(Continuação)
Da Estratégia de Lisboa a uma outra política, a uma outra Europa, à Europa do futuro
Senhor Presidente, com a Estratégia de Lisboa em 2000 à União atribuiu-se um novo objectivo estratégico para a década seguinte: “Tornar [-se] no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”. A partir deste objectivo sobre o qual tantos louvores se escreveram, pensámos, a partir daí, que o modelo europeu ia assentar na deslocalização da produção de bens salariais e de tecnologia pouco evoluída para África, para o sueste asiático e em particular para a China. Paralelamente, faria investimentos maciços na educação, na investigação, na formação, assistir-se-ia a um forte aumento do seu “capital imaterial”, o nível de desenvolvimento científico e profissional, assistir-se-ia a um aumento crescente de produções de alto valor acrescentado e teríamos desencadeado o mecanismo da troca desigual, possível sobretudo nas economias globalizadas, entre países de baixos e altos salários para os mesmos níveis de qualificação e com os capitais produtivos completamente móveis à escala internacional. A União Europeia iria, pensávamos, assegurar a obtenção do pleno emprego, com altos salários médios por hora de trabalho e a taxa de lucro igual à do resto do mundo, como resultado da concorrência dos capitais à escala mundial, iria assegurar os mecanismos de riqueza adicional a que se chama de troca desigual. A União Europeia iria crescer fortemente, assente quer nas políticas de pleno emprego quer no resultado do excedente comercial obtido também com o mecanismo da troca desigual: venda de produtos caros, resultantes dos altos salários, compra de produtos baratos devido aos baixos salários dos países produtores destes bens. Por esta via, instalar-se-ia um novo imperialismo, imperialismo não financeiro, imperialismo comercial e tanto mais assim quanto não há no quadro internacional os mecanismos desejáveis de compensação, mas se a saída fosse essa, a Europa seria também outra e generosa poderia compensar estes mecanismos via a ajuda externa. Enganámo-nos redondamente.
(Continua)
O tsunami silencioso e os direitos dos trabalhadores na Europa
Senhor Presidente, enquanto se dá esta desindustrialização, o tsunami silencioso avança, invade a vida daqueles que pouco mais têm que isso, daqueles que não têm meios próprios para viver, daqueles que vivem da riqueza por eles e para outros criada e, muitas vezes, daqueles cuja própria dignidade profissional, por anos de lutas conquistada e pela pressão de agora começam a sentir esmagada. Que o digam trabalhadores da Fiat quando afirmam: “é garantido que votarei sim, que querem que eu faça, tenho uma família”, é garantido que aceitaremos as condições impostas por Sergio Marchionne, patrão da Fiat, é garantido que perderemos os nossos direitos para salvar o emprego. Esta foi a chantagem da Fiat, ao ameaçar não investir na Itália, mas na Polónia; com isto, e mais uma vez, se descobre que a concorrência da União Europeia, do seu Presidente, que os seus mecanismos, preenchem os invernos do nosso descontentamento; esta é a concorrência pelo custo salarial mínimo, assente no mínimo de direitos possíveis em que se pode trabalhar. Mudarmos de produção e de multinacional e tomemos, por exemplo, o que se passou com a General Motors em Estrasburgo. Também aqui os trabalhadores aceitaram perder parte dos seus direitos para conservarem os seus postos de trabalho. Estes disseram sim à compra da unidade fabril pertença da General Motors Corporation, a antiga General Motors, pela General Motors Company, a nova General Motors, disseram sim numa maioria de mais de dois terços. Mas, a General Motors Company apenas compraria esta unidade fabril, especializada na produção de caixas de velocidades automáticas, à General Motors Corporation, se e só se os custos de mão-de-obra baixassem cerca de 10%, de modo a reduzir a diferença de competitividade com uma unidade fabril do mesmo grupo que produz as mesmas caixas no México. Foi a estas condições que a maioria dos trabalhadores disse sim! Tristeza bem amarga de um trabalhador desta unidade fabril que recusava que se tivessem de comparar aos trabalhadores que se exploram no México ou na China, mas na verdade era o que estava a ser feito, era o que estava a ser feito e a um passo, portanto, de se tomar como referência os custos de produção na China. Será, pelos vistos, uma questão de resistência ou de não resistência, uma vez que o mercado é global, regido pela lei do custo mais baixo, do custo de produção mínimo e independentemente da forma como esse custo é obtido.
(Continuação)
O tsunami está inserido na economia global e nas suas Instituições
Senhor Presidente, para se chegar à situação presente como expressão lógica do modelo seguido foram décadas de trabalho intelectual dos altos-quadros da Comissão Europeia e dos seus organismos a cavarem o vazio teórico de que todos nós nos ressentimos hoje, e a ficarem dele prisioneiros, sem percepção da realidade que lhes cabe prevenir ou, em suma, lhes cabe assumir. E ao cavá-lo fazem-nos com uma linguagem formalmente elegante, conceptualmente falsa ou vazia. Verdadeiro e eficaz tsunami, mas silencioso para mais duradoiro e eficaz ser ainda. Vale a pena retomar aqui um excerto da entrevista dada recentemente por Helmut Schmidt:
P. A Grécia e Portugal integraram a união monetária com uma balança externa mais ou menos equilibrada: os seus activos externos e as suas dívidas externas eram mais ou menos equivalentes. Seguidamente, registaram anualmente, durante uma dezena de anos, défices da balança corrente que equivalem a 10% do seu PIB. Não é necessário ser grande perito para compreender que a sua dívida externa líquida atinge hoje cerca de 100% do seu PIB.
R. A questão que é necessário colocar é a seguinte: como é possível que ninguém tenha visto nada — nem em Basileia [sede do Banco Internacional de Pagamentos], nem em Bruxelas, nem em qualquer Instituto de Estatística? Ninguém parece ter compreendido.
Deixe-me dizer, de passagem, que durante um longo período, a elite política alemã não compreendeu que registávamos excedentes na nossa balança corrente. Nós, os alemães, fazemos a mesma coisa que os chineses — com a grande diferença que os chineses têm a sua própria moeda, o que não é o nosso caso. Se tivéssemos a nossa própria moeda, esta já teria sido reavaliada há muito.
(Continua)
(Continuação)
Dizem-nos ter “modernizado” a função pública
E multiplicaram-se os institutos, com as remunerações fora das carreiras da função pública, multiplicam-se as comissões de regulação que na desregulação em que se funciona não sabemos o que se regula então, a começar pela Alta Autoridade da Concorrência. Multiplicaram-se os organismos públicos com remunerações fora das carreiras da função pública. Multiplicaram-se os contratos individuais de trabalho, destrói-se a lógica das carreiras na Administração Pública, vive-se e trabalha-se fundamentalmente para se ser avaliado, como os professores no ensino secundário e a partir de agora os do ensino superior também, e muitas vezes sob critérios estabelecidos de forma avulsa por dirigentes nomeados politicamente. Externalizam-se serviços, privatizando-os no plano dos factos; recorre-se cada vez mais aos serviços privados até para a elaboração de legislação fundamental, sendo disso um bom exemplo a Sérvulo Correia e Associados a quem o recurso à elaboração de pareceres e de assessoria jurídica é frequente. Parecem igualmente evidentes as conexões entre os grandes consultórios de advogados e o poder político, que os alimentam com tarefas do foro jurídico que poderiam ser do domínio da função pública, havendo até quem insinue que algumas das transposições de directivas para o direito português lhes terão sido bem pagas. Seria bom ter-se a dimensão exacta, em valor e em substância, quanto às despesas gastas pela Administração Pública com consultorias privadas e com escritórios de referência, não muitos. São bem ilustrativas as despesas gastas na mesma linha no BPN enquanto banco nacionalizado, a dar crédito à notícia publicada pelos meios de comunicação nacionais. Compromissos anteriormente havidos, anteriormente estabelecidos, compromissos mantidos, neste caso pelo que podemos inferir de quem conhecemos, nada mais que isso certamente.
(Continuação)
O Tsunami silencioso
Senhor Presidente, percebida de vez a questão que não se trata de desconstruir a Europa, mas sim de a reconstruir, então isto reenvia-nos para algo que antecede a situação presente, reenvia-nos para o conjunto das políticas neoliberais que antecederam a crise e a criaram, o tsunami silencioso que lentamente invadiu as nossas instituições, minando-as, que desarticulou as nossas economias, globalizando-as selvaticamente, que invadiu as nossas mentalidades, roubando-nos a capacidade de criticar, que queimou a nossa capacidade de imaginar mundos melhores, tirando-lhes a visão de futuro, É sobre esse tsunami silencioso e sobre a responsabilidade da sua existência que falarei. Mas, uma coisa é certa, senhor Presidente, sabemo-lo com o general de Gaulle quando em Pnom Penh afirmava, e cito de memória, que a democracia para se afirmar verdadeiramente como tal tem que ser capaz de reconhecer os seus erros e crescer com esse reconhecimento. Bela lição que terá perto de meio século, bela lição que é agora tempo de retomarmos em mãos, é agora tempo de os nossos dirigentes nos mostrarem que assim é ou de lhes exigirmos que no-lo mostrem. Reconhecer os seus erros, foi disso que falava o general de Gaule, corrigi-los é agora o desejo que nos vai na alma, na alma de milhões de europeus também face à catástrofe que lhes estão a impor e que têm medo, medo, medo de uma catástrofe ainda maior. Não é querer muito, é apenas querer para a Europa a democracia real.
Numa nossa carta ao Presidente da República de Portugal escrevi:
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
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. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
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