De facto, as crianças vivem dentro de um sistema de comportamento, que faz que sejam culpabilizadas por acontecimentos fora do seu entendimento e da sua decisão. Não seria necessário lembrar a análise de Dolto, não fosse o caso de Françoise Dolto ter lutado por crianças que a nossa constituição não parece reconhecer. Comparar o artigo sobre a família e o comentário de Dolto, é perceber rapidamente que a interacção entre adultos que legislam e crianças que obedecem, acaba por ser um inferno para contextualizar os mais novos. Pode-se reparar que a nossa sociedade vive a dicotomia anti-tética de obrigar os mais novos a serem pessoas sabidas, dentro de grupos sociais para os quais as leituras são de revistas como Maria, Caras, Jornal a Bola e outras; ou a televisão e as telenovelas das quais os pequenos podem retirar um imaginário distante do que o adulto vê e comenta com os seus pares, sem explicar a paixão ou o erotismo ou a brincadeira de finanças que leva vários a tribunal. Até os fogos de Verão são uma notícia de sensação e não de entendimento ecológico para aprender a tomar conta da flora e da fauna, como instituições preocupadas e com poucos recursos, ou partidos políticos, são capazes de defender. Esta criança vive de tal maneira dentro de uma mais-valia retirada da carta Fundamental, que acaba por não entender o seguinte artigo, ou as ideias que estão dentro:
Artigo 82.º
(Sectores de propriedade dos meios de produção)
1. É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.
2. O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas.
3. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
É assim que entramos pelas problemáticas das crianças. Os Códigos são espartanos na sua definição. A pessoa que falava no Seminário parece ter razão: a criança é um subentendido. A frase é minha e com amabilidade foi usada, devidamente citada, na exposição referida. Não consigo não repetir: a criança é um subentendido, um subordinado como denominei nas Actas do II Colóquio sobre a Investigação e Ensino das Antropologia em Portugal[1]. A minha teima tem sido sempre a ignorância que o adulto atribui à criança, mas, ao mesmo tempo, como esta criança sabe defender-se da ignorância que o adulto lhe oferece. Ignorância que não é apenas o facto de ser uma entidade despercebida, o que vive dentro de regras e horários que afastam as duas gerações. Se retorno à minha comprida citação, posso apreciar que a cultura do saber universal entrega aos mais novos um papel sem representação dentro do grupo: eis porque os autores citados dizem que se deve “talhar”, “construir”, um lugar dentro da sua cultura, porque um dia a cultura lhe dará o seu lugar social conforme a aprendizagem que tenha feito do saber, ou, como diz o começo do parágrafo 2, o indivíduo elabora a sua experiência de entre os materiais fornecidos pela cultura. É o caso que tenho observado entre as crianças Picunche da Villa de Pencahue, Província de Tralca, Chile e analisado em 1998 e 2000[2]. Toda criança tem como obrigação trabalhar a terra, tomar conta dos animais, ensinar aos mais novos a usar a tecnologia para não se ferirem, satisfazer a libido dos adultos da casa ou visitantes sem se queixar – política que faz parte do comportamento ritual de crescimento dos pequenos e das pequenas. Normalmente, pequenas reservadas para o pai, enquanto os “niños”, para os irmãos mais velhos, os irmãos dos pais, etc. Comportamento a ser reproduzido, como fui capaz de observar ao longo de mais de 40 anos, entre grupos diferentes de Picunche de sítios geográficos distantes do Chile. Criança que não tem adulto, é criança mal criada, uma vergonha social, desprezada, não querida, que acaba por procurar um homem na casa dos Homens que para este propósito, existem. Ou, durante certos anos da minha pesquisa, na Casa da Igreja Romana, com o Padre que acabou por fugir com um deles. Como relata Maurice Godelier no seu texto sobre La Production des Grands Hommes na Melanésia, em 1981[3]. Formas rituais de unir em relações reprodutivas os seres humanos no futuro, na idade madura. Esta forma de relação cria uma associação entre quem bebe esperma do outro ou recebe esperma por fellatio e as relações reprodutivas com a mulher mais próxima de quem dá e virá a ser a mãe dos seus filhos – irmã, filha de irmão, parente dentro do grupo clãnico no caso dos Baruya da Nova Guiné ou parente não consanguíneo directo em relação de ascendência – descendência, como entre os Picunche, Huilliche, Aimara, outros.
No entanto, esta forma de entender as relações deve passar antes pelas definições de idade e os conceitos que as pessoas têm ou lhe são atribuídas pelo seu grupo. Se uma introdução à análise das formas culturais de organizar as emoções já significa uma classificação, é preciso entender a classificação dos adultos perante as crianças, ou das crianças. Pensa-se que os mais novos não entendem, pode dizer-se tudo o que se quiser em frente deles por, ou já saberem tudo, ou ficarem com o seu “saber proscrito”, como diz Alice Miller[4]. Na sua obra, Miller analisa o saber dos mais novos em diferentes idades, como tinham feito Freud, Klein, Bion, entre outros e vamos ver mais à frente. No seu livro de 1977[5], a autora – polaca de nascimento, refugiada na Suíça, terapeuta da Infância e Pedopsicóloga estuda a infelicidade da vida infantil dos pais de crianças que ela analisa mais tarde. Estuda especialmente o caso das mães a sofrerem todo o tipo de violência doméstica, como a vida a três do pai – a mãe da criança, a sua amiga por turnos e os comentários que deve ouvir por parte da mulher que se sente abandonado e mora, no entanto, na denominada casa familiar. O começo do texto é dramático na nossa cultura: a mãe e o pai não estão ajudar a “talhar” o lugar social na cultura do mais novo, até o título do primeiro Capítulo define uma relação invertida: é o filho bem dotado que deve ouvir a mãe nos seus prantos, angústias e depressões. Ora, esses três sentimentos, como Klein diz no seu texto Inveja e Gratidão[6], fazem parte da defesa dos pequenos perante esse falar descontrolado de um adulto cuja epistemologia não entende, ou não são mutuamente entendidas. O título de Miller é El drama del niño dotado y como nos hicimos terapeutas, para estudar em 50 páginas a vida de uma infância reprimida que a criança deve fazer falando de tudo, excepto da verdade e viver de ilusões do que não existe e não é: esse lar calmo, sereno, estudado, sabido, fiel. É o que, ao longo do texto, denomina ilusões de infância, a danificar a vida adulta. Como aconteceu com esses pais, rebentos de pais desleais, dotados com a capacidade de ouvir, para passar a ser o próximo mais novo a ouvir. Determinados pela história dos pais com os seus avós, a infância foge da realidade e esconde a falta de amor na solidão e no abandono infantil, na leitura, no encerramento nos seus aposentos, que passam a ser dele, com a grande proibição de aí entrar todo equalquer maior que traga as suas tristezas ante uma mente capaz de entender o mundo, excluindo a sua família. Sentimentos materializados em actividades que fazem dele uma criança dotada. “La represión del sufrimiento infantil no solo determina la vida del individuo, sino también los tabúes de la sociedad”[7]. A solidão e o abandono infantil são motivos de profundo transtorno das pessoas dotadas: nascem da ausência do prazer e do carinho na infância. Alice Miller apenas estudara vida de Sakespeare, Joan Crawford, Charles Chaplin, Mozart, Beethoven e Einstein, para sabermos a base da sua genialidade. Ou Sartre, Bouvoir, Bourdieu, Godelier...a falta de infâncias douradas....
(proferido por Angélica Espada, membro da equipa sobre o saber da Infância, como Idalina Lopes, que redigiu o texto. O texto final é meu)
Foi a frase de uma das pessoas que trabalha comigo, durante um Seminário de Etnopsicologia da Infância, a decorrer durante o ano académico. De imediato várias ideias saltaram na minha cabeça. A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar: o que é uma criança? Conceito definido por teorias de várias escolas que percorrem o mercado da erudição académica, já comentadas no Capítulo anterior. No entanto, a criança é uma entidade heterogénea de idades diferentes: há a cronologia que acompanha o transcorrer da sua vida, há capacidades definidas conforme as possibilidades de entendimento do real há o contexto que rodeia os mais novos e os adultos que definem o conceito.
A ideia é analisada no Curso de Etnhopsyquiatrie e de Etnopsicologie francesa, texto que apoia o desenvolvimento da minha hipótese sobre a etnopsicologia da infância[1]: “L'ethnopsychiatrie est une méthode d'investigation qui s'efforce de comprendre la dimension ethnique des troubles mentaux et celle, psychiatrique, de la culture. La classification des maladies est différente d'une culture à l'autre. Le "Shaman" a un rôle de "psychanalyste autochtone" faisant appel à des mythes sociaux. C'est quelqu'un de déviant, catalyseur de la communication vers le savoir sacré, interprète du divin auprès du commun des mortels. L'ethnopsychiatrie se donne pour but de donner un sens culturel à la folie.
O Estado português terá atualmente centenas, senão milhares de crianças e adolescentes VIH positivas, inseridas na comunidade com igual direito à saúde, ao ensino, e com o mesmo anseio de felicidade e sucesso.
Os pediatras destas crianças temendo represálias, fobias e mal entendidos, aconselham os pais a não revelarem a seropositividade dos seus filhos. Não existe da parte do governo, ou da Coordenação Nacional para a Infeção VIH/SIDA, nenhum conjunto de normas e estratégias que os pais possam evocar para apoiar e assegurar o bom desenvolvimento dos seus filhos a nível cognitivo, social, linguístico e emocional. Mais tarde ou mais cedo, estas crianças e adolescentes terão de lidar com o seu desenvolvimento e relacionamento sexual. O que pensa o Governo desta situação? O que pensam os médicos? O que esperam as escolas? Que práticas serão as adequadas para assegurar a estes novos cidadãos o direito à vida com qualidade e esperança? A revista Abraço tenta, com esta edição, dar voz à criança infetada e afetada pelo VIH/SIDA.
A Direção da Abraço
A revista Abraço acaba de lançar o seu primeiro número. Distribuída como encarte do jornal Público do passado sábado, dia 7 de maio, está também acessível online aqui. Leia, comente e partilhe.
Uma das consequências mais interessantes do 25 de Abril foi o aumento demográfico. Um ano depois nasceram imensas crianças.
Estão a ver o pessoal andava debaixo das polainas do ditador e do complexo de culpa da Igreja, tirando uma élite que morava na Quinta da Marinha e uns mais intelectuais ou que se movimentavam em associações de cultura e politica, e que sobreviviam, o pessoal que tinha vindo da aldeia natal e continuava a ser um beirão, boa gente, mas ingénuo e atrasado e, principalmente, a viver em quartos alugados e cheios de fome (pelo menos nos últimos dez dias do mes que o salário não esticava o suficiente) não tinha oportunidade nenhuma para namorar..
O 25 de Abril foi uma explosão de muitas mentiras e preconceitos, e no plano afectivo o pessoal deu largas às festividades. Estão a ver , eu casei a 3 de Setembro ( acho eu...) de 1973, se os capitães me têm avisado eu aguentava mais uns tempos e , teria gozado a farra que se seguiu ao 25 de Abril, solteirinho e bom rapaz.
Enfim, nem tudo é perfeito, mas três meses depois fui para Inglaterra e a Lurdes engravidou, pelo que vos quero anunciar que o meu filho foi apaixonadamente concebido em Strafford-upon-Avon, nem mais, na terra do William!!! A Torre de Londres mete-me calafrios pelo que só poderia ser em Oxford ou Cambridge mas acho que foi mesmo na terra do escritor. Até a unica recordação que ainda tenho dessa viagem é uma caneca de colecção com a figura do Shakespeare.
O meu cunhado que já tinha uma filha quase que ia acertando pois o Rui nasceu catorze dias depois do Hugo Luis, nasceu pois a 21 de Abril de 75.
Os nomes dados às crianças dessa geração também reflectem o momento, com uma larga profusão de Vascos, Hugos, Ernestos, Otelos e por aí fora. O nome do meu rapaz foi escolhido entre os que constavam de uma lista com os nomes mais conhecidos dos "capitães", eu queria que ele fosse Luis, como o pai, mas a mãe dizia que não estava para gritar Luis e aparecerem-lhe pai e filho. Eu cedi desde que o segundo nome fosse Luis e, assim ficou, Hugo Luis.
Mas a verdade é que se os capitães têm antecipado o golpe uns meses apanhavam-me solteiro e eu ainda tinha frescas umas ex-namoradas e poderia ter sido, nesse campo, uma farturinha, mas não, deu para andar em tudo o que era manifestação, para arranjar umas mentiras para justificar a chegada a casa a desoras, mas pouco mais...
Por ser da maior importância estarmos atentos a estas problemáticas, passarei a transcrever partes do Relatório final do do projecto EU Kids Online que realizou em Fevereiro de 2011 uma Conferência em Lisboa.
Este projecto foi financiado pelo Programa Safer Internet da Comissão Europeia de modo a consolidar a base empírica para políticas de segurança na internet. Foi entrevistada uma amostra aleatória de 25.142 crianças, com idades entre os 9 e os 16 anos, utilizadoras da internet, e um dos seus pais, na Primavera/Verão de 2010 em 25 países europeus.
O inquérito investigou alguns riscos online fundamentais: pornografia, bullying, receber mensagens de cariz sexual, contactar com pessoas desconhecidas, encontros com pessoas que se conheceu pela internet, conteúdos potencialmente nocivos criados por utilizadores e abuso de dados pessoais.
Pode concluir-se que :
- O uso da internet está totalmente integrado na vida quotidiana das crianças:
93% dos utilizadores dos 9 aos 16 anos acedem pelo menos uma vez por semana (60% usam todos os dias ou quase todos os dias).
- As crianças estão a começar a usar a internet cada vez mais novas
– a média de idades do primeiro uso da internet é de sete anos na Dinamarca e na Suécia e de oito noutros países do Norte da Europa. Em todos os países, um terço das crianças com 9 ou 10 anos que usam a internet fazem-no diariamente, o que aumenta para os 80% entre os jovens com 15 ou 16 anos.
- A internet é mais usada em casa (87%), seguindo-se a escola (63%).
Mas o acesso à internet está-se a diversificar
– 49% usam-na no seu quarto e 33% através de um telemóvel ou outro dispositivo móvel. O acesso por dispositivos móveis ultrapassa um em cinco casos na Noruega, Reino Unido, Irlanda e Suécia.
- As crianças têm muitas actividades online, potencialmente benéficas:
as crianças dos 9 aos 16 anos usam a internet para o trabalho escolar (85%); jogam (83%); vêem clips de vídeo (76%); e trocam mensagens instantâneas (62%).
São menos as que publicam imagens (39%) ou que partilham mensagens (31%), as que usam uma webcam (31%), sites de partilha de ficheiros (16%) ou blogues (11%).
- 59% das crianças dos 9 aos 16 anos têm um perfil numa rede social
– incluindo 26% com 9 ou 10 anos, 49% dos que têm 11 ou 12 anos, 73% dos de 13 ou 14 anos e 82% dos 15 ou 16 anos.
As redes sociais são mais populares na Holanda (80%), Lituânia (76%) e Dinamarca (75%); e menos na Roménia (46%), Turquia (49%) e Alemanha (51%).
You tube - Campagne publicitaire contre les dangers d'internet sur les enfants et ados
As crianças observam-nos. As crianças sabem de nós. As crianças descortinam-nos. Esses pequenos seres entre os 12 meses e os cinco anos, imitam-nos. Procuram em
nós uma satisfação sentimental das suas emoções e colmatar os seus desejos de uma resposta simpática no difícil processo de amar. Um processo que requer um parceiro, esse processo de ida e volta, conjugado no verbo amar: de simpatia, de antipatia, com raiva, ou, simplesmente, não amar. Em síntese, uma complexidade entre as relações baseadas nas emoções, nos sentimentos e na intimidade do desejo. É esse descortinar dos nossos afectos que permite aos mais novos aprender a ser adultos, com bem ou
mal-estar na cultura, como referia o nosso mestre Freud no seu texto de 1930 [5], ao desenhar aberrações sexuais do seu tempo. Os mais novos escrutinam o nosso agir, decidem se é bom ou mau para eles e não vão a votos, é um observar sem democracia. Ditadura dos mais novos que obriga os mais velhos, a um comportamento adequado
aos seus sentimentos definidos pela epistemologia cultural, que os mais novos desconhecem.
Há uma procura de empatia simpática, a mais primária das emoções, referidas no meu livro de 2000 - O saber sexual da infância e no anterior de 1998,
Como era quando não era o que sou ou O Crescimento das Crianças, para os quais remeto ao leitor, por falta de espaço. Ditadura, essa, referida ao adulto como uma entidade que ensina, predica, pratica sentimentos agradáveis e é observada com toda a atenção.
Numa alta coluna, com a cidade a seus pés, erguia-se a estátua resplandecente do Príncipe Feliz. Coberta de lâminas de ouro e cravejada de pedras preciosas, por todos era admirada a cintilante figura do jovem nobre.
Num certo Outono, uma andorinha que se atrasara na viagem para paragens mais quentes porque ficara a namorar um junco, resolve-se finalmente a empreender a viagem para o Egipto e decide passar a noite no pedestal da estátua. Surpreende-se com as grossas gotas de chuva que lhe caem em cima e descobre que estas são, na verdade, as lágrimas da estátua. O Príncipe Feliz conta-lhe as misérias que vê do seu pedestal, as tristes vidas dos que vivem à sombra dos ricos e poderosos. Explica-lhe que em vida, no seu palácio, apenas conhecera o prazer e nada soubera do sofrimento, mas agora, dali do alto, via toda a fealdade e miséria da sua cidade. Pede-lhe então ajuda para fazer chegar as pedras valiosas com que cobriram o seu corpo àqueles que delas precisam.
A andorinha comove-se com a generosidade do Príncipe e vai despojando-o do rubi da espada, das verdes safiras que eram os seus olhos, do ouro que lhe cobria o corpo, até deixá-lo cego, feio e negro. Entretanto o Outono acabara, o frio tinha chegado, e a andorinha, que sabia o que estava reservado às aves que não escapavam ao frio manto que cobriria a cidade, despede-se do Príncipe mas ao tentar voar para longe vai inanimada aos seus pés. Nesse instante, ouve-se um estalido no interior da estátua. O seu coração de chumbo havia-se partido em dois.
Deparei-me com uma edição recente deste conto que Oscar Wilde publicou em 1888 e que era a história favorita da minha infância. Não o lia há muitos anos e dele guardava uma memória carregada de detalhes que vejo agora não existirem no original. Também reconheço uma fina ironia que me escapara então. Nessa época eu lia as páginas e chorava baba e ranho, e sabia que essas lágrimas não me entristeciam nem escureciam a luz que reconhecia nessa fábula. A comoção era uma espécie de reconhecimento da ligação que existia entre mim e as outras pessoas. Eu comovia-me e chorava porque era, e dava-me conta disso com a simplicidade luminosa que a infância permite, humana.
Não sei se esta história de Wilde terá muito sucesso hoje em dia. Tenho visto, agora que escolho livros para o meu filho, que as histórias para crianças sofrem muitas vezes uma espécie de purga de qualquer elemento sombrio. Queremos poupar os nossos filhos ao sofrimento, evidentemente. Queremos afastar todas as sombras do seu caminho, queremos que conheçam intensamente a alegria e que a perda se mantenha longe dos seus corações. Já dei por mim a pousar novamente na estante da livraria certos contos que parecem vir tingir esse idílio com as primeiras sombras. Mas agora que acabo de pousar este volume, e recordei como era lê-lo aos nove anos, sentada no tapete do meu quarto, no cantinho que era o meu lugar das leituras, fico a pensar nesse mistério dos contos para crianças, que, guiando-as por caminhos de bruxas e gigantes, terrores e angústias, as fazem chegar sãs e salvas, mais sábias mas também mais esperançosas.
E isso é possível porque elas possuem essa fé ainda sem as reticências que aquilo que achamos ser o conhecimento do mundo há-de colocar.
Há dias, quando mostrava ao meu filho a lua enorme que lhe entrava pelo quarto, ele ficou a olhá-la em silêncio durante uns instantes e depois estendeu a mão para ela e perguntou-me:
- Posso pegar?
(uma primeira versão deste texto foi publicada no blogue Aventar)
Era uma vez um Pai Natal que trazia um saco cheio de prendas para os meninos. Mas, de repente, houve uma prenda que caiu do saco, sem ele dar por isso.
Uma bruxa ia a passar e encontrou a prenda no chão. Em vez de ir entregá-la ao Pai Natal, ficou com ela para a pôr na sua árvore de Natal.
No dia de Natal houve um menino que ficou sem prenda e começou a chorar. O Pai Natal disse-lhe:
- Não chores, meu menino, que eu arranjo-te outra prenda igual à que era para ti !
Então o Pai Natal foi a casa da bruxa e perguntou-lhe: - Oh bruxa, tu viste alguma prenda perdida ?
A bruxa disse que não. O Pai Natal, que não sabia que ela estava a mentir, mandou os seus amigos anões fazerem uma prenda igual e levou-a ao menino que ficou todo contente.
Mas o Pai Natal voltou à casa da bruxa e viu a prenda que ela tinha roubado. E disse-lhe:
-Oh sua grandessíssima malvada, além de ladra és mentirosa !
E castigou-a ! Bateu-lhe com um pau no rabo e nunca mais lhe deu prendas .
Aldeia feliz
Fernando (11 anos)
Era uma vez numa aldeia muito longe de Lisboa, lá para o Norte.
Era uma aldeia muito feliz. As pessoas eram amigas. Chegou o Natal e todos fizeram uma grande festa. O Pai Natal deu presentes a todos.
Mas havia uma casa onde viviam dois meninos que eram irmãos e o Pai Natal não viu a casa deles. Eram muito pobres !...
Mas apareceu uma velhinha que teve pena deles e deu-lhes as prendas que o Pai Natal lhe tinha dado...
E a velhinha ficou a tomar conta deles como se fosse a “mãe”. Depois apareceu um anjo e disse:
- Fizeste bem, velhinha !
E aqueles meninos ficaram contentes porque tinham uma mãe.
POEMA RAP DE NATAL
O Natal está a chegar E nós estamos a pensar Como vamos começar... Vamos pensar !...(R.) Nos presentes que gostávamos de receber: Carros, (R.B.) Umas botas, (S.) Pistolas de brincar, (D.) Um perfume. (I.) E o que vamos desejar: (T.) Que as pessoas sejam felizes; (D.) Que os pobres tenham um bom Natal e uma casa para viver; Que as crianças que não têm mãe nem pai encontrem os seus pais; Ou alguém para as ajudar a ter Natal; (P.) Festa de anos Amigos Escola Casa Companhia... (R.) Porque é que há guerras ? (D.) Porque as pessoas são más e querem destruir. Se calhar quando eram pequenas fizeram-lhes mal e agora, querem-se Vingar !... (N.) As guerras têm que acabar senão o mundo vai pelo ar ! Nós podemos brincar às guerras, mas é a fingir e sem aleijar ! (T.) Acabem com a violência ! Deixem os animais em paz ! Queremos o mundo limpo, Um mundo com saúde (S.) Um mundo divertido, Um mundo com amigos, Com pessoas boas (I.) Queremos um mundo com amor ! (Todos)
1. Sermos pais. Devo reconhecer que não sei se este deve ser o primeiro ponto da matéria a tratar, esta de se ser autor da vida biológica, emotiva e intelectual de uma nova geração. Preciso reconhecer que o conceito de paternidade, me tem sido impingido pela cultura na qual vivo, a romana ocidental. Bem como, gosto dizer que paternidade, a meu ver, inclui os dois géneros, como hoje em dia se define. Definição criada na luta dos finais do Século XX e estes anos do Século XXI, começada com a luta denominada Sufragista de finais do Século XIX. Épocas, todas elas, para definir uma igualdade entre seres humanos de genitais diferentes: falo e vagina, mamas que oferecem leite e amamentam, bem como mamas estéreis para criar. Talvez, ambas, para exibir de forma erótica e seduzir uma ou outra pessoa - do mesmo sexo ou de sexo diferente. Complexo. É-me difícil falar da relação paternidade - filiação, por terem mudado dentro da nossa cultura as referências ao acasalamento. Mudança feita em curto espaço de tempo, em Portugal e em toda a Europa. Aliás, alguns países europeus definem a paternidade de forma diferente do nosso: os denominados países nórdicos como a Noruega, a Dinamarca, a Holanda, para casos determinados a Grã-Bretanha, ou o Estado Catalão do Reino da Espanha, definem o acasalamento como a união entre duas pessoas capazes de organizar uma descendência, adoptiva ou descendente consanguíneo de um dos membros do casal. Porque sermos pais permite, hoje em dia, uma outra actividade, já universalizada, o denominado divórcio, ou dissolução do contrato entre um homem e uma mulher que a nossa lei refere como "nubentes" ou pessoas comprometidas para casar[39]. Nubente é um conceito do primeiro Código Civil Português e foi ficando no que eu gosto denominar, a alergia ao saber comum que os eruditos têm do povo. Porque de facto, o conceito nubente, mencionado já nos Evangelhos cristãos, foi adoptado pelo Direito Canónico e pela lei civil e significa ser livre[40]para contrair compromisso de casamento, como manda o Artigo 1591 do Código Civil Português. Por outras palavras, as ideias religiosas desde a antiguidade da nossa era prescreviam liberdade para se ser pai. E a Concordata assinada em 1945 entre os estados Vaticano e Português e ratificada por convénio em 1995, dentro da lei positiva está presente no Código Civil Português, nomeadamente no seu Livro IV, Título II, Capítulo I, "Modalidades de Casamento", entre as quais se legisla o Matrimónio Católico [41].
Sermos pais acaba por ser uma definição escrita de costumes adquiridos ao longo do tempo. Até ao ponto de existir um conjunto de regras que definem o comportamento de vai e vem das emoções, do carinho, do cuidado, do olhar, do sentimento gratuito e recíproco que tinha na minha cabeça no minuto de pensar essa frase, já para mim, conceito. Sermos pais. Como diz Eduardo Sá no seu texto de 2003, ao falar de resiliência, conceito de Boris Cyrulnik[42], a ser definido mais á frente: "...o bebé nasce na cabeça dos pais..."[43]. Esta frase, retirada do contexto mencionado em nota de rodapé, diz respeito á minha procura emotiva da criança e por observar que o adulto entende que esse ser é resultado do amor, do desejo que nasce dos olhos, desse mirar sem pestanejar, profundo, calmo, seco, terno, da profundeza do amor que nasce da entrega de um ao outro - distante dos comentários da praça pública, esse fazer amor por erotismo.
O erotismo permite sermos pais? é a frase que cunhei para um texto meu, como subtítulo[44]. Ou ainda, o poema de paternidade sabida por se ser pai, não por ser erudito, cuja quarta versão revista fala de forma tão determinada acerca da necessidade dos filhos para os pais crescer [45]. Aí é preciso distinguir entre a paternidade e o ser humano adulto que os Código Civil, o de Direito Canónico, o Catecismo de Wojtila, definem. Na página 39, o capítulo praticamente abre com a ideia definida pelo autor: "Talvez a primeira função de uma pessoa seja ser mãe" [46]. O meu comentário é quase autobiográfico: na altura da minha primeira paternidade -maternidade, tinha "proibido " em casa os cor-de-rosa, estava certo de o meu primeiro descendente ser um rapaz e os pequenos, por costume, vestiam de branco ou azul faz já trinta anos...Quando vi sair a pequena que adoro, não precisei esperar ver os genitais, era tal e qual a minha sogra...e assim ficou linda até ao dia de hoje, como a sua mãe. Donde, sermos pais, é o conceito de ternura para com esse ser pequeno, de pés descalços, indefeso se não for pelos cuidados de ser amamentado pela mãe na companhia silenciosa e de mãos dadas, do pai. Essa ternura que nasceu na cabeça, das brincadeiras românticas da intimidade a dois, de se passar a ser um á espera do outro e continuar a ser esse um, até ao suspiro final que descansa a atenção de saber que de dois, há um no minuto da concepção ou no minuto de alimentar o desejo da paixão que permite solidificar o casal - com ou sem matrimónio - salvar-se dos conceitos de Édipo impingidos entre nós desde 1906, de não sofrer por sentimentos nunca acordados do incesto, como Françoise Héritier, Boris Cyrulnik e outros, nos lembram em 1994[47]. Esse incesto universal como conceito, mas de diferente "textura", estrutura e processo, de exógama clãnica e não consanguínea, como entre nós. Como Bronislaw Malinowski[48]nos lembra e que vamos analisar a seu tempo.
Será que todos estes factos da relação adultos/criança são culturalmente entendidos? Será que, a relação paterna/materna é a de todo o adulto com toda a criança? A minha observação dos factos diz, não. As minhas conclusões de facto dizem sim, ou que, pelo menos, é preciso trabalhar forte e duro para criarmos grupos sociais, com ou sem recursos abundantes, não só por causa da afectividade simpática e serena, bem como pela necessidade de transferir essa outra parte que todo o adulto sabe: optar, decidir, distinguir. Estes três conceitos, retirados por mim das minhas análises económicas que fazem parte do real, são para expandir á Dante, á Erasmus, á Philippe Buonarroti, á Bento Espinoza, á Tomás de Aquino - o introdutor de Aristóteles via Averröes entre nós - a capacidade de filosofar e pensar com arte, sermos pais.
Sim, é verdade que a denomino ilusão de sermos pais. Por dois motivos: porque os mais novos em breve serão os adultos do grupo social e mudando na hierarquia por meio de vários processos rituais, formam a sua casa, o seu lar, a sua distância. Essa altura das nossas vidas quando, mais uma vez, ficamos pais sem filhos por perto: na nossa afectividade e, eventualmente, no cumprimento ou no pedido de conselho. Ideia a estudar mais á frente da forma simples com que sempre tenho analisado o facto que me parecia o mais importante: toda sociedade está dividida em duas culturas, a dos pequenos e a dos adultos [49]. Ideia que começara a defender em 1998 no meu texto sobre o imaginário infantil [50]. Mas, o facto de entrar com mais cuidado nas ideias de Émile Durkheim, Marcel Mauss e de Georges Devereux, -me reparar que toda sociedade tem adultos e crianças, mas apenas uma cultura. Esta ideia apareceu ao lembrar os meus primeiros estudos e fui ao código e á lei. é o segundo assunto, que passo a estudar.
A cultura tem formas de comportamento denominadas costumeiras. No entanto, elas estão codificadas e poucos conhecem essa prescrição. Estamos, no entanto, na altura de a incorporar no nosso quotidiano. 2. Amor de colo. Amar, amo, e tomo conta dos meus adultos porque nasce da minha alma, da mesma forma que aprendi a tomar conta dos meus descendentes, ainda que á distância. O direito tirou-nos a alegria de amar, as penas de prisão estão ao pé de nós se não cumprirmos o que a lei manda e que, em Portugal, o Catecismo apoia. Textos normalmente ignorados pelos estudiosos de seres humanos e, especialmente, de crianças. Debate esse que tenho tido com uma imensidão de eruditos e pessoas da rua, para sermos capazes de nos governar e assim proteger melhor os mais novos: é dizer, ensinar melhor os mais novos dentro da racionalidade da sociedade em que vivemos. Racionalidade nascida do cálculo económico que permite a existência de recursos e reprodução biológica e afectiva. Se falei de dar colo no início do parágrafo, foi para definir o conceito introduzido por Cyrulnik especialmente no texto de 2003 [51]: quanto mais pais somos, mais damos ideias aos mais novos, mais liberdade para aprenderem a proteger-se na interacção social. O livro abre com perguntas endereçadas aos mais novos, através dos seus adultos que entendem. Uma das questões chamou a minha atenção: "que violência traumatizante é essa que dilacera a bolha protectora de uma pessoa?", para se responder com a frase de abertura do texto, na mesma página: "Só se pode falar de resiliência se tiver existido um traumatismo seguido da retomada de um tipo de desenvolvimento, uma fenda reparada"[52].
É esta ideia que me permite saltar para a lei. Os processos emotivos espontâneos devem ser como a lei manda. Essa letra conhecida pelos que sabem regulamentar o comportamento da população e que a populaça ignora: donde, resiliência do povo ou da maior parte dos habitantes de um país. Se pensamos na paternidade, que definiria como o melhor papel de educador, ela é definida assim: ARTIGO 1871º (Presunção)
1. A paternidade presume-se: a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai, é reputado como filho também pelo público; b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade; c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas ás dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai; d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade.
2. A presunção considera-se iludida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado. (Redacção do Decreto - Lei 496/77, de 25-11)[53]. A primeira frase é definidora e fria, não dá lugar a emotividade. A paternidade está longe de ser as ideias que comentava páginas atrás, no nascer da paixão. Não digo que não exista paixão na "feitura" de um filho. Queria apenas dizer que a interacção social não tem por base o acarinhamento, mas sim a prova. Será que, homem da minha cultura, eu posso dizer que a prova não é necessária? E a inteligência humana, a sua racionalidade e o conhecimento existente entre vizinhos do mesmo grupo? Não consigo deixar de mencionar uma história, já publicada a e analisada por mim no meu Jornal A Página: Conceição, a Sardinheira, como era denominada, foi abandonada pelo marido que emigrou para a Argentina. Os anos foram passando e ela criou o filho vendendo sardinhas e limpando casas. Um dia, oito anos depois do marido ter saído e nada se saber dele, aparece na Conservatória do Registo Civil da Vila para declarar o nascimento da sua filha. O Oficial, conhecedor da senhora e da lei, solicitou provas de paternidade e perguntando de forma arrogante: "o teu marido voltou?". Ela nada respondeu e ele, no cumprimento da lei, retorquiu: "mas, onde é que ele está, para inscrever a pequena?" Então ela diz: "Oiça, meu senhor, não tem aí o Livro de Casamentos?" E lêem juntos com quem está ela casada, concluem que sim, esse é o marido e, é evidente que é o pai da filha porque não se sabia de outro homem da senhora. E, como bom vizinho, aceita a resiliência de Conceição e inscreve a pequena com o nome do marido, sendo a prova a certidão de matrimónio. Por outras palavras, a vida dura anterior de Conceição Lopes e o conhecimento que da mesma tinha o Oficial do Registo Civil, desenvolve uma nova situação. Como diz Cyrulnik, a ferida faz parte da vida de Conceição - o marido ausente - e com essa ferida retoma o seu caminho em ruptura com a vida anterior de mulher pobre e abandonada, e ninguém na Vila nem na aldeia faz comentário nenhum e a pequena é aceite, comemorada, cresce, um dia casa e vai andando: a prova da paternidade foi feita...de outra maneira....com resiliência mutua e recíproca.
Continua o Código, tal e qual o Catecismo de Wojtila, ao debruçar-se sobre direitos e deveres da filiação. Diz o Código Civil: ARTIGO 1874º (Deveres de pais e filhos) 1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência. 2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar. (Redacção do Decreto - Lei 496/77, de 25-11)[54] Estas palavras não apenas incluem direitos económicos, bem como comportamentos que hoje em dia denominamos de não-violência doméstica: a punição sem motivo ao mais novo, a luta entre os pais quando a mãe defende um filho injustiçado pelo seu marido, e, especialmente, relações que tenho referido noutros textos, denominadas de abuso sexual dos mais novos pelos seus progenitores, que vou referir no Capítulo correspondente. é mais claro neste sentido, o Catecismo de 1992 de Karol Wojtila, ao falar de que honrar pai e mãe não é apenas o amor - nem sempre possível diria eu - mas uma situação de interacção social difícil por causa do crescimento e autonomia dos pequenos[55] Como acontece com os códigos denominados positivos, o catecismo fala da Sociedade Civil na sua versão geral e manda os cidadãos submeterem-se aos seus superiores como representantes de Deus: " O amor e o serviço da pátria derivam do dever de reconhecimento e da ordem da caridade. A submissão ás autoridades legítimas e ao serviço do bem comum exigem dos cidadãos que cumpram o seu papel na vida política...pagamento de impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país..."[56]. O que dizem estes catecismos, tal como os códigos é para evitar surpresas que podem danificar a população e causar um não desenvolvimento na interacção doméstica e dentro dos indivíduos. Só que, o conteúdo destes textos, diz respeito apenas aos grupos sociais que não estão dentro das hierarquias dominantes. Mais uma vez essa ilusão de sermos pais, porque devemos entender estes textos e ensiná-los aos nossos descendentes, com a denominada democracia e as formas globalizadas de partilhar uma economia altamente dividida entre países e grupos. A guerra recente do Golfo para libertar a um povo que não parecia estar oprimido, é um indicador da nossa dificuldade como adultos, de indicar aos mais novos quem tem a razão e quem está a enganar-se ao enganar-nos. O próprio Código Português, como os Códigos Latinos ou Napoleónicos do Ocidente, têm um título derivado do poder paternal. Pelo que sermos pais acaba por ser um derivado de formas patriarcais e cheias de masculinizações de comportamentos. Formas de masculinidade entendidas como poder patriarcal. Eis a divisão do trabalho entre um pai que chega a casa para ser servido por mulheres que hoje em dia trabalham, como tenho referido nos meus textos de 1998 e de 2002 a) e b)[57]. O artigo 1877 do Código Civil Português diz que, os filhos estão sujeitos ao poder paternal até a maior idade ou emancipação, enquanto o artigo seguinte, de forma lata, define a obediência que devem os filhos aos pais: "ARTIGO 1878º• (Conteúdo do poder paternal) 1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens. 2. Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida. (Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)[58]. De entre a comprida legislação sobre a filiação e o poder paternal - entenda-se dos pais em conjunto - a seguir á reforma do Código, escolhi este número apenas para salientar as formas de autoridade que, com conhecimento ou sem ele, a cidadania age como se o poder paternal fosse ainda maior e á antiga.Com efeito, nos factos observados, é possível apreciar essa forma de aceitar a condição de autoridade suprema de chefe de família, do marido. E, no entanto, a lei civil actual, tem tentado diminuir esse poder que fica muito mais lato nas formas culturais de comportamento ou, como eu defino a Etnopsicologia, os parâmetros culturais que orientam os sentimentos, como vou referir mais á frente, No Catecismo Católico, como noutros, a procura de sermos pais experimenta universalizar a ideia da autoridade sobre os mais novos, bem como a da emotividade dentro do grupo familiar, como fez o Imperador Justiniano no seu Código de 535. De facto, pode sintetizar-se a procura de harmonia e paz dentro do grupo familiar e diz assim ao longo dos 12 Livros do Código e das Sete Partidas do Digesto ou texto para entender a interacção social que define o Código: 1.2. LA FAMILIA COMO PRESUPUESTO DEL DERECHO HEREDITARIO. La família se distingue de las demás organizaciones por su sentido patriarcal, siendo el pueblo romano una comunidad de familias representadas cada una por un pater familias. La persona más importante de la familia es el pater familias, que tiene que ser un hombre y no una mujer, siendo la única persona que es sui iuris (persona independiente), mientras que los demás miembros de la familia son alieni iuris (personas sometidas al pater familias). El pater familias ejerce 3 tipos de patria potestad: - Domenica potestas: sobre los esclavos: - Manus potestas: sobre la mujer. - Patria potestas: sobre los hijos.[59] É verdade que estava a referir o Catecismo Romano, mas o catecismo Romano é a base de todos os textos que orientam a nossa interacção e, especialmente, as relações pessoais dentro do que é denominado grupo familiar. De facto, as ideias retiradas por Justiniano para a sua recompilação de Editos, decretos e leis, são já derivadas do Código Gregoriano que, por sua vez, deriva dos debates de vários Códigos que legislam sobre a família, sendo o Código Gregoriano, compilado pelo rei dos Visigóticos, Alarico II em 506[60], após o seu pai ter entrado em Roma em 410, saqueado e tentado apagar a memória já cristã, sendo-lhe, contudo, impossível retirar o denominado direito eclesiástico, cuja memória governara Roma até Tibério. As ideias estavam compiladas em textos góticos e cristãos, retirados da Bíblia e dos Evangelhos. A compilação feita por Justiniano foi capaz de juntar uma memória romana e outra cristã, as duas patrísticas, especialmente com os textos de Agostinho de Hipona e as suas homilias que levara a interacção á base da solidariedade e da caridade, da hierarquia e da obediência á Divindade, representada pelo Pater Famílias. As ideias romanas desde o Século IV até hoje e espalhadas por outros povos ao longo dos séculos da nossa era, formam a memória de sermos pais, uma resiliência de grupos sociais em luta, unidos por apenas uma ideia que Hipona sintetizou no seu livro Confissões - que inaugura uma estrutura de comportamento público de culpa e arrependimento - a capacidade de optar entre o bem e o mal para se ser bondoso e específico na interacção, ou Livre Arbítrio. O seu texto político, A Cidade de Deus, defende ideias de governo interno e externo, baseadas na caridade e o amor ao outro, especialmente á cidade que é da família[61]. Ideias derivadas do denominado Código da Bíblia, ou, por outras palavras, estrutura de relações baseada na ideia de Patriarcados ou supremacia do pai sobre os descendentes, a mulher e as pessoas da casa. Este é o facto emotivo que organiza o conceito de sermos pais, como passamos a analisar. Com esta breve nota de comentário: mais de dois mil anos de vida patriarcal, incluindo a cultura grega de 400 anos antes da nossa era, acumula na memória uma ideia difícil para a ilusão de sermos pais, com uma forte resiliência da parte do povo para entender as formas reais de uma interacção hierárquica de subordinação. O Pai de Família tem, maioritariamente, direito sobre os bens. As potestades enumeradas mais acima compiladas por Justiniano I - o segundo Justiniano I por o seu ancestral se ter aborrecido de ser Imperador passando o número a Flávio Anício Justiniano Magno seu sobrinho, o do Código. A enumeração sintética começa por falar dos que não têm direito á sua pessoa, aos seus bens, á sua liberdade e á disposição de movimentos ou de opinião. Ainda menos, a manipular recursos. Se repararmos na definição da sociedade romana, lemos já que é um conjunto de pater famílias: por outras palavras, a obrigação de se ser pai, ou o conjunto de pais, serem representantes de todos os que o não são. Ser pai poderia definir-se como o símbolo reprodutor de um grupo social, o ser humano do falo, o ser humano do esperma que transfere a outros, ou em pessoa e faz filhos, ou em gestão, e toma conta de recursos que permitam continuar dentro de História, com posses suficientes para fundar um outro grupo social de patriarcado. Da listagem, poderíamos apreciar que existe "muito colo", muito pai e falta de capacidade para ser livre e pensar por si próprio. No Livro II, Título XXIII do Corpo do Direito Civil Romano de Justiniano, podemos ler: " Si tu hermano estaba bajo la potestad de su padre cuando recibió una cantidad en mutuo, y el contrato no se hizo ni por mandato de él, ni contra el tenor del senado consulto, pudo a causa de la fragilidad de la edad pedir la restitución de la cantidad por entero....No se le prohibirá al hijo de familia, si siendo menor de veinticinco años salió fiador por un extraño, pedir la restitución por entero....Emperador Jordiano Augusto, Calendas de Julho [62].
Wagner - Die Walküre: "The Ride of the Valkyries" (Boulez)
Longe de mim imaginar que as crianças procuravam ou viviam uma intensa libido erótica entre os quatro meses de concepção e quatro anos, quatro anos e meio de idade, como define Wilfred Bion no seu texto de 1966, citado mais á frente. Ainda mais longe das minhas ideias e sentimentos, que esse ser fosse criança até essa idade, em que adquire a capacidade de desenvolver o entendimento do real: e começa a desenvolver esse entendimento. Orientado pelas ideias da cultura social, pensava que o bebé no ventre da mãe mexia por ser parte da sua fisiologia. A mãe da minha descendência costumava dizer: "anda cá, apalpa, está a mexer..." e, cheio de orgulho e felicidade, beijava a barriga e, evidentemente, com paixão e desejo e com esse profundo carinho que até ao dia de hoje sobrevive no amor e cuidado que dedicamos aos nossos netos, comia com beijos e abraços a minha mulher. Como dizem os Terapeutas não Antropólogos: o bebé nasce no olhar de dois namorados, frase citada e contextualizada no presente texto. Andava como os putos babados, a contar esta linda história aos que me suportavam quer as palavras, quer o nunca parar de dizer o mesmo. Adulto já para tanta brincadeira, a minha próxima paternidade era a minha delícia, a da minha mulher eram as caixas de rosas vermelhas e chocolates com leite. Os beijos para a minha mulher até a hostilizavam: "deixe-me em paz...." E eu, pretenso bom pai, não a queria provocar e largava-a. Escrevia extensos textos, preparava imensas aulas, tratava de todos os casos do meu Gabinete de Advogado desses tempos...com uma imensa distracção porque, a criança que estava no ventre da minha mulher, estava a invadir a minha cabeça a e preencher toda a minha aprendizagem sócio cultural de macho. Adorava quando íamos á rua passear apenas os dois, eu a abraçar, a segurar e a exibir a barriga da minha mulher, que eu tinha ajudado a encher e, tanto quanto possível acariciar em frente de todo o grupo social, o querido volume da feminilidade da minha paixão, essa mulher que me tinha cativado e levado a não parar até fazermos esse, para mim de certeza, filho. Proibido tricotar cor-de-rosa, proibido pensar em nomes de rapariga, não tolerava mencionar nomes femininos para esse nosso primeiro descendente, feito no meio de um terrível ataque de paixão. Grande déspota, este pai. Muito direito, muita culturas de outras sociedades, muito trabalho de campo..., na mais absoluta ignorância de que os saltos dentro do ventre eram a resposta zangada do meu sonhado rapaz, que defendia o que eu não sabia: a sua paz, a calma, a tranquilidade dentro da mãe, o alimento amniótico, alimento umbilical, a zangar-se com uma outra química que lhe tirava a comida quando eu entrava na mãe, a tentar por todos os meios possuir por completo a base da sua vida: o quente, flutuante, calmo e silencioso ninho no qual morava, nesse curto espaço de tempo. Grande déspota a mãe, ao defender a criança de qualquer perigo externo e, por vezes por, o marido, ainda não pai, de parte, pela dificuldade de ser grávida e conjugue.
E...no entanto, nem ela, nem eu, nem os avós pensávamos estar a travar-se uma batalha entre as ilusões do amor progenitor e a falta de afectividade do futuro adulto. Ou a afectividade dividida mais tarde entre o homem de casa se fosse rapaz, ou a mulher, se fosse rapariga: os ciúmes nasceram com o primeiro pranto de respiração no dia do parto.
Tinha que ser este médico de Viena de Áustria, a advertir-nos, em 1905, do Eros e Thanatos, a existirem na mais pequena das moléculas humanas do nosso grupo. Os calafrios que causara entre os australianos, e no resto do mundo da época, entre os entendidos e mais ainda entre os não entendidos e até aos dias de hoje. Que a criança procura satisfazer o seu erotismo ao brincar com os seus genitais ou ao procurar o dos seus adultos? Que ser amamentado é parte do comer e da libido com orgasmo? Que o pénis erecto do pai passa a ser o brinquedo a seguir ao abandono das mamas? Que, se não é evitada, a pedofilia sem ritual acontece, como a pedofilia ritual de outras etnias não europeias?
Na sequência da edição da Carta Aberta aos Líderes Parlamentares, o Professor Júlio Marques Mota partilha connosco a emoção sentida ao ler um folheto que corrobora totalmente o que dizia na referida carta (cuja leitura pode ser feita, clicando sobre a barra da direita).
Mão amiga mandou-me este email, com um documento que aqui segue em anexo . Abri o documento, olhei, li, e com ele com ele me comovi , da mesma forma que o farão todas as crianças sem recursos do nossos país, se todos nós seguirmos a sugestão no referido texto inserida. Disso, eu sou a prova declarada e provada, ontem, hoje e, bem espero, ainda por muitas outras manhãs . Prova aos nossos deputados gritada e formalizada, mas pela maioria deles ignorada, o que é bem uma outra lição a aprender e também a não esquecer.
De livros se fala no protesto enviado por mim aos deputados, de livros se fala no documento em anexo e nele se propõe: “dê um final feliz à história de muitas crianças”. Uma sugestão que outros seguiram noutros tempos e de eu sou um pouco um exemplo, uma sugestão que agora a crise leva cada vez mais a declarar como urgente. Com livros dados e não emprestados, com livros não reclamados, com livros pela leitura por cada criança conquistados, ajudemos as crianças do nosso país a aprender a pensar que um outro mundo feito por eles e talvez ainda com a nossa ajuda, se não nos deixarmos imobilizar, é pois ainda possível.
De uma história, a minha, ou de um protesto não calado, o meu, até outras histórias que por eles, crianças, hão-de ser faladas e recontadas, é de livros que aqui se fala, de livros que se deram, de livros que hão-de continuar a dar.
Hoje em dia faço o possível e o impossível para defender que o complexo de Édipo devia ser virado do avesso: são os pais que precisam dos descendentes, especialmente quando a vida começa a ficar à beira do fim, na mais espantosa das solidões. Ou estamos no cume sem borrascas, como diria Emily Brontë, ou com borrascas por ficarmos sós e pensarmos ter feito tudo correcto na vida. Mas, Margaret Mitchell afirma, desde 1936, que o que não fica por escrito o vento leva. Eu não queria que o vento da vida levasse as minhas memórias, especialmente as mais queridas para mim, as da minha descendência.
Este livro, contrariamente ao Para sempre ticinco. Allende e Eu (no prelo) tem sido pesado. Passar pelo crivo da estrutura de personalidade, submetendo lembranças e emoções a teorias e autores que eu próprio analiso, tem sido duro. Não estou arrependido. É assim.
Há, ainda, uma outra intenção no surgimento deste livro. Entregar aos docentes uma teoria: é necessário saber de história da nossa cultura, ou das nossas orientações de religiosidade que guiam a mente humana, como também é preciso entender a estrutura de personalidade que a nossa cultura, no sentido antropológico do conceito, modela na nossa psicologia. O melhor sujeito para uma pretensão como esta é o nosso ego profundamente estudado com as nossas teorias e as dos sábios que as criaram. Ensinar é saber não apenas a ciência doutoral, mas também a ciência do povo.
Por fim diria, que nunca mais aprendemos tudo o que é necessário para viver e acabar a vida em paz. Seja o que for, está mal feito. Eis porque pus o meu ego sob o prisma da psicanálise, ao estudar a hipótese mais importante do fundador: a libido infantil. Que foi preciso ler o Talmude? Pois foi. Rever o Alcorão, o Mishnã, o Torah? Devia haver uma divindade para me compensar estes anos de aprendizagem, no mais absoluto silêncio, quebrado, por vezes, pela simpática companhia de Maria da Graça Pimentel Lemos, que não apenas fixou o meu português, bem como trabalhou à noite, em sua casa, para corrigir os meus erros, o que agradeço profunda e profusamente.
Anexo 1
Texto de Klein Le psychanalyse des enfants 1933.
Em Londres, Melanie Klein (Viena, 30 de março de 1882 - Londres, 22 de setembro de 1960) psicoterapeuta austríaca, geralmente tida como psicoterapeuta pós-freudiana, encontrou o seu lar intelectual. Dividia o seu tempo entre os psicanalistas britânicos que acolheram as suas (novas) ideias e que aderiram entusiasticamente à aprendizagem das suas técnicas, e o desenvolvimento, na Grã-bretanha, de uma escola ligada às novas correntes da psicanálise. Parte do seu tempo dedicou-o ao treino de futuros analistas do seu pensamento, teorias e técnicas psicanalíticas. A primeira inovação teórica de Klein foi a de incorporar a ideia do instinto de morte ao afirmar que o super ego se desenvolvia em tenra idade, ainda antes da formulação no inconsciente do complexo de Édipo. Esta ideia apresentava-se como um verdadeiro desafio à teoria de Freud do desenvolvimento do inconsciente, conjuntamente com a teoria dos jogos necessários à análise. Estava lançada a controvérsia entre os analistas britânicos e a Sociedade de Viena de Psicanálise, à qual Anna Freud pertencia, encontrando-se, ela própria, à época, a desenvolver a sua própria teoria sobre a psicanálise das crianças.
O simpósio de 1927 dedicado à Análise da Criança, publicado no International Journal of Psychoanalysis, foi o resultado do debate referido antes. Por outras palavras, o dos britânicos/austríacos, acima mencionado.
Klein, durante a década seguinte, contribui para o avanço/novas abordagens da psicanálise, através dos seus estudos continuou os seus estudos sobre crianças, como o seu mais importante debate durante a década seguinte.
No livro datado de 1932, A psicanálise das crianças, traduzido para a língua lusa, só em 1975, pela Editora Imago do Brasil, Volume II: A psicanálise das crianças, em inglês The Psychoanalysis of Children, Klein propõe que a criança tem, na mãe, a sua primeira relação objectiva, sentimento que, por pulsões agressivas, a orienta a desenvolver uma vida psicológica com imagens e fantasias sádicas. Como resultado destas descobertas escreveu um texto pioneiro, em 1935, reeditado em 1984, intitulado: “A contribution to the psychogenesis of manic depressive states”, em língua lusa, publicado pela mesma editora (acima referida), volume I: Amor, Culpa e Reparação ensaio publicado em língia lusa como:“Uma contribuição à psicogênese dos estados maníacos-depressivo, escrito num curto espaço de tempo - entre a morte do seu filho, em Setembro de 1934, com 27 anos de idade, num acidente de alpinismo - e a redacção do texto, inquire a relação entre o luto e os mecanismos de defesa primitivos. Neste texto, introduz a ideia da existência de duas fases fundamentais no desenvolvimento de doenças mentais: o posicionamento paranóide - esquizofrénico e a posição depressiva. As ideias de Klein acerca dos mecanismos de defesa esquizofrénica, produziram um imenso clamor e um duro debate entre os membros da Sociedade Britânica de psicanálise.
No período da 2ª Guerra Mundial, as discussões processavam-se em torno das ideias de Klein, identificadas por kleinianismo, consideradas por alguns tão divergentes das teorias de Freud, que seriam uma outra teoria, mas nunca psicanálise. Do debate resultou a criação/fundação de duas escolas/correntes diferentes: o Kleinianismo e o Froidismo. Klein, surge assim, como a primeira analista a desafiar a teoria de Freud sobre o desenvolvimento da psique.
Gostaria de salientar que já antes, na década de 20, Jung tinha feito um desafio semelhante, que lhe valeu a expulsão da Sociedade Vienense Analítica.
Alice Miller, lança novo desafio, nos anos 70, ao propor novas abordagens para a análise das crianças. O resultado foi idêntico, expulsão do, já organizado, Colégio de Psicanalistas. Desde então, vive na Suiça, de onde produz e envia os mais maravilhosos livros sobre crianças para o programa The Natural Child, ao qual tenho a honra de pertencer. Programa organizada por Alice Miller e assitentes.
Há coisas que, mau grado as boas intenções que pressupõem, me arrepiam.
Estava a assistir ao programa “Plano Inclinado” da SIC Notícias sem dar grande atenção ao discurso, praticamente só com um ouvido, quando, de súbito, o que se dizia me feriu o tímpano que estava virado para aquele lado.
O Provedor da Santa Casa da Misericórdia dizia que, às sextas e às segundas feiras, as crianças abrangidas pelos serviços desta instituição tinham uma alimentação reforçada devido ao intervalo de tempo que medeia a sua permanência ali. Percebe-se o que isto quer dizer: mais e mais famílias estão a cair na pobreza e, consequentemente, as deficiências alimentares aumentam gravemente e atingem o desenvolvimento físico e intelectual das crianças.
Mas, perdoem-me a crueza da imagem, esta coisa de encher a barriga dos meninos à segunda e à sexta feiras, de modo a suprir as faltas dos outros dias da semana, só me lembrou perus a serem engordados à força para a o jantar da consoada.
As boas intenções não me conseguiram libertar duma sensação de violência extrema. Então, alimentar uma criança de forma adequada, fornecendo-lhe os nutrientes de que necessita diariamente, passa por lhe encher a barriga o mais possível para ir digerindo aos poucos o que comeu, durante o fim-de-semana inteiro? Se é assim à sexta-feira, o que será à segunda, cuja ração se destina a durar setenta e duas horas?
É que o tal senhor provedor, quando interrogado sobre o processo utilizado, sorriu e afirmou que não sabia bem, mas calculava que lhes enchessem mais o prato.
Será possível que as pessoas não pensem no que estão a dizer? Eu ouvi bem: não se tratava de fornecer alimentos à família para as refeições do fim-de-semana, tratava-se de encher mais o prato num dia só.
Ia caindo das nuvens. Irá a crise não só aumentar o número de pessoas a passar fome como transformar as crianças portuguesas em ruminantes?
You are so many, and every year another one turns up. Your parents are like rabbits! I don’t know if you understand what I mean by rabbits. Your parents will tell you more. But, this I can say: when I was a boy like Tomas, our parents bought a male and females rabbit, for us. We were so happy! We even baptized them naming the female rabbit Panchita and the male, Lautaro. The ceremony was performed in a family reunion. Ours parents wanted to laugh; however, when they realized that it was a very formal ritual, they respected us and behaved properly, being serious and proper. As I was the eldest son, I performed the role of being a priest, with a disguise made with carpets and veils taken away from my sisters. Two months later, they disappeared and, as we were very little children, looked around in all the yards that we had in our house of Santiago and even in the kitchen-garden that our Nanny used to cultivate for us to eat and, as she used to say: we have to save cash for Don Raúl, -our Father´s name an engineer- does not have to work that much. In fact, our father was always away, we were so many people in the house; our Mother did not work, despite having a degree in Mathematics and another one in Literature, that she had acquired at the Vatican Catholic University of Valparaíso, where she met our father, they fell for each other and, after graduation, they married, and had children: all of us…At the time, Ladies did not work; despite your great grandmother wanted to work to contribute with the expenses of our household. Our Father used to say: I am the master of the house; I do not want people to believe that we are poor, as we are not, because you work. Sometimes the money was scarce, but your great grandfather knew very well what to do. We used to have a farm of 80 acres in the South of the Country, which was run by her mother, the source of all problems that have to be committed. Back to Panchita and Lautaro: they had disappeared because they were making babies. In half a year, we had more than 30 new rabbits, which used to eat the kitchen garden of Griselda, our Nanny – there were others, but they do not make part of this story. Griselda was furious and soon enough begun to kill rabbits and we, to eat them up.
The first time, was a tragedy: we, children, did not eat with our parents, we had as special place with a lower table for us to have ours meals. One day, our lunch was a stew made with rabbit. As soon as we saw the shape of the meat, that another Nanny had tried to disguise, we soon reappeared what it was: Panchita! We made a big drama; we cried, left the table and went to the back yard to cry, all of us in mourning, with a solidarity which we had never had before. Father arrived, tells us off and said: they are animals to be eaten, till realizing that our sadness was a real one, seat up on his knees and tried as much as possible to deviate our feelings into another ideas. Your great grandfather was a good Father and knew very well how to calm us down. And she won, with stories of the horses that we had in our farm, El Pino, and how we would be able to ride the coming summer, as well as how we would build our little house in a bend of the road. And so we did.
As for the rabbit, they were all sold to a neighbor whom improved his life by selling rabbits...
Some of you are very little, my Tomas will understand and, I’m more than sure shall explain this long story to his sister, Maira Rose. May Malen, we will have to wait, she is so little, but her parents will explain the story when the time comes. As for Ben, he has gone into eternity, hence, he knows of all these facts.
Tomas, Maira Rose your team of football Ajax and the special one of Maira Rose, Club Sport of Utrecht, knows how to match a good number of goals. Mine, Sporting Club Benfica, is behaving on the field much better than before: we are about to win an International Cup…
I wait for either a letter from you, or a long conversation via Skype on Sunday Morning. Same as I wait for Mays parents, Camila and Felix to buy earphones and talk with May Malen, your little cousin.
Say hi to Mama Paula and Father Cristan. Looking forward to Sunday, embraces you