Terça-feira, 1 de Março de 2011
Tempos Difíceis ( Hard Times,1854), um livro onde Dickens aborda a dureza da vida numa época dominada por um industrialismo que privilegiava a máquina em detrimento do ser humano. O capitalismo mostrava os dentes e as garras. Mulheres grávidas e crianças trabalhavam nas fábricas por salários de fome. Também hoje se vivem tempos difíceis – o desemprego aumenta, os salários dos que trabalham são congelados ou mesmo reduzido, pequenas pensões de reforma têm de fazer face a menores participações do Estado no custo dos medicamentos (sabendo-se como os velhos deles dependem), os jovens, mesmo que possuam diplomas do ensino superior, cada vez mais têm dificuldade de aceder ao primeiro emprego… Tempos difíceis, de facto. Particularmente difíceis?
Fernão Lopes na Crónica de D. João I, referindo-se à grande crise de 1383-85, clama – «Ó geração que depois veio, povo bem-aventurado que não soube parte de tantos males nem foi quinhoeiro de tais padecimentos!». E no entanto, vinte anos depois, embora sem o sofrimento provocado pelo cerco castelhano, com as máquinas de guerra expelindo os seus projécteis sobre Lisboa, incendiando ruas inteiras, não se pode dizer que tenham sido tempos felizes. Houve, de facto, um período de paz relativa, com escaramuças e pilhagens de ambos os lados da fronteira entre 1396 e 1402. Mas a guerra com Castela reacendeu-se – mais sofrimento, mortes. Tempos difíceis de novo.
A crise de 1383-1385 já não é do meu tempo.
Nasci quando o incêndio da Guerra Civil lavrava para lá das nossas fronteiras e depois foi continuada pela II Guerra Mundial e lembro-me das manobras de black out, com a cidade mergulhada na escuridão e os céus varridos pelos focos de projectores; recordo as janelas cobertas de fita adesiva (para evitar estilhaços em caso de bombardeamento), Sobretudo, recordo as cadernetas de racionamento, carimbadas na Junta de Freguesia, e do ar preocupado da minha mãe, tentando fazer milagres para alimentar o nosso pequeno agregado. Lembro-me de ouvir o meu pai gritar indignado contra os que se aproveitavam das carências gerais para enriquecer, vendendo géneros e produtos no mercado negro.
Lembro-me da penúria que só não afectava os muito ricos. Os pobres viviam muito mal. Os «remediados», versão indígena da «classe média» patinhavam em dificuldades e em esforços para manter o estatuto. Havia uma faixa intermédia – a «pobreza envergonhada»: gente pobre, mas que pretendia passar por remediada. Um funcionário público (nosso familiar afastado) homem que trabalhava num ministério do Terreiro do Paço, vinha a pé de Queluz até ao centro de Lisboa, por não ter dinheiro para o comboio ou camioneta – tinha um enorme rancho de filhos e o ordenado nem a meio do mês chegava. Engravatado, fato de três peças, chapéu de feltro, e aí vinha ele, saindo de madrugada para poder estar a horas no serviço. Criara-se, portanto, uma ampla paleta de eufemismos para uma expressão simples – miséria.
Havia os ricos. Algumas fortuna feitas no caldo social da miséria generalizada. Uns ostentavam a riqueza sem quaisquer pruridos. E havia alguma «riqueza envergonhada» - pessoas ricas, mas que pretendiam passar também por remediados. Razões várias – vergonha de comer bem quando tanta gente passava fome; evitar ter todos os dias à porta um cortejo de pedintes… Tempos difíceis.
A Guerra Colonial veio juntar a todos os outros flagelos económicos o temor pelas vidas dos jovens combatentes. Todas as famílias tinham familiares nas Forças Armadas. Tempos difíceis.
Vivemos actualmente tempos muito difíceis…
Porém, indigna ouvir dizer que há quarenta anos atrás, durante a ditadura, se vivia melhor. É um insulto para quem viveu nessa época, comparar as dificuldades actuais com as desses tempos. E nem me vou dar ao trabalho de fazer a comparação.l. Quem sabe como se vivia, compreende o que quero dizer, quem não sabe, por não querer saber, ou não se querer lembrar, não merece o esforço de uma explicação.
Tempos difíceis os de hoje. Não nos devemos resignar e devemos lutar por que sejam menos difíceis. Exigindo justiça – voltando a Fernão Lopes, ele considerava que a Justiça continha em si todas as outras virtudes. Lutemos, pois, pela Justiça. Que se saiba, no entanto, que ela nunca reinou. Sempre os poderosos a manipularam de modo a que os tempos sejam difíceis para quem não tem poder.
Agora, como há mil anos.
publicado por Carlos Loures às 12:00
editado por Luis Moreira em 28/02/2011 às 22:39
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Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2010
Carlos Mesquita
1 - Melhorar a competitividade da economia e apoiar as exportações:- Criar, reforçar, criar, acelerar, lançar, apoiar, reforço, rever, aumentar, assegurar, majorar, eliminar, eliminar, incentivar, reforçar.
2 - Simplificação administrativa e redução dos custos de contexto para as empresas:- Apresentar, aprovar, instalar, lançar, reduzir, reduzir, entrada, disponibilizar.
3 - Aumentar a competitividade do mercado de trabalho:- Dinamizar, alargar, promover/estimular, promover, estabelecer/tornar, agilizar, promover/implementar, lançar, reforçar, aprovar, alterar, adoptar, permitir, promover, apoiar, aumentar.4 - Aposta na reabilitação urbana e na dinamização do mercado de arrendamento:- Dinamizar, articular, apresentar, apresentar, criar.
5 - Combate à informalidade, à fraude e à evasão fiscal:- Adoptar, valorizar, reorientar, reforçar, reforçar, reforçar.
São estas as medidas do governo, aprovadas na 4º feira em Conselho de Ministros. O documento tem o nome de Iniciativa para a Competitividade e o Emprego. Cinco áreas cinco objectivos, cinquenta medidas que começam pelas palavras acima escritas, quase tudo verbos, no principio – o verbo.Quem tiver coragem e interesse deve ler os desenvolvimentos das medidas propostas, estão publicadas. Mas os verbos dizem muito das intenções e das preocupações do governo, assim; no ponto 1; é evidente que existem propostas novas, fortalecimento de anteriores, urgência de actuação e simplificação da vida das empresas exportadoras. No ponto 2; é a simplexização, uma redundância com o título. No ponto 3; a leitura é complexa, prolixa e pouco clara, como convirá em matéria que é polémica internamente e exigência política externa. Merece uma leitura integral, em particular quanto ao “mecanismo de financiamento, de base empresarial, destinado a garantir o pagamento parcial das compensações ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho”. E o resto. No ponto 4; pelos verbos vê-se que está tudo por fazer. E no ponto 5; que o que foi feito não teve resultados satisfatórios.
Com este método Simplex de análise fica-se com umas luzes; para ver o que se propõe é preciso ler o conteúdo. Para o reforço exportador e a facilitação da vida das empresas exportadoras há propostas importantes e necessárias, no mercado de trabalho adivinham-se medidas perigosas, e na reabilitação urbana espera-se que ajude a reverter o desemprego de 110.000 profissionais da construção, para além da dinamização do mercado de arrendamento. Quanto ao combate à economia paralela, duvido muito da eficácia das medidas.
Quem leu este post pode afirmar que leu qualquer coisa de todas as 50 medidas, escusa de dizer que foi só uma palavra de cada uma delas.
Segunda-feira, 29 de Novembro de 2010
Júlio Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes*
(Continuação)
A realidade actual impõe assim que se realize um verdadeiro debate democrático quando às opções de política económica possíveis. Como se assinala num recente manifesto intitulado Manifesto de Economistas Aterrados .
A maioria dos economistas que intervêm no debate público fazem-no para justificar ou racionalizar a submissão das opções políticas às exigências dos mercados financeiros… O modelo neoliberal continua a ser o único modelo legitimado, apesar dos seus falhanços bem evidentes…
Como economistas, estamos aterrados ao ver que essas políticas continuam a estar na ordem do dia e que os seus fundamentos teóricos não estão a ser postos em causa. Os argumentos utilizados, desde há trinta anos, para orientar as escolhas das políticas económicas europeias são, contudo, postos em causa pelos factos. A crise pôs a nu o carácter dogmático e sem fundamento da maior parte das pretensas evidências repetidas à saciedade pelos decisores políticos e pelos seus assessores. Quer se trate de eficiência e da racionalidade dos mercados financeiros, da necessidade de reduzir as despesas públicas para reduzir a dívida ou para reforçar o “pacto de estabilidade”, estas falsas evidências devem ser questionadas e mostrar-se a pluralidade de escolhas possíveis em política económica. Há outras opções possíveis e desejáveis, desde que primeiro se liberte a canga imposta pelo sector financeiro às políticas públicas.
Neste sentido, o grupo de docentes responsável pelo Ciclo de Cinema Debates e Colóquios na FEUC decidiu assim iniciar o Ciclo no presente ano lectivo com um debate alargado, que se quer profundo, sobre a União Europeia, sobre os seus fundamentos, o seu modelo económico, as suas opções presentes de resposta à crise económico-financeira. Em suma, perguntar então: o que está por detrás de tudo isto? Para quê tudo isto? Perguntas que devem ser feitas, respostas que podemos e devem ser encontradas na Faculdade de Economia e no Teatro Académico Gil Vicente, dias 10, 11 e 12 de Outubro com o Colóquio sobre a Europa e a projecção do filme O Cerco: a democracia nas malhas do neoliberalismo.
Coimbra, 28 de Setembro de 2010
II. Manifesto de Economistas Aterrados “Crise e dívida na Europa: 10 falsas evidências, 22 medidas em debate para se sair do impasse”
1 de Setembro de 2010
Primeiros signatários: Philippe Askenazy (CNRS, Ecole d’économie de Paris), Thomas Coutrot (Conseil scientifique d’Attac), André Orléan (CNRS, EHESS), Henri Sterdyniak (OFCE)
Tradução para português: Júlio Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes
Introdução
A recuperação económica global, possibilitada pela injecção maciça de despesas públicas na economia (desde os Estados Unidos à China), é frágil, mas real. Um só continente ficou para trás, a Europa. Retomar a via do crescimento deixou de ser a sua prioridade política. A Europa embarcou numa outra via: o da luta contra o défice público.
Na União Europeia, os défices são, é certo, elevados — 7% em média, em 2010 — mas muito menos do que os 11% registados pelos Estados Unidos. Embora alguns estados federais americanos com um peso económico mais importante do que o da Grécia, como, por exemplo, a Califórnia, estejam virtualmente falidos, os mercados financeiros decidiram especular sobre a dívida soberana dos países europeus, especialmente sobre os países do sul. A Europa deixou-se realmente cair na sua própria armadilha institucional: os Estados europeus têm de contrair empréstimos junto das instituições financeiras privadas, as quais, para concederem estes empréstimos, vão buscar liquidez, a baixo custo, ao Banco Central Europeu.
Os mercados financeiros têm, portanto, em seu poder a chave fundamental do financiamento dos Estados. Neste contexto, a falta de solidariedade europeia suscita a especulação, tanto mais que as agências de rating contribuem para aumentar a desconfiança.
Foi necessária a degradação da notação atribuída pela Moody's à dívida da Grécia, em 15 de Junho, para que os dirigentes europeus voltassem a falar de “irracionalidade”, termo que tinham tanto usado no início da crise dita do subprime. Da mesma forma, constata-se agora que a Espanha está muito mais ameaçada pela fragilidade do seu modelo de crescimento e do seu sistema bancário do que pela sua dívida pública.
A fim de “tranquilizar os mercados”, foi improvisado um Fundo de estabilização do euro e foram lançados por toda a Europa planos de cortes drásticos, frequentemente cegos, da despesa pública. Os funcionários públicos são os primeiros atingidos, nomeadamente em França, onde a subida das contribuições para a segurança social se traduzirá numa redução disfarçada dos salários. O número de funcionários diminui por toda parte, ameaçando os serviços públicos. Os benefícios sociais, da Holanda a Portugal, passando pela França, com a reforma das pensões actualmente em curso, estão em vias de ser gravemente amputados. O desemprego e a precariedade laboral vão necessariamente alastrar nos próximos anos. Estas medidas são irresponsáveis, quer do ponto de vista político, quer social, e até mesmo do ponto de vista estritamente económico.
Estas políticas, que terão acalmado momentaneamente a especulação, têm já consequências muito negativas no plano social em muitos países europeus, atingindo especialmente os jovens, o mundo do trabalho e os estratos mais frágeis. A prazo, irão inflamar as tensões na Europa e, consequentemente, ameaçar a própria construção europeia, que é muito mais do que um projecto económico. Pressupõe-se que a economia esteja ao serviço da construção de um continente democrático, pacificado e unido. Em vez disso, está a instalar-se por todo o lado uma espécie de ditadura dos mercados, em particular, actualmente, em Portugal, em Espanha e na Grécia, três países que ainda eram ditaduras no início da década de 70, há apenas cerca de quarenta anos.
A submissão a esta ditadura dos mercados não é aceitável, quer seja interpretada como uma forma de os governantes aterrados “tranquilizarem os mercados” ou como pretexto para imporem opções ideológicas, uma vez que está bem provada a sua ineficiência económica e o seu potencial destrutivo no plano político e social. Deve, portanto, ser lançado um verdadeiro debate democrático sobre as opções de política económica em França e na Europa. A maioria dos economistas que intervêm no debate público fazem-no para justificar ou racionalizar a submissão das opções políticas às exigências dos mercados financeiros. Certamente, todos os governos tiveram que improvisar planos de relançamento keynesiano e, até mesmo, em alguns casos, nacionalizar bancos temporariamente. Mas querem fechar este parêntesis o mais rapidamente possível. O modelo neoliberal continua a ser o único modelo legitimado, apesar dos seus falhanços bem evidentes. Fundado no pressuposto da eficiência dos mercados financeiros, este modelo propugna a redução das despesas públicas, a privatização dos serviços públicos, a flexibilização do mercado de trabalho, a liberalização do comércio, dos serviços financeiros e dos mercados de capitais, o alargamento da concorrência a todo o tempo e a todo o lado...
Como economistas, estamos aterrados ao ver que essas políticas continuam a estar na ordem do dia e que os seus fundamentos teóricos não estão a ser postos em causa. Os argumentos utilizados, desde há trinta anos, para orientar as escolhas das políticas económicas europeias são, contudo, postos em causa pelos factos. A crise pôs a nu o carácter dogmático e sem fundamento da maior parte das pretensas evidências repetidas à saciedade pelos decisores políticos e pelos seus assessores. Quer se trate de eficiência e da racionalidade dos mercados financeiros, da necessidade de reduzir as despesas públicas para reduzir a dívida ou para reforçar o “pacto de estabilidade”, estas falsas evidências devem ser questionadas e mostrar-se a pluralidade de escolhas possíveis em política económica. Há outras opções possíveis e desejáveis, desde que primeiro se liberte a canga imposta pelo sector financeiro às políticas públicas.
Fazemos seguidamente uma apresentação crítica dos dez postulados que continuam a inspirar quotidianamente as decisões das autoridades públicas em toda a Europa, apesar dos contundentes desmentidos espelhados na crise financeira e nas suas sequelas. Trata-se de falsas evidências que inspiram medidas injustas e ineficazes, em confronto com as quais apresentamos 22 contrapropostas. Cada uma delas não colhe necessariamente a unanimidade dos signatários deste texto, mas deverão ser levadas a sério, se queremos que a Europa saia do impasse.
(Continua)
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* Docentes da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Domingo, 28 de Novembro de 2010
Augusta Clara de Matos
Toda a gente fala em economia em Portugal. Todo o bicho careto sabe falar de economia neste país. Porque é que praticamente ninguém fala em política? Assumem todos que a economia é a política possível , é por causa da mundialmente assumida crise ou é, por qualquer outro desígnio, que já não interessa falar em política?
Isto só pode ser um desabafo meu que não sei nada de economia, nem é assunto para o qual tenha qualquer apetência. Mas, se todos desabafam – não acredito que todos saibam do que estão a falar quando falam de economia, mesmo quando falam de amor, sabe Deus…- porque não hei-de desabafar também?
Ah, a minha experiência partidária foi tão frutífera que, agora, já me posso dar ao luxo de desabafar.
Ainda há pouco publiquei aqui uma entrevista realizada em 1984 sobre a situação da mulher – e, como também se comemorou agora o 25 de Novembro, vem tudo a propósito - onde se aludiu àquela prática tão corrente nos partidos de “quando um burro zurra o outro, ou seja, a outra baixa as orelhas”. Havia uns burros que sempre se julgavam menos burros mas, afinal, veio a provar-se que éramos todos iguais senão não tínhamos chegado a este estado. Mas foi há tanto tempo que, agora, deve estar tudo diferente.
De modo que já me sinto à vontade para afirmar que o desinteresse da maioria da população pelos temas que fazem a ordem dos dias – o Orçamento Geral do Estado, a Dívida Externa, o FMI…mau grado sejam os infernos donde lhe vêm todos os malefícios, prova que não é de política que nos andam a falar, que não é da “vida da cidade” que andamos a tratar. Porque, se fosse, estávamos entusiasmados como já estivemos noutros tempos quando queríamos construir um país novo, quando chegou quase a ser possível que isso saísse das nossas mãos.
Então o que é falar de política? E se começássemos por aqui?
Carlos Mesquita
A “Divida Externa” passou do vocabulário economista para a preocupação de rua. O cidadão mais cumpridor, que não come fiado nem deve um papo-seco ao padeiro, já anda convencido que deve milhares de euros ao estrangeiro, e que não vai conseguir pagar. Depois tem uma legião de entendidos a explicar-lhe que se não foi ele que fez as dividas, alguém as fez por ele, os malandros do costume de certeza.
Por definição a Divida Externa dum país é o somatório dos empréstimos e financiamentos contraídos no exterior. Portugal é o 6º país europeu mais endividado em relação ao PIB. Com base nas estatísticas do stock da divida bruta externa total (pública e privada), em 2009, à frente de Portugal estão a Suíça e a Bélgica todos na casa dos mais de 200%, o Reino Unido e a Holanda, ambos com mais de 400% e no topo a Irlanda com 1.000 %, e com um PIB ligeiramente inferior ao português (fonte Exame/Expresso).
Em valores absolutos a Espanha (6º país do mundo mais endividado) tem uma divida externa astronómica mas que é “apenas” 168% do seu PIB. A divida bruta relativa da Grécia é semelhante a acreditar que não está manipulada. Os elementos que aparecem habitualmente nas notícias referem a Divida Externa Líquida e a famigerada ultrapassagem dos 100% do PIB, que tem facilitado afirmar que a riqueza do país não é capaz de pagar a divida. Não é para liquidar, ninguém o faz, nem com o rendimento dum ano. Aliás é mais importante o prazo, o curto prazo, que determina as situações de aflição aproveitadas pelos mercados.
A Divida Externa portuguesa é composta segundo o Banco de Portugal, quase meio por meio, pela banca e pelo Estado. Metade é pública metade privada. Os bancos endividam-se para emprestar às famílias e empresas, o Estado para ocorrer às despesas e ao investimento público, central e autárquico.
O dinheiro da Divida contraída é usado pelas famílias na compra de habitação equipamentos e vários consumos, nas empresas para toda a actividade, e no Estado para pagamentos e construção de infra-estruturas e equipamentos sociais. De toda a actividade que o dinheiro pedido emprestado permite, resultam activos, património das famílias das empresas e da sociedade. O dinheiro não é (a maior parte) deitado à rua, existem bens e equipamentos que não era possível obter sem financiamento, quer nas famílias quer no país, a própria actividade económica geradora de riqueza não é viável sem financiamento externo.
O que é preocupante na Divida é a posição que Portugal passou a ter perante os mercados, particularmente após a crise grega. O que os mercados fazem é o mesmo que os bancos aos seus clientes, também eles diferenciam as taxas de juro conforme o tipo de cliente, o que os bancos não fazem, nem os mercados, é emprestar a quem pensam que não vai pagar. A teoria do aumento das taxas de juro conforme o risco, precisa ser desmitificada; os mercados aproveitam a debilidade económica dos países do sul para lucrarem mais. A Alemanha já emitiu dívida pública sem que tenha conseguido procura suficiente para a sua totalidade, enquanto Portugal a cada emissão a procura é várias vezes a oferta, e nem por isso baixa significativamente a taxa. Estamos perante a falência da teoria da oferta e da procura ou diante da máxima capitalista de conseguir o máximo lucro?
Vão ter de se tomar medidas para que os empréstimos externos não sejam desperdiçados em actividades como certo crédito ao consumo, reduzir o ritmo de crescimento da divida, mas o financiamento fundamental para as empresas e para o investimento público em período de contracção do investimento privado não vai poder parar, com risco de não se gerar riqueza que assegure a amortização dos empréstimos e a rentabilidade do país.
Sábado, 27 de Novembro de 2010
Amanhã, Domingo,28 de Novembro e até Sábado, 4 de de Dezembro, promovemos entre os colaboradores e os visitantes do Estrolabio um amplo debate sobre os principais temas da Economia nacional. Começaremos por analisar a Dívida Externa. Serão publicados diversos artigos, abrangendo tanto quanto possível todo o vasto leque de problemas que afectam a vida económica do País e dos cidadãos.
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010
Carlos MesquitaO Estrolabio publicou no passado Sábado um texto de José de Almeida Serra; “Extratos de alguns Pareceres do Conselho Económico e Social – CES”.
Duvido que tenha sido lido por parte significativa dos leitores do blogue. Primeiro porque são mais de uma dúzia de páginas A4, (a tendência do Estrolabio para concorrer com a Torre do Tombo...) segundo porque a matéria é economia, que dá mais dores de cabeça que escritos às escadinhas.
Trata-se de “textos escolhidos”, na linha das publicações “tal como eu tinha avisado” ou “não me deram ouvidos e agora tomem”. Eu próprio já estive tentado a fazer uma coisa do género, com previsões acertadas que publiquei, desde a guerra do Iraque à do Afeganistão, do caso Freeport à Carolina Salgado, das barragens ao TGV, do BPN à ingovernabilidade actual, etc.
Funciona para propagar credibilidade, e ainda melhor, escondendo as vezes que falhámos nas análises e críticas.
Ler o artigo citado é útil para perceber que as questões e críticas às políticas actuais, já eram apresentadas nas épocas dos governos de Cavaco, Guterres e Durão Barroso, são os mesmos problemas conjunturais, os mesmos recados, as mesmas falhas. Acresce que os pareceres do Conselho Económico e Social têm como função influenciar os órgãos de soberania. Os políticos em quem votámos para as várias instâncias de poder conhecem essas opiniões. Não serve de nada.
A dinâmica que comanda a nossa vida colectiva é ditada pelos ciclos eleitorais. Pela luta pelo poder político, por agradar a uns ou outros detentores do poder económico.
Podia não ser assim se a “sociedade civil” (detesto esta designação mas serve) não embarcasse em discutir as bandeiras que os partidos querem mas os temas que realmente importam. O TGV ou as infra-estruturas, a educação ou o SNS, a regionalização e tantas outras matérias importantes, são abordadas como casos de paixão futebolística, com argumentos primários lançados pelos partidos, sem que se procure aprofundar todas as vertentes em questão.
Por isso queria sugerir pegar num assunto que seja um problema nacional e discuti-lo aqui. Convidando alguns especialistas para lançar o debate ou não.
Os problemas económicos em agenda, dos quais relevam os efeitos das políticas propostas ou em execução, e que irão manter-se nos próximos tempos prendem-se com a receita e despesas públicas, a dívida ao estrangeiro, os défices. Aponto uma matéria que é comum às preocupações da esquerda e da direita política, e que concordo ser o principal problema nacional, a Divida Externa.
Faz sentido debater aqui este assunto?
Sexta-feira, 19 de Novembro de 2010
José de Almeida SerraHavíamos tido o PEC I e o II, com garantias, em cada qual, da resolução dos nossos problemas; só que nos faltava o III; como certamente nos faltará ainda um IV, um V e o que mais se verá; tudo por mal dos nossos “pec-ados”.
E, prestamente, muitos lembraram que haviam avisado – uns há uns meses, outros há um ou dois anos. Mas julgo que todos esqueceram os avisos, propostas e recomendações do Conselho Económico e Social – CES -, ao longo da última década.
Dei-me ao trabalho de compilar o que se escreveu em vários dos seus Pareceres, todos aprovados em Plenário por unanimidade ou quase unanimidade, e a conclusão é óbvia: há uma década, ou mesmo mais, havia-se feito o diagnóstico e apresentado propostas para muitos dos nossos problemas, apresentando-se a seguir quadro com algumas das recomendações formuladas (2). Diagnóstico e propostas que foram completamente ignorados pelos responsáveis políticos; todos os governos confundidos.
E, contudo, sendo o CES um órgão constitucionalmente previsto e com funções e responsabilidades fixadas a esse nível, podendo socorrer-se de quadros que estão certamente entre os de maior conhecimento do País, e sendo, porventura, a Câmara não exclusivamente política mais representativa da sociedade portuguesa, deveria ter merecido alguma atenção. Não mereceu.
Não acho necessário acrescentar grande coisa às propostas formuladas pelo CES ao longo do tempo; apenas referir que os problemas se agravaram grandemente, como bem fica demonstrado em quadro junto: “Portugal – alguns indicadores essenciais” (com alguns dados de 1998 até ao presente). Pergunta-se: porque teve que ser assim?
Mas, como já afirmara um grande cantor desaparecido há umas décadas, “quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”, há que encontrar saídas.
Não há alternativa a medidas muito drásticas e radicais no presente. Em qualquer caso teremos de nos interrogar: que medidas? Recaindo sobre que grupos e em que extensão?
Não se pode continuar nem com a total irracionalidade em matéria de obras públicas, nem como o enorme desperdício constatável ao nível da nossa Administração, nem com a iniquidade do nosso sistema fiscal.
A todos os níveis terão de ser feitas análises de custo-benefício e prioritizar adequadamente intervenções, acções e projectos.
Não se pode continuar a atirar para a frente problemas e endividamento. No fundo aquilo que a minha geração - que beneficiou largamente dos sistemas sociais instalados, que ampliou substancialmente em próprio benefício - se prepara para deixar a filhos e netos são dívidas. E incertezas.
Temos as taxas de desemprego que temos e que são das mais elevadas da União; com a agravante de os desempregados serem, quase em exclusivo, provenientes da actividade produtiva privada. Se e quando o mercado deixa de reconhecer o interesse dos produtos, ou não aceita os preços propostos, as actividades acabam e, com elas, o emprego.
No Estado, contudo, não há qualquer regulação e serviços inteiros, que não servem para nada e nada produzem, continuam a existir com a simples lógica de “estarem” e de absorver recursos. Quem geriu bem e produziu tem agora o mesmo tratamento que outros que se limitaram a gastar; agora há que cortar e rasoura-se a eito. Há que introduzir critérios de racionalidade, de avaliação e de controlo. Todos temos de ser avaliados e controlados.
Não parece necessário dar exemplos; basta ver os resultados (melhor dito: a ausência dos mesmos) ao nível de muitas responsabilidades do Estado, que dão “ocupação” e salário a muitos milhares, sem “produção” visível, para concluir pela não necessidade das respectivas atribuições (por exemplo: em matéria de investigação, por mais que a imprensa denuncie e se contem histórias, se no fim tudo se esfuma e nada se conclui, teremos de reconhecer estar-se perante “fantasmas”; pois, se tal não fosse o caso, estaríamos perante incapazes de descobrir o quer que fosse).
Não temos o direito de “empurrar problemas” para a frente, e para outros. E se acontecer, por exemplo, situações em que deficits foram cobertos com recurso a fundos de pensões, sobretudo se insuficientemente provisionados, isso significaria contracção clandestina (na acepção de não registada) de dívida pública e/ou assunção por parte do Estado de responsabilidades particulares.
Não pretendo referir-me a nenhuma situação concreta (afinal já temos uma boa meia dezena de casos e outros se perfilam no horizonte), em particular a um contemporâneo de que tanto se fala (3); antes me parece que a tentação é grande e o sarilho pode aumentar. Mas se, segundo a Bíblia, já Esaú vendera a primogenitura a Jacob por um prato de lentilhas – pois tinha fome, o prato estava ali à mão e o futuro só a Deus pertence!
A transferência de fundos de pensões privados para o Estado não é, portanto, neutral, e vem completamente ao arrepio da tão apregoada defesa da gestão privada de pensões; anotando-se ainda a “curiosidade” dessa defesa de nacionalização de fundos privados ser também proveniente de responsáveis de empresas privadas que fazem negócio da gestão de fundos de pensões.
Mesmo que no momento inicial de uma determinada operação tudo esteja correcto – o valor dos fundos transferidos ser igual ao cálculo actuarial das responsabilidades assumidas –, ainda assim o que substantivamente se está a fazer é contrair dívida, que um dia alguém terá de pagar.
Pior ainda seria se ocorresse insuficiência de provisionamento de algum fundo transferido: aqui estar-se-ia perante a atribuição de um benefício indevido a uma entidade particular, pública ou privada. A Comunidade assumiria colectivamente responsabilidades individuais e de que sairiam beneficiados uns quantos. Seria moral?
Igualdade de todos perante o imposto (no respeito de diferenciações de carácter social que atendam aos níveis de vida dos contribuintes – quem ganha/recebe mais deveria, do meu ponto de vista, pagar marginalmente mais). Se um qualquer cidadão tiver uma mais-valia de 100 euros certamente terá de pagar à volta de 20 euros de imposto; e se porventura se esquecesse de o fazer seria – e bem – altamente aborrecido pelo Fisco.
E onde houver mais-valias de centenas ou milhares de milhões não investidas podendo significar várias dezenas ou centenas de milhões em imposto? Não obstante já terem ocorrido no passado perdões muito avultados de pagamento de imposto sobre essas mais valias não se acredita que fosse possível, sobretudo nas actuais circunstâncias, reproduzir esse modelo
Para quando acabar com a “floresta densa” de benefícios, deduções e nichos fiscais - frequentemente socialmente injustos, quando não imorais - e que se tornam claramente incontroláveis nos seus resultados e beneficiários? Por exemplo: para quando a disciplina rigorosa das “Fundações”?
Rigor, competência e “costela pública” nas aquisições para o Estado. Se viesse a constatar-se terem sido pagos a título de comissões importâncias avultadas, estaríamos – no mínimo - perante uma óbvia manifestação de incompetência por parte dos intervenientes, designadamente dos mais altos responsáveis (mesmo, ou sobretudo, quando tais verbas desaparecessem no pântano movediço das offshores), por não terem sido capazes de baixar o preço pago para níveis não “comissionáveis”. Que legitimidade haveria para continuar a pregar-se racionalidade na Administração e moralidade pública?
Minimizar a economia subterrânea e a fuga fiscal. Em quadro que se preparou chega-se à conclusão (em hipóteses que me parece pecarem por defeito) que o montante não cobrado de receitas fiscais decorrente de tal fuga representará, certamente, não menos de 4% a 6% do PIB – ou seja metade ou mais do deficit (e, sejamos generosos, ainda se continuaria com uma grande economia subterrânea, de que continuaria a tirar proveito muito “boa e honrada” gente) (4).
Parece evidente que a Assembleia da República não tem exercido cabalmente as funções que lhe competem: nem em matéria fiscal, nem orçamental, nem de acompanhamento dos aspectos macro da despesa – pensa-se no acompanhamento de grandes projectos de investimento ou na avaliação e seguimento da assunção pelo Estado de grandes responsabilidades futuras ou, ainda, em situações de não cobrança de impostos em operações gerando mais valias de grande vulto, quando não reaplicadas.
A nossa Sociedade está como está. Que coesão social? Que esperança? Que lugar para os mais novos? Para os desempregados? Que projecto de desenvolvimento? Que solidariedade? Que esperança de futuro?
Como outrora, “vimos, ouvimos e lemos”, mas continuamos a ignorar. A seguir à canção, foi o que se viu. Entretanto, muitos dos vencedores de 74 envelheceram, engordaram e aburguesaram. Vários auto-atribuíram-se um modo de vida: estar, gozada e placidamente, na nova ordem com a justificação de algum dia terem (?) sido oposição.
Mas atenção: nunca se escreveu tanto sobre as figuras do antigo regime como agora, sobretudo sobre o seu chefe incontestável (livros que, aliás, têm procura). E numa votação – que muitos dizem enviesada, mas onde votou quem quis, como quis e quando quis – alguém ganhou. E alguém ficou em segundo lugar. Extremos que, como a História já demonstrou, frequentemente se aliam, se juntam e se potenciam. Partindo do principio que os que votaram não são (totalmente) irresponsáveis fica a questão: poderá isso dizer alguma coisa?
JAS/Outubro/2010(1) Por José de Almeida Serra
(2) Uma versão mais desenvolvida do documento pode ser consultada no site
(3) Embora não deixe de reproduzir aqui o seguinte: “… este dinheiro poderá ser usado para múltiplos objectivos: investimento, reduzir dívida, meter no fundo de pensões, pagar dividendos…” (sublinhado meu), Presidente da PT em entrevista ao Diário de Notícias de 1/8/2010 sobre a mais valia de 3,75 mil milhões de euros resultante da venda da Vivo e após dedução do investimento na OI.
(4) Elaborou-se sobre o assunto um quadro a partir de três estudos da responsabilidade de quatro investigadores (Universidades de Linz, Dresden e Heidelberg, e, ainda, Banco Mundial) que pode ser consultado no site
Sexta-feira, 15 de Outubro de 2010
Carlos MesquitaÉ uma história com muitos anos, de tempos a tempos estamos em crise.
Os portugueses ainda não estão (todos) convencidos de que é impossível manter o tipo e nível de vida actual, ou vir a recuperá-lo, sem tomar medidas correctivas que são dolorosas. Disse aqui que achava estranho os nossos parceiros europeus aprovarem medidas económicas restritivas, e nós nada fazermos. É verdade que a culpa é dos políticos e dos seus jogos, mas é justo dizer que os partidos em quem nós votámos e agora culpamos, tiveram 10 milhões (somos 10 milhões?) de cúmplices. Os portugueses estão a ser enganados ou tem sido conveniente viver no engano? Gente que continua a viver bem tece amuos por causa da miséria alheia, mas não prescinde dos privilégios que conseguiu. Qualquer corte nas benesses adquiridas pela faixa da população que decide quem governa, (a base de apoio do “centrão”) provoca ameaça de crise política, e dos lados, à esquerda e à direita, sobrevive-se melhor em crise política.
Há desavenças e falta de entendimento entre as forças políticas, mas é resultado dos equilíbrios que os portugueses tentam fazer quando votam. Pensou-se por cá que se não houvesse estabilidade governativa, nunca chegariam as medidas impopulares, que da necessidade dos políticos agradarem ao povo, nunca faltaria dinheiro, subsídios, borlas e crédito barato. Acontece que os governos pedem dinheiro lá fora para manter essa ilusão, e quem o empresta é que define as condições. Esses mercados financeiros onde a banca vai buscar o dinheiro para emprestar à economia, e onde o governo também recorre para pagar as despesas do Estado, estão atentos à situação do país. O que é visível por qualquer observador estrangeiro é preocupante; não há crescimento económico, o consumo privado não é suficiente (e com as medidas de austeridade vai piorar) aumentámos as exportações mas as importações ainda subiram mais, e não se consegue parar o aumento das despesas do Estado. A somar à situação económica que não consegue pagar as contas, à despesa pública que não baixa, inventou-se uma crise política de efeitos imprevisíveis.
Após o anúncio das medidas de austeridade, verificou-se um alívio nos mercados financeiros, mas de lá para cá, cada vez que Passos Coelho abre a boca para dramatizar a aprovação do Orçamento de Estado, Portugal fica a dever mais uns milhões de juros. O PSD está no direito de votar contra o Orçamento, mas se vai viabilizá-lo através da abstenção (é o mesmo que votar a favor) tem de ser responsabilizado por estes custos. Como também será se Portugal ficar á mercê do FMI e das penalizações do mercado, por causa de não haver Orçamento. Os apelos de todos os quadrantes a Passos Coelho para ter juízo e não prejudicar mais a situação difícil em que estamos é caricata, como tem sido a hesitação do governo, ou a conversa demagógica do resto da oposição.
Com o rumo que as coisas estão a tomar, parece-me que as alternativas para os portugueses são de ir empobrecendo devagar ou de um dia para o outro.
(In Semanário Transmontano)
Sexta-feira, 17 de Setembro de 2010
Carlos Mesquita
Os números oficiais sobre a economia nacional não são suficientes para a compreensão do momento que passamos.
Hoje foi dia de alerta para a divida pública, amanhã será para outro indicador, em seguida para um outro, e com o decorrer dos episódios pode ser que os menos autistas percebam o enredo.
Toda a gente ouve falar das dificuldades das empresas, mas quem está no convento é que sabe o que lhe vai dentro. Contacto diariamente com industriais de PMEs, vou às empresas, falo com os quadros e outros profissionais, acompanho a produção, e vejo os seus semblantes. Conheço há muitos anos a maioria dos meus fornecedores e dos seus empregados, nunca os vi tão preocupados como agora, apesar de terem passado por várias crises económicas.
Sei o que é tentar sobreviver enquanto vemos em redor empresas como a nossa a fechar. Escapar num naufrágio generalizado pode ser deitar fora lastro para se manter á tona da água, mas não estão a largar o que é supérfluo, estão a dispensar os trabalhadores mais qualificados que pesam demasiado nos custos. Já não compram novos equipamentos para bater através da inovação a concorrência, nivela-se por baixo, produz-se com ferro-velho, está tudo no mesmo barco.
A indústria transformadora portuguesa nunca esteve de tão fraca saúde, sem crédito bancário, sem trabalho, acumulando dívidas aos fornecedores e ao Estado, esperando por melhores dias que lhe permitam restaurar a actividade e ter lucros suficientes para suprir as dívidas. Esperança vã em minha opinião, com as margens de lucro esmagadas com que se produz, jamais haverá recuperação. Dantes sabia-se que as crises eram passageiras, agora começa a haver a percepção que podem vir para ficar, ou pelo menos tempo suficiente para destruir o tecido empresarial existente de forma irreparável. Depois do que se passou no sector primário, agricultura e pescas, é chegada a vez da indústria. Sem medidas correctivas ao nível do crédito, dos custos energéticos e da fiscalidade, mais empresas vão encerrar, e o desemprego que ainda não reflecte a totalidade dos efeitos da crise, só pode aumentar.
A verdade é que o investimento está a baixar, a melhoria das exportações e a retoma do consumo privado foram (segundo o INE) suprimidas pelas importações (duplicadas pela compra de material militar e o aumento do preço do petróleo) e as ordens da Alemanha é de que não nos preocupemos com o crescimento, mas apenas e só com a divida pública.
Todos os partidos discutem o sexo dos anjos e a eunuca revisão constitucional, e nós o que podemos fazer? Talvez só nos reste esperar pela pancada, e ir abordando os assuntos sérios no meio da alienação geral.
2010-09-17 Carlos Mesquita
Segunda-feira, 31 de Maio de 2010
Carlos Leça da VeigaA União Europeia é um autêntico logro político e económico para os portugueses, porém, um negócio notável para quem, na falta dos lucros oriundos das velhas colónias africanas, agora, entre nós, recebe o favor dos subsídios europeus e, traição verdadeira, sob os pretextos de obediência neoliberal às regras de mercado, não só tudo faz para impedir a produção nacional como, em simultâneo, incrementa a importação. Enfim, transformaram Portugal numa colónia. Viver-se-á melhor?
Contra toda a lógica, aliás bem evidente, da evolução duma economia mundial balanceada entre o retrocesso da dos ocidentais e a presença fortíssima, em crescendo, da dos emergentes – muito mais que emergentes – os dirigentes da política portuguesa, sem tino nem senso, pela necessidade de conseguirem apresentar algum serviço e, sobretudo, pela ânsia tradicional de copiar os estados europeus, de preferência os continentais e, por igual, satisfazer-lhes os interesses estratégicos, correram a aceitar-lhes uma aliança multilateral, a União Europeia, sabendo – deviam saber – que estavam a fazê-lo com estados que, como a História no-lo conta, sempre pretenderam prejudicar Portugal e que, nos últimos anos, como está à vista, até deixaram de ter interesse económico e político significativo por estarem em perda económica muito sensível e, pelo certo, irreparável. Estar-se-á a viver melhor?
Mais uma vez, na História de Portugal, os seus dirigentes, foram procurar, na aliança com os potentados do ocidente europeu, em retrocesso económico, as fontes do auxilio para, como imaginaram e imaginam – mas mal – conseguirem que a grandeza desses potentados, se o foi, ou se o é, extravasasse para Portugal. Procederam desse modo por causa não só das tradicionais mimética e submissão face a tudo quanto é feito na Europa – uma crença com séculos – mas, também, não pode ignorar-se, por força das manobras políticas dos interesses muito próprios dos possidentes nacionais e da sua aliança estreita com um lote influente de personalidades políticas portuguesas interessado na satisfação duma sua velha mas desastrosa perspectiva maçónica que a leva a imaginar-se, mais outra vez, como fundadora dum sonhado mas serôdio federalismo europeu. Viver-se-á melhor?
Nos anos oitenta do século transacto tornou-se evidente que as correntes político-partidárias com peso eleitoral, na impossibilidade, aliás confirmada, de saberem como ter e como obter o saber político suficiente para enfrentar as perspectivas estratégicas, por evento dolorosas, dum Portugal independente e, também, para conseguirem dar uma resposta populista às consideradas necessidades imediatas da população portuguesa, a troco dum prato de lentilhas, foram buscar protecção fora de portas, entre os potentados continentais europeus, dispensando-se de acautelar o futuro nacional. Em compensação, o futuro dos seus interesses pessoais, esse, passaria – passou – a estar bem encaminhado e melhor resolvido! Viver-se-á melhor?
De novo, na História nacional e numa repetição lastimável, as classes sociais dominantes a troco da protecção dos seus interesses próprios – anunciados como sendo os nacionais – aceitaram vender às potências europeias, sem quaisquer escrúpulos, a particular e importante posição estratégica portuguesa designadamente a que deriva tanto da sua magnifica fachada atlântica como, por igual, da sua imensa área marítima submarina. Mais outra vez na História nacional, as classes sociais dominantes, sem mostrarem qualquer sentimento de culpa, não hesitaram em ter tornado os dez milhões de portugueses em meros compradores líquidos da produção agrícola, comercial e industrial europeia, sobretudo daquela continental e, para tanto e tal, aceitaram as condições ditatoriais impostas pela União Europeia. Com efeito, esta UE, para assegurar-se duma legião de portugueses tornados importadores obrigados das suas produções, determinou levar à liquidação a generalidade das actividades produtivas nacionais, estatais e privadas para, desta maneira, tudo passar a ter de ser comprado por essa Europa fora. Nestas condições lamentáveis, poder-se-á dizer que está a viver-se-á melhor?
Os possidentes nacionais e os seus caudatários de serviço, na repetição dum passado triste, já desejado como morto, ao invés da defesa dos interesses nacionais mas, tão-somente, para salvaguarda das suas vantagens muito próprias, foram entregar-se nos braços dos potentados europeus que, de Portugal, ontem como hoje – isso nunca deveria esquecer-se – sempre pretenderam tirar vantagens sem nada respeitar. Esses farroupilhas nacionais acreditaram, contra toda a evidência da evolução mundial, que o padrão de vida em curso no centro da Europa e no norte do Continente americano era imutável e, como assim, haveriam de beneficiar com as esmolas suficientes para garantir-lhes uma situação socioeconómica estável e tranquila. Estar-se-á a viver melhor?
Como Portugal tinha deixado de ter colónias e de fazê-lo sem deixar vestígios de neocolonialismo, logo desprovido das tradicionais fontes de rendimento – que, essas, não eram poucas – então, segundo a bestialidade dos próceres nacionais, era preciso ligarem-se a quem lhas facultasse mesmo que à custa do delito de empenhorar a Soberania Nacional portuguesa. Quiseram ombrear com um padrão de crescimento alienígena esquecendo-se – ignorando – que o salto em frente era demasiado grande face ao passado histórico da evolução tradicional portuguesa – cada qual tem a sua História – e que os Países cuja cópia desejaram fazer já estavam, de sobremaneira, em decadência franca tal como, nos últimos anos, acabou por tornar-se completamente patente. Viver-se-á melhor?
Para além de toda a encenação que os Governos sucessivos têm apresentado como sendo a dum desenvolvimento acertado – mais outra das muitas falsidades anunciadas – também está montada a versão sempre repetida (para, deste modo, conseguir ganhar foros de veracidade e a população ser levada a acreditar) que, hoje em dia, em Portugal, fruto da sua inclusão na União Europeia ou, na versão trocista do saudoso Eng.º Cunha Leal “graças à sábia governação que felizmente nos rege” está a viver-se melhor. Como será possível? Nem por milagre.
Onde já vão os benefícios alcançados nos anos seguintes ao 25 de Abril?
Viver-se-á melhor?
Com mais de seiscentos mil desempregados, poder-se-á pensar assim?
Quantos milhares, dentro de um a dois anos vão ficar sem qualquer subsídio de desemprego?
Pensem-se nos mais de oitenta mil portugueses que, em 2009, já nem tentavam procurar qualquer emprego e, como é sabido, a procissão, ainda, vai no adro. Quantos serão em 2010, 2011 e assim, sucessivamente?
Que recuperação económica conseguirá sobrevir para conseguir absorver tantos milhares de desempregados?
Como é possível que com tantos economistas, não tenha sido antevista a evolução do capitalismo – um apátrida – cuja missão, na sua essência verdadeira, digam o que disserem, é reduzida, apenas, a extorquir mais valias e, caso necessário, sem olhar às vítimas provocadas.
A União Europeia, mau grado o avolumar constante duma crise económica – uma inevitabilidade do sistema capitalista, para mais evoluído do nível financeiro para o mafioso – prosseguiu, anos a fio, no erro de não atacar o sistema económico da troca, nem tão pouco, ao menos, de querer regulamentá-lo. Então o que tem feito? Tem insistido em exaltar-lhe o seu sentido neoliberal, em esforçar-se, sem sucesso, por querer salvar-lhe a sua inexistente face humanista e, imagine-se, última decisão, a apresentar-se a protegê-lo à custa das receitas do orçamento estatal pago, obviamente, com o dinheiro dos contribuintes. Afinal, o mesmo estado cuja intervenção, por sistema, é considerada intempestiva, nociva e pecaminosa para o curso livre das leis do mercado e das liberdades individuais é quem, por fim, acaba por ter de socorrer a banca mafiosa ante uma morte anunciada, porém, hipocrisia das hipocrisias, tudo explicado à população como tendo sido uma deliberação pensada em favor do interesse nacional para quem, como dizem, a manutenção indemne das virtudes sacrossantas do mercado e da banca – mafiosa que seja – é entendida como uma necessidade básica,
sine qua non. O que mais interessa aos possidentes – e para isso têm uma comunicação social bem dominada e domesticada – é que a população não vá passar a concluir que razão tinham os que, desde sempre, foram adversários da chamada economia de mercado quando entregue, por inteiro, na mãos do capital privado, para mais, desde há uns bons anos – nunca é demais repetir – tornado mafioso.
Poder-se-á concluir que, de verdade, em Portugal, está a viver-se melhor? Que a maioria dos portugueses está a viver melhor?
Como será possível tirar-se essa conclusão – os socratinos fazem-no – mesmo quando há uma abundância de circunstâncias da vida nacional portuguesa em franco retrocesso e descaracterização. As aparências sociais em exibição constante – mais mundanas que sociais – não são, de facto, a realidade nacional.
Por ser um factor do retrocesso social provocado pelas exigências economicistas de Bruxelas importa verberar-se a continuada, premeditada e insofismável decadência do sistema público de educação para, na linha do neoliberalismo, o de fora e o de dentro, ter de reduzir-se a despesa pública e ao mesmo tempo, facilitarem-se lucros ao negócio dos privados, isto para não falar na intencionalidade criminosa da descapitalização educativa da população portuguesa, de tal modo – esse é o grande objectivo das centrais da desinformação – passo a passo, possa caminhar-se para a manutenção conveniente dum grau satisfatório de ignorância – o que já é uma realidade – e, a seu par, provoque-se nos mais jovens uma indiferença política com monta bastante para conduzir a população utilizadora do sistema público do ensino, à perda sucessiva de quaisquer sentidos crítico e cívico. Com os resultados escolares que o país vai conhecendo e os socratinos desmentindo, poder-se-á concluir que está a viver-se melhor?
Importa, também, não deixar de denunciar-se a falência marcada duma política cultural pública susceptível de facultar, como é imprescindível, uma complementaridade dinâmica ao sistema educativo e, também, por seu turno, tornada instrumento capaz de ajudar a combater a onda avassaladora e, sempre em curso, da alienação político-social. Nestas circunstâncias tão desfavoráveis poder-se-á concluir-se que está a viver-se melhor?
(Continua)
Domingo, 30 de Maio de 2010
Carlos Leça da VeigaViver-se-á melhor?Perante as circunstâncias económicas e políticas, muito pouco recomendáveis que, hoje em dia, em Portugal, estão a ser vividas, só na imaginação doentia dos próceres do situacionismo actual que – como sempre – só vêm, ou só querem ver, as aparências mais convenientes, é que consegue vislumbrar-se um qualquer assomo daquilo que possa considerar-se como estar a viver-se melhor.
Sê-lo-á, sem dúvida, em relação aos tempos da ditadura salazarista, por desígnio, àqueles da sua guerra colonial, da perseguição policial, dos tribunais plenários, da censura instituída, da injustiça social, do marasmo cultural, do analfabetismo desmesurado, do ruralismo transbordante, da Universidade minimamente frequentada ou, mais outro exemplo, o da terrível e continuada emigração de salto. Dessa época tão malquista muito de mau deve continuar a dizer-se e, também, utilizar-se para cotejar o modo de vida actual, porém, em comparação com o período imediatamente posterior ao 25 de Abril – aquele em que o Povo mais ordenou – já as coisas são muito diferentes. A comparação que interessa fazer-se tem de ser cometida entre como passou a viver-se durante os cerca de dez anos posteriores ao 25 de Abril e os dias actuais, jamais com o Portugal anterior.
Dessa época inesquecível da vida portuguesa ficaram os benefícios sociais que as movimentações populares conseguiram fazer vingar e que, ainda, mau grado a sua desvalorização e distorção sucessivas, continuam a fazer sentir-se no quotidiano da vida nacional. Estão neste caso, como exemplos julgados frisantes, porquanto imensamente transformadores da realidade nacional, para além da Liberdade conquistada, a criação do Serviço Nacional de Saúde com reflexos imediatos na melhoria sensível do bem estar social, a institucionalização generalizada da Segurança Social, os aumentos salariais, a escolaridade básica universal, o décimo segundo ano na escolaridade, a corrida inteligente ao ensino superior, a autonomia ganha pela Universidade, o poder efectivo e significativo da força sindical e, como importa frisar-se, um acentuadíssimo crescimento do número e da qualidade indubitável daqueles com pós-graduações ou empenhados na investigação cientifica. É bom não esquecer que se não tem sido a população a dar rumo certo ao 25 de Abril, a Saúde, a Educação, a Segurança Social e a vida Sindical não tinham tido a enorme reviravolta que ainda agora, mesmo contra as suas mais recentes vicissitudes, continuam a assegurar algum bem-estar sensível à população. O que de bom continua a sentir-se, de verdade, foi feito antes do cavaquismo.
Se o socialismo na gaveta foi uma machadada imperdoável que tudo começou a desmoronar no sentido dos maus dias, com a chegada do cavaquismo nasceu a imposição dum retrocesso intencional e inaceitável na redistribuição da riqueza nacional que, deste modo e até hoje, com a ajuda socratina, viu-se tornada, sucessivamente, ainda mais injusta.
O aumento constante do desemprego, as dividas das famílias portuguesas, a falência em crescendo dos vários sectores económicos nacionais, os apoios sociais em rarefacção constante, a precariedade do emprego e as pesadas imposições tributárias, no seu conjunto, são a resposta que melhor retrata o retrocesso nacional, o seu mal-estar socioeconómico e aquela que está mais à mão para confrontar, em termos políticos e éticos, os vários continuadores do socialismo engavetado revestido, nos últimos anos, duma roupagem neoliberal caracteristicamente mafiosa.
Quem são e quantos acharão que está a viver-se melhor? Talvez os tais quinhentos mil que enchem todos os eventos musicais, todos os campos de futebol, todas as praias e todos os demais acontecimentos cor-de-rosa.
Se os ianques exigiram engavetar os parcos vislumbres socialistas que nos espreitaram, os europeístas têm-se esforçado, com denodo manifesto, por conseguir encerrá-los a sete chaves. Estão à vista as consequências da dependência do exterior como são, nos últimos anos, as imensas, porém hipotéticas, vantagens que a população portuguesa tem tido, e terá, por ter sido forçada a sacrificar-se na construção dum estado europeu, afinal nada mais que uma necessidade ideológica – porém patológica – sentida pelo federalismo maçónico em aliança escolhida com o capitalismo internacional mafioso. Estar-se-á a viver melhor?
Em nome da Democracia, a política nacional tem sido conduzida em detrimento da defesa dos interesses da população e, vergonha das vergonhas, os Órgãos da Soberania aceitaram a integração nacional em espaços políticos multilaterais (OTAN e UE) sem nunca terem perguntado à população se aceitava, ou não, dar o seu acordo directo e imediato. Tudo feito, inclusive, sem dar ouvidos ao expresso na Constituição da República!
Os subsídios europeus, tão glorificados pelos sucessivos governos, na triste realidade das coisas, só têm incentivado tanto a corrupção política, económica, financeira e fiscal como, também, o abandono deliberado, diga-se premeditado, de quase toda a produção nacional que, quando funcionava, não só dava, pelo menos, emprego a milhares de Homens e Mulheres, animava a parca exportação e, também, muitíssimo importante, limitava consideravelmente as importações, cujas, reconheça-se, no médio e no longo prazos, só têm trazido demasiado inconvenientes à maioria da população portuguesa porém, em contrapartida, mau sinal dos tempos – isso não pode esquecer-se – dividendos excelentes aos estados europeus exportadores e aos execráveis intermediários de oportunidade que, às mãos cheias, pululam entre nós. Viver-se-á melhor?
Não é a abundância de “electrodomésticos” que define um qualquer desenvolvimento sócio-económico verdadeiro, muito menos pode preencher a ideia de estar a “viver-se melhor” mas, a sê-lo, mesmo isso, só poderia traduzir-se como coisa positiva se essa abundância não fosse conseguida através dos empréstimos facilitados pela insídia bem trabalhada da indústria bancária e sim, como devia ser, á custa do rendimento alcançado pela remuneração adequada do trabalho produzido.
Para fugir-se a uma redistribuição justa do rendimento nacional e, em simultâneo, criar-se a ideia dum viver confortável, a banca e os governos conluiaram-se numa política nada correcta da concessão fácil de empréstimos bancários que, como está à vista, alguns anos passados, colocam milhares de Homens e de Mulheres numa insolvência antevista como de solução muito mais que difícil.
É bom não confundir certas modalidades de comportamento meramente mundano, nem aqueloutras dum espírito demasiado consumista e, muito menos, algumas tantas demonstrativas dum alardear de sinais de riqueza para daí poder concluir-se que, entre nós – isso é mentir – está a viver-se melhor. Por inferência da espurcícia de Bruxelas nós, portugueses, não temos recebido nem bom vento, nem bom casamento.
Não é verdade que esteja a viver-se melhor ou, então, o actual descalabro económico, social e cultural – para os novos situacionistas – é sinónimo de progresso e bem-estar social. Basta que haja os tais quinhentos mil portugueses a viver bem para que todos os acontecimentos mundanos tenham a florescência bastante para iludir quem vê, porém, sem olhos críticos.
Será um indiciador social de estar a viver-se melhor que haja, entre os portugueses, muito mais que seiscentos mil desempregados cujos, na sua esmagadora maioria, jamais voltarão a obter qualquer emprego? Haverá alguma sustentação económica possível para a própria manutenção do, ainda vigente, trem de vida nacional?
Está, ou não, na linha do horizonte, um regresso a uma ruralidade bem mais pobre que a anterior? Quantos, dentre os desempregados, até dessa mesma solução estão privados por já nem possuírem a velha courela que fornecia o caldo e ajudava ao magro presigo!
Só à margem da União Europeia e, em particular, fora de tudo quanto pertença aquela sua fracção continental, é que Portugal poderá ter hipóteses de alcançar e desenvolver, com sucesso, um comerciar razoável de tal modo, possa olhar para o futuro com alguma confiança se bem que não possa pensar noutra coisa mais que numa vida modesta.
(Continua)
Terça-feira, 25 de Maio de 2010
Luís MoreiraEsta é a "Santíssima Trindade" de uma sociedade que se quer humana, capaz de produzir riqueza, equilibrada e justa.
Sem criação de riqueza não há o que repartir, o que há é a simples transferência da riqueza dos bolsos dos mais fracos para o bolso dos mais fortes. É o que acontece em Portugal há pelo menos dez anos. Como se podem juntar fortunas se não há criação de riqueza? Como se pode suportar um Estado social se não há produção de riqueza? Isto explica porque há mais ricos e mais pobres. Sem criação de riqueza, sem um sistema eficaz de produção, não há um país justo.
Quando um país enriquece no seu todo, não há mal nenhum no enriquecimento de certa parte da população, desde que haja uma repartição da riqueza produzida capaz de melhorar o nível de vida de toda a gente. É inevitável a desigualdade da propriedade, e nada tem de mal, desde que o país enriqueça no seu todo e propicie as mesmas oportunidades a todos. A questão não é a igualdade na riqueza, é a igualdade de oportunidades e a existência do "elevador social".
Por último, mas sendo a primeira e sem qual as outras condições de pouco servem, a liberdade de viver numa democracia e num Estado de Direito, onde haja a primazia da Lei, em que as relações entre as pessoas, as empresas e o Estado estejam sujeitas a leis e a regulamentos a que todos, sem excepção, estão obrigados.