Adão CruzO mal do homem não está em pensar e ter ideias, o mal do homem está em não pensar e não ter ideias.
Por isso, na sequência de um artigo anterior aqui publicado, sinto necessidade de correr um pouco mais atrás de ideias e de fazer mais algumas reflexões em relação a este tão aliciante tema. Os que acham que sou tolo e desprovido de senso têm uma solução fácil, não leiam. Mantenham as suas valiosas ideias fechadas no cofre do deixa andar e não te rales.
Costuma dizer-se que a ciência é um cemitério de hipóteses e eu concordo. No entanto, cada hipótese perdida é um degrau de acesso à hipótese situada acima, e no meio desse cemitério de hipóteses a ciência vai-se consolidando e conquistando verdades que ganham raízes bem fundas no conhecimento humano. Se, por exemplo, as conclusões de uma sonda espacial dizem que provavelmente não há água em Marte, e as conclusões de uma sonda enviada posteriormente dizem que provavelmente há água em Marte, a primeira hipótese não foi negativa nem inútil, pois sem ela, com certeza, não se chegaria à segunda hipótese.
Também a filosofia pode ser, muitas vezes, um amontoado de disparates, e não deixa de ser importante e muito útil como pré-ciência, isto é, como proposição, umas vezes credível outras não, em que a investigação científica, sem qualquer preconceito, assenta muitas vezes os pés. Veja-se, por exemplo, o caso, muito actual, de Espinosa e António Damásio.
Sempre que um assunto é complexo, temos uma tendência generalizada a abordá-lo de forma complexa, confusa, metendo os pés pelas mãos e embrulhando-nos em labirintos onde as contradições aparecem a cada esquina. Sempre me recusei a complicar ainda mais o que, com boa vontade e necessidade de aprender, pode ser analisado de forma simples, sem ser simplista e irresponsável, dentro da complexidade fenomenológica de qualquer tema. É um pouco como explicar a um doente a sua doença por mais complicada que seja. Tudo pode e deve ser explicado a um doente, conquanto o façamos com boa vontade e interesse de o esclarecer, numa linguagem que para ele seja entendível. Nunca por nunca dizer: não posso explicar-lhe porque você não entende.
Vem isto a propósito de um tema actualíssimo, um tema que nos absorve a todos nós, os que lidamos com a vida, com a ciência médica e os que consideram o pensamento como um metabolito essencial da existência. E o tema é aquilo que pode ser designado, abusivamente ou não, por “Biologia do Espírito”, isto é, a doutrina filosófica que admite como realidade apenas a matéria, negando a existência da alma e do mundo espiritual como pertencente ao sobrenatural ou ao divino. A velha questão Materialismo- Espiritualismo, em que o Materialismo não nega a existência do “espírito”, da vida dita psíquica, igual à do espírito do espiritualista. Simplesmente, ela decorre de uma complexa e ainda pouco conhecida actividade cerebral, ainda assim dificilmente contestável pela razão e pela ciência, e não de uma concepção imaterial, sobrenatural, do domínio da crença, como acontece no Espiritualismo. A matéria é a substância de todas as coisas. A geração e a degeneração do que existe, dentro do pensamento racional, obedecem a leis físicas. A matéria encontra-se em permanente transformação, faz parte da natureza e obedece às suas leis.
Já aqui falei, em artigo anterior, de Thomas Insel, mais conhecido por Tom Insel. Tom Insel dirige, desde 2002, a maior agência de financiamento público da investigação em saúde mental do mundo: os National Institutes of Mental Health (NIMH) dos EUA, com um orçamento anual de 1500 milhões de dólares. Psiquiatra de formação, Insel já foi investigador - estudou a neurobiologia e a genética de comportamentos complexos, como o amor e os laços sociais -, mas agora diz que o seu papel consiste em "falar sobre maneiras radicalmente diferentes de pensar a doença mental" para fomentar a "inovação disruptiva" nesta área.
E ele diz peremptoriamente: “A menos que levemos em conta a biologia das doenças mentais, não há tratamento para essas doenças. Para se conseguir um dia diagnosticar a tempo e tratar eficazmente as doenças mentais vai ser preciso encará-las, não como doenças puramente comportamentais, mas como doenças cerebrais, abrindo assim a psiquiatria às neurociências e à genética”. Por isso, diz ele, a tendência hoje é acabar com a distinção entre disciplinas como psiquiatria e neurologia e fundi-las naquilo que podemos designar por Neurociências.
As lesões em muitas doenças, ditas orgânicas, como o cancro da mama ou um enfarte do miocárdio são visíveis, palpáveis, objectivas, noutras nem tanto, é necessário recorrer a análises sofisticadas e marcadores indirectos. Nas doenças cerebrais, também há lesões que são facilmente observáveis do ponto de vista orgânico e que levam a doenças mentais, de cuja origem na lesão detectada ninguém duvida. Mas as doenças mentais propriamente ditas causam alguma perplexidade quanto à sua natureza física e material, pelo simples facto de não vermos e de não conhecermos, por enquanto, a lesão ou alteração que está na sua origem. Mas, a despeito do muito que já se sabe neste campo, será lógico pensar que há uma alteração funcional, uma ou várias lesões celulares, uma ou várias alterações dentro dos milhões de neuro-transmissões do complexo mundo neuronal do nosso cérebro, igualzinho no materialista e no espiritualista, responsável quer no materialista quer no espiritualista, por toda a nossa vida psíquica, por todos os nossos pensamentos, emoções, sentimentos e afectos. Responsável por toda a nossa vida global, pelo todo da nossa vida, por mais que a queiramos cindir, fatiar e hipotecar ao que quer que seja.