Como parte da programação de homenagem a Ernesto Guerra da Cal, pelo centenário do seu nascimento, realizou-se, em Santiago de Compostela, no passado 17 de Maio, Dia das Letras Galegas, uma cerimónia pública que teve lugar junto ao monumento a Ricardo Carvalho Calero.
[Recorda-se que a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), com o apoio doutras entidades cívicas, criou um sítio web Centenário Guerra da Cal que acolhe e solicita materiais sobre a vida, obra, época e legado intelectual do professor Ernesto Guerra da Cal.]
Além da recordação de Guerra da Cal e do seu papel fundamental em prol do português da Galiza, foram lidos poemas de Guerra da Cal, de Carvalho Calero e de Lois Pereiro (autor distinguido em 2011 pelo Dia das Letras Galegas).
Na sua simplicidade, também o Estrolabio recordou, no Sempre Galiza do passado dia 17 de Maio, Ernesto Guerra da Cal e o Dia das Letras Galegas e, nesse mesmo dia, Carlos Loures publicou um texto no qual sem contestar a valia da obra de Lois Pereiro (que não conhecia) lamentava que, por mais um ano, Ricardo Carvalho Calero fosse preterido, julgando incompreensível que a um homem como Carvalho Calero continuasse a ser denegada pela Real Academia Galega (RAG) a merecida homenagem e desde há dez anos proposta. Porquê?, repetia uma interrogação já antes formulada.
Pelo seu interesse, e pela relação estabelecido entre os nomes de Carvalho Calero e de Lois Pereiro, transcrevemos abaixo o texto de José-Martinho Montero Santalha, presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP):
Os nomes de Carvalho Calero (Ferrol 1910 - Santiago de Compostela 1990) e Lois Pereiro (Monforte de Lemos 1958 - A Corunha 1996) apareceram relacionados quando há um ano a Real Academia Galega decidiu dedicar ao poeta monfortino o Dia das Letras Galegas do presente ano 2011: como é bem sabido, o nome de Carvalho Calero é um dos que mais frequentemente se propõem desde há já alguns anos entre os merecedores dessa homenagem anual da cultura galega.
No tempo da vida não teriam muita ocasião de coincidir Carvalho e Pereiro; mas, apesar da grande diferença de idade, faleceram com só seis anos de distância, o primeiro com 80 anos e o segundo muito prematuramente com menos da metade (38).
Carvalho cita Pereiro
No entanto, na obra poética de Carvalho Calero há uma alusão a Lois Pereiro, que não deixará de ser oportuno aduzir nestes dias em que lembramos o jovem poeta, segado pela doença quando ainda tanta vida (e tanta criatividade literária) lhe poderia ficar por diante.
Quando se publicaram na Corunha os dois volumes de antologia poética intitulados De amor e desamor (A Corunha 1984 e 1985), os autores -- dez poetas, entres os quais se achava Lois Pereiro -- enviaram a Carvalho um exemplar de cada volume, acompanhado, em ambos os casos, de uma dedicatória afectuosa. Estes exemplares conservam-se no Parlamento Galego, na «Biblioteca Carvalho Calero», e as suas fichas estão acessíveis em Internet (nas quais não deixa de indicar-se oportunamente que ambos incluem uma “dedicatória autógrafa dos autores”).
Carvalho Calero agradeceu a dedicatória do primeiro livro com um poema que dirigiu a Fernám Velho, citando nele os nomes dos dez poetas, na ordem em que aparecem na fotografia (magnífica, de Xurxo Lobato) incluída no início do volume. Aí é onde ocorre o nome de Lois Pereiro: “Palharês, Fernám Velho, / Mato Fondo, Valcárcel, / Ribas, Salinas Portugal, Pereiro, / Lino Brage, Xavier Seoane, / José Devesa” (versos 18-22).
Na realidade, o poema desenvolve-se fundamentalmente como um comentário literário à fotografia; mas não falta a referência metafórica ao mundo clássico (com as 9 musas e o pai Apolo, cujos amores os dez poetas conquistariam) e até a alusão biográfica à mocidade do próprio autor e aos seus afãs poéticos de aqueles tempos.
Eis o texto desse poema, que Carvalho incorporou logo ao seu livro Cantigas de amigo e outros poemas (1980-1985), publicado pela AGAL em 1986 (pp. 150-151):
[«Mensagem de agradecimento a Fernám Velho para os poetas de amor e desamor»]
Tu, Miguel Anjo Fernám Velho, com o teu aspecto de estudante alemão ou russo, dos tempos de Heine ou de Puchkin, em Gottinga ou Moscovo, dominas pela tua estatura no grupo fotográfico da linha de poetas de amor e desamor, que me enviam os seus versos com palavras irmãs; se bem Salinas Portugal ou Júlio Valcárcel, se mais se estalicassem, poderiam, se quadra, competir contigo em qualidade de altas antenas receptoras.
Em todo o caso, porque te vejo mais a ti, envio-te esta carta de graças, telegráfica amostra de obriga, e leda expressão de amizade para os dez, como estais em ringleira de frente despregados, dispostos à batalha: Palharês, Fernám Velho, Mato Fondo, Valcárcel, Ribas, Salinas Portugal, Pereiro, Lino Brage, Xavier Seoane, José Devesa, os dez da fama, os dez dedos do Deus da Nossa Terra, do Anjo da Nossa Guarda, o Velho Anjo da Guarda dos Galegos, que fala em verso, e com o seu verso escreve as ringleiras da história.
Obrigado. Desejo que os nove homens do grupo conquistem cada um o amor e os braços de uma das nove musas, cada um cada a sua, e Pilar Palharês os do mesmíssimo Apolo, pai daquelas, padroeiro nosso. Não tenho a menor dúvida de que aquelas e aquele hão-se de render à beleza e à força e à paixão destes versos de amor e desamor que agora leio, devolto a aqueles tempos em que eu mesmo sabia amar e desamar liricamente, como vós, ainda que menos.
Miguel Anjo, antena a quem envio esta emissão de dívida, eu, devedor dos dez, dos dez agradecido amigo e camarada, retransmite, Miguel, esta mensagem de Ricardo Carvalho Calero aos nove amigos.
"em ringleira de frente despregados, / dispostos à batalha:
Palharês, Fernám Velho, / Mato Fondo, Valcárcel, / Ribas, Salinas Portugal, Pereiro, / Lino Brage, Xavier Seoane, / José Devesa, os dez da fama"
Queremos ser parte da homenagem a Ernesto Guerra da Cal - um galego com um coração que também batia por Portugal... e Brasil... e lusofonia, porque transbordava Galiza.
Visitem o sítio do centenário do nascimento de Ernesto Guerra da Gal da Academia Galega da Língua Portuguesa.
"Eu, sem pejo nenhum, afirmo aqui o meu orgulho de ter sido o primeiro escritor galego, desde o Ressurgimento, a levar a vias de facto essa tão repetidamente desejada aproximação da nossa língua escrita ao português [...] Em 1959 fui de facto “iniciador dessa reintegração” no meu poemário Lua de Alén-Mar, com o que abri fogo nessa batalha [...] Esse apelo não caiu em saco roto. Nele teve princípio a corrente “reintegracionista” contemporânea - na que hoje enfileira o melhor e mais capacitado da nossa mocidade. [...] os que neste momento detêm o poder autonómico - clientes e agentes do Estado Central [...] Esse é o bando da “Xunta de Galicia” [sic], que, de colaboração com algumas entidades “isolacionistas” esclerosadas, engenhou e “oficializou”, de maneira maleficamente subreptícia, umas aberrantes Normas cujo evidente propósito é condenar o galego ao languidescimento como dialecto - do espanhol [...] /eu tenho a convicção de que a única defesa do galego contra a política linguicida dos “espanholizantes” descansa na progressiva adopção do padrão luso-brasileiro que os “reintegracionistas” perfilham".
(Ernesto Guerra da Cal, "Antelóquio indispensável", in Futuro Imemorial. Manual de Velhice para Principiantes, Lisboa, 1985, pp. 9-11; recolhido em Vol II, 1986, de Temas de O Ensino, nos 6/10, “Linguística, sociolinguística e literatura galaico-luso-brasileira-africana de expressão portuguesa).
A Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), com o apoio doutras entidades cívicas, comemora o 100 aniversário do nascimento do professor, investigador e poeta galego Ernesto Guerra da Cal (1911-1994) com o lugar web Centenário Guerra da Cal.
O lugar acolhe e solicita materiais sobre a sua vida, obra, época e legado intelectual. Para doar materiais, pode utilizar-se o contato na própria página web. O endereço web do site é:http://guerradacal.academiagalega.org.
Apresentação
Escrito por Carlos Durão
Ernesto Guerra da Cal (Ferrol, 1911 – Lisboa, 1994) foi o primeiro poeta galego moderno que tratou temas universais, no espaço e no tempo, desde “dentro” e desde “fora”. Foi sem dúvida o poeta galego que mais eco teve dentro e fora da Galiza, como testemunha a abundandíssima bibliografia transnacional e transcontinental a que deu origem a sua obra. E foi, em fim, o professor galego de mais prestígio internacional, autor da por muitos conceitos monumental Língua e Estilo de Eça de Queiroz, e duma viçosa obra devotada à nossa comum cultura galego-portuguesa, para a que viveu e pela que padeceu até morrer no exílio, consequente com as suas ideias e firmes ideais, sem por isso se importar ser sempre proscrito na sua pátria, e até maldito pelos que nela detêm ainda o poder.
Fez os seus estudos universitários em Madrid, onde travou amizade com vultos do galeguismo cultural e político, bem como com outros da cultura espanhola em geral, entre estes o seu amigo F. García Lorca, com quem conviveu na Residencia de Estudiantes e com quem colaborou na gestação dos famosos Seis poemas galegos lorquianos. Ao estourar a chamada “guerra civil” no 1936, alistou-se como voluntário nas Milícias Galegas, combateu pela legalidade republicana na frente de Toledo, e passou à Seção do Exterior do Servicio de Información Militar, do Ministério da Guerra; enviado a Nova Iorque em missão oficial pouco antes da derrocada da frente do Ebro, teve de ficar ali ao rematar a guerra.
Completou os seus estudos universitários na Columbia University, e chegou a ser catedrático na New York University, onde realizou os trabalhos de pesquisa que culminaram no seu magnum opus, a Língua e Estilo de Eça de Queiroz, pelo que é justamente reconhecido e louvado internacionalmente, e condecorado em Portugal. Ocupa-se da parte galega do Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira. Pronuncia conferências, realiza seminários, colabora em trabalhos de investigação para universidades do Brasil e de Portugal, sempre reclamando, em todo o mundo lusófono, o reconhecimento da Galiza como pertencente a esse mundo, e em toda a parte dizendo, sem pejo, que ele era galego.
Nos anos 1959 e 1963 publica os seus seminais poemários Lua de Além-Mar (o primeiro livro em que um autor galego aposta pelo reintegracionismo linguístico após o chamado Rexurdimento) e Rio de Sonho e Tempo, na editora Galaxia, de Vigo.
Reformado da súa cátedra na universidade americana, Guerra da Cal retornou à Europa, primeiro a Estoril, e posteriormente a Londres. Nesses anos impulsou o movimento reintegracionista desde o exílio. Foi graças aos seus contatos com os seus colegas em universidades lusófonas, à sua acessibilidade para a mocidade reintegracionista, e com o seu respaldo académico, que a Galiza conseguiu um merecido posto de observadora nas negociações dos Acordos Ortográficos, em 1986, no Rio, e em 1990, em Lisboa.
Com a sua obra, poética e erudita, com o seu prestígio e impulso ao reintegracionismo, Guerra da Cal deixou um incalculável legado à sua pátria, a “Nação soberana/ sem estrangeiro senhor”, da que ele foi cantor. Por isso foi dela banido, por isso merece sobejamente a nossa sentida homenagem, e por isso descansa hoje entre “os bons e generosos”, que cantou o bardo Pondal.
Filho Pródigo
Abre-me a Porta
Pai!
Abre-me a Porta!
Porque venho cansado
e derrotado
desfeito
pobre
e nu
e envergonhado
Tudo esbanjei
Só trago
encravados no peito
nele bem entranhados
os pungentes punhais
de todos os Pecados Capitais
Delapidei o rico Património
do teu Amor
na subida
arrogante e pressurosa
da Montanha da Vida
E hoje conheço a Dor
Da descida agoniante
trémula e vagarosa
pela encosta abrolhosa
na que nos acompanha
só
o impiedoso demônio
da consciência dorida
da fortuna malgasta
dissipada
e a existência perdida
Abre-me a Porta
Pai!
E acende a luz da Casa
que outrora foi a minha
quando eu era inocente
criancinha
Não me tardes
Senhor!
Abre-me a tua Porta luminosa
depressa, por favor!
in Futuro Imemorial (Manual de Velhice para Principiantes), Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1985
Síntese do reintegracionismo contemporâneo (3) (continuação)
A partir dos anos 50
Mas e é preciso aguardarmos aos anos 50 para vermos renascer esta tradição esmagada, desta vez por mão do poeta Ernesto Guerra da Cal, exilado em Nova Iorque, a quem justamente podemos considerar o iniciador doreintegracionismo contemporâneo, com os seus seminais poemários Lua de Além-Mar e Rio de Sonho e Tempo (1959/1963). Guerra da Cal já antes participara “como galego” em reuniões preparatórias a respeito do Acordo ortográfico de 1945, no Rio de Janeiro, como testemunha Rodrigues Lapa: “Pensa ele [Guerra da Cal], e muito bem, que devíamos fazer uma reunião entre portugueses, brasileiros e galegos, para lançar as bases de uma reforma ortográfica” (1958); e também no Congresso Internacional de Estudos Portugueses e Brasileiros, na Bahia, em agosto de 1959; e no I Simpósio Lusobrasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea na Universidade de Coimbra em 1967.
Na edição de Galaxia de Lua de Além-Mar, diz o autor (cit. pela ed. definitiva): “Consideramos, pois, iniludível a nossa reintegração no perímetro e nas correntes universais do ‘mundo que o português criou’ aquém e além-mar. O verdadeiro meridiano espiritual da Galiza passa por Lisboa e pelo Rio de Janeiro - e quanto antes reconheçamos esta verdade, antes se abrirão à nossa antiga voz recuperada as possibilidades de ecoar fora dos restritos confins comarcais nos que nos estamos fechando, cegos às vastas perspectivas que temos diante dos olhos”. Curiosamente esta nota do autor, por lapso aparece simplesmente na edição de Galaxia como “Nota”, o que a tornava atribuível aos editores, que ficariam assim como “lusistas” avant la lettre, embora no “Índice” esteja consignada como “Nota do autor”; é importante sinalar isto porque Ramón Piñeiro tinha a certeza, segundo Da Cal, “de que a Censura não deixaria passar uma tão radical declaração de “lusismo”. Mas, para surpresa dele - e minha - a ‘Nota’ e o livro passaram” (p. 44 da ed. da AGAL).
Reitera a sua posição em publicações posteriores: no “Antelóquio indispensável” do seu Futuro imemorial (1985.1986, II: 9-11): “Eu, sem pejo nenhum, afirmo aqui o meu orgulho de ter sido o primeiro escritor galego, desde o Ressurgimento, a levar a vias de facto essa tão repetidamente desejada aproximação da nossa língua escrita ao português [...] Em 1959 fui de facto “iniciador dessa reintegração” no meu poemário Lua de Alén-Mar, com o que abri fogo nessa batalha [...] Esse apelo não caiu em saco roto. Nele teve princípio a corrente “reintegracionista” contemporânea - na que hoje enfileira o melhor e mais capacitado da nossa mocidade. /[...] os que neste momento detêm o poder autonómico - clientes e agentes do Estado Central [...] Esse é o bando da “Xunta de Galicia” [sic], que, de colaboração com algumas entidades “isolacionistas” esclerosadas, engenhou e “oficializou”, de maneira maleficamente subreptícia, umas aberrantes Normas cujo evidente propósito é condenar o galego ao languidescimento como dialecto - do espanhol [...] /eu tenho a convicção de que a única defesa do galego contra a política linguicida dos “espanholizantes” descansa na progressiva adopção do padrão luso-brasileiro que os “reintegracionistas” perfilham”.
Galaxia publicou ainda sem objeção o segundo poemário dacaliano, “onde o lusismo gráfico era mais sistemático e acentuado” (p. 44 ed. AGAL), mas posteriormente a revista Grial publicou o seu artigo “As cantigas de Pero Meogo” (1975, 49: 378-383) com grafia castelhana deturpada (em partes mista e anárquica), e quando Del Riego incluiu na sua Antologia de Poesia Galega poemas dacalianos em grafia “dialectal” (44 AGAL) sem consultar o seu autor, arrefeceu de vez a sua relação com aquela Editora. Em todo o caso, aquela ‘Nota’ “representava uma insurgência doutrinal: [...] A reintegração nesse âmbito cultural” (44 AGAL). “É um facto que a língua irmã contém, no seu nível rústico, quase todo o galego. Há que fazer - e isso é tão fácil! - que o galego contenha, no seu nível culto, o português” (p. 50 ed. AGAL). A sua atitude fica assim resumida: “A Galiza é um país semiconquistado e eu não posso conviver com uma Galiza mediatizada pelo Estado central. Estou aqui numa Galiza livre, onde falo a minha língua, estou rodeado de pessoas que falam a minha língua e só tenho que ouvir de quando em vez um turista falando castelhano. Mas se for à Galiza, tenho que estar a ouvir os galegos a preferirem, muitos deles, serem espanhóis de quarta classe do que galegos de primeira” (1983).
Também de 1959 datam os testemunhos de Valentim Paz-Andrade, quem falava em “reabilitação literária” e em ”língua galaico-portuguesa”. Com efeito, em Galicia como tarea (1959)diz: “dada la identidad estructural que conservan el portugués y el gallego, recíprocamente inteligibles. Se trata de una lengua con la cual pueden entenderse millones y millones de personas, aunque lo hablen con distinto acento o escriban de forma diferente cierto número de vocablos” (capítulo 2, apartado 3, “Área de expansión exterior”, p. 139); “no puede parecer razonable cualquier tendencia que reduzca el problema a la rehabilitación literaria de una lengua retardada en su forma escrita, haciendo caso omiso, o poco menos, de la evolución que experimentó durante siglos de uso múltiple y pleno, fuera del área de origen” (cap. 13, p. 146). Volta ao tema em O porvir da lingua galega (que inclui o seu artigo “A evolución trans-continental da lingua galaico-portuguesa”) (1968, 8: 101): “¿O galego ha de seguir mantendo unha liña autónoma na sua evolución como idioma, ou ha de pender a mais estreita similaridade co-a lingua falada, e sobre todo escrita, de Portugal e-o Brasil? Os termos da custión non deben ser tomados no senso de que o galego, pra marchar en maior irmandade formal co portugués, teña que deixar de ser o que é.” (p. 131) E mais tarde em La marginación de Galicia (1970): “la identidad con la lengua de Portugal había de arrancar forzosamente de los orígenes./ Ni aún bajo el período de mayor depresión social y cultural de Galicia resultó oscurecida la idea de tal unidad primigenia. Las pocas figuras que descollaron sobre el nivel de su época no dejaron de proclamar ‘que el idioma gallego y el lusitano son uno mismo’” (cap. 8, “La expansión transcontinental del idioma”, p. 101); “La circunstancia de que la evolución morfológica entre la rama gallega y la lusitana no haya sido sincrónica representa menos de lo que parece” (p. 103). Também em Cen chaves de sombra (1979),e em A galecidade na obra de Guimarães Rosa (1978, II: 219-233): “unha lingua que aínda se fala hoxe no grande sertao, como se fala na Galiza” (p. 104).
Para Álvaro Cunqueiro trata-se também da “unificação ortográfica” (1969/1970 ), utilizando a expressão “em pé de igualdade” (jornal El Progreso, Lugo, 1961); e declara: “Tenemos que ponernos en forma para un «parlamento total» de la lengua gallega, para un pie de igualdad con los otros de nuestra misma matriz lingüística, en Portugal y en el Brasil./ Nosotros tenemos que ir, inevitablemente, con los portugueses y los brasileños hacia una unificación ortográfica” (1969). Também em ‘A recuperación literaria do galego’ (1973).
Nos anos em que Guerra da Cal residiu em Londres, por sorte para mim, pude renovar a relação epistolar com ele, que se tornou aberta amizade e troca mútua de opiniões e dados em gostosas conversas bastante frequentes no seu lar. Entre os inúmeros temas tratados, talvez interesse aqui ao leitor o da sua relação com o poeta espanhol Federico García Lorca, que foi e é objeto de especulação, por vezes mal-intencionada, para alguns intelectuais da Galiza, incluídos académicos da RAG.
É bem conhecida a estreita amizade que uniu o galego Guerra da Cal ao andaluz García Lorca, desde a sua convivência na Residencia de Estudiantes de Madri , da que foi fruto a sua colaboração nos famosos Seis poemas galegos lorquianos, também revistos posteriormente por Eduardo Blanco Amor, amigo deles . Guerra da Cal tem afirmado publicamente que ele se limitou a fazer de dicionário vivente na génese destes poemas, mas em comunicações privadas assegurou ter-se manifestado com maior precisão sobre este tema numa espécie de depoimento literário que só depois da sua morte devia vir à luz. À espera desse testemunho, eis o que sobre este tema foi até hoje de domínio público:
Segundo Carlos Martínez-Barbeito, "(...) será preciso pensar que sus poemas sufrieron una reelaboración, más importante de lo que pudiera creerse, tal vez una verdadera traducción (...) por mano del prologuista, Eduardo Blanco Amor, o de Ernesto Pérez Güerra, cuya intervención me confesó, siendo él y yo estudiantes de Filosofía y Letras en la Universidad Central, el mismo año de la publicación" .
Mas Blanco Amor diz: "Os Seis Poemas Galegos tiveron un primeiro reaxuste entre Federico e Ernesto Guerra Dacal, o máis íntimo amigo de Lorca (...). El foi quen tivo o primeiro contacto co manuscrito dos Seis Poemas Galegos (...) A miña intervención é puramente ortográfica, nalgúns casos métrica (...)" . E também: "Mi complicidad se reduce a un leve paso por las ajetreadas cuartillas, con probidad pendolista y ortográfica" .
Posteriormente Guerra da Cal disse que os Seis Poemas Galegos "foram o resultado duma colaboração linguístico-literária entre Lorca (...) e quem isto escreve (...). Quatro desses originais, completos, e as duas primeiras estrofes de outro, são do meu punho e letra (...)" .
E de Eduardo Blanco Amor diz "repetidamente ter-se atribuído uma participação implícita que nunca neles teve. Teve, isso sim, uma intervenção, 'a posteriori', deturpadora dos textos originais" . Por exemplo, a mudança do título autógrafo galego de Guerra da Cal "Vella Cantiga" para o castrapo "Canción de cuna pra Rosalía de Castro, morta" .
(...) "não é este o único poema maltratado pela leviana ingerência de Blanco Amor (...) Tem-se repetidamente falado dos meus "silêncios" em relação à parte que me coube na origem e criação dos Seis poemas galegos (...) A recente descoberta dos meus autógrafos no espólio [de E.B.A.] -depositado no Arquivo e Biblioteca da Deputação Provincial de Ourense- e a sua publicação em fac-símile por José Landeira Yrago fazem com que a natural reserva por mim até hoje guardada neste assunto já não se justifique. É óbvio que o esclarecimento circunstanciado e pormenorizado, agora imperativo, da minha parte nos Seis poemas galegos, não teria cabimento nesta nota. Essa é coisa que fica para ser feita, como é devido, num futuro próximo" .
Esse “futuro próximo” ficou “imemorial”, por citar o título dum poemário seu . Mas ainda não chegamos ao remate da história dos famosos “Seis poemas galegos” de Lorca: pouco tempo depois de mudar a sua residência, mais uma vez, para Nova Iorque, escrevia-me dali:
“(...) e sobre a nova especulação, com esse motivo, em relação à verdadeira autoria do [sic] POEMAS GALEGOS, de Lorca, repito-te o que já me ouviste dizer mais de uma vez em Londres. Isto é, que se eu relatasse com veracidade como nasceu a ideia dessas composições e como elas foram elaboradas, seria inevitável -e mais sendo eu poeta, como sou pelos meus pecados- que houvesse pessoas que pensassem que eu estava a fazer pavoneio com plumas alheias, de alta ornitologia. Eu tenho um livro completo, até com capa pronta, ilustrado com abundantes fotografias inéditas de grande interesse histórico, que se publicará quando eu deixar o mundo dos vivos. Entretanto, deixa os especuladores especular! (...)”
Seja como for, o certo é que houve nesses poemas uma bela colaboração entre dous poetas, de dous povos da Hispania, o que é a melhor prova de que podemos caminhar juntos se (nos) queremos... Quanto à verdadeira autoria dos poemas lorquianos, era cousa que Guerra da Cal não revelou diretamente; mas ele era homem que tinha a delicadeza e a elegância de sugerir, ensinar, influir dum segundo plano, e deixar que “plumas e alta ornitologia” (como ele dizia) assinassem os poemas. Que eu saiba, não se publicou o livro a que ele se referia. Temos que supor que a sua viúva terá disposto ao respeito. O meu derradeiro contato com ela (com quem naturalmente falava em Londres quando eu ia visitar o Ernesto) foi quando se depositaram as cinzas de Ernesto no Jardim das Cinzas do Cemitério Alto de S. João, de Lisboa.
A minha impressão -mas nunca lho perguntei diretamente, só pelo "discurso"- é que o nosso Ernesto foi "coautor", em todo o caso iniciador, impulsor, mas deixou que a pluma do seu amigo assinasse e, a meu ver, fez bem. _________
Guerra da Cal conservou com veneração desenhos e outros originais de Lorca a ele dedicados (Federico chamava-lhe "Ernesto del Sil") e fotos de ambos naquele Madri efervescente da pré-guerra civil. Parte deste material foi reproduzido em publicações das Irmandades da Fala da Galiza e Portugal (Revista Nós, Cadernos do Povo e outras); na revista espanhola Punto y Coma; no livro Rosalia de Castro... (vid. n. 24); no poemário dacaliano Coisas e loisas (Papeles del Alabrén, IV, Málaga, 1992); etc.
Seis poemas galegos, de Federico García Lorca, Editorial Nós, Vol. LXXIII, Santiago, 1935 (prólogo de Eduardo Blanco Amor; há inúmeras edições posteriores). Antes fora publicado o seu Madrigal á cibdá de Santiago (depois incorporado aos Seis poemas galegos), 11 de dezembro de 1932, no jornal El Sol, Madri (reproduzido na revista Yunque, no. 6, Lugo, 1932, e na Resol, no. 6, Santiago, dezembro de 1932); vid. "Cronología gallega de Federico García Lorca y datos sincrónicos", José Luis Franco Grande e José Landeira Yrago, revista Grial, no. 45, julho-agosto-setembro, 1974. Não é preciso dizer que os Seis poemas galegos lorquianos tornaram-se famosos pela sua autoria, e mais nos anos do após-guerra, particularmente precários e dramáticos para a literatura e a nacionalidade da submetida Galiza. Eduardo Blanco Amor foi, anos depois, destacado romancista em galego (A esmorga, Gente ao longe), e jornalista em castelhano na América do Sul.
"García Lorca, poeta gallego. Un viaje a Galicia del cantor de Andalucía", no semanário El Español, Madri, 24 de março de 1945 (reproduzido em Grial, no. 43, janeiro-fevereiro-março, 1974). Acrescentemos aqui que Pérez Güerra eram os apelidos do nosso Ernesto no sistema espanhol, no que o apelido do pai vai diante do da mãe: o pai chamava-se Román Pérez da Cal e a mãe Laura Guerra Taboada. Este Guerra era pronunciado Güerra, por ser ela filha do engenheiro italiano Carlo Guerra, que dirigira a construção do caminho de ferro na Galiza. Anos depois, Ernesto mudou os seus apelidos para o sistema do mundo lusófono, vindo a ser o nosso conhecido Ernesto Guerra da Cal. Tal é, pois, o seu nome legal, e assim foi consignado no Registo de Nascimentos de Ferrol, a sua cidade natal. Portanto está errada a afirmação relativamente frequente nas quatro províncias galegas de que este nome seja um suposto “pseudónimo literário”, e até “heterónimo”! (vid., p. ex., a Gran Enciclopedia Gallega, Silverio Cañada editor, Santiago-Gijón, 1974; o Dicionario de Escritores en Lingua Galega, de Francisco Fernández del Riego, Galaxia, Vigo, 1990; O Correo [sic] Galego, 25 de abril de 1994, e passim; “Adeus a Guerra da Cal”, por Xavier Alcalá, revista Eco, novembro, 1994; etc.).
Vid. Carlos Casares, "Leria con EBA", Grial, no. 41, julho-agosto-setembro, 1973.
Do prólogo de Seis poemas galegos, op. cit.
Vid. a nota sobre "Vella cantiga" em Rosalia de Castro, Antologia poética, Cancioneiro rosaliano, E. Guerra da Cal, Guimarães Editores, Lisboa, Colecção Poesia e Verdade, 1985. (Repare-se, por exemplo, na grafia "nubens" nesse poema, que foi corrigida noutras edições para "nubes", caso repetido com as "nubens" do poema "Danza da lúa en Santiago"; tb a palavra “adolescente” foi mudada para “adoescente” no poema “Noiturnio do adolescente morto”; podem ver-se as grafias originais nos autógrafos de Guerra da Cal, vid. n. 27).
Id.
“Castrapo” é a mistura de espanhol com galego, ou galego macarrónico, sintoma da colonização linguística do nosso país.
No jornal La Voz de Galicia, Corunha, 6 de junho de 1985, e em Grial, no. 88, 1985. Com os “silêncios” alude Guerra da Cal ao académico da RAG Xesús Alonso Montero, quem muitas vezes se tem perguntado em público por que Ernesto não falava mais pormenorizadamente do tema.
Vid. n. 24, e tb Punto y Coma, inverno, 1988-89, Madri ("Federico García Lorca en el recuerdo"), com documentação gráfica de fotos e desenhos dedicados por Federico ao seu amigo Ernesto.
Manuel Rodrigues Lapa, na sua casa de Anadia, com um amigo barbudo (o professor galego Dr Domingos Prieto); eu sou o "jovem" da direita (começos dos 80, não posso precisar a data exacta):
Carlos Durão
O título deste artigo poderá parecer exagerado a leitores que não saibam da paixão (ele próprio a qualificou de “vício”, aí sim talvez exagero) do mestre Manuel Rodrigues Lapa pela língua da Galiza: uma e outra vez demostrada, com persistência, com amor, com teimosia galega até, ao longo de muitos anos. Ele sentia como seus os problemas da língua ao norte da Raia, a sua prostração, os ataques do espanholismo, e certeiramente previa muitos dos desvios daqueles que se diziam “galeguistas”, como também os perigos do colaboracionismo linguístico (e não só) e os raquíticos frutos que depois deu.
Existem duas citas da firme posição deste valente homem a respeito da Galiza: “Sempre considerei a Galiza, essa terra maravilhosa, desgraçada e incompreendida, como sendo a minha própria terra; e historicamente e geograficamente assim é, pois estou dentro dos limites da velha Galécia, que chegava pelo sul ao rio Mondego”(1) . “Pergunto daqui ao meu querido amigo Ramón Piñeiro, que na dedicatória do seu Cancioeiro da Poesia Céltiga [sic] (1952) me considerou “o mais ilustre galego de aquém-Minho”, o seguinte: -Se eu tenho orgulho em ser galego desta Galiza de aquém-Minho, e não é a primeira vez que o manifesto (sou de Anadia, nos limites da Galiza anterga [sic] (2), por que razões ele, homem de Lugo, que pertencia à metrópole de Braga, não há-de ter orgulho em ser português? Dizendo melhor: por que não havemos todos de ter muita honra em ser galego-portugueses?” (3) Por isso foi, e é, querido na Galiza por pessoas, entre as mais novas, para quem a Raia não é fronteira linguística. E por isso foi, e é, odiado na Galiza por pessoas, entre mais velhas, para quem a Raia não só é fronteira linguística mas também política: o limite de quatro províncias do Estado Espanhol (EE), a que chamam “Galicia”.
Cedo começou Rodrigues Lapa a dar mostras desse seu amor digamos magistral. Já nos anos 30, do século passado, as páginas da revista galega NÓS ecoavam as suas iniciativas sobre um acordo luso-galaico para uma reforma ortográfica, considerada indispensável pelos redactores da revista. Só um exemplo do que ele opinava naquela altura: “O acordo filológico entre as duas regiões seria coisa facílima, não precisando sequer da intervenção oficial: bastava um entendimento entre o Centro de Estudos Filológicos e o Seminário de Estudos Galegos”. (4)
Veio (ou “vieram-na”) depois a guerra civil espanhola, que esmagou todo projecto possível, pela via simples de matar os seus promotores, e até os que mais não tinham que atitude aberta e ideias livres. (Aqui cumpre anotar que não é verdade que a mal chamada “guerra civil” [na realidade insurreição fascista contra a ordem constitucional republicana] tivesse poupado a Galiza; é verdade que as grandes frentes de batalha [nas que valentemente combateram galegos, como R. Carvalho Calero e E. Líster, por só citar dous] estiveram noutras partes do EE; mas na Galiza as frentes foram mais insidiosas que as militares: as terríveis vinganças pessoais e interesseiras; as repressões das pessoas independentes na política ou na cultura; os fuzilamentos sumaríssimos ou os simples “passeios” da porta da casa à valeta mais próxima, para ali deixar o cadáver à vista e infundir terror; a caça à guerrilha nos montes galegos; enfim a sanha do fascismo bruto [galego também: é preciso dizê-lo], que durou e perdurou na “longa noite de pedra” que cantara Celso Emílio).
Nos anos 50, é Rodrigues Lapa quem ecoa, ele próprio no exílio no Brasil, as propostas do também exilado galego Ernesto Guerra da Cal, encaminhadas a “fazer uma reunião entre portugueses, brasileiros e galegos, para lançar as bases de uma reforma ortográfica”(5) . E, do ponto de vista filológico, lembra: “Uma das grandes dificuldades para quem se ocupa dos trovadores é e continua a ser a determinação dos seus lugares de origem, da sua pátria, digamos, no fraseado de hoje, que não correspondia ao de então. É, em muitos casos, uma tarefa vã; e isso mesmo tem um significado lisonjeiro, porque revalida a ideia de uma perfeita identidade entre as duas Galizas, a de além e a daquém Minho”. (6)
Ele é, em fim, um vulto fulcral na orientação do reintegracionismo linguístico galego-português. Não o único, é óbvio, por mais que os seus detratores se empenhem absurdamente (ou maliciosamente) em o acusar de imperialismo linguístico (alguns académicos da Real Academia Galega assim o disseram); mas certamente fundamental, e claramente orientador e encorajador ao longo de todo o difícil processo, no que estamos.
Foi assim como ele veio a redigir e publicar o seu soado artigo "A recuperação literária do galego"(7) , que foi considerado como uma ingerência na Galiza pelos servidores do EE, mas que não foi mais do que a sua resposta a uma carta aberta do citado Ramón Piñeiro na revista “Colóquio/Letras”, e já anunciada à redação do Boletim do Grupo de Trabalho Galego de Londres(8). Nele resume assim a sua clara posição: “Nada mais resta senão admitir que, sendo o português literário actual a forma que teria o galego se o não tivessem desviado do seu caminho próprio, este aceite uma língua que lhe é brindada numa salva de prata”.
São ideias que sintetizam as por ele já de sempre sustidas: “Falta ao galego de hoje a consciência de que galego e português foram e são ainda a mesma língua, apesar das diferenças que a uma delas imprimiu o contacto com outra língua, culta e dominadora. [...] Por isso, quaisquer que sejam as vicissitudes que o destino e a cobardia dos homens reservem ao idioma galego, uma coisa temos como certa: esse doce linguajar não morrerá, pois se ouve e se lê em Portugal, onde é uma língua de cultura [...] De qualquer maneira, estamos a braços com um dilema, que exige uma opção crucial: ou o galego se perde, submergido pelo castelhano; ou se salva, apoiando-se na força duma língua em ascensão como é o português”(9).
O nosso homem não foi ouvido, e não admira: a máquina do denominado isolacionismo linguístico, sempre fortemente apoiada e financiada pelo EE, ganhou essa pírrica batalha, e instalou (se bem timidamente), na administração autonómica e no ensino, o que o perspicaz Rodrigues Lapa não duvidou em qualificar de “castrapo”: “o galego de hoje é um composto de formas arcaicas e populares do galego-português com mistura aberrante de castelhanismos de toda a espécie. A este idioma desgraçadamente poluído dá-se o nome de ‘castrapo’”(10).
O resultado é tristemente fácil de se ver: gerações inteiras desertam desse galego “que não serve para nada”, como é o dito corrente. Há outras causas da desfeita (como nós dizemos à derrota ou ruína): mas essa é fundamental, porque está no alicerce mesmo da consideração da língua própria: como um idioma regional, co-oficial na “Galicia”, considerado como “también español” pela Constituição do EE, e tolerado desde que permaneça em estado de hibernação que “não cria problemas”(11) e do que se podem aproveitar todo tipo de políticos e intelectuais, com dinheiros públicos; ou então como a língua nacional da Galiza, que também é internacional, assim considerada hoje por academias de Portugal e do Brasil, e já desde as negociações dos Acordos Ortográficos (do 86 e do 90), nas que participou extra-oficialmente como observadora, mas com pleno direito. Esse é também um sucesso que devemos, em não pequena medida, ao nosso grande Dom Manuel (como às vezes foi carinhosamente chamado entre nós).
Ele sentiu-se então defraudado pelos seus amigos do grupo Galaxia, como escrevia a outros amigos: “Com a teimosia, levada ao paroxismo, o Galego sofre hoje de outro mal, o complexo da singularidade; e isso leva-o a recusar o retorno à tradição comum”(12) . Não viu cumpridos os seus anseios. Hoje está, com Guerra da Cal, com Carvalho Calero, com Bóveda e Castelão, entre os nossos bons e generosos. Mas uma nova geração agoma, sem medo, e descontrói o mal construído, e desoculta o propositadamente oculto, assentando nas bases que ele em parte delineou. Sejam dele as derradeiras palavras:
“a singularidade só se compreende dentro de um largo espírito de comunhão, que a reforça e engrandece. O culto injustificado e abusivo da diferença, respeitável em si mesmo, só pode conduzir à desgraça. Foi o que aconteceu ao filho pródigo; e é também o que pode acontecer ao galego, em termos de língua e de cultura”(13). ______________
1-Estudos galego-portugueses, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1979, prefácio -“anterga”: antergo/entergo/entrego=velho, antigo (lat. integru); é “galeguismo” propositadamente empregue por Rodrigues Lapa, para mostrar a sua coerência, como tb muitos outros, hoje recolhidos em diversos dicionários da Lusofonia 3-“Otero Pedrayo e o problema da língua”, revista Grial, no 55, 1977, p. 44 4-revista Seara Nova, Lapa, no 425, 1935, pp. 261-262 5-Carta de R. Lapa a F.F. del Riego desde o Rio, 15 novembro 1958, em Cartas a Francisco Fernández del Riego sobre a cultura galega, de Manuel Rodrigues Lapa, 2001, Ed. Galaxia 6-Escolma de Poesía Galega, vol. I, p. 9, Galaxia, 1952, Limiar 7-revista Colóquio/Letras, Lisboa, no 13, 1973, pp. 5-14 8-correspondência particular a C. Durão, 17 novembro 1972 9-Boletim do Grupo de Trabalho Galego de Londres, no 8, abril 1972, p. 2 10-“Princípios básicos para a criação de uma língua literária comum”, em Tradición, actualidade e futuro do galego. Actas do Coloquio de Tréveris, Xunta de Galicia, Santiago, 1982, pp. 235-236 11-é frase de Manuel Fraga Iribarne, um tempo Presidente da “Xunta de Galicia” 12-comunicação pessoal a C. Durão, 24 março 1981 13-alocução na Exposição do Livro Galego, na Universidade de Aveiro, 16 julho 1982, publicada em “Algo de novo sobre o problema do galego”, revista Grial, no 74, 1981, p. 500