Quando tocou a campainha Dulce pediu-me que abrisse a porta. O pedido fez-me sentir íntima da casa. Do outro lado, um homem com um bigode que não ultrapassava a fronteira das narinas, um chapéu na mão direita, vários embrulhos na mão esquerda, entrou com pressa.
Beijou Dulce, olhou-me de soslaio e fugiu sem explicação.
- João, onde vais?
- Vou ao quarto...
Quando voltou a sala, disse-me
- Conheço-te! Trabalhaste na Loucura...
Respondi logo que não, mas a certeza dele deixou-me insegura.
- Na Loucura?
- Tenho a certeza, tinha lá uma Lexa...
Nunca conheci outra pessoa com o meu nome. Só podia ser eu.
- Mas em que ano?
-1974...
Será que trabalhei na Loucura e não me lembro?
A verdade dele mostra-se mais segura que a minha. Ainda acabo pedindo desculpas pela minha falta de memória.
Algo impede-me de embarcar na segurança de João que esbraceja feito uma borboleta, deixando a minha afirmação fraca e mentirosa.
- Nunca trabalhei na Loucura...
No elevador conto de 1 a 10 para ter a certeza de que ainda sei contar sem tropeçar no intervalo da dezena.
Há dias em que o sublime da vida é saber-me viva, apenas.