Quinta-feira, 4 de Novembro de 2010

Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio - A lucidez na incerteza

;

Não vivemos tempos normais. Como a normalidade é o pressuposto das sondagens suspeito que os resultados eleitorais nos trarão surpresas. Em que consiste a anormalidade? O clima de insegurança generalizada sobre a sustentabilidade do nível de vida que se vem deteriorando desde o início da década e que sofreu abalos acrescidos nos últimos tempos, primeiro, com os ataques ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte do Governo de Durão Barroso e do actual Governo durante o período Correia de Campos e, segundo, com a precarização dos direitos dos trabalhadores (código do trabalho) e a eclosão da crise económica com o consequente aumento do desemprego.

A insegurança gera uma atitude de espera sem grande esperança que perscruta, entre as propostas de governo, a que cause menos dano, não a que traga mais benefícios. Esta atitude é feita de uma mistura de incerteza e de lucidez donde emerge uma insondável ambiguidade. A incerteza decorre de os cidadãos não saberem se o que perderam com o governo PS é superior ou inferior ao que deixaram de perder por ser um governo PS e não um governo PSD. A lucidez reside em saber que, dos dois abalos recentes — a erosão do SNS e a crise económica — só o primeiro pode depender do governo. A superação da crise económica não depende do governo de um país pequeno, de desenvolvimento intermédio, integrado na economia europeia mais desenvolvida. Ao governo caberá gerir a crise e esperar por melhores ventos que certamente soprarão de fora. Naturalmente essa gestão terá nuances diferentes com impactos nas políticas sociais e sobretudo nas políticas de saúde. Mas para que tais nuances sejam significativas é necessário que ocorra uma maior polarização política, o que para uns passa pelo fortalecimento do CDS e, para outros, pelo fortalecimento do BE e do PCP. Neste domínio, a direita tem uma desvantagem importante. Manuela Ferreira Leite carrega consigo, sem querer, o espectro do salazarismo. Para os portugueses, o discurso da austeridade, do equilíbrio financeiro, e do sacrifício significa, nos subterrâneos da memória, estagnação, atraso, mediocridade histórica. Este é o fardo que MFL, de facto, já descarregou sobre os portugueses quando governou. Acontece que, estando nós em democracia — a asfixia não está na TV; está na exclusão social e na desolação silenciada que produz — MFL não será eleita se disser o que vai fazer. Os silêncios do programa são, assim, um misto de honestidade e de autoritarismo. Mas o PS também tem um fardo pesado: a promiscuidade entre o sector público e o sector privado de que são um exemplo chocante os negócios de Jorge Coelho, o caso extraordinário de alguém que, não tendo podido governar o país a partir do Estado, parece pretender fazê-lo a partir de uma empresa.

É nas políticas sociais e sobretudo de saúde que o próximo governo pode fazer a diferença. A grande maioria dos portugueses precisa e vai precisar cada vez mais do SNS. Da direita sabe que não pode esperar o seu fortalecimento. E do PS? Depende do partido com quem fizer acordo de governo, pois o PS, por si, está afundado na promiscuidade acima referida. Pouco tempo depois de entrar em funções a actual Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças fez um contrato escandaloso entre a ADSE e o Hospital da Luz, criando assim um mercado de saúde à custa do Estado e em detrimento da melhoria dos hospitais públicos. Entretanto, o sector privado responde segundo a sua lógica, a do lucro, e comete duas ilegalidades perante as quais a Entidade Reguladora da Saúde nada faz. Apesar de beneficiados com a ADSE, os hospitais privados discriminam os beneficiários do sistema: dão prioridade às marcações de consultas vindas dos seguros privados. Segunda ilegalidade: quando as doenças se agravam as seguradoras cancelam as apólices e “mandam” os doentes para os hospitais públicos de quem, entretanto, se pede uma gestão empresarial. Perante a incerteza que tudo isto cria a lucidez do voto é mais do que nunca necessária. E mais do que nunca difícil.

(Publicado na revista "Visão" em 24 de Setembro de 2009)
publicado por Carlos Loures às 21:00
link | favorito
Sábado, 25 de Setembro de 2010

Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio -A Lucidez na Incerteza


Não vivemos tempos normais. Como a normalidade é o pressuposto das sondagens suspeito que os resultados eleitorais nos trarão surpresas. Em que consiste a anormalidade? O clima de insegurança generalizada sobre a sustentabilidade do nível de vida que se vem deteriorando desde o início da década e que sofreu abalos acrescidos nos últimos tempos, primeiro, com os ataques ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte do Governo de Durão Barroso e do actual Governo durante o período Correia de Campos e, segundo, com a precarização dos direitos dos trabalhadores (código do trabalho) e a eclosão da crise económica com o consequente aumento do desemprego.



A insegurança gera uma atitude de espera sem grande esperança que perscruta, entre as propostas de governo, a que cause menos dano, não a que traga mais benefícios. Esta atitude é feita de uma mistura de incerteza e de lucidez donde emerge uma insondável ambiguidade. A incerteza decorre de os cidadãos não saberem se o que perderam com o governo PS é superior ou inferior ao que deixaram de perder por ser um governo PS e não um governo PSD. A lucidez reside em saber que, dos dois abalos recentes — a erosão do SNS e a crise económica — só o primeiro pode depender do governo. A superação da crise económica não depende do governo de um país pequeno, de desenvolvimento intermédio, integrado na economia europeia mais desenvolvida. Ao governo caberá gerir a crise e esperar por melhores ventos que certamente soprarão de fora. Naturalmente essa gestão terá nuances diferentes com impactos nas políticas sociais e sobretudo nas políticas de saúde. Mas para que tais nuances sejam significativas é necessário que ocorra uma maior polarização política, o que para uns passa pelo fortalecimento do CDS e, para outros, pelo fortalecimento do BE e do PCP. Neste domínio, a direita tem uma desvantagem importante. Manuela Ferreira Leite carrega consigo, sem querer, o espectro do salazarismo. Para os portugueses, o discurso da austeridade, do equilíbrio financeiro, e do sacrifício significa, nos subterrâneos da memória, estagnação, atraso, mediocridade histórica. Este é o fardo que MFL, de facto, já descarregou sobre os portugueses quando governou. Acontece que, estando nós em democracia — a asfixia não está na TV; está na exclusão social e na desolação silenciada que produz — MFL não será eleita se disser o que vai fazer. Os silêncios do programa são, assim, um misto de honestidade e de autoritarismo. Mas o PS também tem um fardo pesado: a promiscuidade entre o sector público e o sector privado de que são um exemplo chocante os negócios de Jorge Coelho, o caso extraordinário de alguém que, não tendo podido governar o país a partir do Estado, parece pretender fazê-lo a partir de uma empresa.



É nas políticas sociais e sobretudo de saúde que o próximo governo pode fazer a diferença. A grande maioria dos portugueses precisa e vai precisar cada vez mais do SNS. Da direita sabe que não pode esperar o seu fortalecimento. E do PS? Depende do partido com quem fizer acordo de governo, pois o PS, por si, está afundado na promiscuidade acima referida. Pouco tempo depois de entrar em funções a actual Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças fez um contrato escandaloso entre a ADSE e o Hospital da Luz, criando assim um mercado de saúde à custa do Estado e em detrimento da melhoria dos hospitais públicos. Entretanto, o sector privado responde segundo a sua lógica, a do lucro, e comete duas ilegalidades perante as quais a Entidade Reguladora da Saúde nada faz. Apesar de beneficiados com a ADSE, os hospitais privados discriminam os beneficiários do sistema: dão prioridade às marcações de consultas vindas dos seguros privados. Segunda ilegalidade: quando as doenças se agravam as seguradoras cancelam as apólices e “mandam” os doentes para os hospitais públicos de quem, entretanto, se pede uma gestão empresarial. Perante a incerteza que tudo isto cria a lucidez do voto é mais do que nunca necessária. E mais do que nunca difícil.




 24-09-2009 Visão voltar
publicado por Carlos Loures às 21:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links