Estamos a chegar ao fim deste dia que dedicámos inteiramente à cidade de Coimbra. Vamos ouvir Saudades de Coimbra, com música (e letra) de Edmundo de Bettencourt, interpretada pelo guitarrista clássico Silvestre Fonseca.
Vamos terminar este Dia de Coimbra e, claro, somos bastante previsíveis, mas quem resiste a, nesta altura, dizer que "Coimbra tem mais encanto na hora da despedida"? Não é verdade, porque o encanto de Coimbra está em nos apanhar de surpresa quando chegamos à cidade. Mas a canção de Fernando Machado Soares é uma maravilha e ela aí está:
Estamos quase a terminar este dia que dedicámos á linda cidade de Coimbra. Temos a perfeita consciência de que não abordámos os problemas mais prementes da cidade e da sua Universidade. Mas, ab initio, declarámos que não íamos fazer essa radiografia à urbe. Foi com intenção jubilatória que organizámos este "Dia" . afinal a mesma que presidiu à organização dos dias de Lisboa e do Porto.
Mas se houver conimbricenses ou amigos de Coimbra que nos queiram fazer esse retrato de corpo inteiro, o espaço do Estrolabio está-lhes aberto.
Vamos aqui deixar, além de mais uma das belas fotografias de José Magalhães, os "Verdes Anos", de Carlos Paredes, pelos Belle Chase Hotel ,na casa de fados A Capella, em Coimbra.
O Orfeon Académico de Coimbra é um dos mais antigos orfeões universitários da Europa. Com a designação de Sociedade Choral do Orpheon Académico, foi criado em 1880, no ano das comemorações camonianas, e teve apresentação pública em Dezembro desse ano no Teatro Académico Príncipe Real, em Coimbra. Contava nessa altura com 60 coralistas.
Criado como coro exclusivamente masculino, foi reestruturado a partir de 1974, ano em que passou a admitir estudantes do sexo feminino. Desde 1911 até à actualidade tem realizado numerosas digressões pelo estrangeiro, péla Europa e por todos os outros continentes.
Vamos ouvir este excelente orfeão numa "Homenagem a Zeca Afonso" realizada no Teatro Académico de Gil Vicente em Março de 2005:
Pela Corpo de Deus abaixo, nesse plano inclinado de empedrado sujo, a arder em brasa, onde me cruzo com a velhota que vai subindo com o mundo aos ombros - transfigurado numa trouxa de roupa -, e pára muito antes de se cruzar comigo para poder ver-me bem, com os olhos semicerrados para que o sol não estorve esse escrutínio lento, o rosto emoldurado pelas farripas de cabelo cinza que se escapam do lenço negro. Pela Corpo de Deus abaixo, penso que em todos os momentos desci esta rua. Sempre esta rua, à chuva e ao sol, sempre esta rua. Quando se chega lá abaixo, à Visconde da Luz, a decisão já vai tomada, e tudo parece acertado. Tudo o que fora sombrio e incerto na descida pela rua sinuosa amplia-se e ilumina-se quando se chega lá abaixo e a calçada se faz suave, plana, as famílias caminham em passo de domingo, os adolescentes partilham auriculares, nenhuma inquietude, nenhuma razão para o desassossego. E depois já sabes, deixo-me levar pela corrente até ao Santa Cruz, abrigo dos que chegam das vielas. Os romenos trazem os miúdos a pedir aqui para a praça e respondem com um safanão quando eles lhes pedem um chupa ou um gelado. Não são todos, já sei, exagero. Vi essa cena uma vez e nunca mais entrei no Santa Cruz sem lembrar-me do pai embrutecido e da cara do miúdo, os olhos incendiados do miúdo. 'Daqui a uns anos espeta-te uma faca na garganta e nunca mais lhe dirás que não', foi o que pensei quando o vi, e dei por mim especado frente a eles, sem conseguir voltar-lhes as costas para entrar no café. E agora é sempre essa imagem que regressa, de cada vez que atravesso a esplanada, vem-me à mente o raio do miúdo e penso que assisti ao nascimento de um assassino.
Nem sei porque te conto isto, não é nada do que queria escrever-te. Sabes onde estou, tenho a certeza. Mesma mesa, mesma cadeira. Daqui vejo e sou pouco visto, pouco mas o suficiente para ser encontrado se alguém me buscasse. Sento-me, bebo um café ou uma cerveja, um copo de água, um brandy, tanto dá, porque o que eu faço aqui é sobretudo rezar, compreendes? Estas rezas só minhas, sem deus nenhum, só eu e às vezes tu, a velhota da Corpo de Deus, o ciganito que quer matar o pai. Estas rezas que não levam a lado nenhum, só a que eu fique aqui sentado, parado ou a escrever-te estas cartas, e a pensar que rezar é isto, ficar quieto, ficar calado, deixar que tudo se aquiete e que os rostos venham à tona, o que eu vi, o que fiz, não fiz, tudo desfila à minha frente, e à luz do Santa Cruz, a esta luz que os vitrais da porta filtraram, não sinto alegria mas pelo menos tenho paz. Estar lúcido traz-nos paz mas raramente alegria, não te parece?
Mas isto tudo é só para dizer-te que pensei muito e acho que é melhor que não voltes. Pensa bem: o mais difícil já está, que era saíres. Agora só tens de continuar a afastar-te, cada vez mais, até já não sobrar nada. Que levaste daqui? Não te mostrei nenhuma cidade romântica, nem sombra de capas de estudante ou serenatas ao luar. Um quarto de pensão, com os tectos picados pela humidade; uma subida penosa pela Sá da Bandeira, com o barulho dos carros a abafar tudo o que eu queria dizer-te, um tipo a gritar à mulher de uma varanda num terceiro andar, enquanto ela se afastava pela rua abaixo, tanto nos custou chegar lá ao cimo, porque eu tinha a ideia de sentar-me contigo no jardim da sereia, estava convencido de que ali encontraria as palavras para dizer-te tudo o que acreditava que tinha de dizer-te, e quando chegámos tu não quiseste entrar no jardim. E eu não insisti e fiquei o resto da tarde calado, enquanto andávamos por aí sem rumo.
Aqui tudo seca, tudo arde. A cidade vive do que passou, respira melancolia fajuta, tudo é ruína, escombros, sombras de qualquer coisa que já não está lá ou talvez nunca tenha estado. E eu sou igual, tu sabes. E por isso venho de lá de cima com os ombros descaídos pelo peso do mundo, decidido a dizer-te que não voltes, ansioso por poder afundar-me numa tristeza que passo a vida a evocar, como se tudo fosse só isto, belas fachadas em ruínas, casas destroçadas, um passeio ao cair da noite de domingo pelas ruas desertas, com essa tristeza que têm as ruas ao domingo à noite, as grades corridas, os armazéns de atoalhados, um cartaz de aluga-se de uma casa invariavelmente apodrecida, de um senhorio que invariavelmente se chama Sr. Marques. Um romantismo fora de tempo, atrasado, bafiento. Voltar para quê? Rasga esta carta e esquece esta cidade.
[Error: Irreparable invalid markup ('<paramname="allowfullscreen">') in entry. Owner must fix manually. Raw contents below.]
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/_lgs4qjqN_tc/TRMdsTnH5DI/AAAAAAAAB5Q/1ut3c1oXixc/s1600/DSC00502+600x.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;" rel="noopener"><img border="0" height="266" n4="true" src="https://1.bp.blogspot.com/_lgs4qjqN_tc/TRMdsTnH5DI/AAAAAAAAB5Q/1ut3c1oXixc/s400/DSC00502+600x.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">(Foto de José Magalhães)</td></tr></tbody></table><b>Carla Romualdo</b><br /><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pela Corpo de Deus abaixo, nesse plano inclinado de empedrado sujo, a arder em brasa, onde me cruzo com a velhota que vai subindo com o mundo aos ombros - transfigurado numa trouxa de roupa -, e pára muito antes de se cruzar comigo para poder ver-me bem, com os olhos semicerrados para que o sol não estorve esse escrutínio lento, o rosto emoldurado pelas farripas de cabelo cinza que se escapam do lenço negro. Pela Corpo de Deus abaixo, penso que em todos os momentos desci esta rua. Sempre esta rua, à chuva e ao sol, sempre esta rua. Quando se chega lá abaixo, à Visconde da Luz, a decisão já vai tomada, e tudo parece acertado. Tudo o que fora sombrio e incerto na descida pela rua sinuosa amplia-se e ilumina-se quando se chega lá abaixo e a calçada se faz suave, plana, as famílias caminham em passo de domingo, os adolescentes partilham auriculares, nenhuma inquietude, nenhuma razão para o desassossego.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a name="more" rel="noopener"></a><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E depois já sabes, deixo-me levar pela corrente até ao Santa Cruz, abrigo dos que chegam das vielas. Os romenos trazem os miúdos a pedir aqui para a praça e respondem com um safanão quando eles lhes pedem um chupa ou um gelado. Não são todos, já sei, exagero. Vi essa cena uma vez e nunca mais entrei no Santa Cruz sem lembrar-me do pai embrutecido e da cara do miúdo, os olhos incendiados do miúdo. 'Daqui a uns anos espeta-te uma faca na garganta e nunca mais lhe dirás que não', foi o que pensei quando o vi, e dei por mim especado frente a eles, sem conseguir voltar-lhes as costas para entrar no café. E agora é sempre essa imagem que regressa, de cada vez que atravesso a esplanada, vem-me à mente o raio do miúdo e penso que assisti ao nascimento de um assassino.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nem sei porque te conto isto, não é nada do que queria escrever-te. Sabes onde estou, tenho a certeza. Mesma mesa, mesma cadeira. Daqui vejo e sou pouco visto, pouco mas o suficiente para ser encontrado se alguém me buscasse. Sento-me, bebo um café ou uma cerveja, um copo de água, um brandy, tanto dá, porque o que eu faço aqui é sobretudo rezar, compreendes? Estas rezas só minhas, sem deus nenhum, só eu e às vezes tu, a velhota da Corpo de Deus, o ciganito que quer matar o pai. Estas rezas que não levam a lado nenhum, só a que eu fique aqui sentado, parado ou a escrever-te estas cartas, e a pensar que rezar é isto, ficar quieto, ficar calado, deixar que tudo se aquiete e que os rostos venham à tona, o que eu vi, o que fiz, não fiz, tudo desfila à minha frente, e à luz do Santa Cruz, a esta luz que os vitrais da porta filtraram, não sinto alegria mas pelo menos tenho paz. Estar lúcido traz-nos paz mas raramente alegria, não te parece?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas isto tudo é só para dizer-te que pensei muito e acho que é melhor que não voltes. Pensa bem: o mais difícil já está, que era saíres. Agora só tens de continuar a afastar-te, cada vez mais, até já não sobrar nada. Que levaste daqui? Não te mostrei nenhuma cidade romântica, nem sombra de capas de estudante ou serenatas ao luar. Um quarto de pensão, com os tectos picados pela humidade; uma subida penosa pela Sá da Bandeira, com o barulho dos carros a abafar tudo o que eu queria dizer-te, um tipo a gritar à mulher de uma varanda num terceiro andar, enquanto ela se afastava pela rua abaixo, tanto nos custou chegar lá ao cimo, porque eu tinha a ideia de sentar-me contigo no jardim da sereia, estava convencido de que ali encontraria as palavras para dizer-te tudo o que acreditava que tinha de dizer-te, e quando chegámos tu não quiseste entrar no jardim. E eu não insisti e fiquei o resto da tarde calado, enquanto andávamos por aí sem rumo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aqui tudo seca, tudo arde. A cidade vive do que passou, respira melancolia fajuta, tudo é ruína, escombros, sombras de qualquer coisa que já não está lá ou talvez nunca tenha estado. E eu sou igual, tu sabes. E por isso venho de lá de cima com os ombros descaídos pelo peso do mundo, decidido a dizer-te que não voltes, ansioso por poder afundar-me numa tristeza que passo a vida a evocar, como se tudo fosse só isto, belas fachadas em ruínas, casas destroçadas, um passeio ao cair da noite de domingo pelas ruas desertas, com essa tristeza que têm as ruas ao domingo à noite, as grades corridas, os armazéns de atoalhados, um cartaz de aluga-se de uma casa invariavelmente apodrecida, de um senhorio que invariavelmente se chama Sr. Marques. Um romantismo fora de tempo, atrasado, bafiento. Voltar para quê? Rasga esta carta e esquece esta cidade.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><div class="MsoNormal" style="tab-stops: 146.05pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><object height="385" width="480"><paramname="movie"value="http://www.youtube.com/v/edatXwNwIxk?fs=1&hl=pt_PT"></param><paramname="allowFullScreen" value="true"></param><paramname="allowscriptaccess"value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/edatXwNwIxk?fs=1&hl=pt_PT"type="application/x-shockwave-flash"allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true"width="480" height="385"></embed></object></span></div></span><div class="blogger-post-footer">www.estrolabio.net</div>
Coimbra é uma cidade milenária. Tendo em conta a sua localização e atendendo aos factos históricos não admira que tenha sido sempre um pólo de atracção importante. Foi capital de Portugal até ao reinado de D. Afonso III. Ali se realizaram as primeiras cortes de que há memória, em 1211, de onde saíram as primeiras Leis Gerais do Reino, que centravam o poder nas mãos do rei, e tentavam acabar com os abusos da nobreza e do clero. A implantação da Universidade confirmou a cidade como um grande centro cultural, e a maior cidade do centro do país.
Camões dá-nos uma imagem da importância de Coimbra, referindo-se a D. Dinis:
Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar de Mondego a fértil erva.
Quanto pode de Atenas desejar-se
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bácaro e do sempre verde louro.
(Lusíadas, Canto III, estrofe 97)
E mais adiante, numa nota triste:
Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruito, Naquele engano de alma, ledo e cego, Que a fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuito, Aos montes insinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas.
(Lusíadas, Canto III, estrofe 120)
Destacam-se a seguir três episódios especialmente relevantes, relativos a realizações que tiveram grande repercussão e influência mesmo a nível nacional, e das quais Coimbra foi o palco principal em dois deles e papel bastante importante no terceiro. Referem-se isoladamente algumas obras literárias, que de algum modo dizem respeito a Coimbra.
A “Questão Coimbrã”, ou a Questão do Bom Senso e Bom Gosto
Cerca de 1860 eram grandes as tensões na Universidade de Coimbra. São grandes os protestos contra a disciplina arcaica e a legislação universitária, velha de três séculos. Em 1865 Antero de Quental, que terminara o curso de Direito, publica na Imprensa da Universidade um livro de poemas, as Odes Modernas. Inclui uma nota que foi considerada uma provocação aos defensores do romantismo, nomeadamente do romantismo da última fase. Respondeu-lhe António Feliciano de Castilho, numa carta incluída no Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. A conflitualidade passou assim do âmbito geral da Universidade para o plano literário, desencadeando assim uma das mais importantes, senão a mais importante polémica literária ocorrida em Portugal. É contudo totalmente errado reduzi-la a um mero conflito entre literatos. Na realidade, confrontavam-se ideias antigas e novas, sendo que estas preconizavam a abertura às correntes novas europeias, não só no campo da arte, favorecendo a instauração do realismo, como também no campo político e social. A polémica teve grande repercussão na Universidade e em todo o país. Uma “guerra” de troca de opúsculos e manifestos animou a cena portuguesa, tendo Antero de Quental sido responsável pelo intitulado Bom Senso e Bom Gosto e outros, e Teófilo Braga pelas Teocracias Literárias. Intervieram figuras de todo o país, como Ramalho Ortigão (chegou a bater-se em duelo com Antero), Camilo Castelo Branco e outros. Sem dúvida que a Questão Coimbrã abre caminho a outras realizações como as Conferências do Casino, enão será exagero afirmar que ajudou a preparar o terreno para as grandes alterações políticas que culminaram na implantação da república.
Os Grandes Paspalhões Assinalados
Paródia aos Lusíadas incluída em In Illo Tempore, obra de Trindade Coelho (1861-1908), publicada em 1902, que constitui um testemunho importante sobre a boémia coimbrã.
Os grandes paspalhões assinalados,
Que nas reuniões da Academia
Foram solenemente apepinados
Por sua telha ou sua fidalguia
Que nas guerras das mocas esforçados
Mais do que a força humana permitia
No Teatro Académico asnearam
Tolices de que todos se espantaram
A Presença, revista literária
A 10 de Março de 1927 aparece em Coimbra o primeiro número desta revista. Afirma-se como uma folha de arte e crítica, antiacadémica e antiliterata, nos termos do artigo de abertura, de José Régio. O grupo que promove a revista resulta da fusão de dois que estavam ligados a outras duas revistas, Bysâncio e Tríptico, também de Coimbra, que tiveram vida efémera. Régio, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões vão assegurar a direcção da Presença até ao número 27, saído em 1930. Branquinho da Fonseca e um grupo de colaboradores, entre os quais Miguel Torga e Edmundo de Bettencourt, afastam-se nessa altura, entrando um ano depois para a direcção Adolfo Casais Monteiro. A Presença durou até 1940. A primeira série contou com 54 números, a segunda com apenas dois.
A revista procurou acolher todas as manifestações artísticas de qualidade. Ajudou a revelar muitos nomes, que viriam a integrar diversas correntes literárias e artísticas, incluindo o neo-realismo. Destacam-se João José Cochofel, Fernando Namora, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Pedro Homem de Melo, Irene Lisboa. Ilustraram a revista artistas de grande qualidade como Almada Negreiros; Mário Eloy, Sarah Afonso, Arlindo Vicente (foi o autor da primeira capa) e muitos outros. O grupo Orpheu deve à Presença a divulgação que teve.
Muitas individualidades puderam dar os primeiros passos, na criação e na crítica, graças à Presença. José Régio, Miguel Torga, Vitorino Nemésio, Edmundo de Bettencourt, CasaisMonteiro são nomes muito conhecidos. Branquinho da Fonseca (1905-1974) com o romance A Porta de Minerva (1947), os contos O Barão, Rio Turvo, e obras de teatro e poesia, foi sem dúvida um homem da Presença, embora dela se tenha afastado a dada altura. João Gaspar Simões (1903-1987), com um papel de relevo na crítica literária, e também ficcionista e ensaísta, é outro exemplo.
Neo-realismo
Para muitos o neo-realismo foi uma corrente que teve implantação apenas na zona do vale do Tejo, na Grande Lisboa, no Alentejo, e pouco mais. Tal não é verdade. Em Coimbra ocorreram etapas algumas relevantes da vida deste movimento. O Novo Cancioneiro, resultado do trabalho de um grupo de jovens poetas, alguns dos quais tinham estado ligados à Presença, foi uma delas.Conseguiram, entre 1941 e 1944, fazer publicar dez livros de poesia, naquilo que, segundo Alexandre Pinheiro Torres, terá sido a primeira grande manifestação colectiva do neo-realismo português. A afirmação é discutível, mas sem dúvida que a publicação do Novo Cancioneiro teve um enorme significado.
Também a revista Vértice, fundada em 1942, por Raul Gomes, estudante da Universidade de Coimbra, é um produto do meio intelectual e progressista de Coimbra. Entre os seus apoiantes encontram-se Eduardo Lourenço e Francisco Salgado Zenha.Em breve associam-se a Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado, Arquimedes da Silva Santos, Joaquim Namorado Rui Feijó, e inicia-se uma segunda fase da revista (ver o livro de Viviane Ramond, A Revista Vértice e o Neo-realismo Português), que sobreviveu até hoje, embora não sediada em Coimbra.
Pois não, e os últimos anos têm sido particularmente inspirados ou não tivesse Coimbra parido os Belle Chase Hotel, a já mítica banda nascida no final dos anos 1990, e acabadinha de regressar aos palcos após cinco anos de ausência.
Banda sonora kitsch de um país eternamente frustrado, cocktail de Weil, Jobim, Roxy Music, Peter Allen e muitos mais.
J.P. Simões, músico, autor de contos, letras de canções, argumentos para cinema e televisão e até de um libreto de ópera, actor, artista de cabaret. Foi membro dos Pop Dell'Arte e do Quinteto Tati, mas é sobretudo como fundador, compositor e vocalista dos Belle Chase Hotel que é mais conhecido. Nos últimos anos, temo-lo ouvido a solo e em colaborações com gente como Jorge Palma, Sérgio Godinho ou Rodrigo Leão.
Rock, soul, gospel, blues, Elvis Presley a cantar dentro de uma nave espacial, tudo isto é WrayGunn, e chega com laivos de banda sonora de Quentin Tarantino.
Fundador dos já extintos Tedio Boys, vocalista e compositor dos WrayGunn, Paulo Furtado é aquilo a que em português talvez se chame "banda-de-um-homem-só", The Legendary Tiger Man, que em palco toca sozinho guitarra, harmónica e bateria. O seu mais recente álbum, Femina, composto unicamente por duetos com vozes femininas, acaba de ser eleito um dos 50 melhores do ano pela revista "Les Inrockuptibles". Daqui a poucos dias poderão ouvi-lo na Galeria Zé dos Bois, onde irá tocar, pelo décimo ano consecutivo, no dia de Natal.
Conheci Edmundo de Bettencourt numa tertúlia, uma das muitas que existiam em Lisboa. Reunia esta nos fins de tarde no café Restauração da Rua 1º de Dezembro, no centro de Lisboa. Paravam por ali, além do jurista, poeta e cantor madeirense, o Alfredo Margarido (1928-2010), que viria a ser professor da Sorbonne e que faleceu recentemente, o Manuel de Castro (1934-1971), um grande poeta quase desconhecido, às vezes, outro madeirense célebre, o Herberto Hélder. Mais raramente o Renato Ribeiro, com a sua mulher a Fernanda Barreira. Ocasionalmente, algum «imigrante» vindo do Gelo – era só atravessar a rua e andar meia dúzia de metros.
Edmundo Bettencourt, para além de notável poeta e ímpar cantor do fado de Coimbra, era uma pessoa afável, muito cordial, com memórias muito interessantes do seu tempo de estudante - foi ele que me chamou a atenção para os "históricos" do fado coimbrão - o Augusto Hilário e o António Menano, do mago da guitarra , o Artur Paredes. Falou-me do Luís Goes e de um nome que, na altura, nada me disse - José Afonso - que, na sua opinião, viiria a ser o cantor. Dada a sua modéstia, "esqueceu-se" de referir um histórico incontornável que se chamava Edmundo de Bettencourt. Foi quando andava a organizar o terceiro número da revista «Pirâmide». Os dois primeiros números tinham reunido gente do «Gelo». Este terceiro, juntou colaboração de frequentadores da tertúlia do Restauração (embora tivesse também um poema inédito do argentino Rodolfo Alonso. E outro, igualmente escrito para a revista, do castelhano Ángel Crespo (1926-1995) que, anos depois, além de consagrado poeta, se converteria num dos principais pessoanos de língua castelhana. Edmundo Bettencourt colaborou com seis poemas, então inéditos, dos quais publico aqui um datado de 1954: «O Segredo e o Mistério». Os poemas eram acompanhados por um retrato do poeta, desenho inédito de Mário de Oliveira, que podemos ver acima.
Eis um desses poemas:
O Segredo e o Mistério
Mistérios a pouco e pouco vão morrendo e extenuados de vigília os anjos são afinal a sussurrantes sibilinas vozes que desvendam adivinham segredos atrás de sentinelas cuja ferocidade é uma ironia de ternura…
Na palidez da luz cercando uma velha cabeça a quem um sono de embrião já tolda os olhos sorriem enigmáticos os sonhos.
Edmundo de Bettencourt nasceu em 1899 no Funchal. Quando estudante de Direito em Coimbra, fez parte da chamada «Geração de Oiro», onde pontificava o grande António Menano e o não menos virtuoso Artur Paredes, pai de Carlos Paredes.
José Afonso, o tal rapaz que iria «dar muito que falar», no dizer de Edmundo de Bettencourt, pagou-lhe a profecia considerando Bettencourt o maior cantor de fado de Coimbra de todos os tempos. As suas canções eram acompanhadas pela guitarra de Paredes. Além do fado coimbrão, cantou também canções do folclore da Beira-Baixa, como «Senhora do Almortão».
Como escritor, fez parte do grupo da revista «Presença». Em 1999, quando passava o centenário do seu nascimento, saiu uma antologia – «Poemas de Edmundo de Bettencourt», prefaciada e organizada por Herberto Hélder.
Ouçamos agora uma das mais conhecidas composições de Edmundo de Bettencourt, Saudades de Coimbra. Canta José Afonso:
Para "As Raparigas de Coimbra" 1 Ó choupo magro e velhinho, Corcundinha, todo aos nós: És tal qual meu avôzinho, Falta-te apenas a voz.
2 Minha capa vos acoite Que é p'ra vos agazalhar: Se por fóra é cor da noite, Por dentro é cor do luar...
3 Ó sinos de Santa Clara, Por quem dobraes, quem morreu? Ah, foi-se a mais linda cara Que houve debaixo do céu! 4 A sereia é muito arisca, Pescador, que estás ao sol: Não cae, tolinho, a essa isca... Só pondo uma flor no anzol!
5 A lua é a hostia branquinha, Onde está Nosso Senhor: É d'uma certa farinha Que não apanha bolor!
6 Vou a encher a bilha e trago-a Vazia como a levei! Mondego, qu'é da tua agoa? Qu'é dos prantos que eu chorei?
7 A cabra da velha Torre, Meu amor, chama por mim: Quando um estudante morre, Os sinos chamam, assim.
8 - E só porque o mundo zomba Que poes luto? Importa lá! Antes te vistas de pomba... - Pombas pretas tambem ha!
9 Therezinhas! Ursulinas! Tardes de novena, adeus! Os corações ás batinas Que diriam? sabe-o Deus...
10 Teu coração é uma igreja: N'uma eça dorme, alli, Manoel, bemdito seja, Que morreu d'amor por ti.
11 Manoel no Pio repoiza: Todos os dias, lá vou Ver se quer alguma coiza, Perguntar como passou.
12 Agora, são tudo amores A roda de mim, no Caes, E, mal se apanham doutores, Partem e não voltam mais...
13 Aos olhos da minha fronte Vinde os cantaros encher: Não ha, assim, segunda fonte Com duas bicas a correr!
14 Nossa Senhora faz meia Com linha feita de luz: O novello é a lua-cheia, As meias são p'ra Jezus.
15 Meu violão é um cortiço, Tem por abelhas os sons Que fabricam, valha-me isso, Fadinhos de mel, tão bons...
16 Ó fogueiras, ó cantigas, Saudades! recordações! Bailae, bailae, raparigas! Batei, batei, corações!
(in 'Só')
Os versos de António Nobre, que frequentou a Universidade entre 1888 e 1900, não serão dos mais explícitos na diferenciação que se estabelecia entre estudantes, vindos de todo o País, e os habitantes da cidade - tricanas e futricas, como se de duas espécies diferentes se tratasse.
Mais nítida é essa forma dicotómica de branquear a estúrdia de alguns estudantes e de ridicularizar a pacatez das gentes coimbrãs em José Trindade Coelho, que cursou Direito entre 1880 e 1885. Publicou em 1902 In Illo Tempore, livro em que são evocadas as guerras entre estudantes e futricas pelos corações das tricanas, o ambiente boémio vivido na Academia e a recordação das figuras da Universidade - estudantes e lentes.
Referindo-se às tricanas, diz que elas tinham «uma cara quase sempre bonita, e espirrando sempre vivacidade; e naqueles braços, naquelas pernas, naquele busto, quando gesticulam, quando marcham, quando estão paradas, qualquer coisa que deve ser a própria graça, como só os artistas apreciam." (...) "Como andam sempre muito afinadinhas, desde os pés à cabeça...vão-se os olhos a olhar para elas e fica a gente a dizer consigo que nunca viu mulheres assim... Sua chinelinha de biqueira, em que só lhes cabe metade do pé; sua meia branca, ou às riscas, muito esticada; saia de chita, das cores mais claras, deixando ver os tornozelos e acima dos tornozelos duas polegadas de perna; aquele aventalinho muito pequenino, que é mais um chique que outra coisa; o chambre de chita clara, aberto no peito em decote quadrado; e então o xaile de barras, ou a capoteira, passando por baixo do braço direito e lançando (com elegância que se não descreve, mas que os estudantes copiaram para as suas capas) por cima do ombro esquerdo!" . Uma tricana, diz-nos José Pedro Machado no seu Grande Dicionário é «s.f. Rapariga ou mulher do povo na região de Coimbra e no distrito de Aveiro». E os futricas? Quem são os futricas? Diz José Pedro Machado: «S.m. Designação depreciativa que os estudantes de Coimbra dão aos não estudantes, principalmente aos da cidade.» Temos, portanto, navegando à solta pelo imaginário nacional, uma visão das gentes de Coimbra que é a dos estudantes, na sua maior parte vindos de fora. Uma visão que peca por um disparatado elitismo.
Na Desgarrada do filme "Capas Negras" (1947), realizado por Armando de Miranda, são visíveis todos os ícones dessa visão mítica e folclórica que seis décadas antes talvez fizesse algum sentido. Embora se estivesse em meados do século vinte, o regime fazia passar a imagem passadista que convinha ao departamento de Estado dirigido por António Ferro. Amália Rodrigues, Alberto Ribeiro, Artur Agostinho e outros, intervêm nesta desgarrada. A dupla é a mesma que criou a internacionalizada "Coimbra" - Raul Ferrão, a música, José Galhardo, a letra. Um cantor representando um futrica afirma que «o amor de um estudante não dura mais do que uma hora».
Quatro poetas falam de Coimbra e do Mondego - Coimbra, berço de movimentos literários, é fonte de inspiração para canções e poemas - é a cidade-poesia.
Carlos de Oliveira
ELEGIA DE COIMBRA
Gela a lua de março nos telhados e à luz adormecida choram as casas e os homens nas colinas da vida.
Correm as lágrimas ao rio, a esse vale das dores passadas, mas choram as paredes e as almas outras dores que não foram perdoadas.
Aos que virão depois de mim caiba em sorte outra herança: o oiro depositado nas margens da lembrança.
(in Mãe Pobre, 1945).
Manuel Simões
ANTI-ELEGIA DO MONDEGO
Era um tempo de arbítrio, pesado na memória, como um estigma, um tempo que a convivência não tolera, águas claras que não reconhecemos senão como atavio proscrito, irreconciliável com este nosso contemporâneo rio de argila. Dizem os antigos que as barcas serranas desciam então o leito, penetravam dentro da cidade com sua lenha e carqueja e que as mulheres da Ceira, estas tímidas mulheres de negro, traziam nelas as suas trouxas de roupa. As barcas aportavam aqui junto à portagem, com seus côncavos repletos de fadiga, que a cidade trocava por umas tantas moedas ou panos, o sabão da semana ou o linho branco e raro para casar os filhos.
Camões ignora tudo isto, a palavra castigada sai-lhe como confidência, o queixume ou lamento do amor não provado. E o desastre de campos devastados pela cheia, os laranjais submersos pouco a pouco, a água subindo sem apelo, a inquyietação nas casas baixas de terracota? E o alastrar progressivo das areias, a outra face deste rio cíclico, tão depressa indomável como inexistente?
Rio: onde está o teu fulgor antigo, os devaneios das serenas águas que a canção estimula sob o assombro do reu povo? Pedro e Inês são estátuas mortas, definitivamente pedra e mágoa por terem ocultado o clamor de teus campos, adjacentes ao incontido e ardoroso respirar do espanto.
(in Crónica Segunda, Nova Realidade, Tomar, 1976)
Sílvio Castro
C O I M B RA
Não olho o rio que corre apesar de meu descuido; cuido d’outro e subo por camino duros. Ao lado da Sé Velha quieta no longo tempo vivido das janelas do Conservatório trombas pistões trombetas sufocam com vozes da clave de sol o tímido falar em fá de um piano: mais sol ré mi fá sol lá si dó se exalta no ar, mais silencioso se faz o diluído das teclas que se transformam do sol ao dó dó dó –
No alto das subidas de quebra costas a Universidade escuta a sua voz secular.
(in Gira Mu(o)ndo, Rio de Janeiro, 2003)
Manuel Alegre
FLORES PARA COIMBRA
Que mil flores desabrochem. Que mil flores (outras nenhumas) onde amores fenecem que mil flores floresçam onde só dores florescem.
Que mil flores desabrochem. Que mil espadas (outras nenhumas não) onde mil flores com espadas são cortadas que mil espadas floresçam em cada mão.
Que mil espadas floresçam onde só penas são. Antes que amores feneçam mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.
Bem sabemos que visitar Coimbra, é visitar um monumento. Não apenas o túmulo de primeiro rei de Portugal, proclamado como tal em 5 de Dezembro de 1143 após derrotar os mouros na Batalha de Ourique. O sítio em que nasceu, é incerto. Há duas hipóteses: teria nascido em Viseu em dia incerto, no ano 1109; outros defendem que nasceu em Guimarães, memos ano, mesma data incerta. Mas o túmulo que guarda os seus restos é digno de uma pessoa desse tamanho, que criou o Reino de Portugal. Curiosos, os que não temos reis para nos governar, o primeiro que chama a nossa atenção é visitar todos os sítios por onde se diz que o Rei Fundador de Portugal com reino, apagando a ideia de Condado Portucalense esse pequeno troço de terra de Guimarães, estreito para si, começou as batalhas para expulsar mouros e judeus das suas terras que passaram a ser o que hoje é a República de Portugal, faz 100 anos a esta data. Percorrer a cidade realiza-se ser todo um monumento. Há a parte antiga dos Conventos e Mosteiros, e a parte nova, a Baixa de Portugal, para escritórios e comércio. Mal apareci em Portugal, corri a conhecer a cidade universitária, na que fui durante cinco anos Catedrático Visitante para proferir aulas todos as segundas férias. Hospedava-me numa casa de mais de trezentos anos, convertida num húmido e frio hotel, mas que ficava ao começo da rua que subia até a faculdade em que ensinava.
Não eram apenas os monumentos que, pela sua antiguidade e história estavam sempre a ser percorridas por turistas. O que mais curiosidade prestava, eram a reitoria e a sala capitular, em que se realizavam os júris de doutoramento bem como as imensas ruas e avenidas que faziam de Coimbra um caminho aos Alpes ou aos Andes. Parece-me que Coimbra é como uma cidade estado dos anos 500 da nossa era: um aglomerado de casas que se foram construindo ao pé dos mosteiros. Esta imagem mostra o refúgio que as pessoas procuravam nos mosteiros.
Cidade de ruas estreitas, pátios, escadinhas e arcos medievais, Coimbra foi berço de nascimento de seis reis de Portugal, da Primeira Dinastia, assim como da primeira Universidade do País e uma das mais antigas da Europa. Aliás, pelas minhas contas, é a quinta Universidade da Europa: Bolonha e Pádua primeiro, na Itália, La Sorbonne em Paris, a seguir, Cambridge e Oxford na Grã-Bretanha, todas nos anos 1200, Salamanca mais tarde e Edimburgo. Era a maneira de ensinar os frades direito canónico, economia, latim, mais tarde, direito civil
Tive a grande alegria de orientar, junto com Pierre Bourdieu, a tese da hoje doutora Maria Eduarda do Cruzeiro, exactamente sobre a Faculdade de direito e a sua transformação, faculdade fundada em 1290, l de Março por Bula Papal: Faculdade de Direito, ainda a funcionar na Reitoria da Universidade.
Foi um prazer para mim ser Catedrático da Universidade, a 5ª mais antiga do mundo. Não consegui deixar de andar pelas ruas antigas, pavimentadas com pequenas pedras retiradas do rio Mondego, que banha a cidade, após abandonar essa terceira mais antiga, a de Cambridge, UK.
Como é natural, uma cidade com uma Universidade de mais de mil anos, era toda ela um grupo de arte, música e sabedoria bem guardada entre os docentes e os estudantes, que viviam, praticamente na Biblioteca, a mais rica da Europa, a seguir à de Cambridge.
Deve ser para os turistas um regalo percorrer ruas por onde a sabedoria se desliza, os debates nos cafés são sobre teoria com prova e hipótese retirada dos livros e da investigação. Coimbra sempre foi famosa pelo seu saber em Direito e pela museologia africanista que começara ser cultivada mais de 500 anos antes, no tempo das Descobertas e da exibição, para comparar culturas, dos tesouros trazidos da África, da Índia, Japão e a China.
É isso que os turistas vem e é isso os que coimbrões são. É assim a cidade de Coimbra, uma universidade com rituais, escrita, música e saber acumulado ao longo dos séculos, melhorado pelas investigações dos seus docente e equipa e famosa, hoje em dia, por ter descoberto como combater o cancro da mama.
É assim como vejo, entendo e ensino numa cidade com Universidade, que me obriga a saber mais…
Coimbra, capital do Distrito de Coimbra, é a maior concentração urbana da subregião do Baixo Mondego, com uma população que ultrapassa os cem mil habitantes. Os estudantes representam cerca de 30% dessa população. Recheada de referências históricas e culturais, foi Capital Nacional da Cultura em 2003. Coimbra, a Lusa Atenas, designação vulgarmente usada, tem indústrias, comécio - a sua área de influência estende-se por ume região com cerca de dois milhões de habitantes. Tem vida para além da Universidade. É uma cidade com um grande peso histórico e sede de uma região de signiificativa importância económica. Hoje, às 21 horas publicaremos uma entrevista com o Professor Boaventura de Sousa Santos (concedida ao Diário As Beiras) onde é ponderada a ligação estratégica da urbe à Universidade. E chama a atenção para a «cumplicidade da cidade (e da universidade) com o regime de Salazar» que terá criado uma certa animosidade nacional contra Coimbra. Na verdade, o regime de Salazar e o seu serviço de Propaganda, prolongaram pelo século XX uma visão da realidade coimbrã herdada do século XIX - a de estudantes, tricanas e futricas, como no In Illo Tempore de Trindade Coelho. Animosidade que, segundo o Sociólogo, se reflectiram numa certa marginalização e desinvestimento. E conclui assim o raciocínio: «à medida que os anos passaram , a presença nos governos de políticos oriundos de Coimbra foi rareando e a influência mediática dos professores de Coimbra foi desaparecendo. Na cidade tudo passou a durar décadas para ser conseguido, de espaços para congressos a metros urbanos e suburbanos. A imagem mais patética da perda de relevo da cidade é o “apeadeiro” de Coimbra-B. Pode Coimbra aspirar a ter importância no futuro quando os visitantes ao descer dos comboios recuam um século?»
Quando falamos de Coimbra, logo lhe associamos uma ideia - a da Universidade. Numa visão estereotipada que a magnífica canção de Raul Ferrão e José Galhardo acentua, Coimbra é muitas vezes descrita na óptica saudosista de quem lá estudou e, com o avançar dos anos, foi progressivamente associando a cidade à sua juventude. Para muitos, Coimbra é um ícone nostálgico dessa longínqua juventude. E a quem não nasceu ou não vive em Coimbra, essa é a visão mitificada que lhe chega. Porque as descrições que mais pesam na construção do imaginário vêm de ex-estudantes e dão-nos essa ideia - a de que a cidade apenas existe em função da Academia. Coimbra não é apenas a cidade que acolhe a que é considerada a mais antiga e emblemática das universidades portuguesas – a urbe já existia antes de, em 1308, o rei D. Dinis ter transferido o estudo geral para a sua Coimbra. Em 1290, o papa Nicolau IV autorizara a criação em Lisboa de uma universidade. Mas os institutos que a constituíam andaram durante cerca de dois séculos e meio de Lisboa para Coimbra e vice-versa - em 1308 foram para Coimbra, em 1328, voltaram a Lisboa e em 1354 para Coimbra, regressando a Lisboa em 1357. E é neste ano que uma bula do papa Gregório IX autoriza a Universidade a outorgar os graus de bacharel, licenciado e doutor. Só em 1537, a Universidade voltaria a Coimbra e até à reforma pombalina do Ensino, será a única instituição do Ensino superior em Portugal. Com excepção da Universidade de Évora, nascida do Colégio do Espírito Santo gerido pela Companhia de Jesus e criada pela bula Cum a nobis, do papa Paulo IV, em 1559. Mas não foi a instalação da Universidade que tornou a cidade importante.
Foi a importância de Coimbra que aconselhou a instalação ali da Universidade. O conceito de capital não existia com o sentido que hoje lhe damos – a capital do reino era onde a Corte estivesse instalada. E Coimbra era uma das cidades onde, sobretudo durante a primeira dinastia, a Corte permanecia mais tempo.. Seis reis ali nasceram. Não conto com o Fundador que, segundo o Professor Luís Krus, ali terá nascido também. Mas não queremos entrar nessa discussão, sabendo-se que vimaranenses e viseenses disputam acerrimamente a posse do berço de Afonso I. Coimbra teria argumentos para entrar nessa corrida. Mas chega-lhe este facto indesmentível: foi ali que Afonso Henriques quis ser sepultado - e ali repousam os seus restos mortais, na Igreja de Santa cruz, sob um túmulo magnífico construído no século XVI.
Aeminium foi o nome que os Romanos deram à cidade que nascera junto do rio Aeminium (Mondego). Foi, na era cristã, sede de Diocese, substituindo a cidade romana de Conímbriga. Com a invasão moura, Coimbra, situada na zona tampão entre território cristão e árabe, passou a ser um importante entreposto comercial. Mudou de mãos com frequência - em 871 era o Condado de Coimbra mas só em 1064 a cidade foi reconquistada por Fernando Magno de Leão. A cidade cresceu e prosperou, governada por Sesnando, um moçárabe. O Conde D. Henrique e D. Teresa, quando lhes foi concedido o Condado Portucalense, passaram a residir em Coimbra, D. Afonso Henriques ali instalou a sua Corte, podendo dizer-se que foi a primeira capital de Portugal, condição que só perdeu em 1255, quando a Corte se mudou para Lisboa. Nesse século XII em que foi cabeça do reino a cidade apresentava um tecido urbano revelador de diferenças sociais – na parte alta da cidade (Almedina) residiam nobres e clérigos, enquanto na parte baixa, junto ao rio, se situavam habitações e tendas de artífices e mercadores. Quando em 1537 a Universidade transitou, desta vês definitivamente, de Lisboa para Coimbra, a importância da instituição sugou todo o protagonismo da urbe – Coimbra passou a viver em função da sua Universidade e só no século XIX a mancha urbana se expandiu para lá das muralhas que acabaram por desaparecer no furacão da Reforma Pombalina.
A Universidade passou a ser o coração da cidade que viveu durante séculos quase ao ritmo das badaladas da Cabra. Um coração de bronze. Numa edição que, como a nossa, se debruça principalmente sobre os aspectos culturais da vida coimbrã, a Universidade surgirá com frequência. E, confirmando essa omnipresença, será com os Antigos Orfeonistas Universidade que abrimos esta edição inteiramente dedicada a Coimbra. Cantando a canção de Raul Ferrão e José Galhardo que hoje associamos indissoluvelmente à bela cidade do Mondego.
Vamos ter, ao longo das próximas 24 horas, 22 blocos - história, literatura, música, a Universidade. Não temos a pretensão de dizer coisas que nunca tenham sido ditas sobre a cidade - não vamos descrever Coimbra - vamos celebrá-la.
Para começar, Amália Rodrigues canta a famosa composição de Raul Ferrão e de José Galhardo, numa gravação ao vivo realizada durante um concerto em Montreaux
Na quinta.feira o Estrolabio, desde o primeiro ao último minuto, será ocupado por Coimbra. Coimbra, a canção de Raul Ferrão, que vamos ouvir executada por Perez Prado & His Orchestra: