Às 10 da manhã de 7 de Novembro de 1917 (25 de Outubro pelo calendário russo) – faz hoje 92 anos – consumava-se a Revolução na Rússia e a esperança no Comunismo acendia-se por todo o mundo. Já tudo foi dito sobre este histórico momento de ruptura social, económica e política que transformaria o mundo das décadas seguintes, pelo que apenas vou recordar alguns dos principais tópicos da Revolução bolchevique.
No dia anterior, em Petrogrado (Sampetesburgo), numa acção rápida e bem coordenada, grupos armados do CMR (Comité Militar Revolucionário), afecto aos bolcheviques, haviam ocupado as agências telegráficas, coração do sistema de comunicações, e mandado baixar as pontes sobre o Neva, isolando a cidade do resto da Rússia. Por isso, em 25, à hora mencionada, o periclitante Governo Provisório comunicava ter transferido todo o poder para o Soviete de Petrogrado. Este comunicado foi, segundo se sabe, emitido pelo CMR e redigido por Lenine. Nessa mesma noite de 25 de Outubro, teve início o II Congresso dos Sovietes que elegeu um Conselho de Comissários do Povo. Em 26, foi aprovado o Decreto da Paz, propondo a retirada imediata da Rússia da I Guerra Mundial. Foi também aprovado o Decreto da Terra, que propunha a abolição da propriedade privada e a redistribuição da terra pelos camponeses. Em 2 de Novembro (15 no nosso calendário), Moscovo caiu em poder dos bolcheviques.
Houve, como é natural, resistência a estas medidas revolucionárias, nomeadamente na Ucrânia, integrada no Império Russo e fazendo depois parte da União das Repúblicas. Contra os vermelhos, alinhavam-se os brancos num leque político que abrangia à direita czaristas, liberais, nacionalistas, e à esquerda os anarquistas. Começava uma terrível guerra civil que iria durar até 1921.
74 anos depois, o sistema socialista ruiu e o capitalismo triunfou. Em todo o caso, nessa altura e desde há muito tempo, o sistema que vigorava nas repúblicas soviéticas já pouco tinha a ver com o socialismo fundacional. As contradições sufocavam um regime que se dizia comunista, mas que por muitos era designado por «capitalismo de Estado» e cujo socialismo já só subsistia em aspectos mais ou menos superficiais.
À partida tal desfecho fora previsto, pois, disse-se, o socialismo só poderia triunfar se conseguisse implantar-se à escala mundial. Após a 2ª Guerra, pareceu que isso poderia acontecer, pois parte considerável da Europa, da Ásia e da África foi assumindo-se como socialista. Na América Latina surgiam também focos. Porém, uma coisa são as ideias outra os homens que as põem em prática. E, por esse lado, o socialismo começou mal e não acabou melhor. A Guerra Fria, sobretudo a acção da CIA, foram roendo o sistema pelo exterior. Mas foram sobretudo as muitas contradições internas, sobretudo a corrupção e o despotismo que desgastaram irreversivelmente o sistema. As revoltas da Hungria e da Checoslováquia foram apenas um sinal.
Em Dezembro de 1991, com a demissão de Gorbatchov, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas era formalmente extinta, instalando-se aos poucos a economia de mercado, as redes de droga e prostituição, as máfias… O «mundo livre», digamos para simplificar.
Soviete de Petrogrado em 1917 «Centralismo democrático» é a designação que se dá à forma de direcção e ao modo de organização dos partidos comunistas. As características e os princípios deste sistema de estruturação partidária, são - a elegibilidade de todos os cargos e a possibilidade da sua revogação em qualquer altura; uma severa centralização organizativa; todas as decisões aprovadas pela maioria devem ser acatadas pela minoria; uma forte disciplina implantada a todos os níveis da estrutura; permanente possibilidade de discussão da linha política; o imperativo da crítica e da autocrítica; unidade na acção, não se admitindo a criação de facções, fracções, tendências ou «sensibilidades». É óbvio que qualquer defensor deste tipo de organização que me esteja a ler, logo dirá que esta descrição é sintética, redutora. Será, mas alongar-me mais era correr o risco de não encontrar ninguém com paciência para chegar ao fim da leitura. Na prática, este sistema de direcção partidária criada por Lenine conduziu em linha recta ao estalinismo e às suas monstruosas consequências, entre as quais a eliminação física, pura e simples, de quem se atreveu a discutir a linha política do partido (a tal que, segundo o projecto de Lenine, podia ser discutida permanentemente). Depois, já não era apenas a linha do partido que era crime discutir (e crime ainda muito maior, era discordar), pois também todas as directivas emanadas do comité central, não podiam ser contestadas. Sabe-se que o comité central obedecia cegamente a Estaline. O que passava pela cabeça de um Estaline, filtrado pela sua psicopatia, era a «linha política do partido». As purgas em que foram executados centenas de milhares de comunistas, eram a forma «democrática» de resolver a discussão. Chegou-se a um ponto em que, como as paredes tinham ouvidos e microfones também, as pessoas já tinham medo de pensar algo que fugisse à ortodoxia estalinista. Em «1984», o genial romance de George Orwell, retrata-se de forma exemplar uma sociedade dirigida pela omnipotência do Big Brother.
Rosa Luxemburgo (1870-1919), a revolucionária social-democrata alemã, fundadora do grupo Spartakus (foi assassinada durante a revolução spartakista), que, com Karl Liebknecht, contestou vivamente a organização partidária que Lenine defendia para os partidos, dizia em A Revolução Russa: «Sem dúvida que toda a instituição democrática possui os seus limites e os seus defeitos…Pois bem, o remédio inventado por Lenine e por Trotsqui – a supressão da liberdade em geral – constitui um mal pior do que aqueles que pretendia curar».
O «centralismo democrático» tem vigorado nos partidos comunistas e não só, pois a concepção leninista de partido foi adoptada por organizações partidárias e movimentos de todo o leque político, da extrema-direita à extrema-esquerda. No fundo reproduz o conceito de democracia a que Jean-Jacques Rousseau punha reticências em Do Contrato Social – o que assenta cegamente no princípio da representatividade. As massas ou os militantes elegem representantes, que, depois de eleitos, passam a agir sem consultar os eleitores ou sem sequer respeitar os pressupostos programáticos que conduziram à sua eleição. Albert Camus, em O Homem Revoltado, chama a atenção para o facto de Lenine, inspirado em Karl Marx, ter criado o imperialismo da Justiça, «justificando com uma justiça longínqua a injustiça durante todo o decurso da História».
A democracia interna nos partidos políticos (e não falo só dos partidos comunistas), deixa muito a desejar. Porque a concepção leninista de organização partidária pegou e, como disse, o «centralismo democrático» tem feito carreira por todo o leque político, da direita à esquerda. Eleitos os comités centrais, os secretariados, as direcções e presidências (a nomenclatura varia, o sistema é muito semelhante), os militantes eleitores passam a ser meros coladores de cartazes, vendedores de jornais, produtores de aplausos e agitadores de bandeirinhas nos comícios.
Centralismo democrático? - Não pode ser: os dois termos excluem-se reciprocamente: - ou bem que é centralismo, ou bem que é democrático.
«Centralismo democrático» é a designação que se dá à forma de direcção e ao modo de organização dos partidos comunistas. As características e os princípios deste sistema de estruturação partidária, são - a elegibilidade de todos os cargos e a possibilidade da sua revogação em qualquer altura; uma severa centralização organizativa; todas as decisões aprovadas pela maioria devem ser acatadas pela minoria; uma forte disciplina implantada a todos os níveis da estrutura; permanente possibilidade de discussão da linha política; o imperativo da crítica e da autocrítica; unidade na acção, não se admitindo a criação de facções, fracções, tendências ou «sensibilidades».
É óbvio que qualquer defensor deste tipo de organização que me esteja a ler, logo dirá que esta descrição é redutora. Será, mas alongar-me mais era correr o risco de não encontrar ninguém com paciência para chegar ao fim da leitura. Na prática, este sistema de direcção partidária criado por Lenine conduziu em linha recta ao estalinismo e às suas monstruosas consequências, entre as quais a eliminação física, pura e simples, de quem se atreveu a discutir a linha política do partido (a tal que, segundo o projecto de Lenine, podia ser discutida permanentemente). Depois, já não era apenas a linha do partido que era crime discutir (e crime ainda muito maior, era discordar), pois também todas as directivas emanadas do comité central, não podiam ser contestadas. Sabe-se que o comité central obedecia cegamente a Estaline. O que passava pela cabeça de um Estaline, filtrado pela sua psicopatia, era a «linha política do partido». As purgas em que foram executados centenas de milhares de comunistas, eram a forma «democrática» de resolver a discussão. Chegou-se a um ponto em que, como as paredes tinham ouvidos e microfones também, as pessoas já tinham medo de pensar algo que fugisse à ortodoxia estalinista.
Rosa Luxemburgo (1870-1919), a revolucionária social-democrata alemã, fundadora do grupo Spartakus (foi assassinada durante a revolução spartakista), que, com Karl Liebknecht, contestou vivamente a organização partidária que Lenine defendia para os partidos, dizia em A Revolução Russa: «Sem dúvida que toda a instituição democrática possui os seus limites e os seus defeitos…Pois bem, o remédio inventado por Lenine e por Trotsqui – a supressão da liberdade em geral – constitui um mal pior do que aqueles que pretendia curar». Antonio Gramsci (1891-1937), revolucionário italiano, foi também um dos grandes criticos do centralismo democrático, que designava por "centralismo orgânico".
O «centralismo democrático» tem vigorado nos partidos comunistas e não só, pois a concepção leninista de partido foi adoptada por organizações partidárias e movimentos de todo o leque político, da extrema-direita à extrema-esquerda. No fundo reproduz à escala partidária o conceito de democracia a que Jean-Jacques Rousseau punha reticências em Do Contrato Social – o que assenta cegamente no princípio da representatividade. As massas ou, neste caso, os militantes elegem representantes, que, depois de eleitos, passam a agir sem consultar os eleitores ou sem sequer respeitar os pressupostos programáticos que conduziram à sua eleição. Albert Camus, em O Homem Revoltado, chama a atenção para o facto de Lenine, inspirado em Karl Marx, ter criado o imperialismo da Justiça, «justificando com uma justiça longínqua a injustiça durante todo o decurso da História».
A democraticidade interna nos partidos políticos (e não falo só dos partidos comunistas), deixa muito a desejar. Porque a concepção leninista de organização partidária pegou e o «centralismo democrático» tem feito carreira, como já disse, da direita à esquerda. Eleitos os comités centrais, os secretariados, as direcções e presidências (a nomenclatura varia, o sistema é muito semelhante), os militantes eleitores passam a ser meros coladores de cartazes, vendedores de jornais, produtores de aplausos e agitadores de bandeirinhas nos comícios.
O conceito deste sistema constitui uma falácia tão odiosoa quanto o foi a «democracia orgânica» inventada por Salazar. Centralismo democrático? - Não pode ser: os dois termos excluem-se reciprocamente: - ou bem que é centralismo, ou bem que é democrático.