Por Júlio Marques Mota
( leia os textos do Professor Mario Nuti aqui no estrolábio) e no seu blogue pessoal
Uma série de textos sobre o trabalho acabou (France Télécom, os suicídios da Télécom), que foi sobretudo um trabalho que se quis fazer como uma análise sobre as derivas de um sistema que, completamente à solta, a noção de absurdo total gerou, noção com que a presente peça pela nossa parte parte abruptamente se terminou por “incapacidade pessoal” de naqueles relatórios continuar. Nestes trabalhos, a peste aqui de forma brutal se registou, uma outra peste assim aqui também se lembrou, a peste com que a Europa nos anos 30 barbaramente se assolou , de que Albert Camus, um outro autor da nossa juventude, em A Peste muito dela nos falou. Analisámos in fine uma grande parte das taras de um sistema através da sua mola real -- o sistema produtivo, as condições técnicas de produção, as condições sociais de produção no sistema neoliberal, da economia financeirizada, na economia globalizada e no quarto operador mundial das telecomunicações. O espanto, mesmo para nós que isso procurávamos detectar, é a violência das situações que aí se foram analisar, é a violência das equivalências com o hoje e o aqui que nesse texto se foram encontrar, é a ligação com o clima que varre actualmente toda esta Europa e que os neoliberais estão a comandar ( já nem sei se o termo neoliberal será exacto expressar): as fusões dos anos 90 aí estão, a alavancagem com que a France Télécom se endividou, a reestruturação da dívida que o Estado pagou, a orquestração científica, assassina diremos nós, com que milhares de «despedimentos» consentidos se organizou, o método das avaliações das carreiras profissionais e das subidas na carreira que aí se instalou -- a lembrar e porque não as que foram criadas na Administração Pública portuguesa por mentes socialistas pensadas e por muitos outros também aplicadas, a passagem de serviço de interesse público a serviço de interesse privado ( as privatizações), onde o cliente passa a ser sobretudo o sujeito a quem se pode facturar mais do que a pessoa a quem serviço tem de se prestar, a precariedade como ferramenta de controlo : tem emprego? Então tem sorte, esteja calado. E por aqui passou também a repressão através da precarização absoluta e, deste ponto de vista, esta atinge uma dimensão e uma força que qualquer ditador dos anos 30 a 70 na Europa invejaria certamente. Deixa assim de ser necessária uma política de Estado, fortemente repressiva: esta nova arma agora e aqui estilizada, é mesmo muito mais eficiente e menos custosa para a classe dominante. E neste entre-tempos, se dívidas se estiveram a criar na grande empresa, Télécom ou mesmo a Nação, então alguém tem de as pagar (os trabalhadores necessariamente) e uma máquina para isso a tecnocracia irá montar: redução dos efectivos e volume de actividades a aumentar, num clima que a precariedade, a «calma», a paz podre social, para isso necessária, irá assegurar. Simples, portanto, mas até quando?
Fora do Estrolábio, dada a extensão dos muitos textos subjacentes ao trabalho que agora se terminou, ao meu ministro Mariano Gago os relatórios de tecnologia (mais de mil páginas) devo obrigatoriamente recomendar para que este se aperceba dos custos humanos posteriores que resultam das formações superficiais de que se pode pensar agora que ele é especialista e de que tanto tem andado a publicitar; é de resto ao meu ministro de tutela, a quem a Universidade de Bolonha muito reconhecida lhe deve estar pelas múltiplas fundações a acoplar, pela democraticidade a mitigar e por ser a expressão máxima da simplicidade no local onde esta simplicidade nunca se poderia instalar; ao ministro do Trabalho do governo actual, a leitura dos mesmos trabalhos devo sugerir para que assim lhe possa lembrar que, aos jovens do meu país, o mínimo de apoio e de consideração a estes lhes deve obrigatoriamente consentir, desempregados ou empregados no regime que nestes relatórios se prova existir, e ao ministro responssável pela Administração pública assim como ao ministro da Presidência -- ah, a estes, eu sinceramente recomendo que os mesmos trabalhos devam consultar e que, com inquéritos do tipo dos aqui utilizados e com a seriedade com que foram aplicados , se faça um levantamento do desagrado da função pública face às reformas da modernidade que um conjunto de tecnocratas nas catacumbas da OCDE possivelmente esteve a idealizar e que pacientemente os senhores ministros têm estado em Portugal a aplicar.
Parte II (continuação)
Mas é melhor encararmos a situação na óptica que nos propõe, Jean de Maillard num recente livro sobre a civilização neoliberal, que passamos a acompanhar de muito perto:
Se seguimos Schumpeter sobre a sua concepção de empresário, que este descreve como um inovador no interior de um mercado em desequilíbrio constante -concepção que se aproxima dos neoliberais - daqui resulta que o trabalhador pode e está a ser , por seu lado, assumido como empresário dele próprio, na espiral da destruição criadora que Schumpeter tão bem descreve e em que nesta ele via a essência do progresso económico. Como na empresa schumpeteriana, o trabalhador da época neoliberal passa de uma crise a outra e a crise é aqui o estado “natural”, sinónimo de criação e de inovação, passa de uma empresa a outra, passa de uma profissão a outra. Esta é a situação de precariedade, hoje.
Como o afirmava Schumpeter , a crise então não pode ser vista como um acidente de percurso, esta torna-se o paradigma económico que se aplica ao próprio trabalhador. Na economia neoliberal em que há uma forte competição de cada um trabalhador contra todos os outros, nada disto é chocante, antes pelo contrário, não há razão nenhuma para que o trabalhador, tornado empresário de si-próprio, venha a escapar aos saudáveis mecanismos da concorrência. Mas aqui, Maillard é claro: podemo-nos simplesmente interrogar se, neste caso, o que Schumper chamava de destruição criadora não é sobretudo, vivida pelos trabalhadores como uma criação destruidora. Se a aceita, pode tornar-se um vencedor, se a recusa, sai do mercado de trabalho ou nem sequer entra nele e se não a aguenta, bem, aqui temos um problema, transforma-se em alguém que se suicida, aqui, na Europa, na France Télécom ou algures, na China, na Foxconn ou algures, também, pois as possibilidades lamentavelmente são cada vez em maior número .
Acompanhemos ainda de muito perto Jean de Maillard. O trabalhador da economia neoliberal é obrigado de facto à inovação e à renovação permanente de si-mesmo: este tem que constantemente se reinventar se quer continuar a estar competitivo no mercado de trabalho. O jogo da concorrência no qual entra contra todos os outros incide sobre a aquisição de qualidades pessoais que o distinguem sucessivamente de todos os outros para que em cada situação venha a ser preferido aos seus concorrentes.
No quadro do actual sistema, como o assinala o autor citado, na empresa, o trabalhador, ele próprio empresário tornado que com a empresa negociou um contrato individual a partir do qual para a empresa é apenas um colaborador, a relação de trabalho deixou de criar a relação social que o caracterizava outrora como elemento de uma classe enquanto que agora nem sequer o reconhecimento das suas qualidades tem uma carga social, de mérito colectivamente reconhecido, porque este tem uma só métrica e esta é o preço que lhe é pago. A dimensão do trabalho e do trabalhador é assim ordenada, catalogada, com outros por esta via quantificada e com os outros depois confrontada.
A ideia de que o homem no trabalho está inserido num colectivo humano deixou de ter sentido e é este o sentido da gestão de pessoal de France Télécom onde os indivíduos se tornam perfeitas abstracções para a empresa que os usa, espécies de sujeitos-robots que devem poder adaptar-se às exigências dos serviços sem o menor ressentimento pois que são vistos pelo empregador como empresas individuais e não como trabalhadores de carne e osso.
E aqui acrescenta o autor a conclusão lógica: se não são considerados trabalhadores de carne e osso mas empresas individuais , então, se não são mais do que isso, a empresa empregadora nem sequer é responsável da preservação destes. E é o que se tem estado a passar e é neste quadro de análise que deve ser colocada a questão dos suicídios do trabalho na sociedade, uma consequência, diremos, lógica do próprio sistema quando neste sistema se atinge a pressão máxima na fragilização da condição de assalariado ou de precariato, o que é agora expressão mais rigorosa a utlizar . E é o que está acontecer, em França e algures e quando estes níveis de pressão não estão atingidos são então as pressões globais que se fazem sentir, dos governos, do FMI, da União Europeia, da OCDE, etc. O que se está a passar aqui, em Portugal, em Espanha ou num qualquer outro país da zona euro, esteja-se sob pressão imediata dos mercados financeiros ou não se esteja, mostra que assim é, que são pacotes de medidas sobre pacotes de medidas de austeridade, com grande parte delas centradas na flexibilidade dos mercados de trabalho.
Vidas completamente absorvidas, vidas queimadas, na China, queimadas em França, na Télécom, na Renault ou noutra grande multinacional, esta é a consequência do modelo escolhido e disso todos temos que ter consciência. A luta de classes não pode ser isto. Ainda de acordo com o mesmo texto:
“se os comportamentos do passado podem dar alguma indicação para o futuro, então poderemos esperar mais vagas, mais ondas de mal-estar e de protesto feitas pelos trabalhadores (do tipo das descritas por Marx) na indústria e a ocorrerem nas regiões que foram sujeitas a uma mais rápida industrialização e proletarização”. É de resto neste sentido de conflito entre classes, passível de se tornar explosivo a qualquer momento, que se pode entender já o recuo de France Télécom que pela primeira vez terá aceite que um suicídio , e não os outros até agora, seja considerado um acidente de trabalho.
Dissemos antes, na desmontagem do discurso dos neoliberais como o do senhor Director da Universidade Nova de Lisboa ou como o senhor reitor Luís Reto, o primeiro reitor do ISCTE-IUL, que iríamos publicar mais alguns textos sobre a precariedade e com eles levar os visitantes do estrolábio numa viagem ao inferno.
Mas de novo a força bruta da realidade ultrapassou-nos, o suicídio por imolação aí está a lembrá-lo, exigindo-nos, para esclarecimento dos nossos visitantes que esta viagem ao inferno do mundo do trabalho do capitalismo financeirizado seja feita e para mostrar, mais uma vez, que o que agora é comum em todo o lado, transversal a todas as profissões, transversal a todos os países e a todos os continentes desde que se trabalhe por conta de outrem na economia real, transversal portanto a todas as faixas etárias, é a precariedade e é essa que atinge de sobremaneira a nossa juventude pelo simples facto de que ainda não entraram e nem vão entrar no mercado de trabalho e, não entram por duas grandes razões de fundo: não lhes organizámos os saberes para lhos pedir e exigir que os apreendam e depois, como se isso não chegasse, retiramos-lhes o mercado de trabalho, bloqueando-lho.
Para cúmulo, apressámo-nos, para complicar mais o quadro, a reduzir o tempo da sua formação, a utilizar este tempo sobretudo com generalidades como disse e defendeu o senhor Director, a colocá-los cá fora e o mais rapidamente possível no que ainda se tem a coragem de chamar mercado de trabalho para aumentar a pressão à baixa salarial, ao mesmo tempo que o sistema está a aumentar ,em regime de fortíssima escassez de empregos, o tempo de vida activa dos trabalhadores em serviço e por aí reduzindo ainda mais a possibilidade de que a nossa juventude venha a encontrar um posto de trabalho.
Bloqueámo-los de todas as maneiras e feitios, lançamo-los para a precariedade mais absoluta dizia eu, e mantenho o que disse e este discurso não alinha com o das nossas autoridades académicas acima referenciadas.
Iremos agora ocuparmo-nos no estrolábio e durante vários dias sobre a precariedade no trabalho no capitalismo moderno e tomaremos como referência para o sector industrial a Foxconn e o longo texto editado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, enquanto que para o sector serviços utilizaremos um relatório oficial publicado no âmbito do Ministério do Trabalho do governo francês.
O esquema de publicações será então:
A volta do suicídio na France Télécom, do dia 26 de Abril, quatro pequenos textos, um deles um texto muito sério de um médico, de leitura diria eu obrigatória e uma nota da Inspecção do Trabalho em França.
O longo texto publicado na Faculdade de Economia relativo às condições de trabalho na China e na indústria.
Excertos longos da análise feita pela Inspecção do Trabalho à France Télécom
Para que não se fale apenas de coisas tristes por contraponto e no final de todos estes textos sobre trabalho e precariedade , oferecemos um jantar no melhor restaurante do país com os melhores vinhos nacionais, por causa da balança comercial portuguesa, mas com estes a não ultrapassarem em milhares de escudos os dois dígitos por garrafa, oferecemo-lo, a três individualidades que sejam capazes de repetir a proeza que outrora nos Estados Unidos três homens conceberam e levaram a cabo.
A História repete-se disse Hegel e porque não pensar que ela se repete também com coisas boas? Para ganhar, basta seguir a história de um jantar que vos será na altura relatada e que se passou nos Estados Unidos a 20 de Junho de 1790, candidatarem-se, conseguirem que a mesma história verdadeira se venha agora a verificar na Europa. Uma vez conseguida a repetição da história e da História, o jantar estará garantido. Eu pago, mesmo que me tenha que colocar a mim próprio na casa de penhores, o prego, e casas de pregos há agora muitas. Mas dada a desvalorização fortíssima a que os professores têm sido sujeitos pelo actual regime de Sócrates e Mariano Gago, e pelo governo de futuro próximo se-lo-ão também, será que isto chega para o jantar pagar se algum trio houver que venha a ser capaz de o ganhar? A equipa de estrolábio, irá, neste caso, ajudar a que o jantar se venha a pagar.
Excluem-se, imediatamente:
José Sócrates, Passos Coelho, Durão Barroso, Herman Achille Van Rompuy, José Luís Zapatero, Silvio Berlusconi, Sarkozy, Tony Balir, Merkle, e muitas outros da mesma extirpe.
Excluem-se uns, por incapacidades mentais, para a história poderem compreender quanto mais para a poderem reproduzir, e são muitos deles, e os outros, mais inteligentes, mais cínicos também, excluem-se por falta de garantias de idoneidade intelectual e moral, por serem capazes de nos inventar uma realidade de tal modo credível que nela seriamente venhamos a acreditar tal o poder de mistificação de que são capazes e disso já deram provas, criando uma realidade virtual portanto, e de que só daremos conta quando o jantar formos a pagar. E, desses, na lista, há alguns.
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