Sexta-feira, 15 de Julho de 2011

15- Terreiro da Lusofonia - por Carlos Loures

 

 Eugénio Tavares se deve a tomada de consciência, que, por finais do século XIX, se verificou entre as gentes do arquipélago de Cabo Verde de que havia uma cultura genuinamente autóctone. Descendente de europeus, foi dos primeiros a proclamar que os cabo-verdianos tinham direito a uma cultura diferenciada e a uma identidade própria. Eugénio Tavares, foi também um consciencializador activo da cabo-verdianidade, actuando no plano político e cultural e sofrendo as inevitáveis perseguições por parte do poder colonial, sendo obrigado a exilar-se. Quase desconhecido em Portugal ou redutoramente referenciado como «criador de mornas», Eugénio Tavares foi um escritor, jornalista e polemista de grande valor.

 

Agora que a literatura do arquipélago se afirma como uma das mais pujantes do universo lusófono, com nomes como o do romancista Germano Almeida, como o do grande Daniel Filipe, e o de Arménio Vieira, Prémio Camões de 2009, não devemos esquecer Eugénio Tavares, pioneiro das letras de Cabo Verde.

 

Eugénio Tavares, nasceu na ilha Brava a 18 de Outubro de 1867, onde faleceu em Junho de 1930. Autodidacta, adquiriu grande cultura, transformando-se na figura literária mais importante de Cabo Verde nas primeiras três décadas do século XX. Deixou uma vasta produção, em português e em crioulo – poemas, narrativas, peças de teatro e, sobretudo, artigos jornalísticos. Quando exilado nos Estados Unidos, fundou o jornal «Alvorada» em New Bedford. Com colaboração intensa na «Revista de Cabo Verde» e no jornal «A Voz de Cabo Verde», foi postumamente publicado um volume com as suas «Mornas». Da sua produção poética seleccionámos um poema em português:

 

Exilado

 

Pensa no que há de mais sombrio e triste;

terás, destes meus dias vaga imagem;

 soturnos céus – como tu nunca viste

nunca os doirou o halo de uma miragem.

 

O sol – um sol que só de nome existe

 – envolto na algidez e na brumagem

dum frio como tu nunca sentiste,

do nosso sol parece a morta imagem

 

imerge o retransido pensamento

nas noites mais escuras, mais glaciais,

prenhes de raios e vendavais;

 

verás que anos de dor, esse momento passado,

na saudade e no penar,

longe do sol vital do teu olhar!

 

(Fairhaven, 1900)

 

Ouçamos uma morna com música e letra de Eugénio Tavares, interpretada pela bonita voz de Celina Pereira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 Nota: Esta é a minha última colaboração no Estrolabio. Agradeço a todos os que leram os meus trabalhos a atenção prestada. Um grande abraço, envolvendo colaboradores e leitores.

publicado por Carlos Loures às 11:00
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Domingo, 17 de Abril de 2011

Evento da Literatura Cabo-Verdiana - Eugénio Tavares e "Claridade"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Loures

 

Há, quanto a mim, dois elementos-chave na História da Literatura cabo-verdiana. O primeiro éa obra de Eugénio Tavares (1867-1930) – em português e em crioulo - criando um conceito nunca antes enunciado, de caboverdianidade, a consciência de que, quer se exprimissem de uma ou de outra forma, existia um espaço identitário para os escritores do arquipélago. Espaço que o facto de Cabo Verde ser, até 1975, uma nação sem Estado de modo algum punha em causa. O segundo momento é o aparecimento em 1936 da revista Claridade, fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa e outros.

 

Até então houve livros escritos em Cabo Verde, alguns por cabo-verdianos, mas não se pode falar de uma literatura cabo-verdiana. O primeiro prelo foi introduzido em Cabo Verde no ano de 1842 e em 1856 surge o primeiro romance de um autor cabo-verdiano, O Escravo, de José Evaristo d’Almeida, (…) como diz Pires Laranjeira em Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Universidade Aberta, Lisboa 1995, «segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à publicação do livro de poemas Arquipélago (1935) de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros, em que se destacam José Lopes e Pedro Cardoso».

 

Na avaliação das literaturas de língua portuguesa, «Cabo Verde merece consideração à parte. Apesar de circunstâncias também desfavoráveis, como as de nível de vida e a distância a que o português literário se encontra do crioulo falado, a maior proximidade da cultura metropolitana (e sobretudo da brasileira) e certos fermentos mais antigos da vida literária possibilitaram um surto de escritores em torno das revistas Claridade (…) e Certeza», dizem Óscar Lopes e António José Saraiva numa das primeiras edições da sua História da Literatura Portuguesa, destacando depois nomes como os de Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Eugénio Tavares, que designam por «o poeta do crioulo».

 

Manuel Ferreira, sem dúvida um dos maiores especialistas portugueses em literatura africana, particularmente na de Cabo Verde, considera Eugénio Tavares, sobretudo um poeta e um jornalista «de excelente qualidade», quer exprimindo-se em português, quer em crioulo. O Tenente-Coronel Joaquim Duarte Silva, um dos mais antigos estudiosos da sua obra, é da opinião que o primeiro texto escrito em crioulo, até então exclusivamente usado na forma oral, é da autoria de Eugénio Tavares. Refere-se a uma «transposição» para crioulo do famoso texto de Camões, Endechas a Bárbara Escrava (Aquela cativa/Que me tem cativo…), feita por Eugénio. Diz a versão crioula – Bárbara, bonita escraba... João Augusto Martins em Madeira, Cabo Verde e Guiné, Carlos Parreira e outros autores, consideram-no o maior poeta lírico de Cabo Verde. Corsino Fortes (1933), escritor e ex-embaixador de Cabo Verde em Portugal, designou-o por o «Camões de Cabo Verde». É por muitos considerado o «pai» da literatura de Cabo Verde e, como disse, o criador do próprio conceito de caboverdianidade, sem o qual não teria sido possível criar uma literatura. Nem uma pátria.

 

Pode dizer-se que antes de Eugénio Tavares (1867-1930), não existia, mesmo entre as elites do arquipélago, em Cabo Verde uma consciência explícita da identidade cultural dos cabo-verdianos. A consciência dessa identidade, foi o primeiro e importante passo. Assente esse pilar da dignidade nacional, a cultura cabo-verdiano, sobretudo a literatura, divide-se em duas épocas distintas – antes e depois da revista Claridade. Em Março de 1936 surgia o primeiro número; em Dezembro de 1960 publicou-se o último. Foram dez números o que, em 24 anos não parece muito, sobretudo se analisarmos esse facto à luz da realidade actual.

 

No entanto, não podemos esquecer que, em 1936, ano em que foi desencadeada a Guerra Civil de Espanha, o governo de Salazar tentava limpar o País dos derradeiros resíduos da democracia que, desde o advento do liberalismo, e com breves interregnos, se vivia em Portugal. As colónias não escapavam a essa limpeza metódica que, procurando erradicar tudo o que cheirasse a vestígios de hábitos democráticos, fazia também desaparecer nichos culturais que, à gente do regime e ao ditador, pareciam ser (e, de facto, eram) refúgios das oprimidas ideologias políticas.

 

 

 

publicado por João Machado às 21:00
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