(Enviado por Júlio Marques Mota)
Há algo de surpreendente no actual debate sobre a situação económica. Todo o mundo admite que há crise. O debate incide apenas sobre o problema de se saber se já se atingiu o fundo e assenta depois em torno do provável momento de uma eventual retoma, no Outono ou em 2010. Afinal, por que não? O espantoso é o conteúdo: estamos perante prognósticos alternativos de peritos sobre os períodos temporais mas quase nenhuma informação factual para se ter uma ideia sobre a questão de se procurar saber se sim ou não estamos a sair da crise
Esta constatação tem algumas excepções no campo das finanças e da banca. Os factos são claros: os bancos dominantes pouco a pouco tem-se restabelecido, deixou de haver mais receios de falências neste importante sector, a transmissão de falências por efeito de contagio parece estar ultrapassada segundo a opinião geral dos considerados peritos. A confiança interbancária está pois em vias de restabelecimento lento, o que é, naturalmente, uma das condições para a recuperação.
O acordo também parece estar adquirido sobre a razão de fundo para este resultado positivo. As autoridades públicas, ao contrário da crise de 1929-1932 em que a sua estupidez cumulativa tudo complicou, têm agido com rapidez, convergência intelectual e considerável poder. Se o contribuinte não vier a pagar todo esse esforço, ainda é ele que, na sua infinita bondade, forneceu a garantia e, eventualmente, assumiu uma parte significativa dos encargos. Não é nada evidente que esta questão coloque à profissão bancária um problema ético de considerável dimensão.
A impressão do fim das tensões e do reiniciar parcial da actividade é tão clara neste sector do que a profissão bancária, em toda a parte, iniciou campanhas activas para evitar os controlos, a regulação, e manter a opção de pagar aos sua gestores e aos seus operadores sobre títulos, os traders, as suas habituais remunerações extravagantes. A atmosfera estranha de saída da crise, mantida conjuntamente pelos governos, banqueiros e pela imprensa, contribuíram grandemente para minimizar a importância dos problemas.
Assim, a City, a praça financeira londrina, contribuiu para uma ofensiva, nestas últimas semanas, com a finalidade de desestabilizar Gordon Brown, o Primeiro-Ministro britânico culpado de querer muita ordem no sistema. O Presidente Barack Obama está claramente em luta contra os seus banqueiros e senadores sobre o mesmo assunto. O debate é menos veemente em França e na Alemanha, mas é o mesmo.
A precaridade do emprego
Parece que a tendência geral é para um - leve?- colocar à distância os paraísos fiscais, para os discursos simbólicos sobre as remunerações, e para o status quo, para a manutenção da situação no que diz respeito aos instrumentos derivados. Se isso finalmente acontecer, ter-se-á mantido o sistema, preservando simultaneamente os seus factores de forte instabilidade.
O detonador financeiro poderá explodir uma vez mais, dentro de alguns anos. Afinal, desde há vinte anos que o mundo tem estado a enfrentar uma grave crise financeira mais ou menos em cada cinco anos... A partir disto, tentar-se reduzir o volume insensato de actividade financeira quando comparado com o nível de produção, é tentar impedir a ganância colectiva que faz derivar o essencial desta profissão para a imoralidade, vai apenas um passo que não se quer dar. E, depois, tudo recomeça de novo.
Mas não é claro que o pior esteja aqui. As economias dos países desenvolvidos estão quase todas em recessão neste momento. Mais do que uma recessão, que pode ser curta, é a situação do desemprego que justifica o uso generalizado da palavra crise. Mas nesta área, a actual taxa de aumento do desemprego é assustadora - a França espera ultrapassar os 10% num ano, os Estados Unidos os 8%, e é quase o duplicar do desemprego em três anos - e as perspectivas são muito preocupantes. Ainda neste domínio, o do enfraquecimento do consumo, o principal componente é menos o desemprego do que a precariedade do trabalho. Neste contexto, todas as economias desenvolvidas atingiram desde há mais de quinze anos percentagens de trabalhadores precários entre os 15% e os 20%. Os trabalhadores precários consumem tão pouco quanto lhes for possível. Em toda a parte, a recente crise, veio agravar ainda mais o seu número.
Mas, curiosamente, as estatísticas oficiais e os governos são muito discretos em relação a este ponto. Acompanha-se mal a sua evolução. Toda a gente sabe que, no entanto, na América do Norte, na Europa e no Japão, mais de um quarto da população está numa situação precária, desempregados ou pobres. Um quarto: 70 milhões de pessoas na Europa, 40 a 50 milhões nos Estados Unidos, talvez trinta no Japão é obviamente enorme para o dinamismo do consumo.
De facto, em trinta anos, de forma lenta, a parte dos rendimentos salariais e de protecção social nos respectivos PIB diminuíram entre 7% a 10%. Este indicador é contestado devido à baixa visibilidade do período de referência e às diferenças no método de cálculo aqui e ali. Mas a massa de desempregados, trabalhadores eventuais e os pobres, são estatisticamente encontrados, e esta reflecte uma série redução da velocidade de crescimento e do consumo.
Compreende-se assim melhor que, se o capitalismo desenvolvido teve em toda a tríade (América do Norte, União Europeia e Japão) um crescimento económico médio de 4,5% a 5% entre 1945 e 1970, hoje, antes da crise, tem tido muita dificuldade em tentar alcançar os 2,5% a 3% de crescimento, sem verdadeiramente o conseguir. Na medida em que o indicador da crise é do mercado de trabalho, a crise é, sobretudo, isto. Esta situação reflecte o facto de o detonador financeiro (aumento de preços de matérias-primas relacionadas com os produtos derivados, depois as subprimes, depois a titularização parcialmente fraudulenta e a cadeia de falências) ter atingido economias em situação de anemica, sem capacidade de resistência. Desta situação ninguém fala e ninguém mostra interesse em dar-lhe resposta. Mas o fundamental da crise é isto.
Sair desta situação não é fácil. Relançar exclusivamente o consumo não tem sentido, pois importar-se-ia mais, sobretudo, da China e da Índia. É necessariamente pelo investimento que o ciclo virtuoso tem de ser reiniciado, principalmente através do investimento em energias renováveis, tecnologias e produtos biológicos. E é este arranque que pode, a seguir, conduzir ao aumento do poder de compra e do consumo.
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