Quando no final dos anos 80 do século XX a introdução nas cirurgias de transplante dos fármacos anti-rejeição aumentaram as taxas de sobrevivência dos pacientes sujeitos a tais cirurgias, tiveram lugar algumas especulações sobre o futuro da espécie. Esse tipo de interrogação foi reforçado pelo isolamento do enzima de restrição que permitiu pensar-se em manipulação de mensagens genéticas e a possibilidade de modificar as moléculas de DNA, cuja descodificação, mais recentemente, permitiu a clonagem. Este tipo de esperanças e temores, deu, como disse lugar a muitas especulações.
Este meu poema (incluído em O Cárcere e o Prado Luminoso, 1990) acompanhou essa onda de preocupação.
Diz o seguinte:
Ode ao ciborgue
Os transplantes, a substituição
de órgãos e membros deficientes,
a intervenção humana nas leis da genética,
vão ser, nas próximas décadas,
cada vez mais vulgares e frequentes.
E isto é quase o mesmo que dizer
que, dentro de relativamente pouco tempo,
o corpo humano estará crivado de próteses
e enxertos, irá sendo cada vez mais
um artefacto onde, como solitárias ilhas,
restarão alguns órgãos de origem.
O nome que alguém deu a esse ser híbrido
e futuro, quase imortal,
viagem entre o homo sapiens e a máquina,
foi o de ciborgue,
simbiose articulada de plástico e plasma,
silicone e carne, ossos, titânio e aço inoxidável,
ouro, músculos, alumínio, vísceras,
platina, chips, circuitos integrados…
Um cérebro, talvez provisoriamente,
prolongado pela água e pela gelatina
dos olhos (talvez acoplado a um computador),
registará a negra paisagem citadina,
a superpopulação, a água do rio
navegada pelos resíduos da central.
Sejamos corteses, saudemos o ciborgue,
metálico milagre do processo evolutivo,
o machina sapiens, cidadão do amanhã,
herdeiro longevo do mundo irrespirável
já hoje em construção febril.
E (quem sabe?), oleando as articulações,
mudando as baterias solares do coração,
registando mensagens nas memórias
do seu cérebro-computador,
talvez que nos dígitos luminosos,
implantados onde nós, os antigos,
tínhamos os lábios e a voz,
talvez, quem sabe? Quem sabe?
se acenda por momentos a palavra amor.
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