Como podem as crianças soldado, ou as crianças vítimas de maus tratos, ultrapassar os seus traumas?
Ao verificar-se uma ferida, um trauma, dá-se uma agonia psíquica. O horror do que se viu, do que se sofreu, faz com que se fique morto psicologicamente, com que já não haja força para viver. De tal forma foi assustador o que se viveu, que a única forma de não sofrer é tornar-se pateta. É que, se, por infelicidade, a criança pensar, vai sofrer. Fica dilacerada, não compreende o que aconteceu, é demasiado forte, provem a agonia psíquica. Ou então, uma parte da sua personalidade fica escarificada, em que morre uma parte da sua personalidade. Mas, à volta dessa parte, persistem brasas de resiliência.
Será preciso que alguém sopre nessas brasas para voltar a surgir vida. E se ninguém soprar, fica-se morto. O que acontece, depois, é o retomar do desenvolvimento, mas com uma parte morta da personalidade, com um traço biológico na memória.
É nessa altura que serão necessário tutores de resiliência para sobreinvestir aspectos em que uma criança que se desenvolveu em boas condições não precisa.
Mas, então como se dará esse “processo” de resiliência? “Processo” é qualquer coisa que está em constante evolução e que depende tanto dos outros, como do próprio. Há genes e são os outros que vão fazê-los falar, permitindo o desenvolvimento biológico, psicológico e social.
Então, como fazer para analisar um “processo de resiliência”? Há que tem em conta a aquisição dos recursos internos, quando se é pequeno e no momento em que as figuras de vinculação impregnam uma aptidão para utilizar os genes humanos ( porque se é humano e não uma minhoca). Depois, será a significação dos acontecimentos que traumatizaram um determinada criança. Importa ainda a disposição que os recursos externos – a família, o grupo social, a cultura – vão dispor à volta de cada criança para lhe disponibilizar tutores de resiliência.
A diferença entre tutores de desenvolvimento e tutores de resiliência poderá ser a seguinte: todas as crianças que nascem possuem tutores de desenvolvimento ( a excepção são as que sofrem uma das 7 000 doenças genéticas, o que só corresponde a 1% dos nascimentos) com necessidade de alteridade à sua volta para se desenvolverem.
Se colocarmos alguns tutores de resiliência, afectivos e sensatos, em redor do pequeno carenciado, este retoma rapidamente o seu desenvolvimento e até pode recuperar o atraso.
A partir do momento em que alguém aceita amá-la, a criança magoada deseja tanto estabelecer uma relação afectiva com essa pessoa, que irá submeter-se às suas crenças, única e exclusivamente com o objectivo de ter algumas ideias para partilhar com ela.
As crianças que aprenderam a ter esperança projectam no palco do seu teatro íntimo um sonho ideal no qual representam o papel de uma criança amada, de um herói prestigiado ou de um adulto que é, simplesmente, feliz. Este trabalho imaginário salva-as do horror. Cuidar destas crianças, alimentá-las, lavá-las é uma necessidade física que, no entanto, não desencadeia um processo de resiliência. Para iniciar um trabalho de resiliência, deveremos iluminar de novo o mundo e voltar a dar-lhe coerência. Isto faz-se pela “narração”.
As crianças que conseguem transformar-se em adultos resilientes são aquelas que foram ajudadas a dar sentido às suas feridas. O trabalho de resiliência consistiu em lembrarem-se dos choques para fazerem deles uma representação de imagens, de acções e de palavras para interpretar a ferida narcísica.