Pagar a dívida é ser egoísta <http://ingenea.gualter.net/?p=355> / A impossibilidade material de pagar a dívida <http://ingenea.gualter.net/?p=355>
Tuesday, 31 May, 2011
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A tentativa de pagar a dívida, ainda que renegociada, poderá vir a figurar entre um dos actos de maior egoísmo da história portuguesa. A narrativa em que assenta esta afirmação não se baseia tanto numa questão subjectiva de legitimidade, mas sim na impossibilidade material do seu pagamento e nas consequências sócio-ecológicas de tal gesto.
As teorias económicas que sustentam o pensamento político actual, da direita até à esquerda foram concebidas durante um período de expansão económica, associado ao aparecimento de fontes de energia com uma qualidade e intensidade extraordinárias – o carvão e, posteriormente, o petróleo e o gás natural. É a capacidade de utilizar estas energias no processo produtivo que abre espaço à industrialização, assente numa transformação profunda do trabalho e da cultura geral, resultando num enriquecimento da burguesia (cada vez mais ampla) e na expansão espacial do capitalismo.
Marx fez um excelente trabalho de análise dos processos do capitalismo. Ao mesmo tempo que lhe lança louvores – sobretudo pela sua capacidade de romper com as dinâmicas do sistema feudal – aponta as suas contradições, que inevitavelmente geram a divisão de classes e o acentuar da exploração das classes trabalhadoras pela burguesia detentora do capital. Não vou aqui entrar em detalhes sobre a actualidade e utilidade de tal análise ou divisão nos tempos contemporâneos, apesar de a considerar útil e relevante em muitos contextos, além de conter conceitos, como o fetichismo das comodidades, que são fundamentais para compreender como se estimulam hábitos de consumo insustentáveis e até irracionais. Contudo, o pensamento marxista (salvo algumas excepções, como o caso de marxistas verdes como John Bellamy Foster), em particular a teoria económica sofre das mesmas limitações do que a economia neoclássica ou outras teorias económicas associadas ao capitalismo: os seus pressupostos, válidos num contexto de expansão suportado por uma abundância energética crescente, deixam de o ser quando entramos num período de contração, marcado designadamente pelo pico do petróleo e de muitos outros recursos.
Frederick Soddy, um radiologista galardoado com o Nobel da Química, escreveu, em 1926, um famoso livro intitulado Wealth, Virtual Wealth and Debt. O ponto central de Soddy era bastante simples: é fácil, para o sistema financeiro – que representa uma esfera da economia totalmente virtual – aumentar as suas dívidas (privadas ou públicas) através de uma expansão de crédito. Esta expansão de crédito confunde-se com uma geração real de riqueza, o que aliás se tornou bastante claro na actual crise. Soddy alerta para o facto de que a velocidade a que o sistema financeiro se expande está totalmente desfasada da capacidade de a economia “real” (produtiva, actualmente medida pelo PIB) gerar riqueza para repagar as dívidas. Tal sucede devido ao facto de a produção estar dependente do seu sustento material e energético, onde o ritmo de crescimento é distinto e limitado, em particular, pela velocidade dos ciclos dos ecossistemas e que, por sua vez, estão limitados pela capacidade de aproveitamento da energia (essencialmente solar) que atinge a atmosfera terrestre.
A expansão industrial e o aparecimento de um capitalismo capaz de crescer exponencialmente, só foi possível devido à descoberta de combustíveis fósseis, que não são mais do que energia solar acumulada numa escala de tempo geológica e armazenada graças a fenómenos biológicos e geológicos muito particulares. A sua extracção e uso permitiram desenvolver as sociedades abundantes do ocidente, sobretudo, uma classe média planetária capaz de disseminar (supostas) democracias e de estabilizar uma hegemonia de pensamento, independentemente dos seus problemas e contradições. Foi também esta abundância energética que permitiu a construção de um dos mais ambiciosos projectos da Humanidade, o Estado Social, capaz de garantir condições de vida dignas para qualquer cidadão de um estado-nação. O Keynesianismo, transformado em modelo para um crescimento económico de longa duração, permitiu sustentar e alargar o Estado Social, e alimentar o crescimento económico e transformar sociedades ocidentais numa quase omnipresente classe média. Contudo, teve uma moeda de troca: um endividamento crescente, ao ponto de se ter tornado insustentável. A insustentabilidade da dívida não ocorre apenas ao nível dos estados-nação. Ela é verdadeiramente insustentável à escala global e esse é, aliás, uma das razões pelas quais as economias mais vulneráveis e periféricas são submetidas à pressão internacional especulativa. Alguém tem que ceder, para que outros continuem a crescer (até quando é outra questão).
A situação geopolítica de Portugal – e da própria Europa, ou mesmo dos EUA – está longe de permitir a continuação da usurpação crescente de recursos planetários. As economias dos BRIC crescem como nunca antes visto e, tratando-se de territórios bastante vastos e povoados, é natural que não sobre para todos. O pico do petróleo está aí – e traz a acompanhá-lo a escassez de uma série de outros recursos, desde as terras raras, até ao fósforo. Ignorar isso e continuar a aplicar as mesmas teorias dos tempos de abundância, é como ter um elefante a caminhar na direcção de um abismo, pensando que a força da sua mente pode contrapôr a lei da gravidade. Neste caso não é a lei da gravidade que está a ser ignorada, é a segunda lei da termodinâmica, o princípio da entropia, a seta do tempo. A crescente incidência de conflitos ecológicos e sociais nas periferias e a recente Primavera Árabe, são sinais de que esses povos não estão dispostos a ser crescentemente expoliados. A cada avanço das fronteiras dos recursos, há uma reacção cada vez maior.
Perante esta situação, discutir os contornos e a legitimidade da dívida <http://www.esquerda.net/opiniao/extremismo-de-gravata> torna-se relativamente secundário. Sim, é imoral que nos façam pagar <http://acampadalisboa.wordpress.com/2011/05/30/paguem-nos-o-que-nos-devem> , com juros especulativos e nacionalizações de bancas corruptas <http://5dias.net/2011/05/31/assembleia-popular-de-hoje-a-mais-importante/> . Contudo, ainda que essa dívida fosse totalmente legítima, ela seria, ainda assim, impagável. Tal pagamento não depende de uma maior ou menor produtividade laboral. Na verdade, se bem feitas as contas, aumentar a produtividade decorre de duas coisas: a exploração laboral (aumento da carga horária, redução de salários, aumento da idade de reforma, redução do tempo de educação, etc.) e, sobretudo, a exploração dos recursos materiais e energéticos capazes de sustentar essa produção. Isto é, ir buscar, com termos de troca mais favoráveis, coisas que não existem cá (nem em Portugal, nem na maioria do território europeu). Para usar palavras sinceras, aumentar a pilhagem colonialista, ou Raubwirtschaft (economia de pilhagem), como enunciaram géografos franceses e alemães do final do séc. XIX.
Hoje, pagar a dívida significa acentuar a exploração neocolonialista ou hipotecar as gerações futuras. O mais provável é que ambas aconteçam: na tentativa absurda de aumentar o PIB a níveis que permitam pagar uma dívida com juros muito acima de 3% (o que nem a melhor das previsões económicas prevê como crescimento para os próximos anos), aumentará a pressão sobre os recursos do país e do exterior – sendo de esperar uma pressão particularmente forte sobre os PALOP (que aliás já se verifica nalguns campos como as plantações florestais industriais ou os agrocombustíveis). O resultado disso será apenas uma deterioração da base material da economia nacional e global e um aumento progressivo do valor da dívida – a que se associa a renegociação, geralmente condicional (sinónimo do fim da democracia ou da ditadura financeira).
Pagar a dívida é, por isso, o acto mais egoísta que se pode ter, quer para com os povos de todo o mundo, quer para com as gerações mais novas e que nos seguirão.
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A famosa curva de Hubbert, que descreve aproximadamente o pico do petróleo. As teorias económicas que sustentam as decisões políticas actuais foram construídas na fase ascendente da curva.
Para maior detalhe técnico e histórico, recomendo a leitura deste artigo de Joan Martinez-Alier <http://www.eoearth.org/article/Herman_Daly_Festschrift:_Socially_Sustainable_Economic_Degrowth> , o qual usei como inspiração para esta breve abordagem à questão da dívida. Mais seguirão, se o tempo o permitir.
Fonte: http://ingenea.gualter.net/
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Os cartoonistas, tal como os humoristas, têm esta capacidade de resumir tudo a uma só frase .
Os tecnocratas falam: Um texto a ler, um texto a pensar e a perguntar o que andaram as Instituições Europeias a fabricar nesta Europa que aos abutres dos mercados financeiros agora querem entregar.
JMota
Europa: troca da dívida “azul” e da dívida “vermelha” contra reformas
Jacques Depla, Sciences Po, Paris
Versão alongada da versão publicada em Les Echos em 10.0.2010.
A crise actual dos países da Periferia da zona euro (Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda - a que chamo aqui os `Perifs', i.e. um terço do PIB da zona euro) exige ao mesmo tempo reformas orçamentais, mas sobretudo as reformas de competitividade e de crescimento. Para lhe dar tempo e possibilidades de ter sucesso, proponho uma troca da dívida pública destes países decomposta em dívida sénior Azul, de hierarquia superior e dívida júnior Vermelha, sem pagamento de juros durante o período de reformas (10 anos), sob condição de reformas essenciais.
A crise actual da zona euro é primeiramente e sobretudo uma crise de competitividade dos países periféricos, onde os preços, salários e custos aumentaram muito mais que a sua produtividade, dando origem a défices da balança dos pagamentos de 10% do PIB - o que são níveis insustentáveis. Estes défices foram permitidos por empréstimos maciços contraídos no resto da zona euro, sob forma de dívida pública e privada (o que deram a ilusão de crescimento e de riqueza), e que hoje os investidores hesitam cada vez mais em refinanciar. Desde 1998, os Perifs viram os seus custos salariais unitários aumentar de 40% (Espanha, Itália) de 57% (Grécia), contra +2% na Alemanha. Idem para os seus preços à exportação, que aumentaram de 20% (Portugal) de 35% (Espanha, Itália) e mesmo de 45% (Grécia) a mais do que na Alemanha desde 1998. É aqui que está a raiz da crise actual: os perifs são hoje demasiado caros! Os mercados sabem que vão ter que ajustar os seus preços de cerca de -25% e estão cada vez menos dispostos a refinanciar a sua dívida enquanto não se este tipo de ajustamento. Porquê investir em dívida espanhola (pública ou privada), enquanto a taxa de desemprego é já de 20% antes mesmo da contracção orçamental e enquanto que a Espanha deve ainda reduzir os seus custos na ordem de 25%? É desta realidade que os líderes da UE e o seu plano europeu de 750 mil milhões não tratam.
O ajustamento feito excusivamente através do orçamento de cada Estado não será suficiente. Deverão estes países serem acompanhados por fortes programas de crescimento (reformas pelo lado da oferta) e redução nos preços e nos salários. Sem isto, estes países não poderão permanecer de modo duravel na zona euro, porque não poderão indefinidamente estarem a financiar défices externos tão garndes. Os mercados sabendo-o precipitar-se-ão rapidamente sobre os seus incumprimentos e pela sua saída da zona euro. Resumidamente, sem empenhamentos credíveis a partir de hoje para reformar maciçamente a sua competitividade, os mercados não continuarão a financiar mais este conjunto de países que então, apesar do FMI e da UE, correm o risco de terem de deixar a zona euro e de faltar ao cumprimento sobre as suas dívidas privadas e públicas. Como evitar tudo isso?
Em primeiro lugar, as reformas nestes países vai exigir de 5 a 10 anos. Trata-se bem aqui de revolucionar o seu sistema económico. Para retomar André Sapir (Globalisation and the Reform of European Social Models, BRUEGEL, 2005), o modelo económico e social Mediterrânico, assenta em fraca concorrência, em rendas, fraca inovação e com um Estado social injusto e mal orientado, . A escolha para os países Mediterrânicos será então optar por um modelo Anglo-saxão eficaz e pouco justo , ou um modelo eficaz e justo, mas com muitos impostos (modelo Escandinavo). É ilusório acreditar que este ajustamento se pode fazer em 3 anos como diz o FMI para a Grécia. Como por conseguinte comprar então tempo para efectur as reformas necessárias?
A minha ideia aqui é combinar reformas essenciais da oferta, com ajustamentos dos orçamentos e da competitividade, o todo com uma reestruturação voluntária e um alongamento da dívida pública destes países. Estes países, se levassem à prática as suas reformas, poderiam não ter de pagar o serviço da sua dívida, durante a fase de reformas essenciais. Como fazer tudo isso de maneira credível e sem más incitações (risco moral)?
planos de rigor de hoje - cegos e sem esperança
(Continuação)
Michel Delobel, 7 Março de 2010 7
07
IIGS: Prétexte ou réel danger pour les marchés ?
PIIGS: pretexto ou perigo real para os mercados ?
Há algumas semanas, aquando da contracção dos mercados logo a seguir ao discurso de Obama, evocámos a hipótese de um meio de pressão contra o governo americano pela parte dos bancos de negócios, opostos às medidas tomadas.
Seguiu-se uma nova vaga de desconfiança nos mercados com a questão da dívida da Grécia, rapidamente alargada ao que se chamou os PIIGS, Portugal, a Irlanda, a Itália, a Grécia e a Espanha.
A dívida dos estados europeus no centro da actualidade
Para além da significado pelo menos duvidoso desta denominação que é e pode ser muito reveladora do objectivo procurado (Pigs = Porcos), gostaria de me apoiar sobre o artigo de Gilles Caye de 11 de Fevereiro passado, e nomeadamente sobre a sua chamada de atenção muito importante para os princípios fundadores da zona euro e do pacto de estabilidade, nomeadamente um défice orçamental inferior à 3% do PIB anual, e uma dívida limitada à 60% deste mesmo PIB.
Se estes critérios voarem claramente em estilhaços com a crise, é nomeadamente sobre a dívida recorde da Grécia, que atinge actualmente 125% do PIB para um défice orçamental de aproximadamente 13% do PIB que se focalizaram, de repente, o mercado! Números que levaram certos analistas a anunciar que a Grécia estava à beira da falência.
Para além de números certamente inquietantes, e de uma situação que não poderá durar eternamente assim e que necessitará de medidas draconianas, estamos no direito de nos interrogar-mos porque é que estas apreensões chegam agora à mesa, e qual pode ser, de resto, o seu impacto real a prazo sobre e nos mercados financeiros.
E porquê um efeito nos mercados agora mesmo, enquanto a alerta já deu a 9 de Dezembro passado, alguns dias apenas depois do episódio Dubaï, com uma degradação da nota da Grécia pela agência de notação Fitch, seguida alguns dias depois por Standard and Poors e seguidamente Moody's, o que não impediu os mercados de fecharem o ano com uma força avassaladora.
A dívida exagerada da Grécia não terá, com efeito, ter sido criada de modo repentino, não atingiu estas proporções de forma imediata. Assim, em 2007, esta atingia já 97% do PIB, e ninguém na época parecia realmente incomodar-se com este nível.
Mas como se isto não fosse suficiente, e não tivesse feito baixar significativamente os mercados, eis que os analistas se puseram a evocar o caso dos famosos PIIGS, os maus alunos da zona euro. Se a Irlanda e a Itália também estão eles numa situação tão claramente delicada de um ponto da vista dívida (mas também já não é novo), o caso da Espanha é ligeiramente mais suspeito.
A dívida da Espanha é certo que quase duplicou desde 2007, mas deveria atingir apenas cerca de 66% do PIB no fim do ano, ou seja um nível muito inferior à média europeia, e muito distante do nível da dívida Grega em 2007 por exemplo, que não na altura não pareceu levantar problemas a ninguém.
Em 2008 de resto, a dívida da França, julgada por muitos como mais séria e mais segura que a Espanha, atingia já quase 70% do PIB, e deveria atingir quase 80% do PIB fim 2009, enquanto a da Alemanha é apenas ligeiramente inferior.
Esta “crise da dívida”, que fez mergulhar o euro e os mercados europeus de acções tem, por conseguinte, faz-nos levantar algumas interrogações.
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