Quinta-feira, 16 de Dezembro de 2010
Luis MoreiraA saúde vai ser um dos sectores onde se verificará uma mudança mais dramática. Não é razão suficiente para a começarmos a discutir? Aqui podem ler dois estudos que tiram as mesmas conclusões. Gente muito diferente, conhecida, mas com as mesmas preocupações.
O corte foi de 6% no OE para 2011, assim sem ser planeado, às cegas, o primeiro efeito é o corte ao acesso, acordamos tarde (como sempre) para o déficit na Saúde.
Quando nós há vinte anos fizemos ( e bem) a grande modernização hospitalar já Ingleses e Alemães estudavam um "chamado pacote mínimo de serviços de Saúde públicos", já sabiam que não é possível o acesso e a sustentabilidade universal a todo o tempo, focando-se no que é realmente importante a que segmentos da população e quando.
Há hospitais a mais e camas de agudos a mais e há camas a menos para "cuidados continuados", há que fazer rapidamente a reconversão (mais um investimento público de proximidade e de recuperação imediata), o Estado tem que saber onde se deve concentrar e em que serviços.
Aqui, entre nós, sem discussão prévia, sem programação atempada o corte nas despesas na saúde vai ser cego e, se ao nível macro isto pode ser aceitável, no dia a dia vai levantar enormes conflitos. A Ministra da Saúde já veio dizer que os gestores gastadores vão ser afastados.
Tudo indica que o sector privado vai fornecer o grosso dos serviços de elevada tecnologia e que as unidades de serviço público vão ser mais pequenas e mais viradas para a comunidade (o contrário do que se tem feito).Isto implica o fecho de hospitais nas áreas em que os há a mais. Curiosamente, enquanto estas questões são discutidas nos países mais desenvolvidos, aqui continua-se, furiosamente, a construir hospitais em parcerias público/privadas.
Na área da gestão tem que se levantar e facilitar esta rede burocrática complexa que impede uma gestão flexível, e há que despartidarizar,o gestor não pode estar sujeito a constrangimentos de quem é nomeado por amiguismo ou razões partidárias.O dia a dia complexo de uma unidade de saúde não se compadece com falta de autoridade, autonomia e responsabilidade.
A evolução demográfica leva a que milhares de cidadãos idosos se encontrem anos a fio ligados a máquinas, sem qualquer hipótese de recuperação, há muto que se discute se estamos a "prolongar a vida se a prolongar a morte" e, sob o ponto de vista financeiro é pura e simplesmente insustentável.Portugal passa ao lado desta e doutras questões igualmente insustentáveis.
Paulo Moreira, director do "Journal of Management and Marketing in Heathcare"
afirma que em 2014 a saúde, tal como a conhecemos, estará irreconhecível.
Um estudo financiado pelo Heath Cluster da Saúde, liderado pelo presidente da Bial, Luis Portela e levado a efeito por uma equipa do Instituto Superior de Economia (ISEG) sob a direção de Augusto Mateus, concluiu que o sistema de saúde chegou a um ponto manifestamente insustentável.
" Se nada for feito, o sistema de saúde torna-se insustentável. Com o envelhecimento da população e a inovação terapêutica cada vez mais cara, o aumento de custo de tratar os doentes cresce a um ritmo muito superior à criação de riqueza. Injectar milhões que não existem não é solução, o país deixará de conseguir pagar a saúde.Se nada for feito, a estimativa para 2020 aponta para que um quarto da despesa pública seja alocada à saúde, o que é ímpossivel. Perante esta impossibilidade, o resultado seria um sistema com mais desigualdade no acesso."
"Se não soubermos aplicar melhor os recursos e valorizar melhor os investimentos, apostando na inovação, não temos solução para este problema.O estado vai acumulando uma dívida que vai atirando para a frente, para ser paga pelos cidadãos que vêm a seguir. É tão simples quanto isto"
Um sistema misto como na Alemanha, onde nem tudo é pago e prestado pelo Estado mas também pelos parceiros sociais. Garantindo sempre que há uma base pública (porque há um conjunto de aspectos que não podem ser resolvidos pelo mercado), contratualiza-se.
"Não podemos continuar a andar a dizer que os cidadãos gozam de direitos quando não temos capacidade económica para manter. Se insistirmos numa lógica de direitos consagrados à saúde sem preocupação de eficiência e optimização de recursos, atingiremos valores insustentáveis.Se dissermos que vamos fazer apenas aquilo para o qual temos recursos, seria um retrocesso muito grande nos cuidados de saúde, penalizando os mais fracos."
Apenas um exemplo. A mãe de um dos colaboradores de estrolabio, com 88 anos, precisa de uma pequena intervenção cirúrgica. O hospital encaminhou-a para casa dizendo-lhe para esperar que receberia em casa instruções. Estas chegaram dois meses depois para dizerem que, em Lisboa , para fazer a operação teria que esperar 2 meses; no centro do país (Espinho, Leiria?) esperaria um mês; no norte do país (Vale de Sousa, Braga?) a operação far-se-ia dentro de dois dias.
Agora somem milhares de casos destes em todas as especialidades,e calculem o que significa em termos de pessoal médico mal aproveitado, equipamento subutilizado; doentes a sofrer.
Isto na sociedade da informação em que estamos é inaceitável é facílimo montar uma base de dados nacional que seja alimentada por todos os hospitais e sempre actualizada. E nos medicamentos que faltam aqui mas que há a mais acolá, as próteses...
Muitas vezes não se trata de dinheiro, trata-se de organização, mérito, abertura à inovação, ser eficiente e eficaz.
A sã concorrência entre o estatal, o privado, as cooperativas, as misericórdias, faz milagres. O monopólio é o diabo seja em que actividade for, bem bastam aquelas actividades em que só o estado pode e tem legitimidade para oferecer serviços.
Quarta-feira, 13 de Outubro de 2010
Adão Cruz
Mas voltemos aos factores de risco, na minha opinião, os mais importantes, aqueles que mais poder destrutivo e degenerativo têm na nossa sociedade, e dos quais decorrem, em princípio, todos os outros. Aqueles cujo diagnóstico, conhecimento e desenvolvimento científico e social não interessam ao comércio das doenças, aqueles que não convém que sejam denunciados e divulgados, aqueles que não são referidos nas imponentes naves dos congressos. Na realidade, existe actualmente alguma investigação em matéria de outros factores de risco que não os da moda. Mas a ciência médica não está para aí virada, pouco lhe importando as causas. Está muito mais interessada na incomensurável panóplia dos sintomas, geradores de um desenfreado consumo de psicofármacos. São os factores de risco psicossociais, que tal como os primeiros, mas talvez com muito maior intensidade, promovem fortemente o desenvolvimento de doenças degenerativas a todos os níveis, arterioscleróticas e outras, eventos vasculares adversos, cardíacos e cerebrais, doenças oncológicas e graves perturbações psicossomáticas e sociais.
Estes factores de risco psicossociais são, fundamentalmente, factores de natureza emocional e factores de stress crónico, embora nós saibamos que todos eles, orgânicos ou não, se encontram de tal modo intrincados que é muito difícil analisá-los separadamente. Os factores emocionais abrangem essencialmente as perturbações afectivas, criando sentimentos destrutivos e corrosivos como a depressão e as perturbações ansiosas. Os factores de stress crónico constituem um grande leque, incluindo o desrespeito do Estado pelo cidadão, o baixo apoio social, a insegurança na doença, o baixo estatuto sócio-económico, o endividamento e a crua insensibilidade da especulação bancária, a progressiva angústia da vida cada vez mais difícil numa sociedade dita de progresso e desenvolvimento, os conflitos de trabalho, os desencontros conjugais e familiares, sempre crescentes numa sociedade injusta e pouco solidária como a nossa. As perturbações depressivas variam, como sabemos, desde os sintomas ligeiros até à depressão grave, caracterizada por um humor fortemente abalado e por frequente anedonia, ou seja uma grande rigidez afectiva e incapacidade de sentir prazer com a vida, aversão ao trabalho, propensão para a violência, um estado que se acompanha de incapacidade funcional significativa e de queixas somáticas que se arrastam pela vida fora. O baixo grau de apoio social atrás referido, em termos de cidadania, nos aspectos económico, informativo, emocional, cria a sensação de não se ser amado, a amargura do viver só, o isolamento social, a falta de confidentes, as dificuldades financeiras, as más condições de trabalho, a falta de paz no emprego, as tarefas fisicamente repetitivas, a rotina excessiva sem escapes criativos, a sensação de confinamento rígido, o desequilíbrio entre esforço e compensações, as más condições habitacionais, a instabilidade conjugal, os maus-tratos infantis, as más experiências. Existe uma importante relação entre o grau destes sintomas depressivos e a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos. Estudos epidemiológicos mostraram também a relação destes eventos com factores emocionais como a ansiedade, a hostilidade e a raiva. Alguns estudos recentes demonstraram que existe uma relação entre estas, a arteriosclerose sub-clínica e a progressão da arteriosclerose coronária. Tudo isto leva a que sejam evocadas respostas emocionais fortemente negativas, com enorme poder de somatização, capazes de favorecerem o aparecimento e desenvolvimento de doenças cardiovasculares e outras, de uma forma bem mais poderosa do que aquela com que actuam outros factores de risco amplamente divulgados nas campanhas de sensibilização, até porque são aqueles a raiz de grande parte destes últimos, bem mais palpáveis, como a hipertensão, o tabagismo e a obesidade.
A constante e perseverante denúncia de tudo isto, constituiriam, isso sim, autênticas e verdadeiras campanhas de sensibilização da sociedade.
Apetece dizer, por um lado, que, se as grandes indústrias farmacêuticas tivessem um pouco mais de respeito pela humanidade e deixassem de ter como objectivo prioritário encharcar o planeta de pastilhas, e por outro lado, se os bancos e os grandes potentados económicos diminuíssem numa pequena percentagem os seus fabulosos lucros, e com essa percentagem criassem processos de abertura de novos caminhos para melhores condições de vida da humanidade, eliminariam, pela certa, uma boa parte dos factores de risco, muito mais prejudiciais do que o colesterol, essa mina de ouro, esse estratégico monstro aterrador a que um jornal diário se referia, despudoradamente, em publicidade paga, como bomba-relógio! Assim como eliminariam, pela certa, uma boa parte das doenças, nomeadamente das doenças cardiovasculares, e uma boa parte das preocupações.
(ilustração de Adão Cruz)
Segunda-feira, 11 de Outubro de 2010
Adão Cruz
Na grande mesa-redonda dos congressos, a mesa de primeira, a mesa central do poder científico, o altar-mor, reza-se a missa solene. Mas para que ninguém se sinta fora do banquete, permite-se e até se paga, paralelamente, a elaboração de miríades de trabalhos de segunda. Se os há com indiscutível interesse clínico, na sua maioria não passam de especulações pseudo-científicas, sem qualquer repercussão na saúde dos pacientes, apenas para fazer currículo, proliferando como coelhos, e que, como os coelhos, pouca riqueza trazem ao país, neste caso à saúde. Como se costuma dizer, nem oito nem oitenta ou tudo o que é de mais é moléstia. Tanta energia profissional desbaratada! Tantas horas em falta numa boa, humana, correcta e dedicada prática clínica! Os doentes já não conseguem gastar tanta ciência! Parafraseando um colega, os congressos são como romarias, onde se fortalece o espírito de grupo e se combina a feira com a missa, o contrato com a festa, a medicina com a liturgia, a palestra com o sermão, o palco com o púlpito.
Os próprios diapositivos modernos, as tábuas sagradas do PowerPoint, mais preocupados com a sugestão, a insinuação e o aliciamento do que com a verdade do conteúdo, tantas vezes pagos, fornecidos e submetidos pelas próprias empresas à censura das Slide Reviews, são como retábulos a ilustrar o evangelho, desde o discreto até ao excesso barroco, tão sobrecarregados de adereços que às vezes é difícil descobrir o motivo.
Se há médicos conscientes e críticos, que não submetem, de ânimo leve, a sua ética a estas práticas e a estas normas, outros há, e não são poucos, que se deixam arrastar pelos campos magnéticos desta indústria, situando-se nas órbitas seguras de todas as suas esferas de influência e acção, dando uma triste imagem, por vezes de submissão indigna.
Ninguém pretende negar o valor da investigação. Pelo contrário, os médicos têm a obrigação de a enaltecer, sobretudo perante a inoperância, a negligência e a incapacidade do Estado, realçando o papel da investigação e do conhecimento nas mais importantes descobertas da actualidade. No entanto, a despeito de se terem encontrado fármacos quase milagrosos, a despeito de se terem desenvolvido métodos eficazes e fiáveis para se obterem estimativas do risco cardiovascular e se criarem normas de boa prática clínica, é muito redutor cingir a prevenção ao uso de fármacos, como insinua a profusa propaganda das revistas médicas, acriticamente consentida, que à semelhança das revistas de quiosque mais parecem propagandear perfumes e detergentes, como se os médicos não passassem de receptivas donas de casa delirando com as milagrosas propriedades do Tide e do Presto. A própria indicação de práticas higieno-dietéticas, de difícil realização numa sociedade carenciada como a nossa, bem como a sensibilização através de campanhas de marca e bem-me-quero – na sempre obcecada imitação da divindade americana - protagonizadas por simpáticas senhoras do atletismo de perna e do atletismo político, pouco ou nada sensibilizam, transformando-se, por vezes, em mero folclore e em mais um processo para aumentar o consumo irracional de exames e de drogas, ao fim e ao cabo, o objectivo de todos os magnânimos patrocinadores.
Tais campanhas deveriam fazer parte, isso sim, de um profundo trabalho de pedagogia política e social desde a instrução primária, com lúcido empenhamento de todos nós e do Estado. Apesar das curvas de declínio na mortalidade cardiovascular, após a utilização e divulgação de todas as descobertas e novas medidas decorrentes da investigação, nem tudo são rosas. Não nos podemos esquecer de uma realidade intencionalmente escondida, as graves consequências iatrogénicas, isto é, as consequências resultantes do mau uso e abuso dos medicamentos e das más práticas médicas, seja a iatrogenia química, a iatrogenia dos inúmeros exames dispensáveis, a iatrogenia invasivo-interventiva, a iatrogenia social ou económica, incidindo muito especialmente na terceira idade, a maior vítima da irracional medicalização e instrumentalização da vida. Uma loucura e uma verdadeira catástrofe, pouco perceptível a uma boa parte dos médicos, incapazes de parar para pensar.
(ilustração de Adão Cruz)
Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010
(Continuação)7 SAÚDEContinuam a ser evidentes ineficiências graves na saúde, com a promiscuidade entre medicina privada e pública, péssima gestão hospitalar, política ruinosa de medicamentos, etc., tudo se traduzindo em prestações claramente insuficientes a custos que têm de ter-se por exagerados.
“É reconhecido que os cuidados de saúde, em Portugal, são maus, caros e são prestados, frequentemente, com atrasos excessivos. O CES, consciente das dificuldades financeiras do sistema, defende que as melhorias deverão provir, essencialmente, de medidas de racionalização e de optimização dos meios existentes.
Tudo indicia ocorrerem notórios desperdícios na área dos medicamentos: receitam-se muitos medicamentos e normalmente caros (quando o mercado dispõe de outros, equivalentes, a preços inferiores); e ocorrem evidentes desperdícios na área da gestão hospitalar e em matéria de organização geral dos cuidados de saúde. O ‘reforço da eficácia da participação dos cidadãos através dos gabinetes do utente’ é, neste contexto, de aplaudir.” (CES, Grandes Opções do Plano 1998, Parecer aprovado na Sessão Plenária de 13 de Outubro de 1997, Lisboa, 1997, pág 28)
“O CES já teve oportunidade de referir que a consensual necessidade de prosseguir com reformas estruturais se confronta, em cada tentativa concreta, contra os interesses estabelecidos e que podem ser atingidos com cada reforma em particular. O sector da saúde é, reconhecidamente, um dos sectores em que mais fortemente organizados se encontram grupos de pressão. Só isso pode explicar determinadas reacções quando o governo tenta introduzir correcções que são absolutamente necessárias e internacionalmente testadas, como é o caso de um maior recurso aos medicamentos genéricos. E não seria aceitável ouvir médicos advogar publicamente que já procederam, no acto de prescrever, à análise do custo/benefício para o doente, como aceitável não seria ouvir economistas ou advogados pronunciarem-se sobre a bondade de determinados actos clínicos.” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, págs. 63-64).
8 OBRAS PÚBLICASA gestão dos dinheiros públicos tem sido, com demasiada frequência, insuficientemente responsável, não existindo mecanismos efectivos de controlo e responsabilização de prevaricadores. Para quando a avaliação ex-ante e ex-post dos grandes investimentos públicos, mediante a consideração e avaliação de todos os seus diferentes efeitos, em base plurianual e com publicitação de resultados? Para quando a avaliação da qualidade e quantidade dos serviços correntes prestados pela administração pública aos cidadãos - o que poderia começar pela construção de uma adequada bateria de indicadores, controláveis por entidades independentes, e devidamente publicitados?
“O País tem assistido ao lançamento para a opinião pública de algumas grandes obras: terceira ponte na zona de Lisboa, aeroporto da Ota, comboio de alta velocidade (primeiro com uma ligação a Espanha e, depois, com duas ligações), etc. Mas, surpreendentemente, não têm sido divulgados quaisquer estudos que clarifiquem as razões económicas e sociais subjacentes, mesmo em termos rudimentares. Por exemplo: qual é a capacidade do actual aeroporto de Lisboa e seu possível desenvolvimento e a que custos? Quais os fluxos previstos de passageiros e de mercadorias? Que fluxos de tráfego justifica(ria)m a nova ponte Chelas-Barreiro e que efeitos teria a mesma nas pontes actuais? Quais os custos e proveitos envolvidos? Que tráfegos estão previstos para a rede de alta velocidade (nas modalidades encaradas), que proveitos e que custos são esperados?” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 108)
“O aeroporto de Lisboa, contrariamente ao que sucede com a generalidade dos principais aeroportos, não tem a servi-lo um meio de transporte de massa (comboio ou metropolitano). Para o novo aeroporto tem-se defendido a nível governamental a possibilidade de vir a ser servido por comboio de alta velocidade. Também para o aeroporto de Lisboa foi defendido por um anterior ministro da tutela uma ligação, certamente muito cara, com a Gare do Oriente (tratava-se de uma solução tipo 'people's mover' suspenso ou em monocarril). Contudo, não parece ter sido ainda equacionado o estudo da ligação a uma linha de metropolitano que passa a escassas centenas de metros.” (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, págs. 108-109)
“O CES entende afirmar com muita força que relativamente a projectos desta dimensão e importância não se podem tomar decisões sem a análise exaustiva das diferentes opções e modalidades, sem a disponibilização pública dos elementos de referência e sem uma profunda discussão entre especialistas e na opinião pública. E, tanto nos casos apontados como em outros, tem o CES de concluir que nenhuma discussão séria foi feita e que, mesmo a nível de especialistas, se continua na mais completa ignorância dos elementos que permitiriam a formação correcta de opinião." (CES, Parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2002, aprovado na reunião do Plenário de 12 de Outubro de 2001, Lisboa, 2001, pág. 109)
Tem havido nos últimos meses uma grande discussão (mesmo conflitualidade) na sociedade portuguesa a propósito de obras públicas ou de determinadas obras públicas, aeroporto e TGV em particular.
Não sou fundamentalista em economia e acho que a economia não pode determinar ou justificar tudo; e, por critérios económicos, provavelmente nunca teríamos construído a Batalha, os Jerónimos ou o Centro Cultural de Belém. E nesta perspectiva entendo que temos de dispor de um bom aeroporto e não concebo que fiquemos de fora da ligação ferroviária rápida à Europa. Mas isso não nos dispensa de fazer contas, de explicitar pressupostos, de apresentar resultados de análises, de procurar as soluções mais económicas (a implementar de forma gradativa e calendarizada), mantendo sempre um mínimo de coerência de conjunto.
Que racionalidade esteve subjacente aos estádios do EURO 2004?
“As implicações financeiras do EURO 2004 suscitam a maior apreensão aos membros do CES, até pelos problemas que têm vindo a apresentar-se. Tendo em conta os elevados montantes financeiros envolvidos e outras experiências de aplicação de dinheiros públicos, propõe o CES que sejam explicitados os montantes globais a sair do OE, seus destinatários e prazos de entrega, e que medidas estão previstas para fazer face a eventuais derrapagens ou eventuais situações anómalas. Também a situação fiscal de alguns clubes deveria ser adequadamente analisada e publicitada” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa, 2002, pág. 28)
O ruído então prevalecente na sociedade, designadamente em certos media e clientelas ligadas ao futebol, abafou completamente as preocupações formuladas. Hoje - e no futuro - todos estamos (estaremos) pagando o preço.
Que racionalidade na construção de uma auto-estrada entre Viseu e Chaves/Espanha, por onde não passa - nem durante décadas passará - quase ninguém?
Em termos metaeconómicos, parece-me bem um TGV, reduzido ao mínimo; mas como se compagina esta prioridade com a permanência de uma linha de via única para o Algarve? Que coerência em matéria de lógica de transportes ou simplesmente de ferrovias?
Economia de custos: como explicar toda a sucessão de disparates (?) ocorridos com a melhoria (?) da via-férrea entre Lisboa e Porto? Quantas dezenas (ou centenas?) de milhões custou a mais e quem disso foi responsável (ou disso "beneficiou")?
“As vicissitudes ligadas às obras em curso na Linha do Norte justificariam o cabal esclarecimento público: qual era o timing inicialmente previsto? Qual o timing actual? Quanto se previu gastar? Quanto será provavelmente gasto? Houve erros graves de projecto? Se houve erros continuam os mesmos projectistas a trabalhar paro o Estado? Imputaram-se responsabilidades? Poderão as composições circular à velocidade de cruzeiro para a qual foram concebidas? Se não, por que razões?” (CES, Parecer sobre Grandes Opções do Plano para 2003, aprovado no Plenário de 25 de Setembro de 2002, Lisboa. 2002, pág. 47)
Dispomos no centro do País se não da maior pelo menos de uma das maiores manchas florestais da Europa que, por não ser explorada com qualquer critério de racionalidade, vai paulatina e periodicamente ardendo, ano após ano, libertando uma enorme quantidade de CO2 para a atmosfera. Trata-se de uma riqueza potencial enorme que nunca explorámos.
Fiz algum lobby durante duas décadas para se "desencravar" a região: ou seja cortar a Zona do Pinhal com duas boas estradas, uma na direcção Norte-Sul e outra Nascente-Poente. Nada se fez, até que, de repente, se procedeu à adjudicação da “subconcessão do Pinhal Interior (...) o maior empreendimento rodoviário (...) tanto em termos de investimento (1.429 milhões de euros), como de extensão (...)”. Arrisco um comentário: no essencial, tratar-se-á de dinheiro atirado à rua.
Quanto à Terceira Ponte sobre o Tejo (que considero absolutamente necessária se avançar o TGV): alguém consegue compreender a "trapalhada" (sejamos benevolente na terminologia) em curso? Será curioso estar atento, anotando as soluções neste momento preconizadas pelos concorrentes e respectivos preços (e seus diferenciais) para se poder comparar com as decisões que vierem a ser tomadas. Julgo que não deixará de ser interessante constatar quem serão os novos concorrentes, seu posicionamento relativo e resultado final, comparando então com a situação existente no momento do anulamento de concurso que acaba de ser decidida.
Temo que comecem a aflorar sentimentos de não reconhecimento de legitimidade relativamente ao regime. E isso acentuar-se-á se os problemas não forem resolvidos, se a pobreza aumentar e se as clivagens económicas, sociais e políticas se aprofundarem.
(Continua)