Uma pergunta que se coloca muitas vezes é esta - o povo americano sofre de um défice de inteligência?
Haverá, por certo, a mesma percentagem de idiotas, gente comum e génios, que existe em todos os países. No entanto, para a classe dirigente - grandes grupos financeiros, falcões do Pentágono e políticos, a ignorância de uma grande parte do povo é uma mais-valia. O convencimento de que o Mundo são os Estados Unidos e todo o resto são arrabaldes está impregnado nas camadas menos evoluídas - é confrangedor, ainda que nos possamos rir, a ignorância demonstrada neste vídeo por pessoas de diversas condições sociais e pertencentes a faixas etárias também diferentes - a ignorância, sobretudo no que se refere ao exterior, é confrangedora. Para mais, lembrando-nos de que estamos na sociedade da informação. Vamos ver e ouvir (e rir):
Publicamos um fragmento do extenso poema Que despierte el leñador, do grande poeta chileno Pablo Neruda, Prémio Nobel da Literatura. É um poema integrado na colectânea Canto General, obra épica sobre o continente americano - nos seus 231 poemas, num total de quinze mil versos, traça uma história das Américas e invoca os libertadores, os criadores das novas nações e os seus ideais em face da profunda injustiça social e da repressão política que, em meados do século passado, manchava a beleza do Novo Mundo. Os Estados Unidos, não são esquecidos e em . Que despierte el leñador, dedicado a Walt Whitman, uma das partes em que se divide a obra, Neruda invoca as raízes puras da grande nação, a generosidade dos ideais dos próceres da sua independência, comparados com a política agressiva e imperialista seguida pelos governos de Washington:
"Distinguida com inúmeros prémios ao longo da sua carreira, Eudora Welty (Mississipi, 1909-2001) é hoje considerada uma das autoras mais proeminentes da literatura norte-americana do sécuo XX. (...) A escrita weltiana é caracterizada por uma visão humanista, por um sentido de irmandade para com homens e mundo, no modo como descreve situações do quotidiano, conferindo-lhes uma ressonância poética, próxima do realismo mágico. À visão amorosa distintiva do seu universo ficcional acresce uma marcada consciência política, espelhada num humor inteligente que nunca toca o sarcasmo, e sobretudo centrada nas problemáticas da identidade do género e da questão racial"
Eudora Welty De Onde Vem a Voz?
(1963)
Digo à minha mulher:
- Podes apagar isso. Não temos de ficar pr'aqui sentados a olhar prà cara de um preto se não quisermos, nem de ouvir aquilo que não queremos ouvir. Ainda estamos num país livre.
Acho que foi assim que me veio a ideia.
Disse, eu podia descobrir exactamente onde vive aqui em Thermopylae aquele preto que está a pedir direitos iguais. E sem qualquer problema.
E não estou a dizer que não é por ser muito perto de onde eu vivo. Por outro lado, uma pessoa pode ter razões para saber como ir até lá no escuro. É lá que todos vamos procurar aquilo que queremos quando mais queremos. Não é verdade?
A tabuleta da sucursal do banco tem umas luzes que dizem, pela noite dentro, a temperatura e as horas. Quando eram quatro menos um quarto, e faziam 34°, fui eu que passei na camioneta do meu cunhado. Ele não entrega nada àquela hora da madrugada.
Então é assim, sai-se dos Quatro Recantos para oeste, na Estrada Nathan B. Forrest, passa-se o Poupança Extra e um bocado depois o Acampamento de Rulotes Volta Sempre, antes de aparecerem as tabuletas a dizer «Isco Vivo», «Carros Usados», «Foguetes», «Pêssegos» e «Irmã Rocha: Leituras e Conselhos». Vira-se mesmo antes de sair da cidade e passa-se pelos caminhos-de-ferro. A rua dele está alcatroada.
Ele tinha a luz acesa, à minha espera. A luz da garagem dele, vejam bem. O carro não está lá. Ele deve continuar por aí a inventar maneiras de fazer aquilo que nós já estamos fartos de dizer que eles não podem fazer. Eu sabia que ia chegar a casa antes dele. Só tive de escolher uma árvore e esconder-me atrás dela.
Quando me meti nisto, já sabia que ia ficar à espera. Mas estava tanto calor que eu só rezava para nenhum de nós derreter antes de isto acabar.
Olhem, só sei que não me tinha propriamente calhado a sorte grande.
Eu ouvi o mesmo que vocês sobre o Goat Dyke-man, no Mississipi. Claro que toda a gente conhece o Goat Dykeman. O Goat mandou dizer ao governador que limpava o sebo àquele preto, ao Meredith1, se o deixassem sair da choldra para fazer isso. O velho Ross ainda deu umas voltas à cabeça antes de dizer não... dá p'ra entender.
Eu cá não sou nenhum Goat Dykeman, não estou na choldra, nem vou pedir nada de nada ao governador Barnett. A não ser que ele me queira dar uma palmada nas costas pelas chatices desta manhã. Mas não tem de fazer nada disso, se não quiser. Fiz o que fiz, porque me deu na real gana.
Mal ouvi pneus, percebi logo quem estava a chegar. Era ele, só podia ser ele. Era mesmo aquele preto, a subir pelo quintal acima num carro branco novinho em folha, até à garagem com a luz acesa, mas parou antes de chegar lá, talvez para não os acordar. Era ele. Conheci-o quando apagou as luzes do carro e pôs o pé de fora, eu sabia que era ele que ali estava, escuro contra a luz. Conheci-o naquela altura como me conheço a mim agora. Conheci-o até pelas costas paradas, à escuta.
Nunca o vi antes, nunca o vi depois, nunca vi a cara preta dele, só em fotografia, nunca vi a cara dele ao vivo, em nenhuma altura, em nenhum sítio, e não quero, nem preciso, nem espero ver aquela cara e nunca vou ver. Bastava não ter dúvidas nenhumas.
Tinha de ser ele. Ficou completamente parado, à espera contra a luz, as costas fixas, fixas em mim como os olhos de um padre a gritar «E tu, estás salvo?». É ele.
Já tinha levantado a caçadeira. Já tinha apontado. E já o tinha apanhado, porque já era tarde de mais para se mudarem as coisas, tanto para ele como para mim.
Uma coisa mais escura do que ele, como as asas de um pássaro, cresceu-lhe nas costas e empurrou-o para baixo. Ele levantou-se uma vez, como um homem caído nas garras do mal e, como se o sangue dos justos pesasse uma tonelada, caminhou com aquilo às costas até um sítio com mais luz. Não passou da porta. E caiu de vez.
As eleições no Brasil tiveram uma importância internacional inusitada. As razões diferem consoante a perspectiva geopolítica que se adopte. Vistas da Europa, as eleições tiveram um significado especial para os partidos de esquerda. A Europa vive uma grave crise que ameaça liquidar o núcleo duro da sua identidade: o modelo social europeu e a social democracia. Apesar de estarmos perante realidades sociológicas distintas, o Brasil ergueu nos últimos oito anos a bandeira da social democracia e reduziu significativamente a pobreza. Fê-lo, reivindicando a especificidade do seu modelo, mas fundando-o na mesma ideia básica de combinar aumentos de produtividade económica com aumentos de protecção social. Para os partidos que na Europa lutam pela reforma, mas não pelo abandono, do modelo social, as eleições no Brasil vieram trazer um pouco mais de ar para respirar.
No continente americano, as eleições no Brasil tiveram uma relevância sem precedentes. Duas perspectivas opostas se confrontaram. Para o governo dos EUA, o Brasil de Lula foi um parceiro relutante, desconcertante e, em última análise, não fiável. Combinou uma política económica aceitável (ainda que criticável por não ter continuado o processo das privatizações) com uma política externa hostil. Para os EUA é hostil toda a política externa que não se alinhe integralmente com as decisões de Washington. Tudo começou logo no início do primeiro mandato de Lula, quando este decidiu fornecer meio milhão de barris de petróleo à Venezuela de Hugo Chávez que nesse momento enfrentava uma greve do sector petroleiro depois de ter sobrevivido a um golpe em que os EUA estiveram envolvidos. Este acto significou um tropeço enorme na política norte-americana de isolar o governo de Chávez. Os anos seguintes vieram confirmar a pulsão autonomista do Governo de Lula. O Brasil manifestou-se veementemente contra o bloqueio a Cuba, criou relações de confiança com governos eleitos mas considerados hostis, a Bolívia e o Equador, e defendeu-os dos golpes da direita tentados em 2008 e 2010 respectivamente. O Brasil promoveu formas de integração regional, tanto no plano económico, como no político e militar, à revelia dos EUA. E, ousadia das ousadias, procurou um relacionamento independente com o governo “terrorista” do Irão.
Na década passada, a guerra no Médio Oriente fez com que os EUA “abandonassem” a América Latina. Estão hoje de regresso, e as formas de intervenção são mais diversificadas que antes. Dão mais importância ao financiamento de organizações sociais, ambientais e religiosas cujas agendas as afastem dos governos hostis a derrotar, como acaba de ser documentado nos casos da Bolívia e do Equador. O objectivo é sempre o mesmo: promover governos totalmente alinhados. E as recompensas pelo alinhamento total são hoje maiores que antes. A obsessão de Serra com o narcotráfico na Bolívia (um actor secundaríssimo) era o sinal do desejo de alinhamento. A visita de Hillary Clinton e a confirmação, pouco antes das eleições, de um embaixador duro (“falcão”), Thomas Shannon, são sinais evidentes da estratégia norte-americana: um Brasil alinhado com Washington provocaria, qual efeito dominó, a queda dos outros governos não-alinhados do sub-continente. O projecto vai manter-se mas por agora ficou adiado.
A outra perspectiva sobre as eleições foi o reverso da anterior. Para os governos “desalinhados” do continente e para as classes e movimentos sociais que os levaram democraticamente ao poder, as eleições brasileiras foram um sinal de esperança: há espaço para uma política regional com algum grau de autonomia e para um novo tipo de nacionalismo, apostado em mais redistribuição da riqueza colectiva.
Um texto importante - Robert Reich, ex-ministro do Trabalho na Administração Clinton escreve sobre a América. A ler com atenção e com atenção descobre-se que escreve também sobre o que está para além da América. E sobre a América cada vez mais dividida entre a América dos ricos e a América dos pobres, deixa-nos uma sugestão, uma sugestão a pensar numa regime democrático. Diz-nos Reich: «Haverá, certamente, um momento em que a diferença entre as duas economias será tão grande e tão evidente que ninguém mais a poderá ignorar. Progressistas, gentes esclarecidas do Tea Party, Independentes, organizações de trabalhadores, minorias e os jovens formarão um novo movimento progressista com a missão de voltar a unir a América.» E é tudo. Parece pouco mas é muito. Júlio Mota
O que é que se vai passar na economia americana em 2011? Se nos estamos a referir aos benefícios das grandes empresas e a Wall Street, o próximo ano será provavelmente um bom ano. Mas se falamos da média dos trabalhadores americanos, estamos muito longe de pensar que será um bom ano .
As duas economias da América - a da Grande Finança e a da economia da família média de trabalhadores - vão continuar a divergir. Os lucros das empresas vão continuar a aumentar, como o dos mercados bolsistas. Mas os salários típicos não irão em nenhum lado aumentar , o desemprego continuará a ser elevado, as longas filas dos desempregados vai continuar a aumentar, a retoma do alojamento permanecerá no ponto morto e a confiança dos consumidores continuará em baixa.
A separação entre os lucros das empresas e o emprego deverá continuar até porque as grandes empresas americanas dependem cada vez menos das vendas que efectuam nos Estados Unidos e dos trabalhadores dos Estados Unidos. Os seus enormes lucros vêm de duas fontes: (1) do crescimento das vendas na China, na Índia e noutros países de crescimento rápido, e (2) da redução da massa salarial nos Estados Unidos.
Numa retoma clássica , o aumento dos lucros conduz a uma maior contratação. E é assim porque numa retoma clássica, os consumidores americanos retornam aos centros comerciais - e as suas compras justificam mais contratação. Não é assim, desta vez. Todo o discurso mediático sobre as vendas de Natal nas últimas semanas mascaram o facto de que os consumidores americanos procuravam os produtos a preços de saldo . E a baixa dos preços reduziu consideravelmente as margens dos vendedores. Resumidamente, os lucros não têm como origem os consumidores americanos - e os lucros também não virão dos consumidores americanos em 2011.
A maior parte dos Americanos não tem dinheiro. Estão ainda profundamente endividados, não podem contrair empréstimos com hipotecas sobre as suas casas, e devem começar a poupar para a reforma.
O Índice da indústria Dow- Jones tem estado a aumentar devido às vendas para o estrangeiro. A General Motors está a fazer mais automóveis na China do que nos Estados Unidos, e os dois terços do total das suas vendas são para o estrangeiro . Quando esta realidade se tornou pública no mês passado fizeram-se rasgados elogios ao facto de que perto da metade dos seus automóveis serão feitos à volta do mundo e em zonas onde a remuneração do trabalho é inferior à 15 $ por hora.
Walmart não faz bem particularmente à América, mas Wal-Mart Internacional está em franco desenvolvimento. E Walmart contrata como loucos mas fora dos Estados Unidos.
General Electric está a reduzir a sua folha de salários nos Estados Unidos, mas prevê investir 500 milhões de dólares no Brasil e pretende contratar 1.000 Brasileiros, e investir 2 mil milhões de dólares na China.
A América das grandes empresas ( a Corporate América) encontra-se face a uma retoma em forma de V. Isto representa boas notícias para os investidores e para todos aqueles cujas poupanças estão aplicadas principalmente em acções e obrigações. Isto também representa boas notícias para os altos quadros e para os traders de Wall Street, cujas remunerações estão ligadas às cotações das acções. Todos esperam fazer de 2011 a sua bandeira.
Mas a maior parte dos trabalhadores americanos é apanhada na armadilha de uma retoma na forma de L. Que más notícias para a Main Street, para a gente da rua, para a população que vive de modestos rendimentos e para as pequenas empresas em 2011. É também mau presságio relativamente aos preços das casas e para o volume de vendas, e para todos aqueles em que tudo o que têm está principalmente nos seus lares.
Os preços das casas nas principais zonas metropolitanas caíram durante o mês passado, a terceira baixa consecutiva mensal. Eu penso que os preços das casas continuam a cair no próximo ano. Estamos num mercado do alojamento que assume a forma de W , em grande parte porque o desemprego continua a ser tão mau que milhões de americanos não podem pagar a sua hipoteca .
Nada disto é de bom augúrio para o emprego dos Estados Unidos no ano próximo. Penso que a taxa de desemprego oficial manter-se-á em cerca de 9 por cento.
Por outras palavras, se 2011 é um grande ano isso vai depender, em termos económicos, de se saber em que economia é que se está - se naquela em que os lucros continuam fortemente a crescer, na das grandes empresas e de Wall Street, ou se está naquela em que se vai continuar a lutar com pouco empregos e salários miseráveis.
Infelizmente, com o próximo Congresso é pouco provável que se venha a fazer muito para inverter tudo isto. A maior parte dos republicanos e também muitos democratas são tributários da América das grandes empresas e de Wall Street. A sua versão da reforma fiscal é a de reduzir os impostos sobre os mais ricos e sobre as grandes sociedades, e então fazer subir outros impostos (as taxas de IVA e sobre os bens imobiliários estão já a subir) ou reduzir as despesas sobre os programas destinados a apoiar as famílias de trabalhadores economicamente dependentes. Haverá, certamente, um momento em que a diferença entre as duas economias será tão grande e tão evidente que ninguém mais a poderá ignorar. Progressistas, gentes esclarecidas do Tea Party, Independentes, organizações de trabalhadores, minorias e os jovens formarão um novo movimento progressista com a missão de voltar a unir a América.
Robert Reich, New Year's Prediction, 29 de Dezembro de 2010 Disponível em http://robertreich.org/ Robert Reich, Fmr. Secretary of Labor; Professor at Berkeley; Author, Aftershock: 'The Next Economy and America's Future'
Nos próximos dias 19 e 20 do corrente mês de Novembro, amanhã e depois de amanhã, realiza-se em Lisboa a cimeira da NATO. Vão ser tratadas questões como a situação no Afeganistão, a defesa anti-míssil, as relações com a Rússia, e outros temas. Parece claro que se vai procurar um maior envolvimento dos países europeus nas acções bélicas da NATO, sobre as quais alguns analistas prevêem um alargamento num futuro próximo. Vai-se discutir com certeza em que parte (ou partes) do planeta vão ser desenvolvidas as novas acções, no Irão, no Extremo Oriente ou na América Latina.
A NATO foi criada em 1949, na sequência do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington pelos representantes de doze países. Anteriormente, em 1948, cinco países europeus, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a França e o Reino Unido, tinham assinado o Tratado de Bruxelas, formando a Organização de Defesa da União da Europa Ocidental. Assim, foram estes países mais os EUA, o Canadá, Portugal, a Itália, a Noruega, a Dinamarca e a Islândia que posteriormente formaram a NATO. Esta actualmente conta com 28 países, todos situados na Europa, excepto os EUA e o Canadá.
É importante não esquecer que o grupo de países que assinou o Tratado de Bruxelas, sem o Reino Unido, mas com a Itália e a República Federal da Alemanha (ou Alemanha Ocidental), em 1951 formou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), embrião do que hoje é a União Europeia. Em 1952 estes mesmos países assinaram um tratado que criava a Comunidade Europeia de Defesa (CED), que inclusive previa a criação de um exército permanente europeu. Mas este tratado nunca entrou em vigor por não ter sido ratificado pela França. A CED nunca chegou a ter uma existência real. Sem dúvida que a história recente e a situação predominante na Europa naquela altura influenciaram determinantemente estes acontecimentos. O receio do rearmamento alemão, o acender da guerra fria, a guerra da Coreia, a ameaça do conflito atómico entre o Leste e o Oeste, a emergência do Japão e da China no primeiro plano da cena internacional foram claramente factores de peso que levaram a que a NATO, organização que no início se pretendia que tivesse mais uma natureza política, mas que rapidamente assumiu um papel predominantemente militar, assumisse o papel de defensora do Ocidente e dos seus valores.
Os EUA, assim, sendo o principal suporte da NATO, financeiro e militar, assumiram o protagonismo da defesa daquilo que se chama o Ocidente. A trave mestra da ideologia política dominante neste país tem sido, desde sempre, o liberalismo económico, que culminou no capitalismo financeiro desenfreado, que tão grandes problemas tem causado, desde há mais de um século, com reflexos em todos o mundo. A sua actuação na esfera pública, com especial relevo nas relações internacionais, norteia-se pelos princípios do realismo político, que dá o primado na vida política ao prosseguimento do interesse nacional, independentemente de considerações ligadas à moral geral. A manutenção da segurança (com a óbvia ligação à defesa do statu quo) é outro ponto primordial. Estes princípios, definidos por Hans Morgenthau, ainda na década de quarenta, e prosseguidos por Henry Kissinger e outros, foram aceites e defendidos pelos sucessivos governos americanos, umas vezes mais entusiasticamente (terá sido o caso dos Bush, pai e filho), outras vezes menos (casos de James Carter e de Obama). O Pentágono, o complexo militar-industrial e outras instituições velam pela continuidade deste sistema, fortemente assente no poderio militar norte-americano.
Foi este conjunto de acontecimentos e de circunstâncias que nos trouxe até ao momento presente. O primeiro secretário-geral da NATO, Lord Ismay, disse que a NATO existia para manter os russos do lado de fora (out), os americanos do lado de dentro (in) e os alemães derrubados (down). Esta afirmação está sem dúvida desactualizada, os alemães são hoje em dia membros de pleno direito da NATO (mas a Europa continua com uma capacidade militar reduzida), e o programa da cimeira que começa amanhã prevê uma reunião ao mais nível com a Rússia, em que, ao que parece, se vai tentar um acordo sobre o escudo anti-míssil, suspenso o ano passado, mas que se quer relançar (há ali um gigantesco investimento que obviamente não se quer desperdiçar). Contudo aquela afirmação de Lord Ismay, um general inglês com uma longa carreira, dá uma ideia clara sobre o carácter que logo de início se pretendeu imprimir à organização.
A aventura no Afeganistão não parece bem encaminhada, e também se vai discutir com certeza o caminho futuro a tomar. As informações que existem indicam que os militares norte-americanos querem reforçar as forças no terreno para continuarem o conflito em posição de vantagem. A oposição republicana também aponta no sentido da continuação da guerra (assim como alguns democratas). Obama vai portanto continuar com este problema nos braços, e a discussão na cimeira vai provavelmente consistir em como os EUA vão angariar mais apoios para a intervenção no terreno, isto é, mais tropas.
Antigamente a existência da NATO era justificada pelos seus mentores com o perigo comunista. Agora é com o terrorismo e outras ameaças à segurança, como o crime organizado, o tráfico de droga, etc. Obviamente que parte destas competências são, ou deveriam ser, competência da ONU, a quem deviam ser facultados os meios para os prosseguir. Em vez disso os EUA, nomeadamente os seus sectores mais conservadores, hostilizam a ONU, e vetam no Conselho de Segurança moções da maior importância, como por exemplo as respeitantes à Palestina. É verdade que outros países com menos poder, alguns deles europeus, seguem o mesmo caminho, mas sabe-se que o fazem movidos por interesses particulares. E estamos suspensos para ver como no futuro vai actuar a China.
Talvez a Turquia veja reforçado o seu papel na cena internacional, se se confirmar a hipótese de parte do famigerado escudo anti-míssil ser deslocado para o seu território, para ficar mais directamente para o Irão. Este deverá continuar com o papel que lhe atribuíram de lobo mau, e de assim contribuir para a justificação da existência da NATO. Penso realmente que o governo iraniano e a teocracia dominante no país são detestáveis, e que era bom que mudassem rapidamente, mas são os iranianos que deverão ter a palavra decisiva. E que há outros perigos maiores no mundo, como o expansionismo israelita, ou a tensão na Coreia, para além da fome e das epidemias, situações que deveriam essas sim, merecer uma grande atenção dos maiores poderes mundiais. E não acredito que o Irão tenha poderes militares assim tão grandes como lhe parecem querer atribuir.
A minha opinião pessoal é que a NATO devia ser extinta, e os seus serviços (que tenham algum interesse) encaminhados para a ONU, ou para outras organizações com actuação adequada na cena internacional. Os EUA deveriam aceitar que são um país como os outros, rico e poderoso é certo, mas sujeito às regras gerais (por exemplo, para quando a sua adesão ao Tribunal Penal Internacional?). Agências internacionais, mantidas pelos governos, deveriam funcionar nas várias partes do mundo para tratar dos problemas da segurança e do bem-estar. Temo, é verdade, que isto que penso não passe de utopias, e que ainda falte muito para que tenhamos mais paz, transparência, bem-estar e liberdade, coisas que nunca foram o objectivo da NATO, mau grado as opiniões com que nos bombardeiam todos os dias os seus defensores.
Qual o alinhamento de forças no mundo após a queda do Muro de Berlim e o ataque às Torres Gémeas? Qual o papel da defesa dos direitos humanos? Aonde chegará a China nos próximos anos? Não será o equilíbrio das contas públicas um novo actor na cena internacional?
Após a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética os Estados Unidos ficaram na cena internacional como a única superpotência mundial. Ciosos do seu papel, têm procurado junto da opinião pública justificar a manutenção desse estatuto, apresentando-se como os campeões da defesa da democracia e dos direitos humanos. Têm sido ajudados consideravelmente nesse papel pelas grandes limitações nessas matérias existentes na muitos países, incluindo nalguns que aparecem a fazer-lhes oposição, como é o caso daqueles em que predomina a religião islâmica. Mesmo tendo em conta que existem grandes deturpações causadas pela parcialidade na informação sobre a vida nos vários países, conforme a sua posição em relação ao Ocidente (atente-se nas diferenças no modo como se apresenta à opinião pública a situação no Egipto ou em Marrocos, por um lado, e no Irão por outro), esse tem sido um trunfo que tem sido usado com êxito junto da opinião pública. O ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque (não vamos neste momento levar em conta as teorias que têm sido formuladas sobre este acontecimento) e a eleição de Barack Obama reforçaram, de modos diferentes, o êxito da propaganda norte-americana.
A defesa dos direitos humanos é a pedra de toque de uma civilização. Um dos seus aspectos fundamentais é com certeza a defesa dos direitos das mulheres. No Monde Diplomatique de Setembro último, Serge Halimi, no seu editorial Fotografias sem Luzes, refere-nos o caso de Bibi Aisha, mulher afegã mutilada eventualmente pelos talibãs (há informações de que o autor do crime terá sido o sogro), que foi capa da Time Magazine, com o título O que vai acontecer se abandonarmos o Afeganistão? Halimi refere também o caso de Sakineh Mohammad-Astiani, iraniana chicoteada por adultério. Analisa o peso e o significado destes símbolos, e sublinha a evidência de que a presença dos exércitos ocidentais no Afeganistão não impediu a mutilação de Bibi Aisha. Acaba lembrando que os talibãs também terão fotografias de civis mutilados ou mortos pelos mísseis ocidentais, que a Time Magazine também há de publicar. Pergunta se uma dessas fotografias será capa da revista, e qual a legenda.
Notória é a pouco simpatia que tem merecido aos americanos a ascensão do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) na cena internacional. Estas potências têm procurado, de um modo não muito evidente, criar uma alternativa na cena internacional, construindo relações que não são à partida abençoadas por Washington. Lula, nos últimos tempos da sua presidência distinguiu-se nesse campo, mostrando uma grande capacidade diplomática e a ascensão do Brasil nos últimos anos. Mas, deste grupo de nações, sobressai sem dúvida a China.
Neste momento não nos vamos debruçar sobre os problemas internos da China, nem sobre o caso do Prémio Nobel da Paz, Liu Xiaobo. Vamos apontar apenas um aspecto, num campo que tem estado na primeira linha, o campo financeiro. É sabido que a China tem vindo a fazer grandes investimentos no estrangeiro, inclusive comprando dívida pública de outros países, incluindo Portugal. Actualmente parece que um quinto da dívida pública norte-americana está nas suas mãos. Num debate recente em Seul com Paul Krugman (ver The Guardian, do dia 14 de Outubro corrente), o economista Niall Ferguson, que é de opinião que a situação das finanças públicas dos Estados Unidos é pior que a da Grécia, afirmou que em breve se verão forçados a fazer cortes na defesa para minorarem a seu défice. Por um lado, é caso para dizermos que temos outro actor na cena internacional, o défice orçamental. Por outro, é de pôr a interrogação de até onde conseguirá a China ir, no plano internacional?
A hipnose é um estado psíquico, induzido artificialmente, em que o hipnotizado, numa condição semelhante à de transe, fica altamente sujeito à influência do hipnotizador. O estado de concentração hipnótica filtra a informação de modo a que ela coincida com as directivas recebidas. Estas, por sua vez, podem trazer à consciência do hipnotizado memórias por ele suprimidas. A hipnose pode conduzir a actos destrutivos para o próprio ou para outros e, passado o seu efeito, o contacto com a realidade pode ser penoso. O mundo (não todo, mas uma boa parte) vive hoje em estado de hipnose e o hipnotizador é Barack Obama (BO). A hipnose consiste numa mudança radical de percepção sobre o que se passa no mundo sem que na realidade haja razões para sustentar tal mudança. Em que consiste a mudança e donde provêm os poderes hipnóticos de Obama? O que se passará quando o estado de hipnose desvanecer? A mudança de percepção ocorre em diferentes áreas. A crise financeira global. Mudança: as medidas corajosas de BO para regular o sistema financeiro e assumir o controle de empresas importantes fez com que a crise fosse ultrapassada e a economia retomasse o seu curso. Realidade: BO injectou montantes astronómicos de dinheiro dos contribuintes nos bancos e empresas à beira do colapso sem assumir o controle da sua gestão; não introduziu até agora nenhuma regulação no sistema financeiro; prova disso é o regresso do capitalismo de casino à Wall Street com o banco Goldman Sachs a registar lucros fabulosos obtidos através dos mesmos processos especulativos que levaram à crise, enquanto o desemprego continua a aumentar e os americanos continuam a perder as suas casas por não poderem pagar as hipotecas.
O regresso do multilateralismo. Mudança: BO cortou com o unilateralismo de Bush e os tratados internacionais voltaram a ser respeitados pelos EUA. Realidade: as recentes negociações de Banguecoque, que deveriam levar ao reforço do frágil Protocolo de Kyoto sobre as mudanças climáticas, conduziram, por pressão dos EUA, ao resultado oposto com a agravante de terem atenuado as responsabilidades globais dos países desenvolvidos, os grandes responsáveis pela degradação ambiental; os EUA, que não assinaram a Declaração de Durban contra o racismo, auspiciada pela ONU em 2001, voltaram a retirar o seu apoio à declaração sobre a revisão da declaração de Durban elaborada na reunião da ONU de Abril passado em Genebra, arrastando consigo vários países europeus; os EUA desautorizaram o corajoso relatório do Juiz Goldstone sobre os crimes de guerra cometidos por Israel e o Hamas durante a invasão israelita da faixa de Gaza no Inverno de 2008, e, juntamente com Israel, pressionaram a Autoridade Palestiniana a fazer o mesmo.
O fim das guerras. Mudança: BO estendeu a mão da fraternidade e do respeito ao mundo islâmico e vai pôr fim às guerras do Médio Oriente. Realidade: sem dúvida, houve mudança de retórica, mas Guantánamo ainda não encerrou; os generais dizem que a ocupação do Iraque continuará por muitos anos (ainda que os soldados sejam substituídos por mercenários); os pobres camponeses afegãos continuam a ser mortos “por engano” por bombardeiros covardemente não tripulados e as mortes estendem-se já ao Paquistão com consequências imprevisíveis; a burla da ameaça nuclear iraniana continua a ser propalada como verdade; no passado dia 10 de Setembro, BO renovou o estado de emergência, declarado inicialmente por Bush em 2001, sob o pretexto da continuada ameaça terrorista, atribuindo ao Estado poderes que coarctam os direitos democráticos dos cidadãos.
As bases militares na Colômbia. Mudança: sem precedentes, BO criticou o golpe de Estado nas Honduras, o que dá garantias de que as sete bases militares a instalar na Colômbia são exclusivamente destinadas à luta contra a droga. Realidade: BO criticou o golpe mas não lhe pôs termo nem retirou o seu embaixador; o alcance dos aviões a estacionar na Colômbia revelam que os verdadeiros objectivos das bases são 1) mostrar ao Brasil que, como potencial regional, não pode rivalizar com o EUA, 2) controlar o acesso aos recursos naturais da região, nomeadamente da Amazónia, 3) dissuadir os governos progressistas da região a terem veleidades socialistas mesmo que democráticas.
Donde provém o poder hipnótico de BO? Da insidiosa presença do colonialismo na constituição político-cultural do mundo. O Presidente negro de tão importante país dá aos fautores históricos do racismo no mundo contemporâneo o conforto de poderem espiar sem esforço a sua culpa histórica, e dá às vítimas do racismo a ilusão credível de que o fim das suas humilhações está próximo.
E o que passará depois da hipnose? BO está a preparar-se meticulosamente para governar durante oito anos, fará algumas reformas que melhorarão a vida dos americanos, ainda que ficando muito aquém das promessas (como no caso da reforma do sistema de saúde) e sem nunca pôr em causa a vigência do Estado de mercado; evitará a todo custo “mexer” no conflito Israel/Palestina; manterá a América Latina sob apertado controle; agradará em tudo à China, tal o medo que ela deixe de financiar o American way of life;deixará o Irão onde está e, se puder, sairá do Afeganistão; tudo isto num contexto de crescente declínio económico dos EUA em parte camuflado pelo aumento das despesas militares algumas delas orientadas para o controlo de conflitos internos.
"Tinha 41 anos e um QI de 72 – 70 é o limite da deficiência mental. Foi executada na Virgínia quando passavam poucos minutos das duas da manhã em Lisboa. Os jornalistas que assistiram à injecção letal descreveram que Teresa Lewis parecia “nervosa” e “assustada”.
Para além de estar próxima do atraso mental, parece que ficou provado que ela estava drogada e não foi ela que planeou o crime, mandar matar o marido. O número de execuções marcadas nos EU até sete de Dezembro é de dez execuções. Depois, como li no artigo de um amigo meu, são férias de Natal.
Matar desta forma, com régua de cálculo, com calendário, com peso e medida, cerimoniosamente, usando mãos tão ensanguentadas ou mais do que as do próprio condenado, em nome de uma justiça que não existe, em nome de princípios que absolvem quando convém, à ordem dos que fazem as leis à sua medida e programam a moral que lhes serve, é arrepiante.
A macabra aceitação da fatalidade, o sinistro sangue-frio de um tribunal que não vacila no último minuto, o génio astucioso e hábil da verdade que se pretende, a impoluta boa-gente que não se engana, as instituições que a “honra” não deixa recuar, os fautores da razão armada, os cobardes trajes da resolução “nobre e corajosa”, o calculado eufemismo da segurança geral, a inflexível posição sobre a desditosa e inexorável hora do fraco, o lúgubre silêncio da humanidade, não mais enganam.
Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões. Há mais de trinta de anos passo alguns meses por ano nos EUA e tenho vindo a observar uma acumulação progressiva de “doenças”, mas não é delas que quero escrever hoje. Hoje escrevo sobre doença no sentido literal e faço-o a propósito da reforma do sistema de saúde em discussão final no Congresso. As lições desta reforma para o nosso país são evidentes. Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. Gastam por ano duas vezes mais em despesas de saúde que qualquer outro país desenvolvido e, apesar disso, 49 milhões de cidadãos não têm qualquer seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele. Mais, a cada passo surgem notícias aterradoras de pessoas com doenças graves a quem as seguradoras cancelam os seguros, a quem recusam pagar tratamentos que lhes poderiam salvar a vida ou a quem recusam vender o seguro por serem conhecidas as suas “condições pré-existentes”, ou seja, a probabilidade de virem necessitar de cuidados de saúde dispendiosos no futuro.
A perversidade do sistema reside em que os lucros das seguradoras são tanto maiores quanto mais gente da classe média baixa ou trabalhadores de pequenas e médias empresas são excluídos, ou seja, grupos sociais que não aguentam constantes aumentos dos prémios de seguro que nada têm a ver com a inflação. No meio de uma grave crise económica e alta taxa de desemprego, a seguradora Anthem Blue Cross – que no ano passado a declarou um aumento de 56% nos seus lucros – anunciou há semanas uma subida de 39% nos prémios na Califórnia, o que provocaria a perda do seguro a 800.000 pessoas. A medida foi considerada criminosa e escandalosa por alguns membros do Congresso.
Por todas estas razões, há um consenso nos EUA de que é preciso reformar o sistema de saúde, e essa foi uma das promessas centrais da campanha de Barack Obama. A sua proposta assentava em duas medidas principais: criar um sistema público, financiado pelo Estado, que, ainda que residual, pudesse dar uma opção aos que não conseguem pagar os seguros; regular o sector de modo que os aumentos dos prémios não pudessem ser decididos unilateralmente pelas seguradoras. Há um ano que a proposta de lei tramita no Congresso e não é seguro que a lei seja aprovada até à Páscoa, como pede o Presidente. Mas a lei que virá a ser aprovada não contém nenhuma das propostas iniciais de Obama. Pela simples razão de que o lobbying das seguradoras gastou 300 milhões de euros para pagar aos congressistas encarregados de elaborar a lei (para as suas campanhas, para as suas causas e, afinal, para os seus bolsos). Há seis lobbyistas da área de saúde registados por cada membro do Congresso. Lobbying é a forma legal do que no resto do mundo se chama corrupção. A proposta, a ser aprovada, está de tal modo desfigurada que muitos sectores progressistas (ou seja, sectores um pouco menos conservadores) pensam que seria melhor não promulgar a lei. Entre outras coisas, a lei “entrega” às seguradoras cerca de 30 milhões de novos clientes sem qualquer controlo sobre o montante dos prémios. Os EUA estão doentes porque a democracia norte-americana está doente.
Que lições? Primeiro, é um crime social transformar a saúde em mercadoria. Segundo, uma vez dominantes no mercado, as seguradoras mostram uma irresponsabilidade social assustadora. São responsáveis perante os accionistas, não perante os cidadãos. Terceiro, têm armas poderosas para dominar os governos e a opinião pública. Em Portugal, convém-lhes demonizar o SNS só até ao ponto de retirar dele a classe média, mais sensível à falta de qualidade, mas nunca ao ponto de o eliminar pois, doutro modo, deixariam de ter o “caixote do lixo” para onde atirar os doentes que não querem. Os mais ingénuos ficam perplexos perante os prejuízos dos hospitais públicos e os lucros dos privados. Não se deram conta de que os prejuízos dos hospitais públicos, por mais eficientes que sejam, serão sempre a causa dos lucros dos hospitais privados.
(Publicado na revista "Visão" em 11 Março de 2010)
Qualquer cidadão do mundo que tenha o privilégio de não estar preocupado com a sua sobrevivência amanhã e ouça, leia ou veja as notícias – um privilégio, porque pertence a uma pequeníssima minoria dos 6.8 biliões de seres humanos – tem razões para estar perplexo e apreensivo. E teria ainda mais razões se soubesse do que não sai nas notícias dos grandes meios de comunicação.
No dia de Natal um jovem nigeriano quase fez explodir um avião enquanto este se preparava para aterrar numa cidade norte-americana. Se tivesse tido êxito teriam morrido centenas de pessoas entre passageiros, tripulantes e habitantes da zona onde o avião caísse. A perplexidade é esta: como é possível que isto tenha acontecido no país detentor das mais sofisticadas tecnologias de vigilância e segurança e, para mais, quando o jovem extremista era conhecido dos serviços secretos e tinha sido denunciado pelo seu próprio pai junto das embaixadas ocidentais? Como é possível que o país mais poderoso do mundo tenha revelado tal debilidade? A apreensão é esta: como vão os EUA reagir? Vão abrir mais frentes de guerra? Depois do Iraque, do Afeganistão e do Paquistão seguir-se-á o Irão, que as notícias dizem ter afinal planos para construir uma bomba atómica, e o Iémen, onde o jovem terá sido treinado? Que outros países se seguirão? Poderá algum país estar livre de vir a ser alvo desta guerra?
A perplexidade redobraria se ao cidadão chegasse notícia de duas especulações perturbadoras: os serviços secretos correram o risco de fazer entrar o jovem nos EUA porque o pretendiam contratar como agente duplo, tal como se especula que o mesmo terá acontecido com os serviços secretos dinamarqueses, que igualmente conheciam bem quem tentou matar o cartoonista; a informação sobre o jovem foi deliberadamente bloqueada para que o atentado ocorresse e criasse uma onda de revolta que levasse a opinião pública norte-americana, não só a justificar mais guerras numa região rica em petróleo, mas também a pensar que um presidente negro e com o nome intermédio Hussein não lhes garante segurança e lhes está a roubar um país que foi feito por brancos e para brancos. Especulações disparatadas? A perplexidade maior é que sejam de todo feitas.
E a apreensão se transformaria em revolta se o cidadão comum soubesse: que, tal como o Iraque não tinha armas de destruição maciça, o Irão não tem nenhum programa de bomba nuclear, o que aliás está atestado por 16 agências do governo dos EUA, e que apesar disso Israel e os EUA continuam a preparar um ataque ao Irão; que os perigosos inimigos de hoje foram financiados no passado para destruir o nacionalismo de esquerda emergente, tendo sido assim que Israel financiou o Hamas contra o movimento de libertação palestiniana, e os EUA, os talibãs contra o governo de esquerda e seus aliados russos; que a guerra supostamente patriótica e para defender a democracia está a ser crescentemente travada por forças mercenárias, para quem a guerra é um negócio (no atentado bombista de 30 de Dezembro no Afeganistão – cometido por um agente duplo jordaniano contratado pelos EUA para chegar à liderança da Al Quaeda – dois dos “agentes” da CIA mortos eram, de facto, mercenários da empresa Blackwater, considerada o exército mercenário mais poderoso do mundo); que os maiores custos da guerra, para quem a sofre, são os que não são contados como tal, de que é exemplo trágico a epidemia de cancro e de bebés nascidos com deformidades que está a assolar o Iraque, relacionada com o urânio deixado no solo pelas bombas “aliadas”, um problema que, aliás, começa também a afectar os soldados aliados e os seus filhos; que no centro das desgraças que se advinham está um dos povos mais indefesos e abandonados do mundo, os palestinianos, encarcerados no seu próprio país, à mercê um Estado ocupante, racista, com armas nucleares que nunca deixou inspeccionar, apoiado por um declinante centro do império e por um dos seus mais servis lacaios (o Egipto).
(Publicado na revista "Visão" em 14 de Janeiro de 2010)
O ex-secretário de imprensa do Presidente Bush, Scott McClellan, acaba de publicar um livro intitulado "O que Aconteceu: Dentro da Casa Branca de Bush e a Cultura do Ludíbrio em Washington". O furor político e mediático que causou decorre de duas revelações: quando ordenou a invasão do Iraque, a Administração Bush sabia que o Iraque não tinha armas de destruição maciça (ADM) e montou uma poderosa "campanha de propaganda" para levar a opinião pública norte-americana e mundial a aceitar uma "guerra desnecessária"; os grandes meios de comunicação foram "cúmplices activos" dessa campanha, não só porque não questionaram as fontes governamentais como porque incendiaram o fervor patriótico e censuraram as posições cépticas contrárias à guerra.
Estas revelações e as reacções que causaram têm implicações que as transcendem. Antes de tudo, é surpreendente todo este escândalo, pois as revelações não trazem nada de novo. As informações em que assentam eram conhecidas na altura da invasão a partir de fontes independentes. Nelas me baseei para justificar nesta coluna a minha total oposição à guerra que, além de "desnecessária", era injusta e ilegal. Isto significa que as vozes independentes foram estigmatizadas como sendo ideológicas e anti-patrióticas, tal como hoje criticar Israel equivale a ser considerado anti-semita. Em 2001, no Egipto, e antes da máquina de propaganda ter começado a devorar a verdade, o próprio Secretário de Estado Colin Powell dissera que não havia nenhuma informação sólida de que o Iraque tivesse ADM.
Isto me conduz à segunda implicação destas revelações: o futuro do jornalismo. A máquina de propaganda do Departamento de Defesa assentou em três tácticas: impor a presença de generais na reserva em todos os noticiários televisivos com o objectivo de demonstrar a existência das ADMs; ter todos os média sob observação e telefonar aos seus directores ou proprietários ao mínimo sinal de cepticismo ou oposição à guerra; convidar jornalistas de confiança de todo o mundo (também de Portugal) para serem convencidos da existência das ADMs e regressarem aos seus países possuídos da mesma convicção belicista. Vimos isso trágica e grotescamente no nosso país. A verdade é que em Washington e em todo o país circulavam nos média independentes informações que contradiziam o "brainwashing", muitas delas provindas de generais e de antigos altos funcionários da Casa Branca. Porque não ocorreu a esses jornalistas amigos fazer uma verificação cruzada das fontes como lhes exigia o código deontológico?
Para o bem do jornalismo, alguns deles procuraram resistir à pressão e sofreram as consequências. Jessica Yellin, hoje na CNN, e na altura no canal ABC, confessou publicamente que os directores e donos do canal a pressionaram para escrever histórias a favor da guerra e censuraram todas as que eram mais críticas. Um produtor foi despedido por propor um programa com metade de posições a favor da guerra e metade de posições contra. Quem resistiu foi considerado anti-patriótico e amigo dos terroristas. Isto mesmo aconteceu no nosso país. Quantos jornalistas não foram sujeitos à mesma intimidação? Quantos artigos de opinião contrários à guerra foram rejeitados? E os que escreveram propaganda e intimidaram subordinados alguma vez se retrataram, pediram desculpa, foram demitidos? É que eles colaboraram para que um milhão de iraquianos fossem mortos, dezenas de milhares de soldados norte-americanos fossem feridos e mortos e um país fosse totalmente destruído. Tudo isto terá sido preço, não da democracia – ridículo conceber como democrático este estado colonial e mais fracturado que a Somália – mas sim do controle das reservas do petróleo do Golfo e da promoção dos interesses do petróleo, da indústria militar e de reconstrução em que os donos dos média têm fortes investimentos.
Para disfarçar o problema moral dos cúmplices da guerra e da destruição, um comentador de direita do nosso país socorreu-se recentemente da mais desconcertante e desesperada justificação da guerra: se não havia ADMs, havia pelo menos a convicção de que elas existiam. Ora o livro de McClellan acaba de lhe retirar este argumento. De qual se socorrerá agora? O trágico é que a "máquina" de propaganda continua montada e está agora dirigida ao Irão. O seu funcionamento será mais difícil e sê-lo-á tanto mais quanto melhores condições tiverem os jornalistas para cumprir o seu código deontológico.
(Publicado na revista "Visão" em 5 de Junho de 2008)
A questão ambiental entrou finalmente no discurso público e na agenda política, o que não deixa de causar alguma surpresa aos activistas dos movimentos ecológicos, sobretudo àqueles que militam há mais tempo e se habituaram a ser apodados de utópicos e inimigos do desenvolvimento. A surpresa é tanto maior se se tiver em conta que o fenómeno não parece estar relacionado com uma intensificação extraordinária da militância ecológica. Quais, pois, as razões?
Ao longo das últimas quatro décadas, os movimentos ecológicos foram ganhando credibilidade à medida que a investigação científica foi demonstrando que muitos dos argumentos por eles invocados se traduziam em factos indesmentíveis – a perda da biodiversidade, as chuvas ácidas, o aquecimento global, as mudanças climáticas, a escassez de água, etc. – que, a prazo, poriam em causa a sustentabilidade da vida na terra. Com isto, ampliaram-se os estratos sociais sensíveis à questão ambiental e a classe política mais esclarecida ou mais oportunista (ainda que por vezes disfarçada de sociedade civil, como é o caso de Al Gore) não perdeu a oportunidade para encontrar nessa questão um novo campo de actuação e de legitimação. Assim se explica o importante relatório sobre a "conta climática" de um economista nada radical, Nicholas Stern, encomendado por um político em declínio, Tony Blair. Neste processo foram "esquecidos" muitos dos argumentos dos ambientalistas, nomeadamente aqueles que punham em causa o modelo de desenvolvimento capitalista dominante. Este "esquecimento" foi fundamental para a segunda razão do actual boom ambiental: a emergência do ecologismo empresarial, das indústrias da ecologia (não necessariamente ecológicas) e, acima de tudo, dos agrocombustíveis cujos promotores preferem designar, et pour cause, como biocombustíveis. As reservas que os movimentos sociais (ambientalistas e outros) levantam a este último fenómeno merecem reflexão tanto mais que, tal como aconteceu antes, é bem provável que só daqui a muitos anos (tarde demais?) sejam aceites pela classe política e opinião pública. A primeira pode formular-se como uma pergunta: é de esperar que as indústrias da ecologia resolvam o problema ambiental quando é certo que a sustentabilidade económica delas depende da permanente ameaça à sustentabilidade da vida na terra? A eficiência ambiental dos agrocombustíveis é uma questão em aberto que, aliás, se agravará com a "segunda geração de agrocombustíveis" que, entre outras coisas, inclui a introdução de plantas (árvores) geneticamente modificadas. Por outro lado, a produção dos agrocombustíveis (cana do açúcar, soja e palma asiática) usa fertilizantes, polui os cursos de água e é já hoje uma das causas da desflorestação, da subida do preço da terra e da emergência de uma nova economia de plantação, neo-colonial e global. A segunda reserva está relacionada com a anterior e diz respeito ao impacto da expansão dos agrocombustíveis na produção de alimentos. No início de Setembro, o bushel de trigo (cerca de 36 litros) atingiu o preço record de 8 dólares na bolsa de mercadorias de Chicago. Más colheitas (derivadas das mudanças climáticas), o aumento da procura pela China e a Índia e a produção de agrocombustíveis foram as razões do aumento e a expectativa é de que a subida continue. O aumento do preço dos alimentos vai afectar desproporcionalmente populações empobrecidas dos países do Sul, pois gastam mais de 80% dos seus parcos rendimentos na alimentação. Ao decidir atribuir 7,3 biliões de dólares em subsídios para a produção de agrocombustíveis, os EUA produziram de imediato um aumento (que chegou a 400%) do preço do alimento básico dos Mexicanos, a tortilla. Reside aqui a terceira reserva: os agrocombustíveis podem vir a contribuir para a desigualdade entre países ricos e países pobres. Enquanto na UE a opção pelos agrocombustíveis corresponde, em parte, a preocupações ambientais, nos EUA a preocupação é com a diminuição da dependência do petróleo. Em qualquer dos casos, estamos perante mais uma forma de proteccionismo sob a forma de subsídios à agroindustria, e, como a produção doméstica não é de nenhum modo suficiente, é, de novo, nos países do Sul que se vão buscar as fontes de energia. Se nada for feito, repetir-se-á a maldição do petróleo: a pobreza das populações em países ricos em recursos energéticos.
O que há a fazer? Critérios exigentes de sustentabilidade global; democratização do acesso à terra e regularização da propriedade camponesa; subordinação do agrocombustível à segurança e à soberania alimentares; novas lógicas de consumo (se a eficiência do transporte ferroviário é 11 vezes superior à dos transportes rodoviários, porque não investir apenas no primeiro?); alternativas ao mito do desenvolvimento e numa nova solidariedade do Norte para com o Sul. Neste domínio, o governo equatoriano acaba de fazer a proposta mais inovadora: renunciar à exploração do petróleo numa vasta reserva ecológica se a comunidade internacional indemnizar o país em 50% da perda de rendimentos derivados dessa renúncia.
(Publicado na revista "Visão" em 25 de Outubro de 2007)
Em 4 de Julho de 1776 foi publicada a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América. Foi há 234 anos. Pela límpida voz dos próceres da sua independência, nomeadamente a de Thomas Jefferson, principal autor do texto, a nova nação foi, naquele último quarto do século das luzes, um farol de liberdade que ofuscou as candeiazinhas do pensamento iluminista. Diz a Declaração em certo passo - «a prudência recomenda que não se mudem os governos instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros.» (…) «Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objecto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assiste-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiães para sua futura segurança».
Palavras que os revolucionários franceses beberam, seguindo o exemplo americano treze anos depois. Porém, em pouco mais de dois séculos, esse capital de esperança foi dissipado, a luz radiosa do american dream transformou-se num pesadelo, no buraco negro onde a liberdade e a democracia se precipitam e desaparecem, sorvidas para uma realidade paralela – «a realidade americana».
É inquestionável que nos Estados Unidos existe uma quase ilimitada liberdade de expressão. Centrais de inteligência, como a CIA e o FBI, são em livros, em filmes, em séries televisivas, acusados das mais torpes felonias de uma forma que não sei se a PJ ou o CIS aguentariam. Não se pode deixar de apreciar aquilo que aparece como uma transbordante capacidade de autocrítica. Porém, essa facilidade de denunciar ficcionando, banaliza o crime e as prepotências dessas centrais. Até porque, geralmente, não são as centrais ou as instituições propriamente ditas que são acusadas, mas indivíduos, traidores ou corruptos ao seu serviço. Nesta ânsia de efabular a perversão, nem o Presidente escapa. Estou a lembrar-me de um filme, Poder Absoluto (Absolute Power, 1997), realizado por Clint Eastwood, em que o criminoso é precisamente o presidente dos Estados Unidos, interpretado por Gene Hackman. É a teoria da conspiração em todo o seu esplendor.
Quando as coisas acontecem fora dos ecrãs ou das páginas dos romances de aeroporto, em Guantánamo, no Iraque ou no Afeganistão, a maioria dos cidadãos norte-americanos acha normal. Em suma, tudo o que de negativo existe na sociedade norte-americana pode ser denunciado e criticado - do racismo à tortura. As maiores atrocidades e as mais sinistras conspirações são antecipadas. O efeito é perverso. Uma espécie de vacina contra os sentimentos humanos. Se amanhã os Estados Unidos decidirem lançar bombas nucleares sobre o Irão, muitos americanos (talvez a maioria) acharão normal – encolherão os ombros e dirão - já vi este filme.
Naturalmente que esta acefalia colectiva não traça um retrato de corpo inteiro da sociedade norte-americana – há uma percentagem elevada de americanos inteligentes, cultos, bem formados, informados e preocupados com o rumo que as coisas estão a tomar. Porém, na sua maioria, os norte-americanos confundem o seu mundo com o Mundo. É vulgar o vencedor da final de qualquer desporto que só ali se pratica ser designado por «campeão do mundo». Para a maioria dos norte-americanos, o «mundo» são eles; os outros continentes e países, arredores insignificantes.
É assim desde a Segunda Guerra Mundial, quando após a grande depressão de 1929 e que se prolongou pelos anos 30, os Estados Unidos emergiram como grande potência. O colapso da União Soviética que dividia com eles a tarefa de dirigir e policiar o planeta, deixou-os sozinhos e entregues ao seu grande poder que é, também a sua maior fraqueza – a invasão do Iraque, para falar numa das mais recentes demonstrações da sua «omnipotência», foi, pode dizer-se, decidida unilateralmente pelo gabinete de George W. Bush. A União Europeia foi um mero figurante (com a Grã-Bretanha a assumir o papel de embaixadora de «deus» aqui na terra…).
O realizador cinematográfico francês Alain Resnais, o director de «Hiroshima, mon amour» (1959) e de «Mon oncle d’Amérique» (1980), disse numa entrevista que era doloroso «viver na era americana e não ser americano». Isto foi dito há quarenta anos, talvez, quando ainda nós, europeus, não nos tínhamos apercebido totalmente da carga de perversa prepotência existente na democracia americana, embora tivéssemos já elementos históricos para tal (o lançamento de duas bombas nucleares sobre o Japão, por exemplo). Hoje em dia, o inglês impôs-se como língua franca e não foi por mérito ou pressão da Grã-Bretanha que isso aconteceu, pois enquanto a Grã-Bretanha, no século XIX, foi a principal potência mundial, o francês era a língua internacional por excelência.
A american way of life constitui um modelo implantado à escala global, desde os cereais do pequeno-almoço até às séries televisivas e aos programas com que preenchemos os serões. Sentimo-nos como se deviam sentir os nossos ancestrais depois da ocupação romana da Península - obrigados a arranhar o latim e a adoptar hábitos e leis impostos desde Roma. Viviam na era romana e não eram romanos – dissolveram-se no decurso do processo de romanização.
Mas o Império Romano também não durou eternamente, dissolvendo-se na corrosão do tempo, da sua degenerescência, do seu próprio poder. Não há impérios eternos. Porém, sempre duram mais do que aqueles que lhes profetizam o fim. Duram sempre demais.
God Bless America* , é uma canção com música e letra do compositor Irving Berlin, criada em 1938, quando do outro lado do Atlântico a guerra em Espanha servia de banco de ensaio para uma tragédia de proporções ainda mais vastas. A melodia do judeu - russo é bonitinha, a letra é uma chachada,* mas faz vir as lágrimas aos olhos dos americanos. Talvez lhes evoque aquela América que um dia Thomas Jefferson e os seus companheiros de sedição sonharam…
Deus abençoe a América, pois não faltará por aí quem a amaldiçoe.
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*"While the storm clouds gather far across the sea,\Let us swear allegiance to a land that's free, \Let us all be grateful for a land so fair, \As we raise our voices in a solemn prayer. " \God Bless America, Land that I love. \Stand beside her, and guide her \Thru the night with a light from above. \From the mountains, to the prairies, \To the oceans, white with foam \God bless America, \My home sweet home. “
Uma Constituição que afoga a Independência de Portugal A partir de 1974 não devia ter-se aceite a manutenção de sujeição político-militar face à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e, sobretudo, em sua concomitância, às exigências de igual ordem dos Estados Unidos da América do Norte (EUAN), isso, quanto mais não fosse, pelo seu sentido político eminentemente expansionista, pela sua malfadada agressividade militar e, também, se outras mais razões não houvesse, pelo apoio indesmentível que, sempre, OTAN e EUAN quiseram dar ao salazarismo.
Essa organização multilateral político-militar, na prática concreta, é uma indesejável “marionnette” às ordens dos EUAN que, com despudor, obrigava – continua a obrigar – Portugal a uma subserviência indigna que, desde muito antes de 1974, se não só já era um facto comprovado era, também, um juízo de valor em completo desfavor do salazarismo e repetido constantemente pelos autênticos oposicionistas desse regime ditatorial. Sob a capa da defesa do que chamam civilização ocidental, nada mais é pretendido que não seja garantir, aos EUAN, a sua posição de dominância instalada e, por igual, dar passos no sentido duma sua expansão sem limites. Se, por razões da evolução da sua política externa, os EUAN tenham acabado por não poder prosseguir no apoio activo da ditadura salazarista – o colonialismo português prejudicava-lhes a imagem na sua campanha anti-soviética e pró direitos humanos – nada pode desculpar que, logo no final da Segunda Grande Guerra, depois de tantas promessas de Liberdade e de Democracia que os Aliados deram ao mundo, os seus comandantes, os EUAN, mas não só, tenham aceite proteger e servir-se de Salazar e Franco.
Essa ligação de sujeição que o salazarismo ofereceu à OTAN e à potência que a domina, foi um reforço poderoso do estrangulamento político imposto durante cinquenta anos à população portuguesa mas que, também, por interesse do imperialismo ianque, como a História demonstrou, actuou constantemente com benefícios políticos recíprocos.
Afinal os beneficiários do 25 de Novembro – pois é destes que deve falar-se – entenderam por bem continuar ao serviço duma política internacional de agressão, porém, como bons hipócritas, escreveram o Artigo 7º da Constituição, designadamente, o seu número dois e, desta maneira, fingiram apresentar-se como progressistas, inimigos do imperialismo, amantes da liberdade e defensores da dignidade dos povos.
Só a força dos interesses ideológicos alienígenas, todos eles de muito mau cariz – os de Leste, sorte a nossa, nada conseguiram; os de Oeste, azar nosso, pelo contrário – é que, associada com aquela de certas personalidades nacionais do pior jaez e ínsitas na alta hierarquia partidária portuguesa, é que tudo tem sido feito para manter, senão reforçar a dependência portuguesa face à política expansionista da OTAN que é, dito doutro modo, a dos EUAN. À custa dessas personalidades portuguesas mantidas, a qualquer preço, em estado de disponibilidade e prontidão para conseguirem assenhorear-se do poder político é que têm sido feito esforços constantes e reiterados de doutrinação destinados a fazerem ignorar e esquecer que a oposição nacional ao salazarismo assacava, com justeza e desprimor muito sentidos, bastos malefícios à sujeição portuguesa àquela organização político-militar que, anos sobre anos – não deve esquecer-se e não pode deixar de voltar a repetir-se – foi uma aliada do regime ditatorial derrubado em 25 de Abril de 74.
Com efeito, depois do 25 de Abril de 1974, devia ter-se pedido escusa e abandonado aquele pacto político-militar que tanto havia abençoado o salazarismo e que, para mais, no mundo, alimentava uma guerra fria contrária, em tudo, aos objectivos estratégicos perspectivados pelo 25 de Abril que – importa reconhecer-se – eram aqueles mesmos ambicionados, apoiados e proclamados pela generalidade da população portuguesa, de tal modo, como ficou bem patenteado, até foram respeitados – sem consequências reais – na letra constitucional pela maioria dos Constituintes de 1975.
Na verdade, defender-se o abandono da OTAN não é caso para quem quer que seja poder dizer estar a querer aventar-se um posicionamento político impossível ou, por igual, estar a defender-se o contrário da vontade nacional já que, na realidade indesmentível, outra leitura não pode fazer-se do que está escrito na actual Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1975. Esta, como tem disposto, não vê com bons olhos a inclusão nacional em conluios internacionais político-militares indo ao ponto de preconizar, por expresso, que terminem pela sua dissolução.
Afinal o que tem acontecido? Apenas mais um desrespeito pelas disposições constitucionais e, de verdade – isso é indiscutível – nenhum executivo nacional, nem qualquer legislativo deram ouvidos ao estatuído na Constituição que, tem de reconhecer-se, é demasiado tíbio para não dizer permissivo.
Com efeito, o Artº.7 da Constituição vigente, que volta a ter de referir-se, é mais uma outra passagem do texto constitucional português que, a avaliar pela realidade vivida, não passa duma afirmação, dir-se-á piedosa – para não dizer desonesta – sem qualquer vigor político porquanto, em todos os seus sete números, nada estipula, com clareza e frontalidade, contra qualquer hipótese da aceitação dum dependência política do exterior, antes porém, como está escrito no número dois daquele Artigo constitucional, “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares …..”.
Quando a lei fundamental só é bastante para contentar-se em preconizar uma oposição contra várias modalidades dum qualquer constrangimento político-militar que possa recair sobre a livre autonomia de qualquer Povo, então as coisas estão a correr mal e muito terá de duvidar-se da democraticidade autentica dos Constituintes portugueses de 1975 mas, também, não esquecer, de quantos, de revisão em revisão, prosseguem na mesma linha.
A Constituição devia conter determinações frontais, firmes e obrigatórias para uma recusa total da aceitação de qualquer daquelas modalidades de violência imposta fosse a Portugal, fosse a outro qualquer Estado. A não ser assim, então, qualquer cidadão pode concluir que a Constituição da República não passa dum repositório de intenções plenas de hipocrisia ou, talvez, por que não dizê-lo, de traições à Democracia.