indireta, isto é, pelas mãos da mulher de Agostinho Neto que recolhia e copiava os poemas ditado a memória pelo poeta condicionado pela violência de seu isolamento nos cárceres salazarista.

 

À edição de 1977, logo sucede uma 2ª. edição de Sagrada Esperança, a da Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1979. Alguns anos depois, com a plena ação de Agostinho Neto como lider de seu país, aparece a edição brasileira da Editora Ática, São Paulo, 1985.

 

Agostinho Neto considerava que poesia e política constituiam um corpo único, com plena compatibilidade entre os dois termos. Tudo numa clara consciência da força da História. Certamente como Marx se referiu à filosofia, Agostinho Neto, parafrasendo o seu mestre em política, poderia ter afirmado, como de certa forma o fez, que “a poesia tende a tornar-se realidade”.

 

A possível interrelação entre poesia e política deve afirmar-se em maneira objetiva, sendo o poeta consciente do valor da tomada de posição e explicitação da consciência política. Principalmente se a sua afirmação é obrigada a ser tal num processo de luta, de revolução. A partir de então, poesia e política, com a vigilância por parte do poeta em relação à natureza estética de sua obra, continua a ser sempre assim, mesmo quando exalta valores retóricos não inteiramente compatíveis com a criação poética. Podemos afirmar que isto é quanto acontece com Agostinho Neto. Desde os seus primeiros poemas, ele os criou consciente que não podia ser uma voz intimamente lírica, mas que desde sempre se sentia comprometido. Comprometido com seu país, comprometido com Angola, com sua gente, sua cultura, suas tradições, seus sentimentos mais profundos.

 

 

 

Tais valores se encontram na maioria dos poemas de Sagrada Esperança, como podemos verificar com a exemplificação da beleza dramática do poema “Noite”:

 

 

Eu vivo

nos bairros escuros do mundo

sem luz nem vida.

 

Vou pelas ruas

às apalpadelas

encostado aos meus informes sonhos

tropeçando na escravidão

ao meu desejo de ser.

 

 

São bairros de escravos

mundos de misérias

bairros escuros.

 

Onde as vontades se diluiram

e os homens se confundiram

com as coisas.

Ando aos trambolhões

pelas ruas sem luz

desconhecidas

pejadas de mística e terror

de braços dados com fantasmas.

Também a noite é escura.

 

Com os seus poemas Agostinho Neto estabeleceu um coerente discurso entre poesia e história, apresentando um visível sistema da realidade, ao mesmo tempo que fazia do canto um processo de tensão, dialético e revolucionário. Por essas grandes razões, fazemos votos que a atuação do lider angolano na sua presidência encontre o melhor e mais breve esclarecimento da crítica histórica, removendo todas as obscuridades de presumíveis violências e injustiças verificadas no longo período da sua liderança política. O grande poeta de Sagrada Esperança deixa presupor e esperar que todas as dúvidas serão certamente esclarecidas.

 

publicado por João Machado às 21:00
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Sábado, 16 de Abril de 2011

Evento - uma "redescoberta" da literatura africana no Brasil. Por Adelto Gonçalves (*)

 

 

 

 

 

 

 

 

I

A Editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) colocou no mercado uma nova coleção, Poetas de Moçambique, em que apresenta antologias dos maiores poetas modernos de língua portuguesa e origem moçambicana. Segundo a editora, os autores escolhidos estabeleceram freqüentemente diálogo com a literatura brasileira, especialmente com as obras de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Cecília Meireles (1901-1964), Vinicius de Moraes (1913-1980) e Manuel Bandeira (1886-1968). Os primeiros volumes são dedicados a José Craveirinha (1922-2003) e Rui Knopfli (1932-1997).

 

Craveirinha, primeiro autor africano galardoado com o Prêmio Camões, em 1991, é um dos nomes fundamentais da literatura moçambicana. Filho de pai algarvio e mãe ronga, é dono de uma obra concisa, que cobre cinco livros publicados em vida e duas coletâneas póstumas, além de dezenas de poemas espalhados em periódicos e antologias. Este livro reúne os principais poemas do autor com nota biobibliográfica de Emílio Maciel.

 

Já Rui Knopfli produziu uma encorpada e original obra literária durante o período colonial. Seus poemas selecionados estabelecem diálogo com as principais tradições clássicas e modernas da poesia. O livro traz posfácio com texto crítico e nota biobibliográfica de Roberto Said.

 

Ao mesmo tempo, a Ateliê Editorial, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), acaba de lançar Portanto... Pepetela, organizado por Rita Chaves e Tania Macêdo, professoras de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP). O angolano Pepetela, nascido Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, ganhador do Prêmio Camões de 1997, é talvez o mais importante romancista de seu país. Com apresentação do moçambicano Mia Couto, o livro reúne 38 artigos e ensaios de estudiosos da obra de Pepetela.

 

 

 

publicado por João Machado às 21:00
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Sexta-feira, 15 de Abril de 2011

Evento - um jogo muito sério. Literatura Brasileira, por Sílvio Castro.

 

O nosso colaborador Sílvio Castro que, aqui nos lançou o repto de revelarmos quais os dez livros do Século XX que mais nos tinham impressionado, lança-nos um outro desafio – Evento. Diz. «Trata-se de um jogo, sério, muito sério, que os amigos do Estrolabio de todos os Países de Expressão Portuguesa poderão enviar, exaltando um evento de uma das Literaturas dos 9 Países de Expressão Portuguesa. O conceito de evento é o mais amplo possível: pode referir-se a uma data, a uma obra, a um episódio, a um movimento etc, etc.»


E, dando o exemplo, envia-nos já três textos - um relacionado com a literatura brasileira, outro com a portuguesa, um terceiro com a angolana. Publicamos já amanhã o que se refere á literatura brasileira.


Portanto, a ideia é – colaboradores e leitores mandarem-nos textos que exaltem um evento relativo a uma das nove literaturas de língua portuguesa. Pode repetir-se literaturas já referidas. Por exemplo, quem entender que o evento mais relevante para a literatura brasileira não foi o apontado por Sílvio Castro, deve fazer um texto sobre o «seu» evento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O documento evidentemente real, a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita de 22 de abril a 1º de maio de 1500, enviada logo no dia seguinte a Lisboa, ao destinatário venturoso, D. Manuel, mais que um documento é um marco crucial para duas realidades ainda virtuais, a cultura e a literatura do Brasil, que imediatamente depois e a partir do evento fazem-se reais.

 

 

 

publicado por João Machado às 21:00
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Terça-feira, 30 de Novembro de 2010

Porque não estou de acordo com Carlos Loures no seu texto: “Evento da Literatura Brasileira ‘ qual o momento chave?”

Sílvio Castro

Estou em total desacordo com o meu caríssimo amigo Carlos Loures, do qual conheço desde há muito o empenho cultural e a consciência civil de um verdadeiro progressista, a grande erudição, a sensibilidade na criação literária. Mas, mesmo assim, não posso deixar passar despercebida a tomada de posição que ele erege com a sua conhecida sensibilidade e tato, quando elabora os raciocínios básicos da contestação ao meu texto sobre A Carta de Pero Vaz de Caminha como Evento primeiro e substancial na história da literatura brasileira.

Estamos no dia 1º. de maio de 1500 e a “Carta” está por embarcar no dia seguinte para Lisboa, levada por Gaspar de Lemos para o Rei Venturoso, D. Manuel. Mas o Brasil ainda não existe concretamente, e muito menos a sua literatura. Certo. Então, porque considerar e eleger o texto do magnífico Escrivão português como primeiro produto da literatura brasileira? Simplesmente porque a moderna historiografia literária, ao contrário da tradição positivista, não considera a história política como sua referência essencial para a análise da história literária. Mas, ao contrário, reinvendica cientificamente a sua condição de ciência autônoma, e portanto livre de eleger para suas deduções metodológicas as mais inovadoras teses e com ela criar uma nova dialética cultural. Assim agindo, a moderna historiografia literária supera os defeitos das sedimentações medíocres de um saber histórico passado, e se opõe à repetição de lugares-comuns. Dizer que as literaturas nacionais dos países nascidos do fenômeno da colonização, em particular, aqueles das Américas, podem ser consideradas autônomas somente depois de suas respectivas independência política é um pensamento vazio e anacronístico. Quando alguém, mesmo com todas as qualidades que todos reconhecemos em Carlos Loures, afirma um tal aberrante lugar-comum, não nos resta senão pensar que uma escolaridade fortemente tradicionalista fixa para sempre os maiores lugares-comuns. No caso da questão inexistente, por todos os seus defeitos, da origem da literatura brasileira fixada depois do 7 de setembro de 1822, tudo isso se deve à grande difusão de diversos manuais de história da literatura brasileira, tanto em Portugal, quanto mesmo no Brasil. Mas, depois de tudo, o que realmente vale para os fins do melhor conhecimento da história da literatura é o seu direito de, não ignorando absolutamente a dimensão diacrônica do fenômeno histórico, iluminá-lo maiormente com uma eficaz e coerente tese baseada na sincronia. Daí, entre outras, a tese de que a Carta de Pero de Caminha é o Evento inicial da literatura brasileira porque nela se representa pela primeira vez aquela dimensão que depois será uma constante da criação literária brasileira, a força do território. Território enquanto dimensão geográfica, mas igualmente enquanto dimensão antropológica. Bem como porque o mágico texto desde logo traduz-se lexicalmente apoiado nas conotações típicas da realidade nova, suas cores, vibracidade, dinamicidade, humanidade. O escrivão, vindo da aberta cidade do Porto, saindo da foz do Douro para encontrar o mar-oceano, não é mais aquele “eu” inicial, mas um “outro” nascente dele mesmo.

Quando os liberais de 1820, vitoriosos e ativos no Poder, espantam o mundo ao reiterar a valência de uma radical política colonialista de Portugal e, com isso, desprezando, quanto ao Brasil, a grande conquista da diplomacia joanina que chegara ao Reino Unido, esses liberais já então atuam o defeito que vem de longe e ainda hoje muitas vezes vige, a do predomínio do pensamento ligado aos valores de um cego “europeísmo cultural”. Ao contrário de quanto escreve Carlos Loures, a Independência do Brasil então desencadeia não da parte dos nobres parasitas, mas de patriotas brasileiros da dimensão de José Bonifácio e de Frei Caneca. Mas muito antes disso, o sentimento brasileiro já encontrara inovadoras traduções em poetas como Gregório de Matos, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga.

Carlos Loures naturalmente não tem nada a ver com aqueles liberais de 1820. As possíveis raízes de seu pensamento político eu as vejo num verdadeiro revolucionário como Herculano, prosseguindo por Oliveira Martins. Carlos Loures – e disso eu sempre soube e admirei – é um verdadeiro intelectual, partecipante e sempre responsável quanto ao seu tempo. Assim ele é, reafirmo. Mas, no seu testemunho sobre a origem da literatura brasileira infelizmente afloram muitas das qualidades predominantemente negativas do “europeísmo cultural”. Eu quase não acredito que seja ele mesmo aquele que escreveu: “Na minha opinião, tudo o que se escreveu no Brasil até a independência do território, pertence ao acervo da Literatura Portuguesa”. Não, tenho a certeza, não é ele.Mas, sim, Cândido de Figueireido!
publicado por Carlos Loures às 19:30
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Quarta-feira, 24 de Novembro de 2010

Evento da Literatura Brasileira – qual o momento-chave?

Carlos Loures

O Professor Sílvio Castro, nosso colaborador, autor deste repto, meu querido amigo e grande especialista na LIteratura Brasileira (e na Portuguesa), afirma que o primeiro evento da literatura do seu país é a Carta de Pero Vaz de Caminha para D. Manuel I. Não concordo, mas sinto-me um pouco como quem estivesse junto de Einstein a contestar a sua Teoria da Relatividade. A idade entre as muitas coisas más que acarreta, trouxe consigo este descaramento de poder discutir Medicina com os médicos, Jardinagem com os jardineiros e, como agora acontece, História da Literatura Brasileira com um Professor Catedrático da Universidade de Pádua.

Que Santo António de Lisboa (e de Pádua) nos valha!

Há anos atrás, com os Professores Sílvio Castro e Manuel Simões, fui a Alcobaça tratar de um assunto editorial na Biblioteca do Mosteiro. Projectava-se na casa uma grande História das Literaturas de Língua Portuguesa e aproveitámos o passeio para trocar impressões sobre o ambicioso projecto. Chegámos ao destino e fomos almoçar, pois faltava muito tempo para a hora que combinara no Mosteiro. Tínhamos pelo caminho vindo a debater questões de carácter geral e quando nos sentámos à mesa começámos a falar da Literatura Brasileira. E surgiu esta questão – quando se pode começar a falar de LIteratura Brasileira?, Sílvio Castro apresentou esta tese que expõe no texto – A carta de Pero Vaz de Caminha - eu discordei e Manuel Simões, lembrou que havia diversas teses sobre o assunto. Mas chegou a comida e a questão foi esquecida ou, pelo menos, ultrapassada por um assunto mais importante.

Acrescente-se que Sílvio Castro dirigiu o volume consagrado à História da Literatura Brasileira, organizada de acordo com aquilo que ele pensava e pensa. A minha divergência era pessoal – o Carlos Loures não estava de acordo; o director editorial não se meteu num assunto que só dizia respeito ao responsável pelo volume. Aliás, a tese de Sílvio Castro é a mais aceite, não só no Brasil, como internacionalmente. Por exemplo, a Professora italiana Luciana Stegagno Picchio (1920-2008), grande especialista nas Literaturas de Língua Portuguesa corroborava-a totalmente.

Por que não estou de acordo? Vou dizê-lo sucintamente, guardando pormenores para mais tarde - parece-me que considerar a carta de Pero Vaz de Caminha como primeiro monumento literário brasileiro, constitui uma relação demasiado apegada ao território, à circunstância histórica, já que o objectivo da carta, a que hoje chamaríamos relatório, foi apenas o de informar o monarca das características específicas da terra achada por Pedro Álvares Cabral. Na minha opinião, tudo o que se escreveu no Brasil até à independência do território, pertence ao acervo da Literatura Portuguesa – Não havia brasileiros – ou melhor, os brasileiros genuínos eram os índios a quem os portugueses iam paulatinamente despojando do território, matando, fosse de “morte matada”, fosse pelas epidemias que espalharam, destruindo, exterminando. E foi assim até à independência – que não foi conquistada, mas fruto do oportunismo de cortesãos que durante o tempo em que João VI esteve no Rio, se habituaram a benesses e mordomias que o regresso da Corte a Lisboa lhes ia retirar, reduzindo alguns à sua dimensão anterior à fuga para o Brasil - simples funcionários, cortesãos sem importância, em alguns casos.

Uma história que não me canso de contar – Há anos atrás, num debate realizado no Centro Nacional de Cultura, um interveniente brasileiro defendia a sua tese em termos de nós, brasileiros, oprimidos, vós, portugueses, opressores. Aí pela terceira vez que ele usou esta oratória maniqueísta, o Professor Eduardo Lourenço (que dirigia o colóquio) pediu-lhe amavelmente que declinasse o nome. O que o jovem fez. Tinha um apelido português. Então, sorrindo, Eduardo Lourenço, disse-lhe mais ou menos isto – «os opressores foram os seus antepassados; não os meus que nunca sairam de Portugal. Foram os que colonizaram o Brasil, e não os que cá ficaram, quem matou, oprimiu, aculturou, violou… E esses foram também os primeiros brasileiros.»

Todos sabemos que as pátrias se forjam com mitos. A batalha de São Mamede que 1128 marca para muitos o nascimento de Portugal, não terá passado de um mero torneio ou de uma escaramuça, segundo outros. A Conquista de Lisboa aos Mouros, em que se descrevem actos de heroísmo como o de Martim Moniz, terá sido negociada e nada de heróico terá tido. O Brasil não escapa a esta regra, tanto mais que a independência se verifica em pleno movimento do Romantismo. O Brasil criou os seus mitos, como todas as nações.

Os brasileiros têm todo o direito de, por exemplo, considerar toda a literatura de língua portuguesa ou galego-portuguesa, Afonso X, os trovadores, Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões… todo o património literário do dealbar da lusofonia, como proto-história da sua Literatura nacional. Essa proto-história pode ser invocada pelo Brasil, por Timor-Leste, Angola ou Moçambique. Considerar Literatura Brasileira o que foi produzido antes de o Brasil existir como nação e muito antes de ser um Estado, para mim não faz sentido.

Não faz sentido, nem o Brasil necessita de nacionalizar literaturas estrangeiras. A partir do século XIX criou uma literatura própria. Em 1922, com o grito Modernista, iluminou toda o espaço literário coberto pelo idioma. E chegou hoje a um patamar de excelência. Nisto, o meu caríssimo Sílvio Castro e eu estamos de acordo. A divergência não é quanto ao ponto de chegada, mas sim quanto ao big bang. E, antes que alguém se antecipe, digo já: é um pormenor bizantino, este que levanto – tenha sido em 1500, com Pero Vaz de Caminha e com a sua carta a D. Manuel, ou em 1836, com a Niterói - Revista Brasiliense”, de Gonçalves de Magalhães, a literatura brasileira, é o que é – bela, pujante e única.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Sábado, 20 de Novembro de 2010

Evento da Literatura Portuguesa - Balança (Eugénio de Andrade)

Adão Cruz



No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.



Não sei se nestes dois versos há palavras a menos ou palavras a mais.
Não sei se há palavras velhas ou palavras novas.
Nem sei se há palavras.
Sinto que não há palavras, e se há, são palavras exactas, únicas, verdadeiras, puras, nuas, verticais, palavras de fio-de-prumo.
Estes dois versos, com palavras ou sem palavras, palavras velhas ou novas, são um monumento à poesia.
E por eu tanto ansiar que um dia me ofereçam uma caixa de palavras novas, como estas, palavras em versos de versos sem palavras, aqui deixo o meu pedido:


As palavras estão gastas estão gastas as palavras.
Mesmo gastas as palavras são olhos de distância e água as palavras são sopros de horizonte as palavras são bonitas são bonitas as palavras ditas e não ditas.
São boas as palavras por dentro e por fora mesmo as palavras más.
São precisas as palavras para falar com a paisagem se não somos capazes da poesia de Grieg numa Canção de Solveig ou da melodia de Smetana nas ondulações do Moldava.
Mesmo gastas as palavras gastas ainda têm dedos olhos e lábios.
Eu ainda acredito nas palavras gastas puídas sem cor.
São elas que dão a tangência da música e acendem as noites com olhos de fora.
Não matem as palavras gastas e velhas assim sem mais nem menos.
Não deitem fora as palavras velhas e gastas até que me ofereçam no dia em que ficar mudo uma caixa de palavras novas.
publicado por Carlos Loures às 22:30
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Quinta-feira, 18 de Novembro de 2010

Evento - As palavras de Saramago

Eva Cruz
As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes.

Algumas palavras sugam-nos, não nos largam... As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do disse ou tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do verbo. E as palavras escorrem tão fluidas como o "precioso líquido".

Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envoltos também num murmúrio manso, represo e conciliador... E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares. Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não ouça outra palavra.

A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar as palavras para que a sementeira se mude em Seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do ato. Há também o silêncio.

O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio.
Mas só o trigo dá pão.

As minhas palavras a Saramago


Levantado do chão
como só os Homens são capazes
não há morte que te leve.
A Lucidez da tua obra
curará os olhos da cegueira.
E as palavras de ternura do teu Evangelho
correrão límpidas como um rio
regando a terra
onde só o trigo há-de crescer
e dar pão.
publicado por Carlos Loures às 22:30
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Segunda-feira, 15 de Novembro de 2010

Um jogo muito sério

Carlos Loures

Utilizo hoje o meu espaço habitual, não para, como frequentemente acontece, para defender ideias que, em alguns casos, são meramente pessoais e noutros tentam fazer ecos de anseios colectivos – pregações no deserto que, por vezes, chegam a oásis onde amigos, concordando ou discordando, discutem com base nas palavras que a meio do dia lanço, esperando com isso não estragar digestões (embora a minha esperança, por vezes, seja essa – a de prejudicar algumas digestões).

Hoje venho ocupar-me de um assunto interno do Estrolabio, deste microcosmos onde, desde Maio, quase quarenta amigos lançam palavras que, numa média diária, põem mais de trezentas pessoas a ler mil e tal páginas. É pouca gente? É a que é. Nós gostamos de trabalhar para públicos pouco numerosos. Somos como aqueles actores que não se adaptam aos grandes palcos e preferem trabalhar num pequeno bar, cantando declamando ou dizendo piadas. O Estrolabio não atrai tanta gente como o Rock in Rio, mas isso não nos incomoda, pois quem tem essas grandes audiências consegue-o de uma forma pela qual não queremos enveredar. Não é um mal, o termos entre trezentos e quatrocentos visitantes – é uma opção.

O nosso editorial do primeiro dia está aí na barra lateral e nele se anunciam as nossas intenções. A elas queremos ser fiéis - não queremos ser um estádio de futebol. Preferimos ser um piano-bar. Gostos não se discutem.

Há meses atrás, o nosso colaborador Sílvio Castro, lançou-nos o repto de revelarmos quais os dez livros do Século XX que mais nos tinham impressionado. Muitos de nós correspondemos e os depoimentos foram interessantes. Lança-nos agora um outro desafio – o Evento. Diz ele: «Trata-se de um jogo, sério, muito sério, que os amigos do Estrolabio de todos os Países de Expressão Portuguesa poderão enviar, exaltando um evento de uma das Literaturas dos 9 Países de Expressão Portuguesa. O conceito de evento é o mais amplo possível: pode referir-se a uma data, a uma obra, a um episódio, a um movimento etc, etc.»

E, dando o exemplo, enviou-nos já três textos - um relacionado com a literatura brasileira (já publicado), outro com a portuguesa, um terceiro com a angolana.

Portanto, a ideia é – colaboradores e leitores mandarem-nos textos que exaltem uma obra, um movimento, uma polémica, que constituam um momento-chave relativo a uma das nove literaturas de língua portuguesa. Pode repetir-se literaturas já referidas por outros apontando outro evento. É natural que a grande maioria dos depoimentos se refira à literatura portuguesa. Faço apelo aos leitores, aos que não constam (por enquanto) da lista de colaboradores, particularmente dos que nos lêem fora do País – mandem-nos os vossos depoimentos.

Espero, desta vez, não ter estado a pregar no deserto.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Segunda-feira, 8 de Novembro de 2010

Evento - o novo jogo do Estrolabio

O nosso colaborador Sílvio Castro que, aqui nos lançou o repto de revelarmos quais os dez livros do Século XX que mais nos tinham impressionado, lança-nos um outro desafio – Evento. Diz. «Trata-se de um jogo, sério, muito sério, que os amigos do Estrolabio de todos os Países de Expressão Portuguesa poderão enviar, exaltando um evento de uma das Literaturas dos 9 Países de Expressão Portuguesa. O conceito de evento é o mais amplo possível: pode referir-se a uma data, a uma obra, a um episódio, a um movimento etc, etc.»


E, dando o exemplo, envia-nos já três textos - um relacionado com a literatura brasileira, outro com a portuguesa, um terceiro com a angolana. Publicamos já hoje, dentro de uma hora, o que se refere á literatura brasileira.


Portanto, a ideia é – colaboradores e leitores mandarem-nos textos que exaltem um evento relativo a uma das nove literaturas de língua portuguesa. Pode repetir-se literaturas já referidas. Por exemplo, quem entender que o evento mais relevante para a literatura brasileira não foi o apontado por Sílvio Castro, deve fazer um texto sobre o «seu» evento.

publicado por Carlos Loures às 20:00
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