Sábado, 25 de Dezembro de 2010
José Trindade Coelho (1861-1908) - 8
José Francisco Trindade Coelho, nasceu em Mogadouro a 18 de Junho de 1869 e suicidou-se em Lisboa em 1908. Dividiu os estudos primários entre Mogadouro e Travanca e completou os estudos secundários como interno num colégio portuense.Órfão de mãe aos 6 anos, partiu com o pai para o Porto, onde fez os estudos liceais num colégio interno, e depois para Coimbra, onde frequentou o curso de Direito e se casou, conhecendo grandes dificuldades financeiras.
Em 1886, graças ao interesse de Camilo junto do seu amigo Tomás Ribeiro, então ministro de Estado, foi nomeado delegado do procurador régio no Sabugal, mudando depois para Ovar e, em 1889, para Lisboa. Depois de uma passagem por África, regressou à capital e foi colocado em Sintra. Em 1895, foi finalmente nomeado juiz em Lisboa. Paralelamente à carreira jurídica, desenvolveu uma intensa actividade jornalística: fundou, ainda em Coimbra, Porta-Férrea e O Panorama Contemporâneo; em Portalegre, a Gazeta de Portalegre e o Comércio de Portalegre; em Lisboa, a Revista Nova; colaborou em muitos outros periódicos, como O Progressista, O Imparcial, Tirocínio, Beira e Douro, Jornal da Manhã, Portugal, Novidades e O Repórter. Publicou diversas obras didácticas (desde manuais pedagógicos, como o ABC do Povo, de 1901, adoptado oficialmente nas escolas públicas, até ao guia de cidadania Manual Político do Cidadão Português, de 1905, entre muitos outros títulos).Em 1907, durante a ditadura de João Franco, foi exonerado do lugar de delegado do procurador régio. Esse dissabor, acrescido das desilusões com a Justiça acumuladas durante toda a vida e da doença nervosa de que padecia, levá-lo-ia ao suicídio, no ano seguinte.Celebrizou-se pelo livro de memórias In Illo Tempore (1902) e, sobretudo, pelo volume de contos rústicos Os Meus Amores (1891), eivado de saudosismo e de reminiscências da infância vivida em Trás-os-Montes, onde foi de encontro ao desejo neogarrettista de regresso às origens nacionais, expresso no artigo inaugural da Revista Nova, de 1893: «Necessário é retemperar-nos nas camadas onde essas qualidades [fundamentais do nosso génio] mais perfeitamente se mantêm, indo às províncias do país buscar para os desfalecimentos do espírito a saúde e o vigor que para as enfermidades do corpo vamos pedir às brisas salgadas do mar e ao ar fortificante dos campos, mergulhando e realentando-nos nesse fecundo veio, que, depois de Garrett, ninguém mais soube sondar e seguir».A sua obra reflecte a infância passada em Trás-os-Montes, num ambiente tradicionalista que ele fielmente retracta, embora sem intuitos moralizantes. O seu estilo natural, a simplicidade e candura de alguns dos seus personagens, fazem de Trindade Coelho um dos mestres do conto rústico português. Fiel a um ideário republicano, dedicou-se a uma intensa actividade pedagógica, na senda de João de Deus, tentando elucidar democraticamente o cidadão português.Embora os pais fossem ricos (a mãe morreu ainda ele era jovem) a verdade é que ele chumbou no 1. º ano do curso de Coimbra e o pai cortou-lhe a mesada, pelo que Trindade Coelho teve que arranjar forma de ultrapassar as dificuldades.Começou então a dar explicações e a escrever em jornais. Entretanto casou e apareceu um filho, facto que mais complicou a sua vida, enquanto estudante. Nessa altura, chegou mesmo a ter um esgotamento. Ele próprio escreveria do ambiente Coimbrão: «aquela vida em que estive metido e que nunca se deu comigo nem eu com ela, mas em que nunca me dei razão porque lha atribuía a ela e a mim uma inferioridade que mais pesava por ser sincera».
Nesse período escrevia nos jornais com o pseudónimo de Belistírio. Também fundou, nessa época, duas publicações: Porta Férrea e Panorama Contemporâneo.Após a conclusão do curso permaneceu em Coimbra, como advogado. Mas a clientela era pouca e ele enveredou pela carreira administrativa. Ingressa na magistratura e é colocado como Delegado do Procurador Régio, na comarca de Sabugal. Sabe-se que para obter esse lugar, foi precisa a «cunha» de Camilo Castelo Branco, que admirava, literariamente Trindade Coelho. Sabe-se, também, que valeu a pena porque foi Trindade Coelho um magistrado de elevadíssima craveira moral.
Foi depois transferido para a comarca de Portalegre. Aí fundou dois jornais: Gazeta de Portalegre e Comércio de Portalegre. Entretanto granjeara fama e os políticos da época quiseram fazer dele um deputado. Como não podia candidatar-se pelo círculo onde trabalhava, foi transferido para Ovar. A última etapa profissional foi Lisboa, onde não teve tarefa fácil por causa do Ultimato Inglês, durante o qual ele teve que fiscalizar a imprensa da capital. Desgostado com as críticas que lhe faziam transferiu-se para Sintra, em 1895. Entretanto, chegou a ir a África (Cabo Verde) defender 33 presos políticos. Ao fim de 3 meses regressou vitorioso, porque conseguiu libertar os presos, prendendo os acusadores.
Continuou a escrever nos jornais: Portugal, Novidades, Repórter e fundou a Revista Nova, onde publicou os Folhetos para o Povo.Era um homem inconformado. Nem a fama de magistrado, nem o prestígio de escritor, nem a felicidade conjugal conseguiam fazer de Trindade Coelho um cidadão feliz. À medida em que avançava no tempo mais se desgostava com a vida, pelo que o desespero o levou ao suicídio em 9 de Junho de 1908.
Deixou uma obra variada e profunda, distribuída por quatro vertentes.
Jornalismo, carácter jurídico, intervenção cívica e literária. Além dos órgãos que criou, já citados, colaborou, com os pseudónimos de Belisário e José Coelho, em: O Progressista, o Imparcial, Tirocínio, Beira e Douro. Jornal da Manhã. Algumas obras: Manual Político do Cidadão Português, o ABC do Povo, o Livro de Leitura. A série Folhetos para o Povo, onde se incluem, entre outros: Parábola dos Sete Vimes, Rimas à Nossa Terra, Remédio contra a Usura, e Cartilha do Povo, A Minha candidatura por Mogadouro. Como obras literárias deixou: Os Meus Amores (1891) e já inúmeras reedições e In Illo Tempore (livro de memórias de Coimbra-1902). Em 1961 comemorou-se o primeiro centenário do seu nascimento. E nessa altura publicou-se um volume: O Senhor Sete, onde se reuniram os seus disperses.Não é literária a simpatia com que o autor apresenta aquele mundo de costumes velhos (A Lareira), onde reina ainda uma cândida ingenuidade (Idílio Rústico), e é com a mesma ternura cheia de poesia que nos fala dos bichos (Sultão, Mãe!, A Choca) e das crianças (Abissus Abissum). Por vezes os temas tratados denotam certa influência de Fialho de Almeida. Mas a realização é puramente sua, sem nada de rebuscado ou torturado. Além de ter sobre ele um dom inato do diálogo, a sua maneira calma, natura, quase objectiva, de narrar em nada lembra o estilo impulsivo e alucinado do contista alentejano.«Para os que sentem as suas raízes, pretendem preservá-las e sobre elas ajudar a construir um futuro mais justo, Trindade Coelho mogadourense autêntico, é modelo de exemplar cidadão.
Os seus livros são tão interessantes quanto a sua história pessoal. Aluno atento, mas rebelde e irreverente, conseguiu superar as vicissitudes da Escola Régia, do Colégio (interno) e da velha Universidade de Coimbra, superando a vida académica com simplicidade e bonomia. Soube distinguir o trigo do joio e conseguiu fazer-se reputado Homem público e literato ilustre, destacando-se entre os escritores da sua época.Desde muito jovem manifestou dotes literários únicos, mas só tardiamente conheceu a fama. In illo tempore, vestiu o traje conimbricense e teve que fazer da escrita o seu ganha-pão, como sebenteiro e colaborador de jornais e revistas, redigindo artigos de circunstância, crónicas ou contos.A sua escrita revela dotes de um espírito inovador, numa expressão pessoal que se liberta do ultra-romantismo e da fácil retórica. Em vez de puro lirismo campestre, Trindade Coelho oferece-nos uma literatura realista, com notas de doçura sentimental, revelando aspectos novos, emoções íntimas ou a crítica oportuna, alheia aos convencionalismos literários da época.Em Os Meus Amores, autêntica jóia literária, o contista partilha connosco sentimentos puros quando recorda a sua terra natal e penetra na alma do seu povo, descrevendo com pormenor os mais belos recantos da paisagem, os costumes populares ou a simpatia para com os amigos e até para com os animais.
Mas a obra de Trindade Coelho, riquíssima de conteúdo, não se destaca apenas pela sua bucólica dimensão poética, distanciada da grande cidade, ou ainda pelos episódios ligados às praxes académicas coimbrãs. A instrução, a pedagogia, a educação cívica, a política, a jurisprudência e a epistolografia foram aspectos que interessaram a sua personalidade inquieta e plural e que vieram a reflectir-se na sua vasta obra de escritor.Ler, hoje, Trindade Coelho, é viajar com alguém que tem o admirável condão de escrever como quem fala, numa linguagem aparentemente simples – nunca simplista –, mas sempre profundamente humana e sugestiva! Ele sabe amar e ser amado, como um desses raros artistas que vivem apaixonadamente cada instante da sua vida!»
Assim escreveu Tereza Sanches.
In Fórum Terras de Mogadouro.Em 1907 demitiu-se do seu cargo na magistratura e, sem que se soubessem os motivos, suicidou-se, no ano seguinte, dando um tiro no coração.
Não seria fácil conciliar a sua morte violenta com a existência combativa e entusiasta deste homem “alegre como uma romaria”, no dizer de Eugénio de Castro, nem com a índole sadia e fresca – por vezes, mesmo, faceta – dos seus escritos, se o não soubessem sujeito a crises de esgotamento nervoso que o prostravam. Nada disto transparece, contudo, nas suas histórias simples e comoventes, que têm por cenário o torrão natal.Na retina, guardou as paisagens e fainas daquele recanto sereno de Trás-os-Montes que tão novo teve de deixar; no ouvido, a língua vigorosa, de pitoresco e expressivo sabor que ali se fala; no coração, as saudades de uma vida idílica e patriarcal, onde os usos permanecem intactos, e os homens têm a dignidade da sua condição.
Sábado, 20 de Novembro de 2010
Adão Cruz
No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.
Não sei se nestes dois versos há palavras a menos ou palavras a mais.
Não sei se há palavras velhas ou palavras novas.
Nem sei se há palavras.
Sinto que não há palavras, e se há, são palavras exactas, únicas, verdadeiras, puras, nuas, verticais, palavras de fio-de-prumo.
Estes dois versos, com palavras ou sem palavras, palavras velhas ou novas, são um monumento à poesia.
E por eu tanto ansiar que um dia me ofereçam uma caixa de palavras novas, como estas, palavras em versos de versos sem palavras, aqui deixo o meu pedido:
As palavras estão gastas estão gastas as palavras.
Mesmo gastas as palavras são olhos de distância e água as palavras são sopros de horizonte as palavras são bonitas são bonitas as palavras ditas e não ditas.
São boas as palavras por dentro e por fora mesmo as palavras más.
São precisas as palavras para falar com a paisagem se não somos capazes da poesia de Grieg numa Canção de Solveig ou da melodia de Smetana nas ondulações do Moldava.
Mesmo gastas as palavras gastas ainda têm dedos olhos e lábios.
Eu ainda acredito nas palavras gastas puídas sem cor.
São elas que dão a tangência da música e acendem as noites com olhos de fora.
Não matem as palavras gastas e velhas assim sem mais nem menos.
Não deitem fora as palavras velhas e gastas até que me ofereçam no dia em que ficar mudo uma caixa de palavras novas.